1 TEORIAS DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM: UMA BREVE E PROVISÓRIA APRESENTAÇÃO Giselle de Athayde Massi Este texto tem por objetivo apresentar, sucintamente, as principais correntes teóricas em aquisição da linguagem, ou seja, as propostas que se destinam a explicar como as crianças adquirem a linguagem e por que tal fato ocorre da maneira como ocorre. De início, convém comentar que tais explicações teóricas são perpassadas por diferentes enfoques, os quais muitas vezes mostram-se conflitantes entre si. Os estudos em aquisição de linguagem, sob uma perspectiva behaviorista, tiveram Skinner como precursor. Em 1957, esse estudioso publicou um de seus livros o “Comportamento Verbal” no qual argumenta que a linguagem, como outras funções comportamentais, é aprendida por condicionamento operante. Para Skinner, o fenômeno da aquisição da linguagem poderia ser explicado em termos de associação S (estímulo) - R (resposta) - R (reforço). A título de ilustração, é possível imaginar uma situação em que a criança vê sua mãe e quer ser pega no colo (estímulo). Ela, então, passa a chorar (resposta). Ao pegá-la no colo, sua mãe estará reforçando o comportamento da criança. Ou seja, a criança aprende que para ganhar colo deve chorar. Da mesma forma, na visão behaviorista, é que se dá o aprendizado da língua. Vamos imaginar que essa mesma criança vê uma mamadeira (estímulo) e pronuncia “mamá” (resposta), ao conseguir a mamadeira (reforço), vai aprender que quando quiser comer deve dizer “mama”. Assim, de acordo com Skinner, o condicionamento operante do comportamento verbal se baseia em reforçamentos seletivos de sons e combinações de sons, oriundos do meio ambiente. Portanto, esse tipo de abordagem nega a existência de um componente mental organizador, bem como o papel do sujeito e a estrutura interna, entendendo a linguagem, enquanto comportamento, como resultante de reforço e moldagem que o adulto proporciona à criança. Logo após a publicação do “Comportamento Verbal”, Skinner sofreu críticas muito sérias que partem do princípio de que a categoria estímulo (S) só pode ser definida depois de analisada a resposta. Então, qual seria o estímulo usado para a criança falar? Por outro lado, ao sustentar a possibilidade de prever um comportamento, 2 a proposta skinneriana não explica como seria possível prever uma construção lingüística em um dado contexto. Uma perspectiva menos tradicional - new behaviorista - é preconizada por Bandura (1966) quando sugere que a observação e a imitação de um modelo são responsáveis, em grande parte, pela aprendizagem que se efetua na criança. Porém, essa teoria também deixa lacunas por não conseguir explicar o ritmo acelerado de desenvolvimento da linguagem. Além disso, se a aquisição lingüística pudesse ser evidenciada em termos de imitação, como entender as sentenças criativas que a criança produz? Questões que permanecem abertas. Uma das principais recusas a essa corrente teórica partiu de Chomsky. Segundo esse autor a linguagem é autônoma e o behaviorismo não consegue explicá-la, exatamente, por não levar em consideração o “interior do indivíduo”. Dedicado a estudos relacionados à matemática, biologia, psicologia, filosofia, lógica e teoria da computação, Chomsky busca explicar a linguagem e o seu desenvolvimento. Defende a idéia que os seres humanos possuem um tipo de sistema inato, chamado por ele de dispositivo para aquisição da linguagem (language acquisition device - LAD). Esse dispositivo, abaixo representado, é responsável pela elaboração de regras que permitem a compreensão e a produção de inúmeras sentenças gramaticais: DADO LINGÜÍSTICO (input) LAD (processamento) COMPETÊNCIA (habilidade para compreender e produzir sentenças - output) O “input” lingüístico é processado no LAD, possibilitando a compreensão e produção de novas sentenças. Conforme Chomsky (1977), todas as crianças nascem em um estado zero e através da experiência passam por estados intermediários - de uma palavra, sentenças simples, etc. - até atingir o estado estacionário, no qual os indivíduos, já na fase da puberdade, atingem o domínio da língua. Para tanto, o inatismo chomskiano preconiza a existência de uma Gramática Universal (GU) e de Gramáticas Particulares (GP). A GU é constitutiva do estado zero e inclui as propriedades essenciais, inatas, presentes em toda língua humana possível. Será através do “input” lingüístico que a criança partirá para a GP, fixando os parâmetros que são próprios de sua língua materna. 3 A rapidez e a facilidade na aquisição da linguagem, bem como a criatividade lingüística usada pela criança já nas primeiras fases de desenvolvimento são fortes argumentos a favor do inatismo. Porém, os que censuram Chomsky afirmam que a criança não está sozinha no processo maturativo de sua linguagem. Lemos, por exemplo, numa entrevista concedida para uma revista, critica a teoria chomskiana, abertamente, usando as seguintes palavras: “a língua não é uma mala cheia de substantivos, adjetivos e verbos que vão sendo sacados pela criança”. (Isto É 27/02/1985 p. 30). Por outro lado, ao contrário do que postula Chomsky, para Piaget não há nada de inato relacionado especificamente ao desenvolvimento da linguagem. Segundo estudos piagetianos existem, sim, “núcleos fixos” responsáveis pela capacidade da inteligência, no restante nem cognição, nem linguagem são inatas. Piaget desenvolveu estudos sobre a ação como fonte de conhecimento e, nesse sentido, aborda o desenvolvimento do pensamento, começando pelo que chama de fatores mais periféricos como a linguagem e o meio social. Portanto, para esse teórico, a linguagem - vista como a tradução de um conhecimento previamente adquirido - nada mais é do que um instrumento de expressão e comunicação, inapto a explicar estruturas do pensamento infantil. O congnitivismo piagetiano preconiza que a criança vai vencendo estágios - sensório-motor, pré-operacional, operatório concreto, lógico formal - um a partir do outro. Para que se processem esses estágios, os construtivistas enfatizam duas formas de desenvolvimento infantil: - papel desempenhado pela própria criança; - modo em que a ação da criança sobre o meio físico se converte num processo de construções internas. Em outros termos, nessa perspectiva, será a ação da criança a única responsável pelo seu desenvolvimento cognitivo sendo que a linguagem está na dependência direta desse desenvolvimento. Afinal, a linguagem, para Piaget (1978), só se organiza com o socorro constante da estruturação da própria inteligência. Assim, após esse breve comentário acerca de três posições teóricas distintas, vale dizer que ao defender a autonomia e a especificidade da linguagem, Chomsky afirma que a única função do meio externo é a de acionar a estrutura interna, assumindo, deste modo, uma posição oposta à de Piaget. No entanto, ambos concordam 4 quanto a uma forte negação ao behaviorismo, pois, ao admitir a influência do meio, Piaget preconiza a ação da criança sobre esse meio e não o contrário. Diferente dessas posições, a aquisição da linguagem também pode ser explicada por uma perspectiva sociointeracionista. O sociointeracionismo toma o diálogo como unidade mínima de análise. Foi inspirado, inicialmente, nos estudos de Bruner (1975), que entendia a aquisição da linguagem como um processo interindividual dependente do esquema de interação da criança com o adulto interlocutor, desde o período pré-lingüístico. Entretanto, por estar baseado na sentença, Bruner não pôde explicitar essa dependência, tampouco explicar a transição que ocorre entre a fase pré-lingüística e a lingüística propriamente dita. Na procura de processos que sustentem a continuidade entre os períodos pré-lingüísticos e lingüísticos, Lemos (1981) ressalta a existência de três processos dialógicos constitutivos dos primeiros enunciados: especularidade, complementaridade e reciprocidade. Segundo a autora, no período pré-lingüístico as crianças pequenas atuam sobre esquemas interacionais, ou seja, sobre situações que o adulto cria com a criança na interação com objetos. Portanto, nessa ótica, a linguagem é adquirida a partir de três fatores interdependentes: a interação da criança com o mundo físico, com o outro que o representa e com os enunciado produzidos. Desse modo, a linguagem é entendida como atividade cognitiva, pois exerce um papel importante na construção do próprio conhecimento e, também, como atividade comunicativa de ação sobre o outro. Além disso, é tomada como objeto, sobre o qual é possível atuar. Conforme Lemos (1983), inicialmente, a criança exercita em sua atividade dialógica, procedimentos comunicativos e lingüísticos sem analisá-los nem coordená-los. É, exatamente, nas ações sobre seu interlocutor que a criança passa a atuar sobre esses procedimentos, enquanto objetos lingüísticos, podendo coordená-los, relacionando-os e construindo subsistemas. Nesse ponto, cabe esclarecer que apesar do construtivismo piagetiano apresentar-se como uma perspectiva interacionista, a qual percebe uma criança ativa que age sobre o mundo físico, o sociointeracionismo acaba se afastando da teoria de Piaget, à medida que enfatiza a ação da criança sobre o meio social. Nesse sentido, como bem aponta Lemos (1986), as pesquisas sociointeracionistas em aquisição da linguagem aproximaram-se mais dos estudos de Vygotsky (1993) que, em suas 5 propostas teóricas, toma o ambiente social, enquanto constituinte do simbólico, como determinante para o pensamento e para a construção do conhecimento. Contudo, envolvida com questões em torno de como a criança pode chegar à língua por meio da interação, Lemos distancia-se da perspectiva sociointeracionista e, segundo Scarpa (2003), passa a se assumir simplesmente como interacionista. Posiciona-se contra a noção de que, em um determinado momento de seu desenvolvimento, a criança pode passar de interpretada a intérprete, capaz de assumir-se como falante com pleno conhecimento da língua. A autora busca analisar a fala da criança em ralação à língua, uma vez que esta tem uma estrutura de funcionamento e a criança está imersa nesse funcionamento pelo outro (instância de funcionamento da fala, espaço em que a língua se movimenta). Nessa direção, Lemos (1992, 1995) acaba por se aproximar de leituras de Saussure e de Jakobson, as quais são inspiradas pelo posicionamento de Lacan acerca do inconsciente. A partir de um enfoque estrutural, a linguagem perde seu estatuto de objeto sobre o qual é possível operar e o sujeito não é mais alguém que pode atuar sobre a língua. Antes disso, no interacionismo brasileiro, o que passa a ser levado em conta é a mudança de posição da criança em relação: a) à fala do outro; b) à língua; c) à sua própria fala. Um tanto quanto diverso do interacionismo brasileiro, atualmente, tem atingido alguma notoriedade um novo enfoque teórico, desenvolvido nos últimos quinze anos e conhecido como conexionismo. Esse modelo, vinculado a noções associacionistas, propõe a existência de um processo de conexões neurais responsável pela aprendizagem a partir de estímulos externos. Assim, a aprendizagem fica vinculada a mudanças nas conexões estabelecidas entre neurônios, as quais são propiciadas por estímulos oriundos do ambiente. Conforme Santos (2003), na abordagem conexionista, pautada em uma visão computacional do cérebro e em uma proposta de treinamento, cada vez que um estímulo ativar determinados neurônios, a conexão entre eles se fortifica, permitindo a codificação/decodificação de informações. Para finalizar, cabe ressaltar que, ao acompanharmos as divergências entre as teorias apresentadas, podemos concluir que é difícil falar em aquisição de linguagem de um modo geral. O objeto de estudo alinhado ao inatismo não pode ser igual ao do cognitivismo piagetiano que, por sua vez, é diferente de uma visão 6 sociointeracionista e assim por diante. O fato é que todas essas propostas continuam coexistindo, encontrando argumentos que ora corroboram, ora refutam seus pressupostos, exatamente, porque nenhuma delas consegue explicar o processo de aquisição da linguagem em sua totalidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANDURA, A. L. HARRIS, M. B. Modification of sytatic style. Journal of Experimental child Psychalogy 4 (341-352), 1966. BRUNER, J. From Comunication to language - a Psychological perspective. In: Cognition, 3 (3) (225-287), 1975. CHOMSKY, N. Diálogos com Mitsou Ronat. São Paulo: Cultrix, 1977. ISTO É 27/02/85, p.30 LEMOS, C.T.G. Interactional processes and child’s constructions of language. In: W. deutsch (org.), The child’s construction of language (57-76), Academic Press, Londres, 1981. ___________. Teorias da diferença e teorias do déficit: reflexões sobre programas de intervenção. Apresentação no Encontro Multidisciplinar sobre Alfabetização, PUC, São Paulo, 1983. ____________. Interacionismo e aquisição da linguagem. Delta, v.2, n.2, 1986, p.231248, 1986. ____________. Processos metafóricos e metonímicos. Substratum, n.2, 1992. ____________. Língua e discurso na teorização sobre aquisição de linguagem. Letras de Hoje, n.12, 1995. 7 PIAGET, J. L.; INLHEDER, B. Psicologia da Criança. Difil, Rio de Janeiro, 1978. SANTOS, R. A aquisição da linguagem. In: FIORIN (org.). Introdução à lingüística Objetos teóricos. Contexto, São Paulo, 2003. SCARPA, E. M. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. Introdução à lingüística – Domínios e fronteiras. Cortez, 2003. SKINNER, F.B. O comportamento verbal. São Paulo: Cultrix, (1957), 1978. YGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.