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> artigos
Mariana Le Brun e Silvia Zornig
Grupo Criar-te: oficina de criatividade no cuidado
de mães e bebês prematuros em UTI neonatal*
The present report intends to analyze the Criar-te Group. A therapeutic workshop of
creativity, destined to welcome mothers of premature babies interned in the Newborn
ICU (Intensive Care Unit). Facing their premature newborn babies, the mothers may
experience regret, failure and feelings of incompetence, making the attachment
process more difficult. Parents’ expectations and plans regarding the newborn can
suffer an abrupt interruption due to the baby’s organic condition.
In the Criar-te mother’s group, the members of the group make gifts for their newborn
babies with the objective to retake their capacity to imagine and fantasize about them.
The group’s aim is to rescue the maternal competence, offering the participants the
possibility to form an attachment to their babies, based on love and attention far
beyond the baby’s medical needs.
> Key words: Prematurity, therapeutic workshop, creativity
*> Equipe participante do projeto de pesquisa: Gabriela Altaf, Nina Almeida Braga, Denise Morsch, Otavio
Souza, Silvia Zornig, Mariana Le Brun
pulsional > revista de psicanálise > artigos > p. 5-12
ano XVII, n. 181, março/2005
O presente trabalho tem por objetivo analisar o Grupo Criar-te, uma oficina
terapêutica de criatividade destinada a acolher mães de bebês prematuros
internados em UTI Neonatal. Diante de seus bebês prematuramente nascidos, as
mães podem experimentar sensações de culpa, fracasso e incompetência que
dificultam o processo de vinculação. Planos e sonhos podem ser interrompidos
quando o real orgânico do bebê vem para primeiro plano.
No Grupo Criar-te as mães confeccionam presentes para os seus bebês com o
objetivo de que nelas seja retomada a capacidade de imaginar. Concomitantemente,
pretende-se resgatar a competência materna, oferecendo-se às participantes a
possibilidade de dedicarem a seus bebês um cuidado que está para além de suas
necessidades médicas.
> Palavras-chave: Prematuridade, oficina terapêutica, criatividade
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Introdução
Os bebês e suas primeiras histórias têm
preenchido diversos estudos de teóricos e
pesquisadores da contemporaneidade que
localizam nas primeiras relações estabelecidas entre a mãe e seu bebê o momento
inaugural de instauração da subjetividade.
Assim sendo, o período anterior ao nascimento, visto como uma etapa preparatória
e fundamental para a vinculação mãe-bebê,
tem constituído também um tema recorrente e merecerá aqui uma breve análise, no
intuito de que se possa esclarecer o que o
parto prematuro vem a interromper.
Por nove meses um bebê permanece circunscrito no ventre, protegido e embalado
neste espaço fértil no qual germina não
apenas o feto, mas também a fantasia materna. Durante a gestação, a imaginação da
mãe se concentra em seu bebê lhe garantindo contornos para além de seu corpo físico, que gradualmente toma forma. Ao
embrião são paulatinamente atribuídos traços, características de personalidade, temperamento, predileções e tanto mais quanto
permitirem os devaneios maternos. (Stern,
1997).
Este movimento geralmente ganha força a
partir dos quatro meses, quando o feto começa a ser mais bem sentido e suas manifestações de vida tornam sua existência
mais palpável. Nesta época, existe um acréscimo na riqueza e na especificidade das representações maternas acerca de seu bebê.
Após os sete meses, entretanto, quando
atingem seu ápice, as representações acerca do bebê imaginadas pela gestante geralmente se dissolvem e anuviam. Daniel
Stern entende que, desta forma, “as mães
intuitivamente protegem seu bebê-que-
está-por-chegar e a si mesmas de uma potencial discordância entre o bebê real e um
bebê representado de forma excessivamente específica” (1997, p. 28). Mais precisamente, para evitar desapontamentos, as
representações positivas são esquecidas e
desfeitas, ao passo que as representações
negativas seguem sendo tecidas subterraneamente.
Com a proximidade do parto, é real e iminente o nascimento dentro da família de
um novo e pequeno membro, que irá reorganizar todo o funcionamento precedente
de seus genitores e parentes. Todas estas
mudanças podem ser mais bem suportadas
quando as expectativas para esta chegada
não estão muito fechadas, podendo ser reformuladas após o nascimento do bebê.
Este período de preparação é de fundamental importância para que a mãe entre num
estado num estado de imensa sensibilidade,
denominado de “preocupação materna primária” (Winnicott, 2000), o qual as habilita a se colocarem no lugar de seus bebês e
oferecer-lhes cuidados adequados. Como indica Winnicott, este estado de loucura
“temporária” é necessária para o estabelecimento do vínculo, não estando aí implicada
a exigência de uma aptidão superior, quase
mágica, mas sim, tão somente, de uma devoção comum.
Todo este período de preparação, no entanto, não garante necessariamente que uma
mãe, ao ver-se diante do filho tão esperado, o ame de imediato. A afeição pode desenvolver-se gradualmente, em geral
dentro da primeira semana de vida do bebê
(Klauss & Kennel, 1992). Durante este tempo, variável de acordo com cada caso, a mãe
possivelmente trata de realizar ainda alguns
O encontro antecipado:
vicissitudes da prematuridade
O parto prematuro, geralmente de forma
abrupta, interrompe o tempo da gestação e
instaura um tempo suspenso. Não existe
nenhum registro no passado que possa ofe-
recer aos pais qualquer diretriz a respeito
do que sentir e de como agir frente a um
bebê nascido no pânico e no imprevisto e
que lhes é bruscamente arrancado dos braços para receber cuidados intensivos. E o
que pensar sobre o futuro deste filho, cuja
sobrevivência e cuja normalidade estão postas em xeque? As mães vêem-se mergulhadas num presente descolado do futuro e do
passado, diante de um bebê que é, na maioria das vezes, tão diferente do esperado, de
aparência pequena e doente, e que tem de
ficar por um período afastado do convívio
familiar que lhe garantiria inserção e filiação. O nascimento, então, ao não ser incluído em uma narrativa coerente, torna-se
uma ruptura sem precedentes e não uma
continuidade que garantiria a amarração
entre o bebê idealizado e o bebê real.
Ao incidir justamente no final do período
gestacional, durante o qual a mãe estaria se
desfazendo de representações por demais
específicas para poder se vincular ao recémnascido, o parto prematuro interrompe a
preparação para a chegada do bebê real,
trazendo ao mundo, antes do tempo, um
bebê que não se assemelha ao que foi até
então imaginado. Ou seja, os bebês nascidos
prematuramente correm o risco de não serem antecipados como sujeitos justamente
pela vertente traumática do parto prematuro que coloca o real orgânico em evidência
radical (Zornig, 2001). Neste sentido, a possibilidade materna de antecipar um sujeito
além do organismo biológico, fica prejudicada justamente pela descontinuidade temporal instaurada pela situação de
prematuridade.
Como aponta Winnicott ao retomar o texto
de Lacan sobre o estádio do espelho, o bebê
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ajustes necessários para fazer daquele pequeno corpo que se move e chora o filho
digno de suas apostas. Ao ver-se diante deste bebê que lhe saiu do ventre e que é, impreterivelmente, de algum modo diferente
do filho imaginado, a mãe tem de realizar
“uma operação de reconhecimento que permite a inscrição que situa o bebê na filiação,
na história parental, numa série desde a
qual passa a ser contado” (Jerusalisky, 2002,
p. 117, grifo das autoras).
As representações acerca do bebê têm de
ser reconstruídas, agora a partir das linhas
gerais oferecidas pelo bebê real (Stern,
1997). Os esquemas maternos sobre si mesma também têm de sofrer alterações, na
medida em que o nascimento do filho se dá
concomitantemente ao tornar-se uma mãe
real. Toda a sua esfera de interesses tem de
ser redirecionada, cumprindo o objetivo primeiro de oferecer ao filho bem-estar. Este
bebê que recém chega ao mundo lhe exigirá uma soma incomensurável de esforços.
Entretanto, desde o princípio, o bebê oferece sinais a suas mães, como movimentos
oculares e corporais, que lhes permitem formar com o filho um forte vínculo afetivo
(Klauss & Kennel, 1992). Estas respostas,
assim como a saúde do recém-nascido, facilitam a permanência do bebê real como
mantenedor das expectativas parentais, na
medida em que oferecem subsídios para que
seja antecipado em suas conquistas.
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ao olhar para o rosto da mãe, vê sua própria imagem, imagem que lhe propicia a vivência de uma unidade, de uma totalidade.
A instauração desta relação especular, desta antecipação subjetiva do bebê é extremamente dificultada no caso de bebês nascidos
prematuramente e internados nas Unidades de Tratamento Intensivo.
Cabe aos médicos, e não aos pais, como seria no caso de bebês nascidos a termo e
sem complicações, tomar as providências e
as decisões quanto ao bem-estar e à sobrevivência do recém-nascido. No espaço artificial e imediatista de uma UTI Neonatal,
onde o saber médico é privilegiado, as mães
podem se sentir alijadas do cuidado de seus
bebês, impossibilitadas de fazer uso de seu
saber inconsciente no tocante à maternidade. O espaço para as histórias individuais
e familiares, saberes construídos ao longo
do tempo, amarrando futuro, passado e presente, podem ocupar lugar de menor importância diante da exigência de
procedimentos médicos em horários regulares, substituindo-se o tempo da narrativa
pelo tempo descontínuo da urgência.
Dentro do ambiente intensivista, a mãe
pode não encontrar o reasseguramento social de importância fundamental, quanto à
sua capacidade para exercer a maternagem. Nos últimos meses de gravidez, quando a barriga já está bastante pronunciada,
toda a sociedade passa a reconhecer a gestante como mãe, outorgando-lhe um estatuto particular que a faz sentir-se forte e
importante (Mathelin, 1999). O parto prematuro ocorre num momento em que ainda
não se constituiu de maneira firme a imagem daquela mulher como mãe. Ao contrário, no período em que tal reconhecimento
deveria ser solidificado, a mãe se vê às voltas com a sensação de incompetência, podendo pensar que não foi capaz de
sustentar seu filho protegido em seu ventre
até os nove meses (Mathelin, 1999; Klauss &
Kennel, 1992). Desconfiada em relação a si
mesma, a mãe pode afastar-se de seu filho
no intuito de protegê-lo. Como aponta
Catherine Mathelin, “se a ambivalência está
presente em cada nascimento, o parto prematuro coloca em primeiro plano a sensação de ser perigosa para seu bebê” (1999,
p. 67). As fantasias de destrutividade maternas não podem ser dissipadas diante de um
bebê que, saudável, demonstraria não ser
atingido por elas.
Um bebê prematuro é sonolento, menos
responsivo e ensaia poucos movimentos de
corpo, o que nos conduz ao questionamento de Mathelin: “Como sentir-se mãe de um
bebê que não dá sinal, que não mama no
seio, que não olha (...), que não fabrica
mãe?” (1999, p. 67). Sabemos que o recémnascido exerce um papel fundamental na
modulação da maternagem que lhe é oferecida, legitimando a competência de sua cuidadora com sua saúde, com olhares e gestos
que a procuram. Em contrapartida, o bebê
prematuro precisa investir suas energias
para o processo de auto-regulação, não podendo reassegurar sua mãe de estar exercendo bem esta função.
Como nos ressalta Druon (1997), estes pequenos bebês que permanecem por um período internados em UTI Neonatal não
estão nem no útero materno e nem tampouco no exterior. Circunscritos no espaço
das incubadoras, estão num lugar intermediário. Estão ali de passagem, em direção ao
lugar definitivo que irão ocupar, em casa,
O Grupo Criar-te
O Grupo Criar-te é uma oficina terapêutica
de criatividade voltada às mães de recémnascidos prematuros em UTI Neonatal, realizada semanalmente no Instituto
Fernandes Figueira desde fevereiro de
2001. Durante as reuniões são confeccionados pelas participantes objetos para os bebês internados, como álbuns de bebê,
cestas, caixas, porta-retratos, quadrinhos
com mensagens e móbiles. Às mães é oferecida apenas a matéria-prima para as possíveis criações, acompanhada de algumas
sugestões a respeito do que pode ser ali
produzido. Cabe às monitoras garantir ape-
nas um contorno àquela multiplicidade de
cores, recortes, formatos e falas que vão
surgindo através das mãos que criam, se
movimentam e procuram em meio a desejos
e fantasias. O mínimo de interferência é
esperado, ocorrendo somente quando solicitada pelas participantes.
As discussões que porventura se estabelecem durante as atividades do grupo são
também inteiramente livres. As palavras
que entre as mães circulam são como reflexos de espelhos e constroem uma rede com
seus feixes. Os laços entre as mães são reforçados pela troca de histórias semelhantes e pela liberdade que lhes é concedida
pelas coordenadoras para construir o espaço do Criar-te.
Winnicott equiparou o brincar à saúde ao
correlacionar o brincar à possibilidade de
exercício da criatividade. A experiência do
brincar traz em si a instauração de um espaço potencial onde existe um interjogo entre a fantasia e a realidade, entre o mundo
interno e a realidade compartilhada. Brincar significa vivenciar a transicionalidade,
o ir e vir, a criação de um objeto e a destruição do mesmo. Brincar, numa ótica winnicottiana, significa relativizar a dor de nossa
existência. Neste sentido, não é o objeto que
é transicional, mas sua representação. Ou
seja, o brincar enquanto espaço transicional permite a transição de um estado em
que a criança está fundida com a mãe para
“um estado em que está em relação com ela
como algo externo e separado” (Winnicott,
1975, p. 30). Para o autor, a clínica deve
operar de modo análogo, constituindo um
espaço no qual duas pessoas brincam juntas. O Grupo Criar-te, em concordância com
as proposições de Winnicott, oferece às
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junto a seus pais e familiares. De modo análogo, suas mães não são mais gestantes,
mas geralmente não conseguem se sentir
plenamente mães no exercício de suas funções, visto que não podem prescindir dos
cuidados dos profissionais especializados
para garantir a sobrevivência dos filhos.
Assim sendo, a UTI Neonatal abriga tanto
para o recém-nato como para sua mãe, um
período de transição. O tempo de internação dos bebês, além de garantir-lhes o funcionamento autônomo do corpo, pode então
atuar a favor da vinculação mãe-bebê se o
ambiente do hospital funcionar como espaço para elaboração das vivências traumáticas da prematuridade. Neste sentido, a
assistência psicológica à díade, integrada a
um trabalho interdisciplinar congregando
profissionais de diversas áreas que atuam
na UTI, faz-se fundamental. O presente artigo destaca e apresenta o Grupo Criar-te
como uma modalidade de intervenção psicológica possível no cuidado da mãe e do bebê
prematuro em UTI Neonatal.
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mães de um espaço de lazer e relaxamento
no qual a criatividade lúdica se manifesta
livremente a serviço da confecção de presentes para os bebês internados.
O espaço do Criar-te contrasta em relação
ao ambiente intensivista, cujas regras não
podem ser estabelecidas pelas mães, mas
sim pela instituição e pelos médicos que
momentaneamente acolhem os seus bebês.
Por este motivo, é tão fundamental que as
mães possam exercer sua escolha em não
participar do grupo, não estando aí implicada qualquer conotação de resistência. Entende-se que a própria negativa é
terapêutica na medida em que as mães podem fazer valer sua vontade sem terem
medo de sua destrutividade. As atividades do
grupo se realizam semanalmente e esta “sobrevivência” possibilita às mães depositar
confiança na assistência psicológica que
lhes é dedicada.
Algo análogo ao espaço transicional que se
interpõe entre a mãe e seu bebê toma parte durante o Grupo Criar-te. Winnicott pressupõe um estado de fusão mãe-bebê inicial
durante o qual o bebê vivencia uma experiência de onipotência viabilizada pela adaptação materna às suas necessidades. Ao
oferecer ao bebê aquilo que ele pode conceber, a mãe garante ao filho a ilusão de
haver criado tudo aquilo que recebe. De
maneira gradual, a mãe pode despreocuparse de oferecer a seu filho uma adaptação
(quase) completa às suas necessidades, reconhecendo no mesmo a capacidade para
suportar graus cada vez maiores de frustração. O uso dos objetos transicionais ocorre
justamente neste momento em que a diferenciação eu/não eu produz no bebê uma
angústia de separação enorme pelo reco-
nhecimento da existência da mãe como
diferenciada e fora de seu controle, ao
mesmo tempo em que evidencia sua dependência a seus cuidados. Assim, os objetos e
fenômenos transicionais ao mesmo tempo
apontam para a experiência de separação,
produzindo um efeito de união enquanto
substitutos da figura materna.
No caso da mãe, quando encontra o filho,
recém-saído do ventre que o recobria, não
apenas fisicamente, mas também imaginariamente, existe a expectativa de que haja
uma sobreposição entre a realidade objetiva e aquilo que foi subjetivamente idealizado. Entretanto, um espelhamento perfeito
entre o bebê imaginado e o bebê real é impossível, do mesmo modo que uma adaptação irrestrita por parte da mãe às
necessidades do bebê, o que garantiria uma
sobreposição exata entre o que o mesmo é
capaz de conceber e o que de fato recebe.
É neste contexto que Winnicott recorre ao
termo “mãe suficientemente boa”, ressaltando sua possibilidade de identificação e
não sua onipotência. Um bebê nascido prematuramente, contudo, defronta sua mãe
com um real demasiadamente distinto do
esperado e sem qualquer anunciação, fazendo com que sua capacidade de se colocar
no lugar de seu filho, de investi-lo narcisicamente fique prejudicada..
Através dos objetos produzidos no Criar-te
as mães são estimuladas a pensar a respeito de seus bebês, ofertando-lhes presentes
que não condizem com sua condição atual
de bebês internados. São confecções que se
assemelham a um enxoval, cuja preparação
é hábito rotineiro entre grande parte das
mães, favorecendo a imaginação materna acerca de seu bebê. De acordo com
pode aquele bebê realizar e o que desejam
que realize (Jerusalinsky, 2002) e, para que
isto seja possível, é necessário que entre os
dois pólos não se institua uma distância
muito grande, mas sim uma proximidade suficiente a que se dê a alternância entre o que
é imaginado e o que se concretiza em ato.
Tal qual o uso de objetos e fenômenos transicionais, as atividades realizadas durante o
grupo promovem uma separação correlata a
uma reunião entre a mãe e seu bebê. A participação no Criar-te tem como exigência um
afastamento físico dos recém-nascidos, distância esta preenchida pela confecção de
presentes que oferecem uma via alternativa de interação com os recém-nascidos,
mediada pelo lúdico. Na colocação de
Winnicott:
O objeto constitui um símbolo da união da mãe
e do bebê (...). O uso de um objeto simboliza a
união de duas coisas agora separadas, bebê e
mãe, no ponto, no tempo e no espaço, do início de seu estado de separação. (1975, p. 135)
O Grupo Criar-te possibilita a saída da unidade, mas de um modo que as mães podem continuar a se dedicar a seus filhos,
através dos objetos que são para eles criados e que os fazem simbolicamente presentes e cuidados. Mais do que isso, podem as
participantes oferecer a seus filhos um
cuidado que está para além de suas necessidades médicas. Neste sentido, o Criar-te
favorece um resgate da competência materna, posto que as mães verificam em suas
criações um tipo bem-sucedido de cuidado.
Por este motivo, é tão importante que os
objetos feitos durante o grupo sejam sentidos pelas mães como produções próprias
e autênticas, reflexo de suas capacidades,
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Mathelin, “preparar o enxoval fabrica, para
além da roupa, os braços, as pernas, a imagem do corpo do bebê na cabeça da mãe”
(1999, p. 66). Durante as reuniões, referências à internação e à prematuridade dos recém-nascidos são trazidas nas trocas das
participantes entre si e com as coordenadoras do grupo, sendo fundamental que o estado de saúde dos bebês seja contemplado.
Neste sentido, o Grupo Criar-te comporta
uma área intermediária entre o bebê real,
diferenciado da mãe, e o bebê imaginado,
sob seu controle mágico, e tudo aquilo que
é neste espaço confeccionado serve a
aproximá-los, podendo exercer uma função
análoga à dos fenômenos e objetos transicionais.
O Grupo Criar-te procura favorecer a vinculação da mãe com seu filho real, através
do filho idealizado, promovendo o resgate
da capacidade materna de imaginar a respeito de seu bebê, já nascido e temporariamente sob cuidados intensivos. É neste
sentido que dizemos que tal modalidade de
intervenção visa a aproximar o bebê imaginado e o bebê real e não a realizar a passagem do primeiro ao segundo, pois como
nos aponta Myriam Sjezer, “a aceitação do
filho real não pressupõe a morte da criança imaginária” (1999, p. 60). Pelo contrário,
pressupõe que, diante do filho real, possa a
mãe seguir imaginando e lhe criando planos, assim antecipando suas conquistas.
Naturalmente as reais qualidades e capacidades do filho devem ser contempladas, de
modo que as idealizações não se interponham como barreiras à vinculação com um
bebê que nunca poderia cumprir as expectativas lançadas. É esperado que os pais
possam oscilar entre a constatação do que
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o que reitera a importância de as coordenadoras oferecerem apenas um contorno mínimo às atividades.
É muito comum que, durante uma primeira
participação no Criar-te, as mães se mostrem descrentes quanto às suas habilidades.
Incentivadas, começam a vasculhar por entre os materiais, a combinar cores, a colar
recortes numa produção que se vai compondo aos poucos e cuja forma final é para
todos surpreendente. Assim sendo, a seguinte colocação de Winnicott é fundamental para o entendimento do caráter
terapêutico da oficina de criatividade: “Uma
psicoterapia do tipo profundo pode ser
realizada sem trabalho interpretativo. (...) o
momento significativo é aquele em que a
criança se surpreende a si mesma, e não o
momento da minha arguta interpretação”
(1975, p. 75). Apesar do autor estar se referindo ao trabalho com crianças, em outros
textos, como em “Variedades Clínicas da
Transferência” (1955-6), enfatiza a necessidade do analista acompanhar o processo
analítico do paciente adulto, adaptando-se
às suas necessidades e não interpretando
de forma abrupta.
Espera-se que a surpresa extraída a partir
dos objetos confeccionados no Criar-te possa ser reproduzida dentro do ambiente intensivista, através da certeza gradualmente
conquistada pelas mães de que podem, ainda na UTI, ocupar-se dos cuidados de seus
filhos. E tal dedicação depende de sua sensibilidade materna, do saber construído sobre seu filho durante a gestação, do
encontro após o nascimento, de condições
que devem ser favorecidas, acolhidas, reconhecidas e não determinadas a partir de
regras preconcebidas.
Considerações finais
Desde sua implementação o Grupo Criar-te
vem se mostrando como uma modalidade
de intervenção eficaz no cuidado de mães e
bebês prematuros internados em UTI Neonatal. As atividades propostas pelos encontros, aliadas à técnica com que são
encaminhadas, conferem singularidade a
esta oficina de criatividade. A partir de um
referencial winnicottiano, o Criar-te vem
propiciando às mães a possibilidade de reencontrar em seus bebês a porção de sonho
de que são feitos em parte. Pretende-se
auxiliá-las a sair da paralisia que pode causar a irrupção traumática do real pelo nascimento inesperado de um bebê que
imediatamente necessita ser internado.
Através dos álbuns, cestas e porta-retratos
que vão sendo livremente confeccionados,
a capacidade materna de imaginar a respeito de seus filhos é facilitada e, conforme nos
aponta Mathelin, “os bebês se constroem,
em parte, graças à possibilidade de devaneio das mães” (1999, p. 23).
No entender de Winnicott, “no brincar a
criança manipula fenômenos externos a
serviço do sonho e veste fenômenos
externos escolhidos com significado e
sentimento oníricos” (1975, p. 76). As
participantes do Criar-te criam, a partir de
seus devaneios, um novo enxoval para seus
bebês que momentaneamente estão
internados, e assim lhes oferecem vestes
que irão definir seus contornos para além
da prematuridade, para além da incidência
traumática do real orgânico. E, neste
mesmo movimento, as participantes se
criam e se recriam, como mães, que então
podem assumir junto a seus filhos os seus
lugares.
Artigo recebido em novembro de 2004
Aprovado para publicação em março de 2005
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