IBMEC SÃO PAULO Faculdade de Economia e Administração Adriano Ortega Carvalho Uma Comparação Entre a crise do Subprime e as Crises de 1929 e 1987: Causas e Lições São Paulo 2008 Adriano Ortega Carvalho Uma Comparação Entre a crise do Subprime e as Crises de 1929 e 1987: Causas e Lições Monografia apresentada ao curso de Ciências Economias, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel do Ibmec São Paulo. Orientadora: Prof. Dr. Andrea Maria Accioly Fonseca Minardi - Ibmec SP São Paulo 2008 Carvalho, Adriano Ortega Uma Comparação entre a Crise do Subprime e as Crises de 1929 e 1987: Causas e Lições / Adriano Ortega Carvalho. – São Paulo: Ibmec, 2008. 53 f. Monografia: Faculdade de Economia e Administração. Ibmec São Paulo. Orientador: Prof. Dr. Andrea Maria Accioly Fonseca Minardi 1.Política Monetária 2. Finanças 3. Investimento Adriano Ortega Carvalho Uma Comparação Entre a crise do Subprime e as Crises de 1929 e 1987: Causas e Lições Monografia apresentada à Faculdade de Economia, do Ibmec São Paulo como parte dos requisitos para conclusão do curso de graduação em Economia. Aprovado em Junho 2008 EXAMINADORES ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Andrea Maria Accioly Fonseca Minardi Orientadora ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Alexandre de Carvalho Examinador ___________________________________________________________________ Prof. Dr. João Luiz Mascolo Examinador Agradecimentos Agradeço a toda a minha família pelo suporte que eu recebi até aqui, a meus pais por acreditarem e investirem na minha educação e a todos os outros por estarem sempre por perto. Agradeço também a minha orientadora Andréa Minardi não só pelos conselhos acadêmicos, mas também pelas conversas sobre o que esta por vir após a graduação. Agradeço aos professores Alexandre de Carvalho e João Luiz Mascolo pelo apóio que recebi para a produção deste projeto. Agradeço também aos colegas do Ibmec com quem aprendi muito e tive a oportunidade de realizar diversas discussões. Agradeço a faculdade Ibmec pela estrutura do curso, não tenho dúvida que tive o melhor ensino possível. Por fim, agradeço aos meus amigos de longa data que sempre me apoiaram e sabem que eu também sempre estarei disponível para apoiá-los. Resumo CARVALHO, Adriano Ortega. Uma Comparação Entre a crise do Subprime e as Crises de 1929 e 1987: Causas e Lições. São Paulo, 2008. 53p. Monografia – Faculdade de Economia do Ibmec São Paulo. O objetivo deste trabalho é realizar uma comparação entre a atual crise do mercado, chamada de subprime, com as crises de 1929 e 1987. Para isso primeiro é apresentado um modelo que descreve a dinâmica das crises econômicas. Em seguida os períodos são estudados em detalhe separadamente. Por fim é feita uma comparação direta entre as crises, considerando algumas variáveis. É realizada uma breve previsão sobre como a crise do subprime deve se desenrolar. A conclusão reafirma a dinâmica de uma crise acentuando a questão do crédito como causa e do atuação dos bancos centrais como solução para as crises. Abstract CARVALHO, Adriano Ortega. A Comparison between the Subprime Crises and the 1929 and 1987 Crises: Causes and Lessons. São Paulo, 2008. 53p. Monograph – Faculdade de Economia do Ibmec São Paulo. The objective of this work is to make a comparison between the today’s market crises, called subprime, with the 1929 and 1987 crises. To do so, first we present a model that describes the dynamic of economic crises. Second we study the three periods in details separately. In the end we do a direct comparison between the three crises, considering some relevant variables. We foresee shortly what is about to come with the subprime mortgage crises. The conclusion reaffirms the dynamics of a crisis pointing credit problems as the main cause and the central banker’s actuation as the solution for the crises. Sumário 1 Introdução ........................................................................................................................... 9 2 Modelos Gerais sobre Crises ......................................................................................... 11 3 A crise de 1929 ................................................................................................................ 15 4 A crise de 1987 ................................................................................................................ 20 5 A crise do Subprime ........................................................................................................ 26 5.1 Mercado de hipotecas Subprime ............................................................................ 26 5.2 CDOs.......................................................................................................................... 27 5.3 Rating de crédito....................................................................................................... 32 5.4 A crise do Subprime ................................................................................................. 36 6 Comparação entre as crises .......................................................................................... 39 7 Conclusão ......................................................................................................................... 50 Referências .......................................................................................................................... 52 9 1 Introdução As crises financeiras são eventos muito intrigantes por trazerem ao mercado oportunidades de grandes ganhos ou perdas. Por isso, mesmo em períodos de crise nos mercados, como a que se vive hoje, acadêmicos e investidores tentam estudálas e prever seus efeitos em variáveis como câmbio, juros, inflação, balança de pagamento e outras. O objetivo desse trabalho é comparar a crise atual, conhecida por crise do subprime, com a crise de 1929 e a de 1987. A crise de 1929 foi escolhida como base de comparação, pois esse período é considerado a pior recessão que a economia norte americana já passou. E a crise de 1987 foi escolhida, pois nesse período ocorreu a maior queda do índice Dow Jones da bolsa se Nova Iorque em um único dia. Crises mais recentes foram excluídas da comparação por terem menos estudos disponíveis. A crise de 1929 foi desencadeada principalmente pela supervalorização do mercado acionário norte americano, a crise de 1987 pelo mercado de high yield bonds, ou seja, títulos de baixa qualidade de crédito e a crise atual pelas hipotecas subprime que consistem nos empréstimos aos proprietários com os piores históricos de pagamento de dívidas e contas. O resultado dessa comparação traz a possibilidade de se entender quais fatos comuns que causaram as crises possibilitando que se evite futuros problemas nos mercados e na economia. Também será possível a identificação de fatos isolados, o que possibilita a compreensão de diferentes dinâmicas que as crises podem tomar. Apesar de não existirem muitos estudos sobre a crise atual, a idéia é que consigamos prever o movimento que a economia deverá seguir nos próximos trimestres. Além disso, poderemos com base nos antecedentes apontados aqui evitar grandes quebras no mercado, na medida em que evitarmos a formação de “bolhas” especulativa. O trabalho está estruturado na seguinte maneira. No capítulo 2 são discutidos modelos gerais sobre crise, que abordam a dinâmica que as crises têm na economia e nos mercados financeiros, apontando os fatos que permeiam as diversas crises. Nos capítulos 3 e 4 são explicadas as crises de 1929 e 1987, respectivamente. É realizada uma analise completa sobre o período, apontando 10 como evoluíam as principais variáveis da economia e o que foi feito por parte das autoridades para resolver a questão da crise. No capítulo 5 a crise atual é explicada, com analises detalhadas sobre o mercado de hipotecas de subprime, os instrumentos financeiros estruturados que possibilitaram a expansão desse mercado, como que as agências dão classificação para esses instrumentos e por fim como a crise se desenrolou. O capítulo 6 compara as crises, identificando fatores comuns e divergentes entre elas e mostra como a crise atual do mercado deve se desenrolar. Por fim, a conclusão fecha o trabalho apontando os fatores comuns que causam as crises, como resolver uma crise que já se iniciou e como evitar que isso aconteça novamente. 11 2 Modelos Gerais sobre Crises Existe uma extensa literatura acadêmica sobre crises econômicas e nos mercados financeiros. Esses estudos são utilizados entre outras coisas para a criação e teste de modelos para a economia. Através destes testes torna-se possível a criação de modelos econômicos que incorporem a possibilidade de grandes crises. Estes modelos podem ser testados em momentos como o de hoje, e se estiverem corretos podem ajudar na prevenção de futuras crises, por antecipar alguns comportamentos que geram as crises econômicas. England (1913) comenta que existe uma confusão entre causas e efeitos de uma crise. Muitos autores elegem um efeito como o causador da crise mesmo na presença de outros fatores que podem ser tão ou até mais importantes do que o eleito. Outros trabalhos reconhecem a complexidade das crises e os múltiplos fatores que as causam, porém há muita divergência sobre qual é o fator mais importante. England (1913) explica que não é a falta de modelos que cria essa diferença entre as explicações dos diversos autores mas sim o quão confiável é o modelo que se está usando na pesquisa. England (1913) propõe um modelo mais abrangente e separa crises na economia real de crises financeiras. Segundo o autor uma crise na economia real começa após um período de crescimento econômico, de um ciclo virtuoso de aumento do consumo por parte das pessoas e empresas e também um crescimento das empresas. Esse ciclo pode ter seu fim por três razões: (i) os investidores já tomaram todos os riscos que estariam dispostos a tomar e assim o investimento diminui; (ii) os bancos se recusam a emprestar mais dinheiro, não devido aos riscos assumidos, mas sim devido às reservas de capital obrigatórias e (iii) os empresários não vislumbrarem mais retornos em aumentar os seus investimentos. Uma crise financeira se dá quando um grande número de tomadores de empréstimos não cumpre com suas obrigações no prazo. Isso ocorre porque, o cálculo de retorno do indivíduo estava incorreto e, portanto o fluxo de caixa planejado não se realiza. Esse erro de calculo é oriundo de incertezas relacionadas a juros e inflação futura, esses, fatores que afetam o fluxo de caixa esperado pela empresa. Essas variáveis podem sofrer grandes variações entre períodos, por 12 exemplo, de guerras e mudanças políticas. England (1913) comenta que nesses casos para tentar corrigir os erros, os empresários tendem a aumentar os preços, objetivando uma maior folga nos fluxos de caixa. Isso gera inflação na economia, e nem sempre o aumento dos preços resultará em uma melhor situação para uma empresa. Por fim o autor comenta que o raciocínio dos modelos de crises é basicamente o mesmo, porém os fatores que são o estopim de crises variam e tem pesos diferentes caso a caso. As crises normalmente mesclam efeitos na economia real e nos mercados financeiros, pois um arrefecimento em um dos mercados acaba influenciando o outro. Diversos trabalhos discutem a crise americana de 1929, o período conhecido como a grande depressão, que começou nos Estados Unidos e afetou a economia do mundo inteiro, principalmente da Europa. Podem ser citados Dice (1929), Fisher (1930), Galbraith (1954) e Friedman e Schwartz (1971). Os dois últimos, por serem escritos posteriormente à crise, têm uma melhor capacidade de analisar os dados de todo o período e com modelos econômicos mais modernos à disposição. Além disso, possui um melhor conhecimento sobre as inovações da época, que serão discutidas com mais detalhamento no capítulo 3. Dessa maneira puderam tirar melhores conclusões sobre as causas da crise e apontar dentre elas quais poderiam ter sido tratadas de uma forma diferente para que se evitasse a crise. Um grande estudioso de crises é o atual presidente do Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos. Segundo Bernanke (1981), o risco de falência e problemas de liquidez podem levar uma economia à recessão. O autor enfatiza o desenvolvimento do processo e não suas causas. O argumento é semelhante ao de England (1913), de que as crises são conseqüência de um período de crescimento da economia seguido de uma queda nos investimentos e maior incerteza. Porém, Bernanke (1981) interliga economia real e mercados financeiros. O trabalho parte do princípio de que nos momentos em que há incerteza quanto a não pagamento de dívidas, é gerado um custo para a sociedade, pois indivíduos e empresas irão buscar uma maior liquidez para que tenham condição de honrar suas obrigações. Enquanto isso os bancos serão mais rigorosos quanto a empréstimos e reduzirão os limites concedidos. Esta restrição de liquidez diminui os fluxos de renda para toda a economia o que traz mais incerteza quando ao futuro. 13 Dada uma queda no crescimento econômico, que pode vir por meio de menores gastos do governo, por exemplo, a economia tenderá para uma recessão se nenhuma medida for tomada, pois indivíduos e empresas, prevendo um período de maior restrição, diminuem o seu consumo principalmente de bens duráveis. Como o que se quer evitar é o comprometimento dos fluxos de caixa, a compra de bens duráveis, que geralmente são financiados, diminui e isso é agravado pela restrição maior dos bancos para emprestar. A queda adicional na demanda é que preocupa os bancos na hora de conceder empréstimos, pois nesse caso as empresas terão menores receitas, restringindo os fluxos de caixa, gerando demissões e aumentando assim o risco de não pagamento de dívidas tanto por parte das empresas como por parte dos indivíduos. Nesse momento os tomadores de empréstimos, empresas e indivíduos, têm de se mostrar os mais confiáveis possíveis na hora de cumprir com suas obrigações. Os bancos, tendo em vista o mecanismo de seleção adversa, dada a assimetria de informação entre tomador e credor, tem como procedimento não só melhorar seus cálculos de risco de default por parte dos tomadores como também diminuir os limites de credito. Nesse contexto de grandes incertezas quanto às possibilidades de default se observa o chamado flight to quality que pode levar ao empoçamento de liquidez. Nesse processo de flight to quality não só os bancos, mas os agentes da economia em geral liquidam seus ativos de maior risco e buscam investir em ativos menos arriscados, por exemplo, títulos do governo. Nesse fenômeno a pressão de venda dos títulos mais arriscados, também chamados de high yield bonds, faz com que o preço destes caia e, portanto a taxa de retorno aumente enquanto que a pressão de compra dos ativos menos arriscados faz com que o preço aumente provocando uma queda nas taxas de retorno. A propensão do banco a emprestar é menor e o investimento em títulos mais seguros aumenta. Os indivíduos passam a enfrentar maiores taxas para empréstimos ou esperar por taxas melhores. O financiamento de bens duráveis se contrai e a economia tende a se retrair mais. A premissa por trás desse mecanismo é que os preços são flexíveis e a oferta de moeda é constante. Conseqüentemente, o que se observaria nessa economia 14 seria uma queda nos preço dos bens, ou seja, uma deflação. Este fenômeno por si só não deve levar a economia de volta ao seu equilíbrio e, portanto uma injeção de liquidez no mercado por parte das autoridades monetárias pode se justificar. Por mais que os preços da economia estejam baixos, a falta de liquidez impede os indivíduos de se aproveitarem dos preços. A economia só voltará a se aquecer provocando uma alta dos preços, se a economia receber um aumento de liquidez. 15 3 A crise de 1929 O crash na bolsa de Nova Iorque em 1929 é conhecido como uma das piores quebras de bolsa da história. Na época, ficaram muito marcados os dias 24, 28 e 29 de outubro, a quinta, a segunda e a terça-feira negra, dias nos quais o índice da bolsa sofreu grandes quedas. No dia 24 o índice Dow Jones cedeu 2,09% sendo que no dia anterior havia caído 6,33%, no dia 28 a bolsa recuou 13,47%, no dia seguinte mais 11,73%. Nas semanas seguintes o mercado de ações continuou sofrendo grandes perdas, o último trimestre de 1929 foi marcado por uma queda de 60%, entre o topo e o mínimo, do índice Dow Jones Industry Average. O Pânico nos mercados é um dos sintomas de uma crise como foi visto no capítulo passado. Os agentes observam que a economia não está mais em um ciclo de crescimento e buscam ativos mais seguros. Em 1929 não foi diferente, mas é preciso entender um pouco como foi o período de expansão dos anos 20. Dice (1929) e Fisher (1930) argumentam que nos anos 20 os fundamentos macroeconômicos eram ótimos e que não haveria crise se não fosse pelas incertezas quanto aos empréstimos para os brokers e a política restritiva do Fed. A economia americana e o valor das ações cresceriam sustentadamente por mais alguns longos anos. Os autores comentam que a economia era favorecida pela aplicação da ciência na indústria, desenvolvimento da moderna administração de empresas, por fusões e ganhos com economia de escala e escopo, com o surgimento de grandes conglomerados industriais e comerciais. A economia americana crescia rapidamente, de 1922 a 1929 o PNB cresceu em uma média anual de 4,7%. Essas novas empresas tinham de se financiar, o que era feito principalmente através da emissão de ações devido às restrições impostas aos bancos comerciais quanto a empréstimos para empresas durante o século 19. Por exemplo, não era permitido que o banco emprestasse mais de 10% de seu capital próprio para um único cliente. Assim, estes bancos tinham pouca possibilidade de emitir empréstimos de longo prazo para as empresas. Friedman e Schwartz (1971) corroboram com a visão de um forte crescimento da economia americana nos anos 20, que foram chamados de “a nova era”. O desenvolvimento nas indústrias e nas finanças muda o portfólio dos bancos, que 16 estavam acostumados a emprestar mais para agricultores, e passam agora a emprestar para as firmas, dentro das restrições, e para o consumo das pessoas. A década foi marcada pela popularização do automóvel. Com essas mudanças, alguns bancos regionais quebraram, mas nada que abalasse o sistema monetário como um todo. Outra novidade é que por volta de 1923 o governo concede ao Federal Reserve (Fed) uma maior independência para atuar na política monetária. Nessa década a instituição ganhou credibilidade devido à sua atuação e ao período de estabilidade que a economia viveu. Isso fez com que diversos acadêmicos estudassem a instituição. No final do período foi observado um desentendimento entre o board do Fed e os bancos comerciais que detinham antes uma maior influência nas decisões de política monetária, por terem um dialogo melhor com o governo do que com o Federal Reserve. Porém, o que faz mais sentido na realidade é que o sistema financeiro seja comandado por um agente externo e não pelos próprios bancos. Portanto o período apresentou grandes mudanças na economia real, com um boom no mercado imobiliário e com a mudança no estilo de vida (uso de automóveis). Além disso, o otimismo com o futuro fez com que o mercado acionário ficasse bullish, ou altista, por grande parte do período. Com essa visão positiva da economia e o credito fácil, o crescimento dos empréstimos para os investidores (brokers’ loans), o índice da bolsa acumulou forte ganho desde 1926 até agosto de 1929, quando a economia americana mostrou seus primeiros sinais de recessão. Galbraith (1954) comenta que nos anos 20 houve um comportamento irracional dos indivíduos. O incentivo ao crédito para as operações de ações em bolsa, fez muitos investidores operarem com uma alta alavancagem financeira. Havia na época muita euforia quanto aos retornos das ações e pouco conhecimento dos riscos assumidos. Kindleberger (1978) afirma que desde 1927 o Federal Reserve estava tomando uma atitude mais restrita quanto à política monetária aumentando a taxa de redesconto americana de 3,5% para 5% no final de 1929. Porém essa postura não teve efeito nos empréstimos para investidores, que continuou crescendo, mesmo com taxas de juros mais altas, até o crash. 17 O estouro dessa bolha se dá em outubro quando a economia apresenta mais sinais de arrefecimento, e a incerteza quanto ao futuro aumenta. White (1990) mostra que os dividendos a serem pagos pelas empresas começam a não crescer mais a partir de 1928. Isso deveria segurar o crescimento do preço das ações, já que o dividendo é usado na precificação desses ativos, porém os preços continuaram a subir a partir daí sem fundamentos. Com o crash no mercado financeiro as falhas da economia americana ficam mais aparentes. Friedman e Schwartz (1971) atestam que o período de 1929 a 1933 foi o pior ciclo de contração dos negócios do período considerado em seu estudo, que vai até 1960. Os autores comentam que o estouro da bolha se deu também por uma maior demanda por moeda por parte dos agentes econômicos. A queda na bolsa era apenas um sintoma da depressão na economia, que já aparecia nos dados. A produção e os preços em agosto de 1929 apresentavam queda. Essa informação deixa os investidores mais avessos, pois têm conhecimento de como começa uma crise, e portanto se observa o aumento da demanda por moeda e menor disposição a gastar. A dinâmica da queda brusca do mercado é resultado dessa maior demanda por moeda que obriga os indivíduos a vender ações, que são títulos mais líquidos. Além disso, os credores, por buscarem mais moeda, fazem maiores chamadas de margens o que dá mais fôlego às vendas dos investidores. Passada a crise na bolsa, o que se observou nos anos seguintes, foi que algumas empresas que estavam listadas em bolsa não produziam nada e eram fruto apenas da especulação dos investidores que aproveitaram essa euforia na bolsa e o crédito facilitado, comenta White (1990). Esse fato ajuda a explicar que o que se viu no mercado acionário foi realmente uma bolha que cresceu sem fundamentos a partir de certo momento. A crise colocou em questão a importância dada à política monetária no período passado e mostrou que uma política mal implementada ou a falta de atuação do Fed na economia pode ser prejudicial, e que se a instituição tivesse tomado decisões diferentes a crise poderia ter sido amenizada, o que vem de encontro com os trabalhos do autores contemporâneos à crise Dice (1929) e Fisher (1930). 18 A grande depressão foi a primeira crise a ocorrer sem antes ter havido um crescimento forte da oferta monetária. Durante a crise 20% dos bancos, que detinham 10% dos depósitos da economia quebraram e houve uma consolidação no setor diminuindo muito o número de bancos operantes. Além disso, houve no período o maior feriado bancário nacional até então que durou de 6 de março até 13 de março de 1933. Em 1930 ocorre o primeiro momento de grande restrição de liquidez nos mercados, com a quebra de diversos bancos, principalmente nos estados do interior que já estavam sofrendo com as mudanças econômicas, o surgimento de empresas de maior porte. Nesse momento foi possível se observar o fenômeno de empoçamento de liquidez, no qual as yields dos títulos do governo caem e as dos títulos corporativos sobem. Dessa forma a margem de capital dos bancos se reduz o que causa a quebradeira. Passado esse período, o inicio de 1931 mostrava uma economia que estava pronta para se recuperar da recessão, porém o que se observou foi que o estoque de moeda da economia não aumentou. Portanto a omissão do Fed nesse período, ajuda a impedir o processo de recuperação sustentável da economia. Logo no segundo trimestre do ano ocorreu a segunda crise bancaria, dessa vez com conseqüências globais. A recessão americana não afeta apenas o mercado de bens e serviços internos, mas também o comercio internacional o que afeta os mercados do mundo inteiro. Na época a integração era maior com a Europa, por isso é neste continente que se encontram os maiores prejudicados com a grande depressão, podendo ser citados Inglaterra e Alemanha. O processo de fligh to quality desta vez é internacional, o Fed é obrigado a entregar grande parte de suas reservas em ouro pelos dólares que estavam em circulação. Isso ocorre devido ao sistema utilizado na época conhecido como Bretton Woods. O Fed era obrigado a reduzir ainda mais a oferta de moeda na economia, para manter a paridade com o ouro. No final de 1931 a Inglaterra informa que deixará de adotar o padrão-ouro, o que inicia um processo de especulação quanto às moedas. Em abril de 32 o congresso americano faz uma forte pressão e o Banco Central americano inicia uma política de compra dos títulos do governo, o que gera uma injeção de capital no sistema financeiro. Nesse período a economia volta a 19 mostrar sinais de vigor. Não é certo que esse efeito tenha sido causado pelo Fed e, além disso, essa recuperação não irá se mostrar duradoura. As condições tanto monetárias quanto da economia real não mostravam sinais de recuperação. Em 1932 no último ano de governo do presidente Herbert Hoover foi criada uma agência governamental chamada Reconstruction Finance Corporation (RFC). A instituição emprestou aproximadamente 2 bilhões de dólares por ano como ajuda para governos locais, bancos e associações hipotecárias do interior. A instituição teve a maioria dos empréstimos honrados e teve continuidade com o governo de Franklin Roosevelt no contexto do New Deal cedendo empréstimos de mesmo montante até 1934. No começo de 1933 a RFC foi obrigada, pelo governo, a divulgar os bancos que tomaram empréstimos a cada mês. Essa lei fez com que diversas instituições que estavam conseguindo se manter operantes com os empréstimos da agência parassem de tomar dinheiro. O medo dos banqueiros era que aparecendo nas listagens o banco seria mal visto pelos correntistas e um novo processo de corrida aos bancos seria iniciado. Com uma nova intervenção do governo, a RFC divulgou o nome de todos os bancos que tinham tomado empréstimos até então. Essa divulgação iniciou um processo de corrida aos bancos, ou seja, mais uma crise no sistema financeiro, chamada por Friedman e Schwartz (1971) de pânico bancário, período no qual ocorreu a quebra de diversos bancos e que resultou no maior feriado bancário nacional. Os autores discutem que os bancos comerciais, na época, quebraram devido à má gerencia de seus gestores e não à falta de liquidez na economia. O que poderia ter ajudado os bancos indiretamente seria o Fed ter aumentado a liquidez dos mercados como um estímulo para tirar a economia da recessão. Porém, a não atuação da autoridade monetária, a fraca posição dos bancos e as eleições de 1932 adiaram ainda mais a crise na economia. Por fim, é possível identificar que houve no período um crescimento rápido da economia nos anos 20, que criou um otimismo exagerado nos agentes. Esse otimismo cria uma alta no preço dos ativos que não se justifica pelos fundamentos. Quando os sinais de reversão do ciclo econômico ficam claros, a bolsa sofre rapidamente os efeitos, que aparecem na economia logo em seqüência. 20 4 A crise de 1987 Assim como no crash de 1929, houve em 1987 um engajamento por parte de investidores e acadêmicos em descobrir quais foram as causas de uma volatilidade tão grande na bolsa de Nova Iorque em um único dia, 19 de outubro de 1987. No período não existia nenhum modelo que pudesse explicar a volatilidade o que deixava os estudiosos ainda mais dispostos a entender o fenômeno. A crise de 1987 foi diferente da crise de 29 e da crise do subprime. Em 1987 os mercados sofreram severas perdas, mas não se observou um enfraquecimento da economia real. Como foi visto nos modelos, é sabido que é a expectativa de uma economia menos favorável que causa o pânico nos mercados, mas em 1987 a preocupação com o futuro da economia foi sentida mais fortemente nos mercados. Enquanto que a economia real continuou crescendo. Uma queda no crescimento econômico somente foi observada no final da década de 80 e inicio dos anos 90, o que foi precedido por uma pequena crise nos mercados que ocorreu em outubro de 1989. A crise se deu dois meses após Alan Greenspan ser nomeado presidente do Federal Reserve. Esse fato é importante visto a lição que a crise de 1929 ensinou, de que a política monetária pode ajudar um país a sair de uma crise, por isso é sempre bom ter em mente quem está no comando do Banco Central americano. Assim que assumiu o cargo em agosto, Greenspan criou uma força tarefa que deveria realizar pesquisas quanto a possíveis crises. O grupo chegou à conclusão de que uma crise nos mercados financeiros poderia levar o índice Dow Jones a uma queda máxima de 150 pontos ou algo em torno de 6%. Existem diversas suposições quanto às causas desta quebra. Estas são enumeradas por Malliaris e Urrutia (1992): (i) a presença de déficits gêmeos, no orçamento federal e na balança de pagamentos, (ii) aumento nas taxas de juros pelo mundo frente a um aumento da inflação, (iii) a pratica conhecida como portfolio insurance, que se baseava no modelo de Black & Scholes, (iv) uma grande especulação no mercado de derivativos e (v) mudanças em impostos que prejudicaria as compras alavancadas que estavam em plena expansão no período. 21 Déficits Gêmeos Em 15 de outubro o governo anunciou um déficit comercial de 16 bilhões de dólares, muito acima das expectativas enquanto que o déficit do governo era de 150 bilhões de dólares. A presença de déficits gêmeos é prejudicial, pois tira confiança quanto à capacidade de pagamento das dívidas por parte de um governo. É mais comum que um governo que possua grandes déficits fiscais tenha um cambio desvalorizado o suficiente para gerar um superávit comercial, o que pode ser entendido também como a importação de poupança, necessária para uma boa trajetória de pagamento das obrigações. A presença de déficits gêmeos preocupa, pois o país está com um forte déficit fiscal e exportando poupança. Isso deverá causar um aumento da dívida e uma maior desconfiança quanto ao seu pagamento. Juros e inflação pelo mundo Um dia antes, em 14 de outubro, o Banco Central Alemão aumentou a taxa de juros básica da economia, isso era uma tendência que seria seguida por diversos países, pois o mundo se via prestes a enfrentar momentos de alta inflação. O aumento na Alemanha e a perspectiva de novos aumentos pelo mundo têm uma influência mais direta na bolsa do que na economia real, já que, os investidores agora têm opções de investimento de menor risco com taxas de retorno mais atrativas. Isto causa uma pressão de venda de ativos na bolsa no próprio dia. Portfolio insurance De 14 a 16 de outubro o índice da bolsa de Nova Iorque caiu 10% ou aproximadamente 250 pontos. Isto ajuda a justificar o efeito causado pelo chamado portfolio insurance no dia 19. O portfolio insurance é uma estratégia de negociação que se utiliza das técnicas de hedge dinâmico. Este serviço foi oferecido inicialmente pela empresa Leland, O’Brien e Rubinstein Associates Incorporated. A empresa foi criada por dois acadêmicos (Leland e Rubinstein) e teve a ajuda de O’Brien, que veio do mercado. O serviço de portfolio insurance tinha como objetivo garantir um valor mínimo para as carteiras de ações de seus clientes. A garantia de um valor mínimo para a carteira era feita através da utilização dos modelos criados por Black, Scholes e Merton. Com esses modelos era possível a criação de ativos replicantes de instrumentos que não eram disponíveis na época. 22 Ou seja, instrumentos derivativos poderiam ser criados através de operações no mercado de ações e de renda fixa, que eram existentes e líquidos, se utilizado dos métodos desenvolvidos pelos acadêmicos. Os modelos foram utilizados para a construção de opções de venda para os portfólios. Isto porque é possível se pensar uma opção de venda como sendo um seguro. Ao se comprar uma opção de venda, o comprador tem o direito de vender um determinado ativo pelo preço combinado (de exercício). Se o determinado ativo se desvalorizar mais do que o preço de exercício, o comprador tem o direito de vender esse ativo pelo preço combinado (por mais que este não valha aquilo de fato), e se o ativo não se desvalorizar apenas houve o pagamento de um prêmio para quem se dispôs a correr o risco do primeiro caso. A regra que mantém uma carteira segurada com uma trava na baixa, ou um valor mínimo, na ausência do instrumento opção de venda, implica na venda dos ativos quando o mercado cai. Na época da crise, a técnica de portfolio insurance completava 6 anos no mercado e era oferecida não só pela Leland, O’Brien e Rubinstein, mas também por muitos outros grandes bancos que se aproveitaram da impossibilidade de patenteamento da idéia por parte dos pioneiros. Frente a uma queda de 10% do mercado nos três dias anteriores diversos agentes estavam efetuando uma pressão vendedora no mercado para neutralizar as suas carteiras, e manter o valo mínimo proposto para os seus clientes. Essa pressão vendedora se intensificou no dia 19 causando a grande queda que se observou no final do dia, já que cada vez que o mercado cai a técnica de hedge dinâmico indicava que era necessário se realizar mais vendas no mercado à vista. Na época, apesar da ausência de um mercado de opções para o índice, já era disponível o mercado de futuros para índices que eram negociados na Chicago Mercantile Exchange. Houve no dia 19 também, para complicar ainda mais a situação, a perda de comunicação entre as bolsas de Chicago e de Nova Iorque. Como parte da técnica de portfolio insurance era realizada através da negociação dos contratos futuros, houve diversos prejuízos, já que em alguns momentos do dia os mercados sem comunicação tomaram rumos distintos, o que não deveria se observar dada a possibilidade de arbitragem entre o índice à vista e futuro. Além 23 disso a liquidez do mercado de futuros não foi suficiente para execução de todas as ordens de vendas necessárias o que deixou diversos clientes da LOR e de outras companhias que ofereciam o mesmo serviço sem o seu seguro de fato. Especulação com derivativos O mercado de futuros que tinha sido criado em 1982 estava sendo alvo de muita especulação, dadas as facilidades que um mercado como este possui. Por exemplo, a liquidação no vencimento e a utilização de margens de apenas uma porcentagem do volume total de dinheiro realmente contratado como aponta Bernanke (1989). Isto agravou a situação da bolsa no dia 19, que já estava muito complicada com toda a pressão que o mercado sofria com uma grande queda desde o inicio do pregão. As margens em alguns casos sofreram muitas variações e foi necessário para diversos investidores tomar empréstimos para cumprir com essas obrigações. Estes empréstimos só foram possíveis graças à atuação do Fed como comentaremos abaixo. Caso essas margens não fossem cobertas as bolsas de futuro sofreriam grandes problemas e poderiam até deixar de existir neste formato, já que não teriam condições de cumprir com os seus contratos. Crise no mercado de high yields Por fim outro fato mais estrutural que ajudou a causar o crash do mercado em 1987 foi a queda no mercado de títulos de dívidas corporativas americanas no primeiro semestre do ano. Este mercado estava muito em evidência no período, principalmente devido às operações de leveraged-buy-out ou compras alavancadas. Nessas operações uma empresa comprava outra com a emissão de títulos de dívida. Isto é uma maneira de forçar que a gestão da companhia seja mais eficiente já que o financiamento está sendo feito de uma forma mais cara do que se fossem utilizadas reservas de lucro da empresa e todos os meses os gestores deverão pagar os juros da dívida. Estas dívidas costumam ter uma data de reset. Nesta data os juros pagos pelo títulos são revisados de acordo com o mercado, ou seja, os juros da dívida podem sofrer correções para cima dependendo da curva negociada no mercado. Houve inúmeras operações como estas até o inicio de 87, porém os investidores começaram a ficar receosos quanto ao futuro da economia e a 24 capacidade das empresas em honrarem suas obrigações ou os títulos emitidos. Desta forma no primeiro semestre de 1987 houve uma pressão por parte dos investidores de venda destes títulos de dívida, que começavam a representar um risco maior de default. Esse movimento, faz com que os preços caiam e, portanto a taxa interna de retorno dos títulos aumenta, o que coloca o mercado de volta ao equilíbrio. O dinheiro que estava alocado nesse mercado no início do ano foi em grande parte alocado em ações. Isto contribuiu para que os investidores tivessem, ao final do ano uma sensação de que o mercado de ações estaria sobre valorizado em relação a outros mercados. Portanto podemos colocar a crise no mercado de títulos corporativos provocando uma pressão vendedora nas ações não só por uma percepção de um mercado menos favorável para as empresas no futuro, dado o nível de endividamento das mesmas, mas também porque muito dinheiro foi colocado no mercado de ações provocando uma sobrevalorização. O crash na bolsa em 1987 deve ser estudado dada a magnitude das quedas que se verificou no mercado. Enquanto que em 29 o máximo que o índice da bolsa caiu em um único dia foi 13,47%, em 87 a queda, no dia 19 de outubro, foi de 22,6%. Por mais que os efeitos na economia real não tenham sido tão marcantes, esta queda por si só, determina a relevância do estudo desta crise. Além disso, assim como a crise de 1929 mostrou conseqüências internacionais, esta não poderia ser diferente, já que nesse momento, pela evolução nos sistemas de telecomunicações, a globalização dos mercados era ainda maior e este crash foi sentido no mundo inteiro. No mesmo dia, bolsas em diversos países sofreram severas quedas. Essa maior conseqüência internacional da queda causa também no mercado americano uma queda maior, pois o preço dos ativos em outros mercados são usados como base para precificação dos ativos domésticos. Por fim, é importante ressaltar a postura do presidente do Fed nesta crise. Em um primeiro momento, durante o dia 19, Greenspan mostrou calma, para não criar efeitos ainda piores nos mercados e na economia. Em um segundo instante, dado o tamanho da queda no mercado ao final do dia que foi de 508 pontos ou 22,6% frente a um pior cenário, mostrado pelos estudos iniciais, de uma queda de 150 pontos, o presidente do Fed soltou o seguinte comunicado ao mercado nas primeiras horas da 25 terça-feira dia 20. “O Federal Reserve, em linha com sua responsabilidade como banco central nacional, reafirma hoje que está preparado para dar liquidez ao mercado e apoiar o sistema econômico e financeiro”. Essa sinalização foi dada para que os bancos não evitassem emprestar dinheiro. Este comunicado impede a escassez de liquidez no mercado e aumenta a confiabilidade no pagamento das obrigações mais imediatas por parte dos indivíduos e empresas. Apesar da janela de empréstimos forçada pelo Fed ter a possibilidade de criar incentivo para que os agentes fossem imprudentes, implicando no problema de moral hazard, ela teve como principal resultado o aumento de confiança na economia como um todo, afastando o país de uma crise mais profunda. 26 5 A crise do Subprime Este capítulo tem como objetivo o estudo mais profundo da atual crise nos mercados, também conhecida como crise do subprime. Este nome foi atribuído a esta crise dada a sua origem. A crise mostrou seus primeiros efeitos no mercado em fevereiro de 2007, porém seus efeitos ainda não acabaram e o mercado continua sendo guiado por noticias do setor de moradias dos Estados Unidos e também por noticias da economia americana. Até abril, quando este trabalho está sendo concluído, não há uma clara visão de como a crise irá se desenrolar. Primeiro é importante entender o que é o mercado de hipotecas subprime. 5.1 Mercado de hipotecas Subprime As hipotecas subprime são os empréstimos residenciais concedidos que não podem ser considerados prime, devido sos critérios considerados para mensuração do risco destes empréstimos. Um empréstimo é considerado prime quando o tomador do empréstimo tem um histórico de bom pagador, fato que é analisado através de alguns parâmetros como, por exemplo, a razão juros de dívidas sobre salário do individuo (DTI, na sigla em inglês) e valor tomado emprestado sobre o valor total do ativo ou imóvel que está sendo financiado (LTV, na sigla em inglês). O critério utilizado é: indivíduos com DTI maior do que 55% e/ou LTV acima de 85% são considerados subprime. Estes parâmetros mostram a capacidade de pagamento dos tomadores de empréstimos. Se o salário do individuo não paga pelo menos 55% dos juros que ele tem de pagar no mês e se o valor tomado emprestado é muito alto frente ao valor do imóvel, este individuo tem uma chance maior de não honrar o pagamento de sua hipoteca. Existe também uma categoria entre o prime e o subprime chamada “Alt-A”, essa categoria engloba os indivíduos que tem os números de acordo com os critérios para ser prime, porém não apresentam uma documentação completa, que mostre seu histórico de pagamento de dívidas, na hora de tomar o empréstimo como por exemplo, de faturas de cartões de crédito. Existem diversas leis nos EUA que incentivaram o crescimento deste mercado desde os anos 80 quando uma lei federal estipulou teto para as taxas de juros nesse 27 mercado. Além disso, em 1982 foi possibilitado às financeiras oferecer taxas ajustáveis ou com reset. Isto significa que os empréstimos começam com uma taxa que é revista depois de um tempo determinado para se avaliar se as taxas são compatíveis com as praticadas no mercado. Em 1986 uma reforma tributaria permitiu que os empréstimos residências fossem os únicos cujos juros pagos seriam dedutíveis do imposto de renda. Com base na figura 1 que mostra um índice com a quantidade anual ajustada sazonalmente em milhares de unidades de construção de casas novas nos Estados Unidos é possível se observar que houve no começo dos anos 80 um crescimento forte do mercado de imóveis impulsionado pelas medidas do governo. Essa força não se verificou no final dos 80, mas é possível se observar também que a partir de 1991 o mercado teve um crescimento constante e muito forte até 2006. As medidas governamentais incentivaram o setor imobiliário americano como um todo. O crescimento observado nos anos 90 e principalmente nos anos 2000 é conseqüência de uma crescente participação das hipotecas de subprime no mercado hipotecário. Esse crescimento é possível graças à maior difusão de instrumentos financeiros conhecidos como collateralized debt obligations. Estes instrumentos estão no mercado desde os anos 80, porém é a partir de 1995 que o mercado desses instrumentos ganha liquidez e continua crescendo fortemente até o inicio da crise. 5.2 Collateralized Debt Obligations Os CDOs são a classe de instrumentos financeiros pela qual se faz possível a securitização de ativos. Securitização é a criação de instrumentos padronizados como CDOs, que torna comercializáveis fluxos de caixas no mercado, por exemplo, de dívidas. A securitização possibilita a transferência de riscos de uma instituição para outra, pois ao vender um fluxo de caixa, uma instituição transfere também o risco de não recebimento desses fluxos para outra instituição. Os instrumentos utilizados para a padronização dos fluxos tornando possível a comercialização destes em mercado eram chamados inicialmente de CBOs, quando se referia aos high yield bonds, ou títulos corporativos que pagam taxas mais altas, por terem um risco de crédito maior. Depois foram chamados também de 28 CLO por se tratarem de loans ou empréstimos para empresas. O nome de CDO foi dado para englobar todos estes instrumentos que são chamados também de assetbacked securities (ABS na sigla em inglês) que implicam que os fluxos vendidos nos instrumentos têm como colateral ou lastro um determinado ativo. Figura 1 - Construção de casas novas 2500 Unidades anuais 2000 1500 1000 500 jan/80 jan/82 jan/84 jan/86 jan/88 jan/90 jan/92 jan/94 jan/96 jan/98 jan/00 jan/02 jan/04 jan/06 jan/08 Fonte: U.S. Department of Commerce No caso dos instrumentos que foram criados com fluxos de hipotecas de subprime o lastro são as próprias moradias e o nome utilizado é RMBS (residential mortgage-backed securities). Esses instrumentos impulsionaram o crescimento do mercado de CDOs nos últimos anos aumentando muito a sua participação no mercado frente a outros ABS. A securitização é feita pela criação de sociedades de propósito especifico (SPE) e os passivos dessa empresa serão negociados no mercado com o nome de CDOs. As SPEs serão as detentoras de diversos fluxos de caixa de empréstimos para moradias no caso em que estamos estudando, portanto os fluxos serão os ativos da sociedade e esses fluxos têm como lastro as moradias que estão sendo financiadas. É criada uma estrutura de tranches ou classes que divide o passivo possibilitando uma atribuição de rating de crédito diferente para as determinadas 29 tranches. A estrutura padrão do passivo de uma SPE é feita na ordem do menor para o maior risco: Dívida sênior, dívida subordinada e equity ou patrimônio. A figura 2a deixará mais claro como é feita a estruturação de uma SPE em seguida a figura 2b expõe de forma mais clara a divisão do passivo da SPE em tranches. Um banco emissor procura um portfólio de referência, do qual serão selecionados os ativos, ou fluxos de caixa, a serem securitizados. É criada a SPE que não tem vínculo com o banco, evitando questões no caso de falência discutidas a baixo. Os Ativos são passados do banco para a SPE e em troca o banco recebe um valor pelo portfólio. A SPE terá os colaterais dos fluxos caso eles existam e criará a estrutura das tranches, que deverá receber classificação das agências, e estas serão vendidas no mercado para os investidores. Figura 2a – Estruturação de uma SPE Fonte: Servigny e Renault (2004) A divisão do passivo da SPE em tranches, como pode ser observado na figura 2b, é feita de uma forma em que o risco de crédito da dívida sênior seja baixo, representando normalmente 75% do ativo e paga uma taxa de juros com um prêmio mais baixo. Os próximos 15% são divididos em tranches que tem um risco crescente e prêmios cada vez maiores. O equity representa o patrimônio final e dá direito aos 10% finais do ativo. Esta é a tranche com maior risco. O retorno do equity será representado pelo resíduo dos fluxos, as primeiras tranches recebem os primeiros fluxos, assim que vão sendo pagos e as últimas ficam com o que sobrar. 30 É importante ressaltar que estas entidades são criadas na maioria das vezes por tempo determinado e não estão sujeitas a falência, pois caso os fluxos se esgotem antes de todas as tranches terem recebido o pagamento prometido, os detentores destes direitos não podem entrar na justiça cobrando outra empresa ou pessoa física. Além disso, se o banco que estruturou uma SPE falir, seus credores não poderão contar com os fluxos de caixa da sociedade, já que a mesma é totalmente independente. Figura 2a - Passivo de uma SPE Cupon = Mercado + 1,5% Tranche AAA 75% do Volume tranche mais senior Cupon = Mercado + 4,5% Tranche A 10% do Volume tranche subordinada a AAA Cupon = Mercado + 8% Tranche B 5% do Volume tranche subordinada a AAA Cupon = não recebe cupon fixo Equity 10% do Volume tranche subordinada a todas as outras Fonte: Lucas, Goodman e Fabozzi (2006) Os CDOs foram criados como o propósito de melhorar a situação do balanço das instituições financeiras. Isto porque como os fluxos são transferidos para a SPE, uma instituição tem o seu balanço encolhido. Isso faz com que a instituição tenha um capital econômico requerido menor. O capital econômico requerido é apurado através de razões entre passivos e o patrimônio líquido de instituições financeiras. Agências governamentais ou acordos internacionais instituem mínimos aceitáveis para estas razões, na tentativa de evitar que os bancos sofram crises de liquidez e quebrem. Com a securitização as instituições diminuem os ativos com risco melhorando os seus índices. Dessa forma uma instituição financeira tem a possibilidade de conseguir funding, ou empréstimos, mais barato, por ter menos posições arriscadas. Outro propósito dos CDOs é que são uma opção de investimento para os fundos, que poderão diversificar o risco das carteiras, por acessar outros mercados e terão o retorno do investimento conforme a senioridade da tranche que foi comprada. 31 Existem duas possíveis estruturas de crédito para um CDO, a mais utilizada pelo mercado é a estrutura de fluxos de caixa. Esta estrutura implica em uma ordenação de quem tem direito aos pagamentos e em qual ordem que estes pagamentos devem ser feito. O padrão é que os primeiros fluxos recebidos pela sociedade de propósito especial paguem os custos administrativos e os fluxos subseqüentes devem pagar os juros primeiro das tranches mais sênior até as mais subordinadas, em seguida uma taxa adicional para os administradores da SPE e por fim os detentores do equity. Dessa forma, se o padrão é que se tenha 10% de equity, no caso de default de até 9% dos fluxos no ativo, todos os detentores de passivos da SPE terão seus fluxos honrados. Porém, a partir do momento em que mais de 10% dos fluxos de ativos da SPE não forem honrados, os detentores das tranches mais subordinadas começam a não receber. Por isso o tamanho das tranches e os juros a serem pagos são muito importantes e a discussão da classificação de crédito que deve ser concedido para cada tranche é relevante. Com um melhor entendimento sobre o instrumento, podemos aprofundar a discussão da influência deste na crise atual do mercado. O instrumento tem certa complexidade, porém, não pode ser apontado como o causador da crise simplesmente pela dificuldade dos agentes de ter um perfeito entendimento dos CDOs. Foi apontado que esses instrumentos transformam, sem fundamentos, dívidas que tem um rating baixo em dívidas com o risco mínimo. O que de fato acontece, mas não sem fundamentos. A discussão dos fatores que devem ser considerados para atribuir o risco de crédito a um CDO será feita no próximo item. Por hora é importante perceber que existem fundamentos para a mudança no credito das dívidas, o que pode ser explicado com base na teoria do frango. Segundo esta teoria, um frango pode ter um preço se vendido inteiro, porém ao se particionar o frango suas partes serão vendidas por preços diferentes conforme a qualidade da carne. Somadas essas partes podem ter um valor maior do que o frango original teria. O CDO agrupa diversos fluxos de diversas dívidas e os particiona podendo assim “vender” as partes de maior valor por preços mais “caros” e ainda gerar valor que será recebido pelos administradores e pelo banco emissor. A complexidade dos CDOs aparece quando são criados instrumentos que tem como ativos base outros ABS. Com a re-securitização diversos CDOs foram 32 reagrupados e revendidos em novas tranches, processo este que fez com que o risco fosse espalhado pelo mercado porém não se sabe ao certo quem tem os papéis com qualidade mais baixa nas mãos. O que se sabe é que esses instrumentos, através da disseminação do risco pelo mercado permitiu que a oferta de crédito para hipotecas se subprime aumentasse, ainda mais pelos juros dessas hipotecas serem mais altos frente a uma queda na taxa de juros que o Fed promoveu durante os anos 90. 5.3 Rating de crédito As agências de crédito são responsáveis por atribuir classificação de crédito para empresas, países e diversos instrumentos financeiros. Isto é feito através de modelos que fazem avaliações tanto quantitativas quanto qualitativas. A decisão não é tomada por uma máquina ou modelo formal que apenas faz uma distribuição de pesos diferentes para informações diferentes. Os modelos dependem da avaliação de analistas que fazem o rating. As companhias e instrumentos são classificados conforme uma escala, que tem diferentes nomes de agência para agência, mas que são semelhantes. Essas escalas normalmente são representadas em uma classificação crescente de risco de crédito e, portanto o prêmio de risco pago pelos instrumentos mais abaixo na escala deve ser maior. Uma empresa tem sua classificação muito atrelada à verossimilhança estimada de default de suas obrigações. O papel dessas agências é importante, pois os bancos não têm como especialidade a analise de títulos que não são negociados no dia-a-dia do mercado, isso porque a informação cedida por essas empresas que não são negociadas é menos clara. Como mostram Crouhy, Galai & Mark (2001), A analise normalmente é feita de cima para baixo, ou seja, primeiro é analisado o risco soberano de um país, para depois se analisar o risco de um determinado setor e no final se chegar a uma analise específica de uma empresa. Isso é comumente chamado de analise de cima para baixo. A classificação de crédito é concedida majoritariamente pelas três principais agencias de rating de crédito do mundo que são: Moody’s, Fitch e Standard & 33 Poor’s. A atribuição do risco é feita através da avaliação de documentos por parte de um comitê. No caso de operações estruturadas, como é o caso dos CDOs, é necessário um estudo não só do risco de crédito que os fluxos de caixa apresentam, mas também um estudo sobre os riscos que derivam da estruturação dos instrumentos, como vimos as diversas tranches tem riscos diferentes o que depende conforme a estruturação do CDO. Para o cálculo as agências utilizam modelos que consistem em dois estágios. O primeiro implica em análise do crédito do grupo de fluxos de caixa que compõe o ativo do SPE, o modelo utilizado varia conforme o ativo lastro e varia também entre as agências. O segundo estágio é feito através do estudo do contrato do CDO e suas especificidades quanto à preferência de pagamento dos passivos. Para o primeiro cálculo as agências utilizam correlações entre os ativos que servem de lastro já que um CDO não precisa ter necessariamente fluxos apenas de hipotecas, ou de títulos corporativos. Além disso, um CDO pode conter fluxos de títulos corporativos de diversas indústrias o que tem como efeito a diversificação do risco. Para esse cálculo é necessário uma matriz que mostre a correlação entre os ativos para então se calcular o risco total do instrumento. As agências usam dados históricos para o cálculo da probabilidade de default para cada ativo da SPE, o que dá conta do primeiro estágio. É importante reparar que há arbitrariedade, isso se comprova com a comparação dos modelos utilizados pelas diferentes agências, como mostram Fender & Kiff (2004). Tanto a correlação quanto as probabilidades de default são variáveis difíceis de se modelar e de se prever. No segundo estágio, as agências estudam os contratos dos instrumentos financeiros. Uma parte muito importante deste estágio é a análise de que percentual do ativo está relacionado à dívida mais sênior e assim por diante. Isso determinará se essa dívida que tem prioridade nos recebimentos é rating AAA, com menor probabilidade de default ou apenas A, que tem uma probabilidade de default maior. Outro fator que elas devem considerar é uma mudança no risco que deriva do reset das taxas. Quando a taxa sofre um reset e aumenta, os indivíduos podem ter maior dificuldade para pagar suas obrigações implicando em um risco maior, isto deve ser considerado pelas agências durante a análise, e não no futuro quando ocorrem os eventos. 34 Tendo em mente a estrutura básica utilizada pelas agências pode-se perceber que houve negligência destas ao conceder rating de crédito a esses instrumentos. Podem-se enumerar alguns fatores em que as agências erraram e que estão causando stress no mercado. Um dos fatores foi que a probabilidade de default que se observou no passado para hipotecas de subprime não é mais válida pois houve um crescimento muito forte dos atrasos e defaults como podemos ver respectivamente nas figuras 3 e 4. A figura 3 mostra a porcentagem de hipotecas em atraso de até três meses, o que não é considerado preocupante. Enquanto a porcentagem de hipotecas subprime em atraso subiu quase em 1000 basis points, o aumento nas hipotecas prime foi de apenas 100 basis. Figura 3 - Hipotecas em atraso de até 3 meses 20 Porcentagem (%) 15 10 5 0 mar/00 set/00 mar/01 set/01 mar/02 set/02 mar/03 set/03 mar/04 set/04 mar/05 set/05 mar/06 set/06 mar/07 set/07 Prime Subprime Fonte: Mortgage Bankers Association A figura 4 mostra os atrasos com mais de 3 meses, que são mais preocupantes pois estes casos acabam se transformando em hipotecas que não serão pagas e portanto são casos que podem ser levados à justiça e o colateral pode ser exigido pela SPE. O padrão da figura neste caso é similar ao do gráfico anterior com a porcentagem de hipotecas subprime subindo 10 pontos percentuais, e a porcentagem de hipotecas prime em atraso subindo apenas um ponto percentual. 35 Observado os gráficos é possível também perceber que o número de defaults é crescente tanto nas hipotecas subprime quanto no caso das primes. Temos então o segundo fator que as agências negligenciaram. Hipotecas que não serão pagas têm o colateral para ir a leilão e pagar os credores porém, com a crise, o preço dos imóveis se reduziu muito e então não é mais possível se recuperar todo o montante emprestado, a demanda por imóveis frente a uma crise da economia se reduz muito. Figura 4 - Hipoteca em atraso de mais de 3 meses 20 Poircentagem (%) 15 10 5 0 mar/02 set/02 mar/03 set/03 mar/04 set/04 Prime mar/05 set/05 mar/06 set/06 mar/07 set/07 Subprime Fonte: Mortgage Bankers Association Outro fator colocado em questão principalmente pelos indivíduos que compraram esses CDOs que estão apresentando defaults maiores do que os previstos é que as agências de rating cedem as notas conforme as grandes instituições requisitam. A classificação é dada para cada novo produto que entra no mercado e, portanto são as próprias instituições que pagam pelo serviço das agências conforme a necessidade. Isso cria um conflito de agência no qual a agência de rating tenderá a dar classificação maior para os clientes que sejam mais fiéis e que paguem mais caro. Este conflito gerado faz com que o rating cedido pela agência não seja resultado de estudos estatísticos que determinam a probabilidade de default, mas sim resultado de uma relação comercial. Quanto maior a afinidade de uma agência 36 de rating com uma grande instituição emitente de CDOs, melhor a classificação dos instrumentos emitidos por esta. 5.4 A crise do Subprime A crise do subprime é, assim como vimos nos modelos do capítulo 2, uma preocupação quanto às condições da economia americana e suas implicações na relação que existe entre mercados financeiros e a economia real. Um primeiro fato que é importante ressaltar é que a economia americana na segunda metade desta década, dada a política de juros baixos implementada pelo presidente do Federal Reserve Alan Greenspan durante o início dos anos 2000, cresceu em um ritmo muito forte para um país desenvolvido, média de 2,75% entre 2002 e 2007. O resultado desse crescimento é a queda no desemprego e o aumento da massa salarial. Dessa maneira mais indivíduos estavam sendo inseridos no mercado de hipotecas. Além da taxa de juro ser mantida baixa pelo banco central americano existia no começo dos anos 2000 uma grande liquidez que é muito atribuída aos petrodólares do Oriente Médio e também a entrada da China no mercado global. Essa liquidez buscava ativos alternativos aos juros, como por exemplo: ações, commodities e mercado imobiliário. Com esse novo cenário de liquidez e vigor econômico a inflação volta a apresentar riscos para a economia e o Fed começa um ciclo de alta dos juros, o que foi feito com pequenas altas por um longo período. O ciclo durou de meados de 2004 até meados de 2006. Bernanke participa do final do ciclo, pois assumi a presidência do Fed em fevereiro de 2006. É nesse cenário que no inicio de 2007 o mercado de hipotecas subprime começa a mostrar os seus primeiros sinais de alerta. Esses sinais de alerta acendem não só para os detentores de papeis de hipotecas, mas também para o mercado como um todo, já que o setor imobiliário é muito importante para a economia como afirma em seu discurso Bernanke (2007), e uma queda no crescimento deste setor tem grandes impactos na economia como um todo. No inicio de 2007 os olhos do mercado estavam voltados para os dados de inadimplência no mercado de empréstimos imobiliários que começava a subir. 37 A inadimplência pode ser bem explicada se utilizarmos como variáveis explicativas o desemprego, grau de endividamento dos indivíduos e taxa de juros. O que observamos neste período, é o início de um ciclo de aumento do desemprego, um endividamento dos indivíduos que cresceu muito dadas as condições de liquidez e um movimento de baixa mais forte dos juros a partir deste ano. Sendo que os dois primeiros pressionam o aumento da inadimplência, enquanto que o ultimo tem o sentido contrario, o que não é suficiente pelo que observamos até agora. Juntamente com o aumento da inadimplência o que observamos é uma queda na venda de casas, isso se deve a uma menor oferta de crédito por parte do mercado que restringe o empréstimo para indivíduos com risco mais alto, já que nos anos anteriores os padrões para cessão de crédito foram levados de forma leviana. As queda nas vendas de imóveis se deve também a uma expectativa de piora no cenário, que faz com que os indivíduos diminuam seus gastos com bens duráveis, como vimos nos modelos gerais. Este processo desencadeia em um aumento no estoque de casas a venda e, portanto provoca uma queda nos preços. Esta queda atinge os indivíduos que estavam especulando nesse mercado e compraram ativos que valem menos do que a hipoteca que tem de pagar. Estes indivíduos juntamente com aqueles considerados subprime aumentam então o número de default nas dívidas. Esse efeito é repassado para diversas carteiras de securitização desses créditos. Isto pode ser repassado diversas vezes, pois como comentamos acima, o mercado estava operando securitizações de até terceira e quarta gerações. Ou seja, uma carteira de créditos era securitizada, e então os ativos de uma SPE eram resecuritizados por mais diversas vezes. Dessa maneira ainda há problemas quanto à identificação de quais instituições irão arcar com estes prejuízos. Os prejuízos gerados pelos subprimes nas carteiras de RMBS e, portanto de CDO podem ou não fazer com que as agências de rating re-classifiquem esses instrumentos. Isto faz com que estes sejam sujeitos a um prêmio de risco maior o que reduz o seu valor e aumenta as baixas contábeis que os bancos vêm apresentando. Estima-se que as perdas geradas nessa crise alcançarão um montante entre 500 bilhões e 1 trilhão de dólares e que a porcentagem de default de hipotecas pode chegar a 35% do mercado. Um número que corrobora essa visão é o de montante 38 de hipotecas que deve sofrer um reset da taxa de juros nos próximos meses. A figura 5 mostra os dados. Como existem muitos bilhões de dólares para sofrerem reset e essas taxas devem aumentar já que o risco dessas hipotecas aumentou, a inadimplência por parte desse mutuários deve aumentar. Figura 5 - Montante de Hipotecas de Subprime com taxas que sofrerão "reset" 30 25 Bilhões de US$ 20 15 10 5 0 jan/08 abr/08 jul/08 out/08 jan/09 abr/09 jul/09 out/09 Fonte: Deutsche Bank Global Markets Research Devemos ressaltar que o trabalho que o Fed tem realizado tem sido muito importante. O presidente do banco central já realizou cortes na taxas de juros em reuniões extraordinárias o que levou a taxa dos fed funds para 2% próximo a um piso teórico. Mesmo com a inflação rondando números altos estas medidas foram tomadas. Bernanke ainda fez diversos comunicados ao mercado mostrando que não deixará que a crise se agrave cedendo liquidez para o mercado. Os bancos centrais europeus e o americano injetaram no mercado em tordo de 40 bilhões de dólares mensais e o governo americano anunciou um pacote que prevê a distribuição de 150 bilhões de dólares em forma de cheques para a população na tentativa de impedir uma recessão. Este tipo de ação é muito importante em momentos de crise por mostrar aos mercados que há uma preocupação das autoridades com a economia e com o mercado e que uma recessão não será duradoura. 39 6 Comparação entre as crises Este capítulo visa trabalhar as semelhanças e diferenças entre as crises. Para isso serão analisadas as trajetórias de algumas variáveis selecionadas durante o período das crises. O critério utilizado para o período de tempo é de três anos antes do início da crise e três anos depois desta mesma data. A data foi escolhida tomando-se como base o dia em que os mercados tiveram suas piores quedas. Para a crise de 1929 o dia escolhido foi 28 de outubro, ou segunda-feira negra, no caso da crise de 1987 o dia escolhido foi 19 de outubro, também uma segunda-feira. A crise atual tem como data de inicio o dia 27/02/2007 que foi a primeira vez que o subprime levou pânico aos mercados. No caso da crise de 1929 muitos dos dados não eram calculados na época, foram criados alguns índices que dão uma indicação dos movimentos, por isso em diversos casos os dados não estarão disponíveis e serão feitos comentários sobre esta crise. Podemos começar a analise com os dados do índice Dow Jones que são disponíveis para os três períodos. Esse estudo tem como base o trabalho de WHITE (1990), que ao estudar a crise de 1929 faz um exercício semelhante ao da figura 6. A figura 6 é muito útil para nos mostrar primeiro a semelhança entre a “bolha” formada em 1929 com a formada em 1987 e como a “bolha” do mercado imobiliário, pelo menos na bolsa, está distante dos outros casos. Percebe-se através do gráfico que o período pós-crise é fortemente baseado em expectativas de melhoras continuas na economia do país. Outro fato interessante é a trajetória do índice um ano após o início da crise. No caso de 1929 vimos que houve uma política restritiva por parte da autoridade monetária o que acabou criando a Grande Depressão e o índice tem uma trajetória de continuidade de queda até o fim do período enquanto que na crise de 1987, passado um ano da turbulência no mercado o índice voltou fortemente. Pelo que já foi comentado, a crise de 1987 foi apenas um pânico nos mercados e, além disso, Greenspan, em seu papel de autoridade monetária não permitiu que a crise tivesse grandes impactos. 40 Figura 6 - Índice Dow Jones nos três periodos de crise Índice (Ínicio dos períodos = 100) 275 225 175 125 75 25 -3 -2 -1 0 1 2 3 Anos 1929 1987 Subprime Fonte: Bloomberg Parece que o mercado aprendeu com as crises passadas e “bolhas” como as observadas nas duas crises passadas não podem ocorrer novamente. O mercado sofre ajustes, porém em uma dimensão menor do que a observada, quando os mercados chegaram a ter valor 250% superiores ao inicial. É possível comprovar o que foi dito sobre a economia nos períodos analisando a figura 7 com dados de crescimento econômico para 1987 e os dias atuais. Os dados de PIB americano são disponíveis na base anual desde 1929, isso é possível devido a estimações, pois o PIB não era contabilizado na época, porém não são disponíveis dados trimestrais. Apesar de não termos os dados para a crise de 1929, vimos no capítulo 3 e os dados anuais mostram que o Pib nesses anos não apresentou recuperação até o New Deal. Os dados de crescimento confirmam ainda o fato de que a economia real só foi afetada no final dos anos 80, passada a crise de 87. O gráfico traz pouca informação sobre a crise do subprime já que os dados são trimestrais. O que os economistas prevêem é que a economia americana deve passar por uma recessão nesse anos, provavelmente com crescimentos negativos do PIB no segundo e no terceiro trimestres. O que se pode observar com os dados dos últimos trimestres é uma queda na demanda que traz dúvidas quanto a saúde da economia. 41 Figura 7 - Cresciemto do PIB americano 240 ïndice (Ínicio dos períodos =100) 220 200 180 160 140 120 100 80 -3 -2 -1 0 1 3 4 Anos 1987 Subprime Fonte: Bureau of Economic Analysis Outra variável que nos traz informação sobre o nível de atividade e também sobre como deverá evoluir a inadimplência é o desemprego. Os dados não são disponíveis para a crise de 1929, mas ainda assim conseguimos traçar alguns paralelos. A figura 8 mostra a evolução da média móvel de doze meses para o nível de desemprego nos períodos da crise de 87 e do subprime. Utiliza-se a média móvel para suavizar a série que apresenta sazonalidade. Observamos através do gráfico que o desemprego se reduziu continuamente durante a crise de 1987, apenas se manteve um pequeno período constante um ano antes da crise. Pode-se perceber que o nível de desemprego só começa a aumentar a partir dos anos 90, que é quando a economia americana sofre uma recessão de fato. No caso da crise atual conseguimos observar a inflexão da curva próximo à data zero da curva, isso se confirmando nos próximos dados a serem liberado é uma indicação de que está crise terá conseqüência na economia real mais severa do que a de 87, já que o aumento do desemprego mostra que a economia está se arrefecendo também pela influencia maligna que isso tem no aumento da inadimplência. Pelo que foi estudado, a crise de 1929 apresentou um grande aumento no nível de desemprego, mesmo sem termos o dado exato, estudos mostram que o 42 desaquecimento da economia afetou muito o emprego. Por isso também foi criada a política do New Deal, que era baseada na idéia de que era preciso contratar pessoas para enterrar garrafas durante o dia e outras tantas para procurá-las durante a noite. Com o governo gerando empregos e aumentando seu gasto seria possível uma recuperação mais forte da economia real. Além do aumento do gasto do governo é necessário estudar também a evolução da oferta monetária, pois essa foi determinante tanto na crise de 29 quando a falta de uma política mais expansiva impediu que a economia se aquecesse mais rapidamente quanto na crise de 1987 quando o Fed não exitou em aumentar a oferta afastando pelo menos por algum tempo a recessão econômica. Figura 8 - Taxa de desemprego (Média Móvel 12 meses) Índice (Ínicio dos períodos =100) 110 100 90 80 70 60 -3 -2 -1 0 1 2 3 Anos 1987 Subprime Fonte: Bureau of Labor Statistics Portanto outra variável que devemos estudar é a oferta de moeda. A evolução dessa variável nos períodos da crise de 1987 e do subprime é apresentada na figura 9. O gráfico mostra a evolução do chamado M2, que é a variável chave para o estudo da inflação, pois é o M2 que mostra a quantidade de ativos liquidos na economia. O gráfico mostra-nos que nos dois casos a oferta vem sendo expandida pela autoridade norte americana. É possível perceber que durante a crise de 87 o crescimento foi ainda maior do que o proporcionado agora por Bernanke. Em 1929 43 foi visto que houve na realidade uma retração da oferta monetária durante o inicio dos anos 1930 o que ajudou a retardar a recuperação da economia na época. Figura 9 - Oferta Monetária Índice (Ínicio dos períodos = 100) 150 140 130 120 110 100 -3 -2 -1 0 1 2 3 Anos 1987 Subprime Fonte: The Federal Reserve Board Enquanto em 29 a oferta se retraiu, em 87 e no subprime a oferta se expandiu muito. Apesar disso a expansão em 87 foi ainda maior. Esse comportamento pode ser explicado se confrontarmos esses dados com os de inflação já que a inflação agora está subindo mais rapidamente do que em 87 como pode ser observado na figura 10. As informações sobre a crise de 1929 apontam para um período de deflação o que faz sentido já que houve uma retração da oferta monetária em um período de aumento da demanda por moeda. No crash de 1987 houve um crescimento muito forte da oferta monetária desde três anos antes da data zero e a inflação se manteve em patamares baixos até meio ano antes da crise, quando começou a crescer. Isso pode ser explicado através da demanda por moeda que deve ter crescido muito no período já que a expectativa de uma economia mais fraca aumenta a demanda por moeda por parte dos indivíduos. Porém, com a sinalização do Fed de que não permitiria que a crise se alastrasse pela economia, os agentes passam a esperar que a oferta monetária cresça ainda mais e, portanto a inflação deverá ser maior o que tem um efeito na inflação imediatamente. 44 O maior dilema na condução da política monetária aparece em crises como a do subprime. Nesse caso observamos que mesmo antes da crise os índices de inflação já eram crescentes, devido ao grande aumento de liquidez no mundo que caracterizou a segunda metade dos anos 2000. Somando-se a isso a expectativa de uma economia mais fraca é possível se prever que a economia caminha para uma estagflação. Uma economia com estagflação é uma economia em recessão e com inflação crescente, esse fenômeno foi observado em diversos paises do mundo em meados dos anos 70, sendo decorrente da crise do petróleo. O principal problema nesses casos e que na tentativa de tirar um país da crise aumentado a oferta monetária o resultado pode ser uma crise ainda maior causada pelos problemas da alta inflação. Talvez por isso Bernanke tenha aumentado menos a oferta monetária agora em comparação com a atuação de Greenspan em 87. Mesmo com a inflação crescente o Fed tem tomado decisões no sentido de baixar os juros numa tentativa de dar força a economia mesmo que seja necessário suportar uma inflação acima da perseguida pela instituição, que é de um número em torno de 2%, tendo em vista a serie de inflação dos Estados Unidos. Figura 10 - Inflação (Preços ao Produtor) Índice (Ínicio dos períodos = 100) 125 120 115 110 105 100 95 -3 -2 -1 0 1 Anos 1987 Fonte: Bureau of Labor Statistics Subprime 2 3 45 Com base nessa discussão podemos afirmar então que por mais que a oferta monetária seja importante para tirar um país de uma crise, talvez esse instrumento possa não estar disponível. No caso da crise atual até o momento a inflação americana apesar de alta é sustentável permitindo a política do Fed que trouxe os juros a 2% em abril de 2008, de um patamar de 5,5% em meados de 2007. Além disso, houve atuações por parte do governo demonstrado que irá injetar dinâmica na economia através de transferências diretas aos indivíduos. Para uma melhor visualização de como a economia se comporta em períodos de crises foi produzida a tabela 2 que resume o movimento das principais variáveis estudadas. Tabela 2 - Resumo da evolução das principais variáveis durante a crise 1929 1987 Antes Depois Antes Depois Antes Subprime Depois (até abril/2008) PIB Desemprego Oferta monetária Inflação Bolsa - Aumento - Queda - Estabilidade Através da tabela podemos identificar que a economia comumente tem um crescimento forte do PIB, com queda do nível de desemprego seguido de um momento de crescimento restrito e queda no emprego. Isso não se verificou em 1987 pois a crise foi sentida no mercado mas não teve efeitos na economia real. A oferta monetária tende a crescer ainda mais nos períodos de crise, isso ocorre na tentativa por parte da autoridade monetária de evitar a crise, isso não ocorreu em 1929 e é apontado como um das causas do prolongamento da recessão. Esse aumento na base monetária geralmente é acompanhado por um aumento da inflação. Esse efeito pode não ser grande já que em períodos de crise a demanda por moeda também tende a crescer o que eliminaria parte do efeito do aumento da oferta na inflação. O que se observou em 1929 é atípico, pois a moeda não foi utilizada como maneira de recuperar a economia. Em 1987 a inflação não saiu do controle, apenas se acelerou. E na crise do subprime a inflação vem se mostrando um problema já que ela não é causada apenas pela oferta monetária, mas também por uma oferta mundial mais restrita, principalmente para alimentos e commodities. 46 Por fim podemos comentar que o mercado financeiro sofre os efeitos de uma crise de forma distinta nos três períodos. No primeiro caso, ao se vislumbrar uma economia mais fraca no futuro, o mercado sofreu grandes ajustes durante um mês inteiro. No segundo caso houve um grande crash em um único dia, mas a economia não se mostrou tão fraca e, portanto o mercado logo se recuperou. No terceiro caso o que observamos é que vislumbrando uma economia mais fraca o mercado sofreu ajustes no inicio de 2007, quando começou a se observar os problemas no mercado imobiliário na seqüência houve outro ajuste em agosto de 2007, pois alguns fundos demonstravam enormes perdas no mercado imobiliário, no final de 2007 o mercado apresentou novos ajustes frente a uma consolidação de um cenário de recessão e perdas para os bancos. Esses ajustes foram mais fracos do que nos outros casos porque a “bolha” não era tão grande, parte dos agentes já esperavam o pior e não alimentaram um aumento insustentável nos preços das ações. Dando um passo a frente, é interessante comentar um pouco sobre os rumos da atual crise e como devem evoluir as variáveis estudadas daqui para frente. Para podermos entender o que ainda está por vir como resultado da crise do subprime é interessante analisarmos os pedidos iniciais de auxílio desemprego. Slok (2007) apresenta essa variável como sendo um indicador antecedente significante para recessões. Se observarmos a evolução dessa variável na figura 11 é possível se chegar a essa mesma conclusão e ainda formar expectativas sobre o que está por vir. Vemos que em 1985, dois anos antes de 87 os pedidos estão caindo o que não é indicativo de uma recessão, o que realmente não se viu. Porém em meados de 89 já é possível se observar o pedido de auxílio crescendo o que se seguiu até 91 quando a economia real americana sofre uma crise. O padrão de que o aumento nos pedidos resulta em uma crise em dois anos é observado também na crise de 2001, quando já em 1999 os pedidos de auxílio desemprego começam a subir. O que se viveu em 2001 foi uma crise atribuída também a uma “bolha” criada devido as empresas ponto com. Na época surgiram muitas empresas que começavam a se beneficiar das inovações da Internet oferecendo serviços que antes não eram possíveis. Levando em conta esse padrão vemos que em meados de 2006 os pedidos já começam a demonstrar uma tendência de alta e essa tendência vem se mantendo 47 até esse momento, o último dado existente é da segunda semana de abril de 2008. com base nesse dado e também na figura 5 apresentada, pode-se dizer que a economia americana deverá sofrer uma recessão no mínimo durante o segundo e o terceiro trimestre de 2008. Figura 11 - Pedidos iniciais de auxílio desemprego (Média móvel de 4 semanas) Número de pedidos (Mil) 550 450 350 250 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 Fonte: Bureau of Labor Statistics Podemos aprofundar essa analise através de uma comparação entre o crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2008 contra o ultimo trimestre e contra o primeiro trimestre de 2007. Os dados da tabela 1 mostram a contribuição das variáveis do PIB na ótica da demanda para o crescimento. Coincidentemente nos três trimestres o crescimento apresentado pela economia foi de 0,6% porém, o perfil desse crescimento se alterou para pior. Observamos que já algum tempo são os serviços que puxam o crescimento do consumo, mas o que observamos agora é um consumo de bens tanto duráveis quanto não duráveis em queda. Isso resulta em uma queda de quase dois pontos percentuais na relevância do consumo para o crescimento da economia. Os investimentos privados que mostram uma participação menor para o decréscimo parece um alívio. Analisando os dados com calma, vemos que o investimento fixo vem caindo mais fortemente, com os investimentos residenciais puxando já desde 2007 e os não-residenciais caindo ainda mais do que em relação a 2007. Os 48 investimentos estão sendo segurados pelo aumento dos estoques, que é mais uma demonstração de que o consumo está caindo. Uma economia sadia deveria crescer com investimentos fixos e não com aumento de estoques. Tabela 1 - Contribuição para o crescimento em pontos percentuais 2007.I 2007.IV Taxa anual de crescimento do Pib (%) 0.6 0.6 Gastos com consumo pessoal 2.56 1.58 Bens duráveis Bens não-duráveis Serviços Investimento doméstico privado Bruto Investimento Fixo Investimento não-residencial Residenciais Mudança nos estoques privados Exportação Líquida de bens e serviços Exportações Importações Gastos e Investimentos do Governo Federal Defesa nacional Não defesa nacional Estaduais e Municipais 2008.I 0.6 0.68 0.67 0.61 1.28 0.15 0.25 1.18 –0.48 –0.27 1.43 –1.36 –2.40 –0.70 –0.70 0.22 –0.93 –0.65 –0.62 0.63 –1.25 –1.79 –1.50 –0.28 –1.23 0.81 –0.51 1.02 0.22 0.13 –0.63 0.77 0.24 0.67 –0.44 –0.09 0.38 0.39 –0.46 –0.54 0.08 0.36 0.04 –0.03 0.06 0.34 0.32 0.28 0.04 0.07 Fonte: Bureau of Economic Analysis A economia norte americana tem a exportação líquida positiva, resultado da depreciação que o dólar vem sofrendo frente a outras moedas do mundo. Isso é positivo para os Estado Unidos dada a sua situação econômica. Podemos afirmar que o governo vem tentando fazer a sua parte já que tem aumentado os gastos e investimentos. É importante ressaltar que o governo aumenta principalmente os gastos não militares, pois esse é o gasto que produz crescimento econômico. Se o governo gastar com outros bens causará o chamado crowding out, processo no qual o governo tira a participação privada no crescimento do PIB. Como gastos com defesa não são possíveis de ser realizados pelo setor privado, o crowding out é assim evitado. Com base nos dados é importante ter em mente que a crise americana não acabou que ainda devemos observar alguns semestres de recessão com o aumento do nível de desemprego nos Estados Unidos. A oferta de moeda deve continuar em crescimento com o estimulo do banqueiro central e isso mantém sempre o perigo de 49 um aumento mais forte da inflação dado a queda nos juros promovida pelo banco central americano e a inflação mundial provocada pela restrição de oferta. A queda dos juros normalmente só se reflete no crescimento econômico de seis a nove meses após o corte, mas o efeito no aumento sa inflação ocorre apenas três meses após. O mercado norte americano deve continuar estável já que com um PIB decrescendo ou estável próximo de zero, as empresas devem apresentar resultados não muito positivos. Como vimos o consumo está caindo e os estoques se elevando. Além disso, perdas por parte dos grandes bancos ainda devem estar por vir o que prejudica os balanços. 50 7 Conclusão O trabalho apresentou modelos para analise de crises em economias, após esse estudo analisamos mais profundamente duas crises do passado e a atual crise que o mercado vive, conhecida como crise do subprime. Com base nessas analises podemos perceber que há muito a se aprender com as crises passadas. Primeiro é importante salientar que as crises têm sua origem em expectativas negativas quanto ao futuro da economia. Isso porque ao se vislumbrar um futuro de crescimento mais restrito, isso impacta o resultado das empresas esse impacto é sentido no preço das ações imediatamente. Esse processo de revisão das expectativas sempre tem seu estopim no crédito. Ao se esperar um aumento da inadimplência a economia entra em um ciclo de recessão. Vimos que no caso de 87 a recessão não aconteceu, pois não se observou um aumento da inadimplência, o que veio a ocorrer dois anos mais tarde. Mesmo sendo o crédito o principal fator para o desencadeamento desse processo, foram apresentadas algumas particularidades das crises. Nos três casos tivemos uma inovação ajudando a criar uma “bolha”. No caso de 1929 a inovação foi o aumento do mercado de ações incentivado por empréstimos a custo baixo. No caso de 1987 tínhamos algumas inovações no mercado: (i) Contratos futuros de índices, (ii) operações de leverage-buy-out e (iii) o portfolio insurance. A crise do subprime teve uma importante inovação no mercado imobiliário, que foi a criação de um mercado de hipotecas subprime, este teve um forte crescimento devido a outra inovação que foi a negociação no mercado dos instrumentos conhecidos como colaterallazed debt obligation. Como o crédito é potencialmente um grande vilão a importância de um banco central nesse momento fica mais evidente. A atuação deste é importante, pois estimula a economia como um todo. Além disso, dá liquidez ao mercado possibilitando aos agentes que rolem as suas dívidas, que não teriam capacidade de honrar, dessa forma evita-se o aumento da inadimplência. Por isso que é preciso se tomar cuidado também com o problema de moral hazard. Se os indivíduos perceberem que sempre que estiverem em dificuldades serão ajudados, eles irão tomas decisões que tenderam a aumentar a probabilidade de inadimplência, 51 portanto um resultado perverso, ao contrario do que o banqueiro central gostaria de alcançar. Com um banco central atuando de forma correta, uma recessão maior pode ser evitada. O banqueiro deve abaixar os juros, na medida do factível, frente a uma economia que decresce, sem criar condições para uma nova bolha. E deve contar com um governo que utilize a política fiscal de forma a manter a economia crescendo sustentavelmente. No caso da crise atual o mercado está mais atento para a criação de “bolhas” em comparação com o que foi visto nas crises passadas. Percebemos isso quando o mercado realiza correções relativamente antes e essas correções vão se seguindo conforme mais informações se tornam disponíveis. Deve se evitar a criação de “bolhas” que incentivam as pessoas a tomarem posições alavancadas e mais arriscadas do que deveriam. O que gerou as bolhas foram juros baixos, um incentivo para a alavancagem e também a má utilização das inovações, que surgem com se proporcionassem ganhos sem risco. O ciclo do crédito que é determinado pelos juros deve ser suavizado evitando grandes mudanças nos índices de inadimplência. No caso da crise atual, já presenciamos o estouro da “bolha”, porém o mercado vem mostrando força e se mantém estável. Isso não deve ser sustentável, ainda devem ocorrer correções, pois o mercado se apega muito aos dados que mostram uma recuperação da economia e tentam esconder os dados que mostram que as coisas não estão voltando aos eixos ainda, como por exemplo, a quantidade de reset que deveram acontecer, e a piora na qualidade do crescimento do PIB norte americano. 52 Referências BERNANKE, Ben S. Bankruptcy, Liquidity, and Recession. 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