Sobre Pragmática e Semântica Prof. Daniel Mazzaro Vilar de Almeida 2013/1º [email protected] OLIVEIRA, Roberta Pires de. O campo da semântica – Fazendo ciência do significado. In: _____. Semântica formal: uma breve introdução. Campinas-SP: Mercado de Letras, 2001. p. 19-26. A Semântica pretende realizar uma descrição científica do significado. Pode-se argumentar tanto que a Semântica faz parte das ciências naturais quanto que ela pertence às humanidades. A Semântica é uma ciência, e não uma religião; o semanticista não faz metafísica (são tentativas de descrever os fundamentos, as condições, as leis, a estrutura básica, as causas ou princípios primeiros, bem como o sentido e a finalidade da realidade como um todo ou dos seres em geral), embora seu trabalho possa revelar as crenças sobre o mundo que um indivíduo diz que tem. O significado deve ser descrito e explicado segundo a metodologia naturalista. O semanticista: constrói hipóteses de descrição e explicação do significado que são verificadas empiricamente, tendo como objetivo último a construção de um modelo que reproduza o conhecimento que um falante tem sobre o significado das sentenças de sua língua; vê o significado como um fenômeno que ocorre naturalmente: fazer sentido é uma decorrência da história da nossa espécie. O alvo é descrever e explicar mecanismos de atribuição e construção do significado que são universais; é construir um modelo que reproduza a capacidade semântica que um falante tem. (P. 21) Saber as regras semânticas de uma língua a partir de uma sentença, fornecer sua interpretação as condições em que essa sentença é verdadeira na língua + associá-la a outras sentenças. Passos: abandonar os preconceitos linguísticos observar como as pessoas utilizam as palavras e sentenças e descrever esses usos procurando entender que “regras” regem a sua compreensão; não querer descrever o significado de cada uma das sentenças de uma língua não há um número finito de sentenças que constitua uma língua deve-se buscar saber as regras que permitem construir infinitas sentenças, buscar explicar como o sistema semântico funciona, que regras permitem que ele funcione Passos: procurar utilizar uma linguagem consistente e unívoca traduzir o significado para uma linguagem mais formal descrever e explicar, por intermédio da linguagem consistente, fragmentos da linguagem natural e, talvez, chegar a desenvolver um modelo (uma máquina) que reproduza o conhecimento intuitivo do falante; desenvolver um modelo (máquina) adequado quanto maior for a capacidade de prever as possibilidades e impossibilidades de uma língua, melhor - João disse que ele saiu. - Ele disse que João saiu. A memória humana não comporta uma infinidade de sentenças. O ser humano aprende uma língua muito rápido e produz sentenças absolutamente novas. Não é possível que nosso conhecimento semântico seja uma lista de sentenças o modelo do semanticista deve, responder à plausibilidade psicológica. Deve-se evitar criar uma hipótese que explique um fenômeno particular, sem conexão com as outras hipóteses do modelo que ele está construindo não é possível que um falante, para interpretar, lance mão de regras isoladas, que só funcionem para um determinado fenômeno um modelo deve ser econômico: explicar o maior número de fenômenos com um menor número de hipóteses “avulsas”, isoladas. ESCANDELL, M. Victoria. Introducción a la pragmática. Barcelona: Editorial Ariel, 2006. 2ª edición. p. 15-26. Sob a mesma rubrica de pragmática vêm convivendo desde muito tempo direções de pesquisa muito diferenciadas. Proposta de Escandell (2006): sugerir, inicialmente, uma caracterização intuitiva e informal, que ao longo do livro será elaborada e determinada teoricamente. Unanimidade quanto ao objetivo central da teoria: entende-se por pragmática o estudo dos princípios que regulam o uso da linguagem na comunicação, isto é, as condições que determinam tanto o emprego de um enunciado concreto por parte de um falante concreto em uma situação comunicativa concreta, como sua interpretação por parte do destinatário. Pragmática: uma disciplina que leva em consideração os fatores extralinguísticos que determinam o uso da linguagem, precisamente aqueles fatores aos quais não se pode fazer referência um estudo puramente gramatical (emissor, destinatário, intenção comunicativa, contexto verbal, situação ou conhecimento de mundo). Sem a pragmática, muitos fatos relevantes ficariam sem explicação, ou seriam explicados de maneira inadequada, sobrecarregando algum componente da gramática SIGNIFICADO NÃO CONVENCIONAL Ideias básicas: (1) as línguas são códigos; (2) comunicar-se consiste em codificar e descodificar informação. Como explicar esse texto? Quando um diplomata diz sim, ele quer dizer talvez; quando diz talvez ele quer dizer não, e quando diz não, não é um diplomata. Quando uma mulher diz não ela quer dizer talvez, quando diz talvez quer dizer sim, e quando diz sim, não é uma mulher. As palavras podem ter um valor diferente do qual lhe atribui o sistema? – Há gloria para você! – Não sei o que você quer dizer com "glória" – Alice disse. Humpty Dumpty sorriu com desdém. – É óbvio que não sabe... até que eu lhe diga. Eu quis dizer: “Há um belo argumento infalível para você!” – Mas “glória” não significa “um belo argumento infalível” – Alice objetou. – Quando eu uso uma palavra, – Humpty Dumpty disse com certo desprezo – ela significa o que eu quiser que ela signifique... Nem mais nem menos. – A questão é – disse Alice – se você pode fazer as palavras significarem tantas coisas diferentes. – A questão é – disse Humpty Dumpty – quem será o chefe... E eis tudo. Por quê o segundo texto não é aceitável e o primeiro sim? As pessoas não podem, por mais que mandem, mudar arbitrariamente e à sua vontade, o significado das palavras. Mas e o primeiro caso? As palavras variam de significado de acordo com quem as diz. Mas isso depende de quem é o interlocutor e qual é a pergunta ou o pedido que recebe o ‘talvez’, o ‘sim’ e o ‘não’ como resposta. Logo, no primeiro: 1) Um diplomata de outro país e o pedido afeta alguma questão de Estado. 2) Uma homem faz um pedido amoroso. + CONHECIMENTO DE MUNDO Por razões diferentes, nem os diplomatas nem as mulheres devem falar abertamente, de modo que, quando transmitem sua intenção, o fazem de um modo indireto que os afaste da responsabilidade do uso literal Por que imaginamos a situação assim e não de outra maneira? Esta contextualização é, talvez, a única que restaura a inteligibilidade No texto da Alice, nenhuma inferência permite encontrar uma explicação razoável para a arbitrariedade: ser o que manda não autoriza mudar as convenções de uma língua. Revendo: “A língua na comunicação funciona como um código” NÃO É ADEQUADA ESSA IDEIA Não existe correspondência biunívoca constante entre representações fonológicas e interpretações, o que não resulta em um obstáculo para a comunicação. O QUE SE DIZ pode ser diferente do que SE QUER DIZER ler entre as linhas interlocutores, contexto, situação, conhecimento do mundo e do interlocutor, intenção comunicativa, inferência SINTAXE E CONTEXTO Caracterização formal da relações de dependência estrutural entre os constituintes. Cada língua decanta suas preferências para a ordem das palavras e/ou a morfologia (por exemplo, afixos), e se estabelece a correlação de quanto melhor caracterizadas estiverem desde o ponto de vista morfológico as relações sintáticas, menor a necessidade de marcá-las com a ordem das palavras. Latim: língua de ordem de palavras livre, porque as desinências de caso e de concordância marcavam suficientemente as relações gramaticais. Inglês: língua na qual as relações de dependência estrutural vêm indicadas por meio de uma ordem de palavras relativamente fixa. Mas... Será que realmente todas as ordens possíveis das palavras em um enunciado são intercambiáveis? Juan ama a María, no la odia. # no Pedro. no a Rosa. A María la ama Juan, # no la odia. no Pedro. # no a Rosa. Juan a María la ama, no la odia. # no Pedro. # no a Rosa. Cada uma das diversas ordens de palavras trata cada constituinte oracional de forma diferente desde o ponto de vista comunicativo. Há uma parte do conteúdo informativo que se apresenta como um fato estabelecido (como um conhecimento compartilhado), e outra parte se introduz como informação “nova”. Nas línguas de ordem de palavras menos flexível expressam os contrastes, por exemplo, na proeminência com que se pronunciam os constituintes para marcar o centro da atenção dentro da frase. Existe, sim, uma relação entre grau de caracterização morfológica e ordem de palavras; no entanto, é ilegítimo extrair daí a conclusão de que, nas línguas cuja ordem de palavras não vem fixada de maneira estrita pela sintaxe, todas as variantes possíveis são absolutamente equivalentes em todos os contextos e situações. Até mesmo alguns aspectos tipicamente gramaticais, como a ordem das palavras, estão determinados por fatores de tipo contextual ou situacional, especialmente no que se refere ao contraste entre a formulação que se apresenta como compartilhada pelos interlocutores e a que se considera nova. A questão é adequação discursiva, e não em termos de correção gramatical. interlocutores, situação, contexto ou conhecimento compartilhado. REFERÊNCIA E DÊIXIS Ponto de vista da comunicação: compreender uma frase não consiste simplesmente em recuperar significados, mas também em identificar referentes. Não basta entender as palavras, tem que saber a que objetos, fatos ou situações se referem. Se você não fechar a porta, o Kiko vai fugir. Devo identificar corretamente os objetos do mundo aos quais alude a frase. Quem é Kiko? Que porta deve ser fechada? Te espero amanhã no lugar de sempre. Fora de todo contexto ou situação, não sabemos a que se refere a mensagem, nem quais podem ser suas implicações: Quem é o eu que promete esperar? A quem vai dirigida a mensagem? Quando é amanhã? Onde é o lugar de sempre? Sem conhecer esses dados não podemos dizer que estamos em condições de interpretar a mensagem até suas últimas consequências. E para alguns gêneros textuais/discursivos e contextos isso é extremamente necessário! Dêiticos: formas especiais para fazer referência aos diferentes elementos da situação. Pronomes pessoais de primeira e segunda pessoas, Demonstrativos, Possessivos, Muitos advérbios de lugar e de tempo, Morfemas de tempo da flexão verbal, Fórmulas de tratamento, Formas anafóricas e catafóricas (que se usam no discurso para fazer referência a algumas partes do discurso). Parte importante da interpretação de um grande número de enunciados depende decisivamente dos fatores extralinguísticos que configuram o ato comunicativo: conhecer a identidade do emissor ou do destinatário e conhecer as circunstâncias de lugar e tempo de emissão são requisitos imprescindíveis para conseguir uma interpretação plena. Apenas desde uma perspectiva pragmática pode-se ter acesso ao tipo de informação necessária para conseguir este objetivo. A distância que existe às vezes entre o que literalmente se diz e o que realmente se quer dizer, a adequação das sequências gramaticais ao contexto e à situação, ou a atribuição correta de referente como passo prévio para a compreensão total dos enunciados são três tipos de fenômenos que escapam de uma caracterização precisa em termos estritamente gramaticais. Como dar conta dessas perguntas? Como é possível que o que dizemos e o que queremos dizer possam não coincidir? Como é possível que, apesar de tudo, continuam nos entendendo? Que parte do que entendemos depende do significado das palavras que usamos? Que parte depende de outra coisa? De que outra coisa? A perspectiva vantagens: pragmática aporta diversas Complementa e esclarece de um modo altamente eficaz as considerações gramaticais. Se se distinguem com nitidez os dois pontos de vista (o gramatical e o pragmático), contribui não apenas para dar uma visão mais precisa da complexa realidade linguística, mas também, sobre tudo, para simplificar notavelmente a descrição do nível estrutural Uma das possíveis diferenças entre ambos os campos da linguística é que a pragmática, estuda os significados linguísticos determinados não exclusivamente pela semântica proposicional ou frásica, mas aqueles que se deduzem a partir de um contexto extralinguístico: discursivo, situacional, etc. João: Eu prometo não mentir mais. SEMÂNTICA: João mentia e promete que não mentirá mais PRAGMÁTICA: Não temos como garantir que João realmente tem a intenção de não mentir mais, ele pode estar nos enganando ao dizer que promete não mentir mais. Não temos como afirmar que a sentença é verdadeira ou falsa.