Uma Comparação Entre a crise do Subprime e as Crises de 1929 e

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IBMEC SÃO PAULO
Faculdade de Economia e Administração
Adriano Ortega Carvalho
Uma Comparação Entre a crise do Subprime e as
Crises de 1929 e 1987: Causas e Lições
São Paulo
2008
Adriano Ortega Carvalho
Uma Comparação Entre a crise do Subprime e as
Crises de 1929 e 1987: Causas e Lições
Monografia apresentada ao curso de Ciências Economias,
como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel
do Ibmec São Paulo.
Orientadora:
Prof. Dr. Andrea Maria Accioly Fonseca Minardi - Ibmec SP
São Paulo
2008
Carvalho, Adriano Ortega
Uma Comparação entre a Crise do Subprime e as Crises de
1929 e 1987: Causas e Lições / Adriano Ortega Carvalho. – São
Paulo: Ibmec, 2008.
53 f.
Monografia: Faculdade de Economia e Administração. Ibmec
São Paulo.
Orientador: Prof. Dr. Andrea Maria Accioly Fonseca Minardi
1.Política Monetária 2. Finanças 3. Investimento
Adriano Ortega Carvalho
Uma Comparação Entre a crise do Subprime e as Crises de 1929 e
1987: Causas e Lições
Monografia apresentada à Faculdade de Economia, do Ibmec São Paulo
como parte dos requisitos para conclusão do curso de graduação em Economia.
Aprovado em Junho 2008
EXAMINADORES
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Andrea Maria Accioly Fonseca Minardi
Orientadora
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Alexandre de Carvalho
Examinador
___________________________________________________________________
Prof. Dr. João Luiz Mascolo
Examinador
Agradecimentos
Agradeço a toda a minha família pelo suporte que eu recebi até aqui, a meus
pais por acreditarem e investirem na minha educação e a todos os outros por
estarem sempre por perto.
Agradeço também a minha orientadora Andréa Minardi não só pelos
conselhos acadêmicos, mas também pelas conversas sobre o que esta por vir após
a graduação. Agradeço aos professores Alexandre de Carvalho e João Luiz Mascolo
pelo apóio que recebi para a produção deste projeto.
Agradeço também aos colegas do Ibmec com quem aprendi muito e tive a
oportunidade de realizar diversas discussões. Agradeço a faculdade Ibmec pela
estrutura do curso, não tenho dúvida que tive o melhor ensino possível.
Por fim, agradeço aos meus amigos de longa data que sempre me apoiaram
e sabem que eu também sempre estarei disponível para apoiá-los.
Resumo
CARVALHO, Adriano Ortega. Uma Comparação Entre a crise do Subprime e as
Crises de 1929 e 1987: Causas e Lições. São Paulo, 2008. 53p. Monografia –
Faculdade de Economia do Ibmec São Paulo.
O objetivo deste trabalho é realizar uma comparação entre a atual crise do
mercado, chamada de subprime, com as crises de 1929 e 1987. Para isso primeiro é
apresentado um modelo que descreve a dinâmica das crises econômicas. Em
seguida os períodos são estudados em detalhe separadamente. Por fim é feita uma
comparação direta entre as crises, considerando algumas variáveis. É realizada uma
breve previsão sobre como a crise do subprime deve se desenrolar. A conclusão
reafirma a dinâmica de uma crise acentuando a questão do crédito como causa e do
atuação dos bancos centrais como solução para as crises.
Abstract
CARVALHO, Adriano Ortega. A Comparison between the Subprime Crises and the
1929 and 1987 Crises: Causes and Lessons. São Paulo, 2008. 53p. Monograph –
Faculdade de Economia do Ibmec São Paulo.
The objective of this work is to make a comparison between the today’s
market crises, called subprime, with the 1929 and 1987 crises. To do so, first we
present a model that describes the dynamic of economic crises. Second we study the
three periods in details separately. In the end we do a direct comparison between the
three crises, considering some relevant variables. We foresee shortly what is about
to come with the subprime mortgage crises. The conclusion reaffirms the dynamics of
a crisis pointing credit problems as the main cause and the central banker’s actuation
as the solution for the crises.
Sumário
1 Introdução ........................................................................................................................... 9
2 Modelos Gerais sobre Crises ......................................................................................... 11
3 A crise de 1929 ................................................................................................................ 15
4 A crise de 1987 ................................................................................................................ 20
5 A crise do Subprime ........................................................................................................ 26
5.1 Mercado de hipotecas Subprime ............................................................................ 26
5.2 CDOs.......................................................................................................................... 27
5.3 Rating de crédito....................................................................................................... 32
5.4 A crise do Subprime ................................................................................................. 36
6 Comparação entre as crises .......................................................................................... 39
7 Conclusão ......................................................................................................................... 50
Referências .......................................................................................................................... 52
9
1 Introdução
As crises financeiras são eventos muito intrigantes por trazerem ao mercado
oportunidades de grandes ganhos ou perdas. Por isso, mesmo em períodos de crise
nos mercados, como a que se vive hoje, acadêmicos e investidores tentam estudálas e prever seus efeitos em variáveis como câmbio, juros, inflação, balança de
pagamento e outras.
O objetivo desse trabalho é comparar a crise atual, conhecida por crise do
subprime, com a crise de 1929 e a de 1987. A crise de 1929 foi escolhida como base
de comparação, pois esse período é considerado a pior recessão que a economia
norte americana já passou. E a crise de 1987 foi escolhida, pois nesse período
ocorreu a maior queda do índice Dow Jones da bolsa se Nova Iorque em um único
dia. Crises mais recentes foram excluídas da comparação por terem menos estudos
disponíveis.
A crise de 1929 foi desencadeada principalmente pela supervalorização do
mercado acionário norte americano, a crise de 1987 pelo mercado de high yield
bonds, ou seja, títulos de baixa qualidade de crédito e a crise atual pelas hipotecas
subprime que consistem nos empréstimos aos proprietários com os piores históricos
de pagamento de dívidas e contas.
O resultado dessa comparação traz a possibilidade de se entender quais fatos
comuns que causaram as crises possibilitando que se evite futuros problemas nos
mercados e na economia. Também será possível a identificação de fatos isolados, o
que possibilita a compreensão de diferentes dinâmicas que as crises podem tomar.
Apesar de não existirem muitos estudos sobre a crise atual, a idéia é que
consigamos prever o movimento que a economia deverá seguir nos próximos
trimestres. Além disso, poderemos com base nos antecedentes apontados aqui
evitar grandes quebras no mercado, na medida em que evitarmos a formação de
“bolhas” especulativa.
O trabalho está estruturado na seguinte maneira. No capítulo 2 são discutidos
modelos gerais sobre crise, que abordam a dinâmica que as crises têm na economia
e nos mercados financeiros, apontando os fatos que permeiam as diversas crises.
Nos capítulos 3 e 4 são explicadas as crises de 1929 e 1987,
respectivamente. É realizada uma analise completa sobre o período, apontando
10
como evoluíam as principais variáveis da economia e o que foi feito por parte das
autoridades para resolver a questão da crise. No capítulo 5 a crise atual é explicada,
com analises detalhadas sobre o mercado de hipotecas de subprime, os
instrumentos financeiros estruturados que possibilitaram a expansão desse
mercado, como que as agências dão classificação para esses instrumentos e por fim
como a crise se desenrolou.
O capítulo 6 compara as crises, identificando fatores comuns e divergentes
entre elas e mostra como a crise atual do mercado deve se desenrolar. Por fim, a
conclusão fecha o trabalho apontando os fatores comuns que causam as crises,
como resolver uma crise que já se iniciou e como evitar que isso aconteça
novamente.
11
2 Modelos Gerais sobre Crises
Existe uma extensa literatura acadêmica sobre crises econômicas e nos
mercados financeiros. Esses estudos são utilizados entre outras coisas para a
criação e teste de modelos para a economia. Através destes testes torna-se possível
a criação de modelos econômicos que incorporem a possibilidade de grandes crises.
Estes modelos podem ser testados em momentos como o de hoje, e se estiverem
corretos podem ajudar na prevenção de futuras crises, por antecipar alguns
comportamentos que geram as crises econômicas.
England (1913) comenta que existe uma confusão entre causas e efeitos de
uma crise. Muitos autores elegem um efeito como o causador da crise mesmo na
presença de outros fatores que podem ser tão ou até mais importantes do que o
eleito. Outros trabalhos reconhecem a complexidade das crises e os múltiplos
fatores que as causam, porém há muita divergência sobre qual é o fator mais
importante. England (1913) explica que não é a falta de modelos que cria essa
diferença entre as explicações dos diversos autores mas sim o quão confiável é o
modelo que se está usando na pesquisa.
England (1913) propõe um modelo mais abrangente e separa crises na
economia real de crises financeiras. Segundo o autor uma crise na economia real
começa após um período de crescimento econômico, de um ciclo virtuoso de
aumento do consumo por parte das pessoas e empresas e também um crescimento
das empresas. Esse ciclo pode ter seu fim por três razões: (i) os investidores já
tomaram todos os riscos que estariam dispostos a tomar e assim o investimento
diminui; (ii) os bancos se recusam a emprestar mais dinheiro, não devido aos riscos
assumidos, mas sim devido às reservas de capital obrigatórias e (iii) os empresários
não vislumbrarem mais retornos em aumentar os seus investimentos.
Uma crise financeira se dá quando um grande número de tomadores de
empréstimos não cumpre com suas obrigações no prazo. Isso ocorre porque, o
cálculo de retorno do indivíduo estava incorreto e, portanto o fluxo de caixa
planejado não se realiza. Esse erro de calculo é oriundo de incertezas relacionadas
a juros e inflação futura, esses, fatores que afetam o fluxo de caixa esperado pela
empresa. Essas variáveis podem sofrer grandes variações entre períodos, por
12
exemplo, de guerras e mudanças políticas. England (1913) comenta que nesses
casos para tentar corrigir os erros, os empresários tendem a aumentar os preços,
objetivando uma maior folga nos fluxos de caixa. Isso gera inflação na economia, e
nem sempre o aumento dos preços resultará em uma melhor situação para uma
empresa.
Por fim o autor comenta que o raciocínio dos modelos de crises é
basicamente o mesmo, porém os fatores que são o estopim de crises variam e tem
pesos diferentes caso a caso. As crises normalmente mesclam efeitos na economia
real e nos mercados financeiros, pois um arrefecimento em um dos mercados acaba
influenciando o outro.
Diversos trabalhos discutem a crise americana de 1929, o período conhecido
como a grande depressão, que começou nos Estados Unidos e afetou a economia
do mundo inteiro, principalmente da Europa. Podem ser citados Dice (1929), Fisher
(1930), Galbraith (1954) e Friedman e Schwartz (1971). Os dois últimos, por serem
escritos posteriormente à crise, têm uma melhor capacidade de analisar os dados de
todo o período e com modelos econômicos mais modernos à disposição. Além disso,
possui um melhor conhecimento sobre as inovações da época, que serão discutidas
com mais detalhamento no capítulo 3. Dessa maneira puderam tirar melhores
conclusões sobre as causas da crise e apontar dentre elas quais poderiam ter sido
tratadas de uma forma diferente para que se evitasse a crise.
Um grande estudioso de crises é o atual presidente do Federal Reserve, o
Banco Central dos Estados Unidos. Segundo Bernanke (1981), o risco de falência e
problemas de liquidez podem levar uma economia à recessão. O autor enfatiza o
desenvolvimento do processo e não suas causas. O argumento é semelhante ao de
England (1913), de que as crises são conseqüência de um período de crescimento
da economia seguido de uma queda nos investimentos e maior incerteza. Porém,
Bernanke (1981) interliga economia real e mercados financeiros. O trabalho parte do
princípio de que nos momentos em que há incerteza quanto a não pagamento de
dívidas, é gerado um custo para a sociedade, pois indivíduos e empresas irão
buscar uma maior liquidez para que tenham condição de honrar suas obrigações.
Enquanto isso os bancos serão mais rigorosos quanto a empréstimos e reduzirão os
limites concedidos. Esta restrição de liquidez diminui os fluxos de renda para toda a
economia o que traz mais incerteza quando ao futuro.
13
Dada uma queda no crescimento econômico, que pode vir por meio de
menores gastos do governo, por exemplo, a economia tenderá para uma recessão
se nenhuma medida for tomada, pois indivíduos e empresas, prevendo um período
de maior restrição, diminuem o seu consumo principalmente de bens duráveis.
Como o que se quer evitar é o comprometimento dos fluxos de caixa, a compra de
bens duráveis, que geralmente são financiados, diminui e isso é agravado pela
restrição maior dos bancos para emprestar.
A queda adicional na demanda é que preocupa os bancos na hora de
conceder empréstimos, pois nesse caso as empresas terão menores receitas,
restringindo os fluxos de caixa, gerando demissões e aumentando assim o risco de
não pagamento de dívidas tanto por parte das empresas como por parte dos
indivíduos. Nesse momento os tomadores de empréstimos, empresas e indivíduos,
têm de se mostrar os mais confiáveis possíveis na hora de cumprir com suas
obrigações.
Os bancos, tendo em vista o mecanismo de seleção adversa, dada a
assimetria de informação entre tomador e credor, tem como procedimento não só
melhorar seus cálculos de risco de default por parte dos tomadores como também
diminuir os limites de credito.
Nesse contexto de grandes incertezas quanto às possibilidades de default se
observa o chamado flight to quality que pode levar ao empoçamento de liquidez.
Nesse processo de flight to quality não só os bancos, mas os agentes da economia
em geral liquidam seus ativos de maior risco e buscam investir em ativos menos
arriscados, por exemplo, títulos do governo. Nesse fenômeno a pressão de venda
dos títulos mais arriscados, também chamados de high yield bonds, faz com que o
preço destes caia e, portanto a taxa de retorno aumente enquanto que a pressão de
compra dos ativos menos arriscados faz com que o preço aumente provocando uma
queda nas taxas de retorno.
A propensão do banco a emprestar é menor e o investimento em títulos mais
seguros aumenta. Os indivíduos passam a enfrentar maiores taxas para
empréstimos ou esperar por taxas melhores. O financiamento de bens duráveis se
contrai e a economia tende a se retrair mais.
A premissa por trás desse mecanismo é que os preços são flexíveis e a oferta
de moeda é constante. Conseqüentemente, o que se observaria nessa economia
14
seria uma queda nos preço dos bens, ou seja, uma deflação. Este fenômeno por si
só não deve levar a economia de volta ao seu equilíbrio e, portanto uma injeção de
liquidez no mercado por parte das autoridades monetárias pode se justificar.
Por mais que os preços da economia estejam baixos, a falta de liquidez
impede os indivíduos de se aproveitarem dos preços. A economia só voltará a se
aquecer provocando uma alta dos preços, se a economia receber um aumento de
liquidez.
15
3 A crise de 1929
O crash na bolsa de Nova Iorque em 1929 é conhecido como uma das piores
quebras de bolsa da história. Na época, ficaram muito marcados os dias 24, 28 e 29
de outubro, a quinta, a segunda e a terça-feira negra, dias nos quais o índice da
bolsa sofreu grandes quedas. No dia 24 o índice Dow Jones cedeu 2,09% sendo
que no dia anterior havia caído 6,33%, no dia 28 a bolsa recuou 13,47%, no dia
seguinte mais 11,73%. Nas semanas seguintes o mercado de ações continuou
sofrendo grandes perdas, o último trimestre de 1929 foi marcado por uma queda de
60%, entre o topo e o mínimo, do índice Dow Jones Industry Average.
O Pânico nos mercados é um dos sintomas de uma crise como foi visto no
capítulo passado. Os agentes observam que a economia não está mais em um ciclo
de crescimento e buscam ativos mais seguros. Em 1929 não foi diferente, mas é
preciso entender um pouco como foi o período de expansão dos anos 20.
Dice (1929) e Fisher (1930) argumentam que nos anos 20 os fundamentos
macroeconômicos eram ótimos e que não haveria crise se não fosse pelas
incertezas quanto aos empréstimos para os brokers e a política restritiva do Fed. A
economia americana e o valor das ações cresceriam sustentadamente por mais
alguns longos anos. Os autores comentam que a economia era favorecida pela
aplicação da ciência na indústria, desenvolvimento da moderna administração de
empresas, por fusões e ganhos com economia de escala e escopo, com o
surgimento de grandes conglomerados industriais e comerciais. A economia
americana crescia rapidamente, de 1922 a 1929 o PNB cresceu em uma média
anual de 4,7%.
Essas novas empresas tinham de se financiar, o que era feito principalmente
através da emissão de ações devido às restrições impostas aos bancos comerciais
quanto a empréstimos para empresas durante o século 19. Por exemplo, não era
permitido que o banco emprestasse mais de 10% de seu capital próprio para um
único cliente. Assim, estes bancos tinham pouca possibilidade de emitir empréstimos
de longo prazo para as empresas.
Friedman e Schwartz (1971) corroboram com a visão de um forte crescimento
da economia americana nos anos 20, que foram chamados de “a nova era”. O
desenvolvimento nas indústrias e nas finanças muda o portfólio dos bancos, que
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estavam acostumados a emprestar mais para agricultores, e passam agora a
emprestar para as firmas, dentro das restrições, e para o consumo das pessoas. A
década foi marcada pela popularização do automóvel. Com essas mudanças, alguns
bancos regionais quebraram, mas nada que abalasse o sistema monetário como um
todo.
Outra novidade é que por volta de 1923 o governo concede ao Federal
Reserve (Fed) uma maior independência para atuar na política monetária. Nessa
década a instituição ganhou credibilidade devido à sua atuação e ao período de
estabilidade que a economia viveu. Isso fez com que diversos acadêmicos
estudassem a instituição.
No final do período foi observado um desentendimento entre o board do Fed e
os bancos comerciais que detinham antes uma maior influência nas decisões de
política monetária, por terem um dialogo melhor com o governo do que com o
Federal Reserve. Porém, o que faz mais sentido na realidade é que o sistema
financeiro seja comandado por um agente externo e não pelos próprios bancos.
Portanto o período apresentou grandes mudanças na economia real, com um
boom no mercado imobiliário e com a mudança no estilo de vida (uso de
automóveis). Além disso, o otimismo com o futuro fez com que o mercado acionário
ficasse bullish, ou altista, por grande parte do período.
Com essa visão positiva da economia e o credito fácil, o crescimento dos
empréstimos para os investidores (brokers’ loans), o índice da bolsa acumulou forte
ganho desde 1926 até agosto de 1929, quando a economia americana mostrou seus
primeiros sinais de recessão.
Galbraith (1954) comenta que nos anos 20 houve um comportamento
irracional dos indivíduos. O incentivo ao crédito para as operações de ações em
bolsa, fez muitos investidores operarem com uma alta alavancagem financeira.
Havia na época muita euforia quanto aos retornos das ações e pouco conhecimento
dos riscos assumidos.
Kindleberger (1978) afirma que desde 1927 o Federal Reserve estava
tomando uma atitude mais restrita quanto à política monetária aumentando a taxa de
redesconto americana de 3,5% para 5% no final de 1929. Porém essa postura não
teve efeito nos empréstimos para investidores, que continuou crescendo, mesmo
com taxas de juros mais altas, até o crash.
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O estouro dessa bolha se dá em outubro quando a economia apresenta mais
sinais de arrefecimento, e a incerteza quanto ao futuro aumenta. White (1990)
mostra que os dividendos a serem pagos pelas empresas começam a não crescer
mais a partir de 1928. Isso deveria segurar o crescimento do preço das ações, já que
o dividendo é usado na precificação desses ativos, porém os preços continuaram a
subir a partir daí sem fundamentos.
Com o crash no mercado financeiro as falhas da economia americana ficam
mais aparentes. Friedman e Schwartz (1971) atestam que o período de 1929 a 1933
foi o pior ciclo de contração dos negócios do período considerado em seu estudo,
que vai até 1960.
Os autores comentam que o estouro da bolha se deu também por uma maior
demanda por moeda por parte dos agentes econômicos. A queda na bolsa era
apenas um sintoma da depressão na economia, que já aparecia nos dados. A
produção e os preços em agosto de 1929 apresentavam queda. Essa informação
deixa os investidores mais avessos, pois têm conhecimento de como começa uma
crise, e portanto se observa o aumento da demanda por moeda e menor disposição
a gastar.
A dinâmica da queda brusca do mercado é resultado dessa maior demanda
por moeda que obriga os indivíduos a vender ações, que são títulos mais líquidos.
Além disso, os credores, por buscarem mais moeda, fazem maiores chamadas de
margens o que dá mais fôlego às vendas dos investidores.
Passada a crise na bolsa, o que se observou nos anos seguintes, foi que
algumas empresas que estavam listadas em bolsa não produziam nada e eram fruto
apenas da especulação dos investidores que aproveitaram essa euforia na bolsa e o
crédito facilitado, comenta White (1990). Esse fato ajuda a explicar que o que se viu
no mercado acionário foi realmente uma bolha que cresceu sem fundamentos a
partir de certo momento.
A crise colocou em questão a importância dada à política monetária no
período passado e mostrou que uma política mal implementada ou a falta de
atuação do Fed na economia pode ser prejudicial, e que se a instituição tivesse
tomado decisões diferentes a crise poderia ter sido amenizada, o que vem de
encontro com os trabalhos do autores contemporâneos à crise Dice (1929) e Fisher
(1930).
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A grande depressão foi a primeira crise a ocorrer sem antes ter havido um
crescimento forte da oferta monetária. Durante a crise 20% dos bancos, que
detinham 10% dos depósitos da economia quebraram e houve uma consolidação no
setor diminuindo muito o número de bancos operantes. Além disso, houve no
período o maior feriado bancário nacional até então que durou de 6 de março até 13
de março de 1933.
Em 1930 ocorre o primeiro momento de grande restrição de liquidez nos
mercados, com a quebra de diversos bancos, principalmente nos estados do interior
que já estavam sofrendo com as mudanças econômicas, o surgimento de empresas
de maior porte. Nesse momento foi possível se observar o fenômeno de
empoçamento de liquidez, no qual as yields dos títulos do governo caem e as dos
títulos corporativos sobem. Dessa forma a margem de capital dos bancos se reduz o
que causa a quebradeira.
Passado esse período, o inicio de 1931 mostrava uma economia que estava
pronta para se recuperar da recessão, porém o que se observou foi que o estoque
de moeda da economia não aumentou. Portanto a omissão do Fed nesse período,
ajuda a impedir o processo de recuperação sustentável da economia.
Logo no segundo trimestre do ano ocorreu a segunda crise bancaria, dessa
vez com conseqüências globais. A recessão americana não afeta apenas o mercado
de bens e serviços internos, mas também o comercio internacional o que afeta os
mercados do mundo inteiro. Na época a integração era maior com a Europa, por isso
é neste continente que se encontram os maiores prejudicados com a grande
depressão, podendo ser citados Inglaterra e Alemanha.
O processo de fligh to quality desta vez é internacional, o Fed é obrigado a
entregar grande parte de suas reservas em ouro pelos dólares que estavam em
circulação. Isso ocorre devido ao sistema utilizado na época conhecido como Bretton
Woods. O Fed era obrigado a reduzir ainda mais a oferta de moeda na economia,
para manter a paridade com o ouro. No final de 1931 a Inglaterra informa que
deixará de adotar o padrão-ouro, o que inicia um processo de especulação quanto
às moedas.
Em abril de 32 o congresso americano faz uma forte pressão e o Banco
Central americano inicia uma política de compra dos títulos do governo, o que gera
uma injeção de capital no sistema financeiro. Nesse período a economia volta a
19
mostrar sinais de vigor. Não é certo que esse efeito tenha sido causado pelo Fed e,
além disso, essa recuperação não irá se mostrar duradoura. As condições tanto
monetárias quanto da economia real não mostravam sinais de recuperação.
Em 1932 no último ano de governo do presidente Herbert Hoover foi criada
uma agência governamental chamada Reconstruction Finance Corporation (RFC). A
instituição emprestou aproximadamente 2 bilhões de dólares por ano como ajuda
para governos locais, bancos e associações hipotecárias do interior. A instituição
teve a maioria dos empréstimos honrados e teve continuidade com o governo de
Franklin Roosevelt no contexto do New Deal cedendo empréstimos de mesmo
montante até 1934.
No começo de 1933 a RFC foi obrigada, pelo governo, a divulgar os bancos
que tomaram empréstimos a cada mês. Essa lei fez com que diversas instituições
que estavam conseguindo se manter operantes com os empréstimos da agência
parassem de tomar dinheiro. O medo dos banqueiros era que aparecendo nas
listagens o banco seria mal visto pelos correntistas e um novo processo de corrida
aos bancos seria iniciado.
Com uma nova intervenção do governo, a RFC divulgou o nome de todos os
bancos que tinham tomado empréstimos até então. Essa divulgação iniciou um
processo de corrida aos bancos, ou seja, mais uma crise no sistema financeiro,
chamada por Friedman e Schwartz (1971) de pânico bancário, período no qual
ocorreu a quebra de diversos bancos e que resultou no maior feriado bancário
nacional.
Os autores discutem que os bancos comerciais, na época, quebraram devido
à má gerencia de seus gestores e não à falta de liquidez na economia. O que
poderia ter ajudado os bancos indiretamente seria o Fed ter aumentado a liquidez
dos mercados como um estímulo para tirar a economia da recessão. Porém, a não
atuação da autoridade monetária, a fraca posição dos bancos e as eleições de 1932
adiaram ainda mais a crise na economia.
Por fim, é possível identificar que houve no período um crescimento rápido da
economia nos anos 20, que criou um otimismo exagerado nos agentes. Esse
otimismo cria uma alta no preço dos ativos que não se justifica pelos fundamentos.
Quando os sinais de reversão do ciclo econômico ficam claros, a bolsa sofre
rapidamente os efeitos, que aparecem na economia logo em seqüência.
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4 A crise de 1987
Assim como no crash de 1929, houve em 1987 um engajamento por parte de
investidores e acadêmicos em descobrir quais foram as causas de uma volatilidade
tão grande na bolsa de Nova Iorque em um único dia, 19 de outubro de 1987. No
período não existia nenhum modelo que pudesse explicar a volatilidade o que
deixava os estudiosos ainda mais dispostos a entender o fenômeno.
A crise de 1987 foi diferente da crise de 29 e da crise do subprime. Em 1987
os mercados sofreram severas perdas, mas não se observou um enfraquecimento
da economia real. Como foi visto nos modelos, é sabido que é a expectativa de uma
economia menos favorável que causa o pânico nos mercados, mas em 1987 a
preocupação com o futuro da economia foi sentida mais fortemente nos mercados.
Enquanto que a economia real continuou crescendo. Uma queda no crescimento
econômico somente foi observada no final da década de 80 e inicio dos anos 90, o
que foi precedido por uma pequena crise nos mercados que ocorreu em outubro de
1989.
A crise se deu dois meses após Alan Greenspan ser nomeado presidente do
Federal Reserve. Esse fato é importante visto a lição que a crise de 1929 ensinou,
de que a política monetária pode ajudar um país a sair de uma crise, por isso é
sempre bom ter em mente quem está no comando do Banco Central americano.
Assim que assumiu o cargo em agosto, Greenspan criou uma força tarefa que
deveria realizar pesquisas quanto a possíveis crises. O grupo chegou à conclusão
de que uma crise nos mercados financeiros poderia levar o índice Dow Jones a uma
queda máxima de 150 pontos ou algo em torno de 6%.
Existem diversas suposições quanto às causas desta quebra. Estas são
enumeradas por Malliaris e Urrutia (1992): (i) a presença de déficits gêmeos, no
orçamento federal e na balança de pagamentos, (ii) aumento nas taxas de juros pelo
mundo frente a um aumento da inflação, (iii) a pratica conhecida como portfolio
insurance, que se baseava no modelo de Black & Scholes, (iv) uma grande
especulação no mercado de derivativos e (v) mudanças em impostos que
prejudicaria as compras alavancadas que estavam em plena expansão no período.
21
Déficits Gêmeos
Em 15 de outubro o governo anunciou um déficit comercial de 16 bilhões de
dólares, muito acima das expectativas enquanto que o déficit do governo era de 150
bilhões de dólares. A presença de déficits gêmeos é prejudicial, pois tira confiança
quanto à capacidade de pagamento das dívidas por parte de um governo. É mais
comum que um governo que possua grandes déficits fiscais tenha um cambio
desvalorizado o suficiente para gerar um superávit comercial, o que pode ser
entendido também como a importação de poupança, necessária para uma boa
trajetória de pagamento das obrigações. A presença de déficits gêmeos preocupa,
pois o país está com um forte déficit fiscal e exportando poupança. Isso deverá
causar um aumento da dívida e uma maior desconfiança quanto ao seu pagamento.
Juros e inflação pelo mundo
Um dia antes, em 14 de outubro, o Banco Central Alemão aumentou a taxa de
juros básica da economia, isso era uma tendência que seria seguida por diversos
países, pois o mundo se via prestes a enfrentar momentos de alta inflação. O
aumento na Alemanha e a perspectiva de novos aumentos pelo mundo têm uma
influência mais direta na bolsa do que na economia real, já que, os investidores
agora têm opções de investimento de menor risco com taxas de retorno mais
atrativas. Isto causa uma pressão de venda de ativos na bolsa no próprio dia.
Portfolio insurance
De 14 a 16 de outubro o índice da bolsa de Nova Iorque caiu 10% ou
aproximadamente 250 pontos. Isto ajuda a justificar o efeito causado pelo chamado
portfolio insurance no dia 19. O portfolio insurance é uma estratégia de negociação
que se utiliza das técnicas de hedge dinâmico. Este serviço foi oferecido inicialmente
pela empresa Leland, O’Brien e Rubinstein Associates Incorporated. A empresa foi
criada por dois acadêmicos (Leland e Rubinstein) e teve a ajuda de O’Brien, que
veio do mercado. O serviço de portfolio insurance tinha como objetivo garantir um
valor mínimo para as carteiras de ações de seus clientes.
A garantia de um valor mínimo para a carteira era feita através da utilização
dos modelos criados por Black, Scholes e Merton. Com esses modelos era possível
a criação de ativos replicantes de instrumentos que não eram disponíveis na época.
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Ou seja, instrumentos derivativos poderiam ser criados através de operações no
mercado de ações e de renda fixa, que eram existentes e líquidos, se utilizado dos
métodos desenvolvidos pelos acadêmicos.
Os modelos foram utilizados para a construção de opções de venda para os
portfólios. Isto porque é possível se pensar uma opção de venda como sendo um
seguro. Ao se comprar uma opção de venda, o comprador tem o direito de vender
um determinado ativo pelo preço combinado (de exercício). Se o determinado ativo
se desvalorizar mais do que o preço de exercício, o comprador tem o direito de
vender esse ativo pelo preço combinado (por mais que este não valha aquilo de
fato), e se o ativo não se desvalorizar apenas houve o pagamento de um prêmio
para quem se dispôs a correr o risco do primeiro caso.
A regra que mantém uma carteira segurada com uma trava na baixa, ou um
valor mínimo, na ausência do instrumento opção de venda, implica na venda dos
ativos quando o mercado cai.
Na época da crise, a técnica de portfolio insurance completava 6 anos no
mercado e era oferecida não só pela Leland, O’Brien e Rubinstein, mas também por
muitos outros grandes bancos que se aproveitaram da impossibilidade de
patenteamento da idéia por parte dos pioneiros. Frente a uma queda de 10% do
mercado nos três dias anteriores diversos agentes estavam efetuando uma pressão
vendedora no mercado para neutralizar as suas carteiras, e manter o valo mínimo
proposto para os seus clientes.
Essa pressão vendedora se intensificou no dia 19 causando a grande queda
que se observou no final do dia, já que cada vez que o mercado cai a técnica de
hedge dinâmico indicava que era necessário se realizar mais vendas no mercado à
vista.
Na época, apesar da ausência de um mercado de opções para o índice, já era
disponível o mercado de futuros para índices que eram negociados na Chicago
Mercantile Exchange. Houve no dia 19 também, para complicar ainda mais a
situação, a perda de comunicação entre as bolsas de Chicago e de Nova Iorque.
Como parte da técnica de portfolio insurance era realizada através da negociação
dos contratos futuros, houve diversos prejuízos, já que em alguns momentos do dia
os mercados sem comunicação tomaram rumos distintos, o que não deveria se
observar dada a possibilidade de arbitragem entre o índice à vista e futuro. Além
23
disso a liquidez do mercado de futuros não foi suficiente para execução de todas as
ordens de vendas necessárias o que deixou diversos clientes da LOR e de outras
companhias que ofereciam o mesmo serviço sem o seu seguro de fato.
Especulação com derivativos
O mercado de futuros que tinha sido criado em 1982 estava sendo alvo de
muita especulação, dadas as facilidades que um mercado como este possui. Por
exemplo, a liquidação no vencimento e a utilização de margens de apenas uma
porcentagem do volume total de dinheiro realmente contratado como aponta
Bernanke (1989). Isto agravou a situação da bolsa no dia 19, que já estava muito
complicada com toda a pressão que o mercado sofria com uma grande queda desde
o inicio do pregão. As margens em alguns casos sofreram muitas variações e foi
necessário para diversos investidores tomar empréstimos para cumprir com essas
obrigações. Estes empréstimos só foram possíveis graças à atuação do Fed como
comentaremos abaixo. Caso essas margens não fossem cobertas as bolsas de
futuro sofreriam grandes problemas e poderiam até deixar de existir neste formato, já
que não teriam condições de cumprir com os seus contratos.
Crise no mercado de high yields
Por fim outro fato mais estrutural que ajudou a causar o crash do mercado em
1987 foi a queda no mercado de títulos de dívidas corporativas americanas no
primeiro semestre do ano. Este mercado estava muito em evidência no período,
principalmente devido às operações de leveraged-buy-out ou compras alavancadas.
Nessas operações uma empresa comprava outra com a emissão de títulos de
dívida. Isto é uma maneira de forçar que a gestão da companhia seja mais eficiente
já que o financiamento está sendo feito de uma forma mais cara do que se fossem
utilizadas reservas de lucro da empresa e todos os meses os gestores deverão
pagar os juros da dívida. Estas dívidas costumam ter uma data de reset. Nesta data
os juros pagos pelo títulos são revisados de acordo com o mercado, ou seja, os juros
da dívida podem sofrer correções para cima dependendo da curva negociada no
mercado.
Houve inúmeras operações como estas até o inicio de 87, porém os
investidores começaram a ficar receosos quanto ao futuro da economia e a
24
capacidade das empresas em honrarem suas obrigações ou os títulos emitidos.
Desta forma no primeiro semestre de 1987 houve uma pressão por parte dos
investidores de venda destes títulos de dívida, que começavam a representar um
risco maior de default. Esse movimento, faz com que os preços caiam e, portanto a
taxa interna de retorno dos títulos aumenta, o que coloca o mercado de volta ao
equilíbrio. O dinheiro que estava alocado nesse mercado no início do ano foi em
grande parte alocado em ações. Isto contribuiu para que os investidores tivessem,
ao final do ano uma sensação de que o mercado de ações estaria sobre valorizado
em relação a outros mercados.
Portanto podemos colocar a crise no mercado de títulos corporativos
provocando uma pressão vendedora nas ações não só por uma percepção de um
mercado menos favorável para as empresas no futuro, dado o nível de
endividamento das mesmas, mas também porque muito dinheiro foi colocado no
mercado de ações provocando uma sobrevalorização.
O crash na bolsa em 1987 deve ser estudado dada a magnitude das quedas
que se verificou no mercado. Enquanto que em 29 o máximo que o índice da bolsa
caiu em um único dia foi 13,47%, em 87 a queda, no dia 19 de outubro, foi de
22,6%. Por mais que os efeitos na economia real não tenham sido tão marcantes,
esta queda por si só, determina a relevância do estudo desta crise.
Além disso, assim como a crise de 1929 mostrou conseqüências
internacionais, esta não poderia ser diferente, já que nesse momento, pela evolução
nos sistemas de telecomunicações, a globalização dos mercados era ainda maior e
este crash foi sentido no mundo inteiro. No mesmo dia, bolsas em diversos países
sofreram severas quedas. Essa maior conseqüência internacional da queda causa
também no mercado americano uma queda maior, pois o preço dos ativos em outros
mercados são usados como base para precificação dos ativos domésticos.
Por fim, é importante ressaltar a postura do presidente do Fed nesta crise. Em
um primeiro momento, durante o dia 19, Greenspan mostrou calma, para não criar
efeitos ainda piores nos mercados e na economia. Em um segundo instante, dado o
tamanho da queda no mercado ao final do dia que foi de 508 pontos ou 22,6% frente
a um pior cenário, mostrado pelos estudos iniciais, de uma queda de 150 pontos, o
presidente do Fed soltou o seguinte comunicado ao mercado nas primeiras horas da
25
terça-feira dia 20. “O Federal Reserve, em linha com sua responsabilidade como
banco central nacional, reafirma hoje que está preparado para dar liquidez ao
mercado e apoiar o sistema econômico e financeiro”.
Essa sinalização foi dada para que os bancos não evitassem emprestar
dinheiro. Este comunicado impede a escassez de liquidez no mercado e aumenta a
confiabilidade no pagamento das obrigações mais imediatas por parte dos indivíduos
e empresas. Apesar da janela de empréstimos forçada pelo Fed ter a possibilidade
de criar incentivo para que os agentes fossem imprudentes, implicando no problema
de moral hazard, ela teve como principal resultado o aumento de confiança na
economia como um todo, afastando o país de uma crise mais profunda.
26
5 A crise do Subprime
Este capítulo tem como objetivo o estudo mais profundo da atual crise nos
mercados, também conhecida como crise do subprime. Este nome foi atribuído a
esta crise dada a sua origem. A crise mostrou seus primeiros efeitos no mercado em
fevereiro de 2007, porém seus efeitos ainda não acabaram e o mercado continua
sendo guiado por noticias do setor de moradias dos Estados Unidos e também por
noticias da economia americana. Até abril, quando este trabalho está sendo
concluído, não há uma clara visão de como a crise irá se desenrolar.
Primeiro é importante entender o que é o mercado de hipotecas subprime.
5.1 Mercado de hipotecas Subprime
As hipotecas subprime são os empréstimos residenciais concedidos que não
podem ser considerados prime, devido sos critérios considerados para mensuração
do risco destes empréstimos.
Um empréstimo é considerado prime quando o tomador do empréstimo tem
um histórico de bom pagador, fato que é analisado através de alguns parâmetros
como, por exemplo, a razão juros de dívidas sobre salário do individuo (DTI, na sigla
em inglês) e valor tomado emprestado sobre o valor total do ativo ou imóvel que está
sendo financiado (LTV, na sigla em inglês). O critério utilizado é: indivíduos com DTI
maior do que 55% e/ou LTV acima de 85% são considerados subprime. Estes
parâmetros mostram a capacidade de pagamento dos tomadores de empréstimos.
Se o salário do individuo não paga pelo menos 55% dos juros que ele tem de pagar
no mês e se o valor tomado emprestado é muito alto frente ao valor do imóvel, este
individuo tem uma chance maior de não honrar o pagamento de sua hipoteca.
Existe também uma categoria entre o prime e o subprime chamada “Alt-A”,
essa categoria engloba os indivíduos que tem os números de acordo com os
critérios para ser prime, porém não apresentam uma documentação completa, que
mostre seu histórico de pagamento de dívidas, na hora de tomar o empréstimo como
por exemplo, de faturas de cartões de crédito.
Existem diversas leis nos EUA que incentivaram o crescimento deste mercado
desde os anos 80 quando uma lei federal estipulou teto para as taxas de juros nesse
27
mercado. Além disso, em 1982 foi possibilitado às financeiras oferecer taxas
ajustáveis ou com reset. Isto significa que os empréstimos começam com uma taxa
que é revista depois de um tempo determinado para se avaliar se as taxas são
compatíveis com as praticadas no mercado. Em 1986 uma reforma tributaria permitiu
que os empréstimos residências fossem os únicos cujos juros pagos seriam
dedutíveis do imposto de renda.
Com base na figura 1 que mostra um índice com a quantidade anual ajustada
sazonalmente em milhares de unidades de construção de casas novas nos Estados
Unidos é possível se observar que houve no começo dos anos 80 um crescimento
forte do mercado de imóveis impulsionado pelas medidas do governo. Essa força
não se verificou no final dos 80, mas é possível se observar também que a partir de
1991 o mercado teve um crescimento constante e muito forte até 2006.
As medidas governamentais incentivaram o setor imobiliário americano como
um todo. O crescimento observado nos anos 90 e principalmente nos anos 2000 é
conseqüência de uma crescente participação das hipotecas de subprime no
mercado hipotecário. Esse crescimento é possível graças à maior difusão de
instrumentos financeiros conhecidos como collateralized debt obligations. Estes
instrumentos estão no mercado desde os anos 80, porém é a partir de 1995 que o
mercado desses instrumentos ganha liquidez e continua crescendo fortemente até o
inicio da crise.
5.2 Collateralized Debt Obligations
Os CDOs são a classe de instrumentos financeiros pela qual se faz possível a
securitização de ativos. Securitização é a criação de instrumentos padronizados
como CDOs, que torna comercializáveis fluxos de caixas no mercado, por exemplo,
de dívidas. A securitização possibilita a transferência de riscos de uma instituição
para outra, pois ao vender um fluxo de caixa, uma instituição transfere também o
risco de não recebimento desses fluxos para outra instituição.
Os instrumentos utilizados para a padronização dos fluxos tornando possível
a comercialização destes em mercado eram chamados inicialmente de CBOs,
quando se referia aos high yield bonds, ou títulos corporativos que pagam taxas
mais altas, por terem um risco de crédito maior. Depois foram chamados também de
28
CLO por se tratarem de loans ou empréstimos para empresas. O nome de CDO foi
dado para englobar todos estes instrumentos que são chamados também de assetbacked securities (ABS na sigla em inglês) que implicam que os fluxos vendidos nos
instrumentos têm como colateral ou lastro um determinado ativo.
Figura 1 - Construção de casas novas
2500
Unidades anuais
2000
1500
1000
500
jan/80
jan/82
jan/84
jan/86
jan/88
jan/90
jan/92
jan/94
jan/96
jan/98
jan/00
jan/02
jan/04
jan/06
jan/08
Fonte: U.S. Department of Commerce
No caso dos instrumentos que foram criados com fluxos de hipotecas de
subprime o lastro são as próprias moradias e o nome utilizado é RMBS (residential
mortgage-backed securities). Esses instrumentos impulsionaram o crescimento do
mercado de CDOs nos últimos anos aumentando muito a sua participação no
mercado frente a outros ABS.
A securitização é feita pela criação de sociedades de propósito especifico
(SPE) e os passivos dessa empresa serão negociados no mercado com o nome de
CDOs.
As SPEs serão as detentoras de diversos fluxos de caixa de empréstimos
para moradias no caso em que estamos estudando, portanto os fluxos serão os
ativos da sociedade e esses fluxos têm como lastro as moradias que estão sendo
financiadas. É criada uma estrutura de tranches ou classes que divide o passivo
possibilitando uma atribuição de rating de crédito diferente para as determinadas
29
tranches. A estrutura padrão do passivo de uma SPE é feita na ordem do menor
para o maior risco: Dívida sênior, dívida subordinada e equity ou patrimônio.
A figura 2a deixará mais claro como é feita a estruturação de uma SPE em
seguida a figura 2b expõe de forma mais clara a divisão do passivo da SPE em
tranches. Um banco emissor procura um portfólio de referência, do qual serão
selecionados os ativos, ou fluxos de caixa, a serem securitizados. É criada a SPE
que não tem vínculo com o banco, evitando questões no caso de falência discutidas
a baixo. Os Ativos são passados do banco para a SPE e em troca o banco recebe
um valor pelo portfólio. A SPE terá os colaterais dos fluxos caso eles existam e
criará a estrutura das tranches, que deverá receber classificação das agências, e
estas serão vendidas no mercado para os investidores.
Figura 2a – Estruturação de uma SPE
Fonte: Servigny e Renault (2004)
A divisão do passivo da SPE em tranches, como pode ser observado na
figura 2b, é feita de uma forma em que o risco de crédito da dívida sênior seja baixo,
representando normalmente 75% do ativo e paga uma taxa de juros com um prêmio
mais baixo. Os próximos 15% são divididos em tranches que tem um risco crescente
e prêmios cada vez maiores. O equity representa o patrimônio final e dá direito aos
10% finais do ativo. Esta é a tranche com maior risco. O retorno do equity será
representado pelo resíduo dos fluxos, as primeiras tranches recebem os primeiros
fluxos, assim que vão sendo pagos e as últimas ficam com o que sobrar.
30
É importante ressaltar que estas entidades são criadas na maioria das vezes
por tempo determinado e não estão sujeitas a falência, pois caso os fluxos se
esgotem antes de todas as tranches terem recebido o pagamento prometido, os
detentores destes direitos não podem entrar na justiça cobrando outra empresa ou
pessoa física. Além disso, se o banco que estruturou uma SPE falir, seus credores
não poderão contar com os fluxos de caixa da sociedade, já que a mesma é
totalmente independente.
Figura 2a - Passivo de uma SPE
Cupon = Mercado + 1,5%
Tranche AAA
75% do Volume
tranche mais senior
Cupon = Mercado + 4,5%
Tranche A
10% do Volume
tranche subordinada a AAA
Cupon = Mercado + 8%
Tranche B
5% do Volume
tranche subordinada a AAA
Cupon = não recebe cupon fixo
Equity
10% do Volume
tranche subordinada a todas as outras
Fonte: Lucas, Goodman e Fabozzi (2006)
Os CDOs foram criados como o propósito de melhorar a situação do balanço
das instituições financeiras. Isto porque como os fluxos são transferidos para a SPE,
uma instituição tem o seu balanço encolhido. Isso faz com que a instituição tenha um
capital econômico requerido menor. O capital econômico requerido é apurado
através de razões entre passivos e o patrimônio líquido de instituições financeiras.
Agências governamentais ou acordos internacionais instituem mínimos aceitáveis
para estas razões, na tentativa de evitar que os bancos sofram crises de liquidez e
quebrem. Com a securitização as instituições diminuem os ativos com risco
melhorando os seus índices. Dessa forma uma instituição financeira tem a
possibilidade de conseguir funding, ou empréstimos, mais barato, por ter menos
posições arriscadas. Outro propósito dos CDOs é que são uma opção de
investimento para os fundos, que poderão diversificar o risco das carteiras, por
acessar outros mercados e terão o retorno do investimento conforme a senioridade
da tranche que foi comprada.
31
Existem duas possíveis estruturas de crédito para um CDO, a mais utilizada
pelo mercado é a estrutura de fluxos de caixa. Esta estrutura implica em uma
ordenação de quem tem direito aos pagamentos e em qual ordem que estes
pagamentos devem ser feito. O padrão é que os primeiros fluxos recebidos pela
sociedade de propósito especial paguem os custos administrativos e os fluxos
subseqüentes devem pagar os juros primeiro das tranches mais sênior até as mais
subordinadas, em seguida uma taxa adicional para os administradores da SPE e por
fim os detentores do equity.
Dessa forma, se o padrão é que se tenha 10% de equity, no caso de default
de até 9% dos fluxos no ativo, todos os detentores de passivos da SPE terão seus
fluxos honrados. Porém, a partir do momento em que mais de 10% dos fluxos de
ativos da SPE não forem honrados, os detentores das tranches mais subordinadas
começam a não receber. Por isso o tamanho das tranches e os juros a serem pagos
são muito importantes e a discussão da classificação de crédito que deve ser
concedido para cada tranche é relevante.
Com um melhor entendimento sobre o instrumento, podemos aprofundar a
discussão da influência deste na crise atual do mercado. O instrumento tem certa
complexidade, porém, não pode ser apontado como o causador da crise
simplesmente pela dificuldade dos agentes de ter um perfeito entendimento dos
CDOs. Foi apontado que esses instrumentos transformam, sem fundamentos,
dívidas que tem um rating baixo em dívidas com o risco mínimo. O que de fato
acontece, mas não sem fundamentos. A discussão dos fatores que devem ser
considerados para atribuir o risco de crédito a um CDO será feita no próximo item.
Por hora é importante perceber que existem fundamentos para a mudança no
credito das dívidas, o que pode ser explicado com base na teoria do frango.
Segundo esta teoria, um frango pode ter um preço se vendido inteiro, porém ao se
particionar o frango suas partes serão vendidas por preços diferentes conforme a
qualidade da carne. Somadas essas partes podem ter um valor maior do que o
frango original teria. O CDO agrupa diversos fluxos de diversas dívidas e os
particiona podendo assim “vender” as partes de maior valor por preços mais “caros”
e ainda gerar valor que será recebido pelos administradores e pelo banco emissor.
A complexidade dos CDOs aparece quando são criados instrumentos que tem
como ativos base outros ABS. Com a re-securitização diversos CDOs foram
32
reagrupados e revendidos em novas tranches, processo este que fez com que o
risco fosse espalhado pelo mercado porém não se sabe ao certo quem tem os
papéis com qualidade mais baixa nas mãos. O que se sabe é que esses
instrumentos, através da disseminação do risco pelo mercado permitiu que a oferta
de crédito para hipotecas se subprime aumentasse, ainda mais pelos juros dessas
hipotecas serem mais altos frente a uma queda na taxa de juros que o Fed
promoveu durante os anos 90.
5.3 Rating de crédito
As agências de crédito são responsáveis por atribuir classificação de crédito
para empresas, países e diversos instrumentos financeiros. Isto é feito através de
modelos que fazem avaliações tanto quantitativas quanto qualitativas. A decisão não
é tomada por uma máquina ou modelo formal que apenas faz uma distribuição de
pesos diferentes para informações diferentes. Os modelos dependem da avaliação
de analistas que fazem o rating.
As companhias e instrumentos são classificados conforme uma escala, que
tem diferentes nomes de agência para agência, mas que são semelhantes. Essas
escalas normalmente são representadas em uma classificação crescente de risco de
crédito e, portanto o prêmio de risco pago pelos instrumentos mais abaixo na escala
deve ser maior. Uma empresa tem sua classificação muito atrelada à
verossimilhança estimada de default de suas obrigações.
O papel dessas agências é importante, pois os bancos não têm como
especialidade a analise de títulos que não são negociados no dia-a-dia do mercado,
isso porque a informação cedida por essas empresas que não são negociadas é
menos clara.
Como mostram Crouhy, Galai & Mark (2001), A analise normalmente é feita
de cima para baixo, ou seja, primeiro é analisado o risco soberano de um país, para
depois se analisar o risco de um determinado setor e no final se chegar a uma
analise específica de uma empresa. Isso é comumente chamado de analise de cima
para baixo.
A classificação de crédito é concedida majoritariamente pelas três principais
agencias de rating de crédito do mundo que são: Moody’s, Fitch e Standard &
33
Poor’s. A atribuição do risco é feita através da avaliação de documentos por parte de
um comitê. No caso de operações estruturadas, como é o caso dos CDOs, é
necessário um estudo não só do risco de crédito que os fluxos de caixa apresentam,
mas também um estudo sobre os riscos que derivam da estruturação dos
instrumentos, como vimos as diversas tranches tem riscos diferentes o que depende
conforme a estruturação do CDO.
Para o cálculo as agências utilizam modelos que consistem em dois estágios.
O primeiro implica em análise do crédito do grupo de fluxos de caixa que compõe o
ativo do SPE, o modelo utilizado varia conforme o ativo lastro e varia também entre
as agências. O segundo estágio é feito através do estudo do contrato do CDO e
suas especificidades quanto à preferência de pagamento dos passivos.
Para o primeiro cálculo as agências utilizam correlações entre os ativos que
servem de lastro já que um CDO não precisa ter necessariamente fluxos apenas de
hipotecas, ou de títulos corporativos. Além disso, um CDO pode conter fluxos de
títulos corporativos de diversas indústrias o que tem como efeito a diversificação do
risco. Para esse cálculo é necessário uma matriz que mostre a correlação entre os
ativos para então se calcular o risco total do instrumento. As agências usam dados
históricos para o cálculo da probabilidade de default para cada ativo da SPE, o que
dá conta do primeiro estágio. É importante reparar que há arbitrariedade, isso se
comprova com a comparação dos modelos utilizados pelas diferentes agências,
como mostram Fender & Kiff (2004). Tanto a correlação quanto as probabilidades de
default são variáveis difíceis de se modelar e de se prever.
No segundo estágio, as agências estudam os contratos dos instrumentos
financeiros. Uma parte muito importante deste estágio é a análise de que percentual
do ativo está relacionado à dívida mais sênior e assim por diante. Isso determinará
se essa dívida que tem prioridade nos recebimentos é rating AAA, com menor
probabilidade de default ou apenas A, que tem uma probabilidade de default maior.
Outro fator que elas devem considerar é uma mudança no risco que deriva do reset
das taxas. Quando a taxa sofre um reset e aumenta, os indivíduos podem ter maior
dificuldade para pagar suas obrigações implicando em um risco maior, isto deve ser
considerado pelas agências durante a análise, e não no futuro quando ocorrem os
eventos.
34
Tendo em mente a estrutura básica utilizada pelas agências pode-se perceber
que houve negligência destas ao conceder rating de crédito a esses instrumentos.
Podem-se enumerar alguns fatores em que as agências erraram e que estão
causando stress no mercado. Um dos fatores foi que a probabilidade de default que
se observou no passado para hipotecas de subprime não é mais válida pois houve
um crescimento muito forte dos atrasos e defaults como podemos ver
respectivamente nas figuras 3 e 4. A figura 3 mostra a porcentagem de hipotecas em
atraso de até três meses, o que não é considerado preocupante. Enquanto a
porcentagem de hipotecas subprime em atraso subiu quase em 1000 basis points, o
aumento nas hipotecas prime foi de apenas 100 basis.
Figura 3 - Hipotecas em atraso de até 3 meses
20
Porcentagem (%)
15
10
5
0
mar/00 set/00 mar/01 set/01 mar/02 set/02 mar/03 set/03 mar/04 set/04 mar/05 set/05 mar/06 set/06 mar/07 set/07
Prime
Subprime
Fonte: Mortgage Bankers Association
A figura 4 mostra os atrasos com mais de 3 meses, que são mais
preocupantes pois estes casos acabam se transformando em hipotecas que não
serão pagas e portanto são casos que podem ser levados à justiça e o colateral
pode ser exigido pela SPE. O padrão da figura neste caso é similar ao do gráfico
anterior com a porcentagem de hipotecas subprime subindo 10 pontos percentuais,
e a porcentagem de hipotecas prime em atraso subindo apenas um ponto
percentual.
35
Observado os gráficos é possível também perceber que o número de defaults
é crescente tanto nas hipotecas subprime quanto no caso das primes. Temos então
o segundo fator que as agências negligenciaram. Hipotecas que não serão pagas
têm o colateral para ir a leilão e pagar os credores porém, com a crise, o preço dos
imóveis se reduziu muito e então não é mais possível se recuperar todo o montante
emprestado, a demanda por imóveis frente a uma crise da economia se reduz muito.
Figura 4 - Hipoteca em atraso de mais de 3 meses
20
Poircentagem (%)
15
10
5
0
mar/02
set/02
mar/03
set/03
mar/04
set/04
Prime
mar/05
set/05
mar/06
set/06
mar/07
set/07
Subprime
Fonte: Mortgage Bankers Association
Outro fator colocado em questão principalmente pelos indivíduos que
compraram esses CDOs que estão apresentando defaults maiores do que os
previstos é que as agências de rating cedem as notas conforme as grandes
instituições requisitam. A classificação é dada para cada novo produto que entra no
mercado e, portanto são as próprias instituições que pagam pelo serviço das
agências conforme a necessidade. Isso cria um conflito de agência no qual a
agência de rating tenderá a dar classificação maior para os clientes que sejam mais
fiéis e que paguem mais caro.
Este conflito gerado faz com que o rating cedido pela agência não seja
resultado de estudos estatísticos que determinam a probabilidade de default, mas
sim resultado de uma relação comercial. Quanto maior a afinidade de uma agência
36
de rating com uma grande instituição emitente de CDOs, melhor a classificação dos
instrumentos emitidos por esta.
5.4 A crise do Subprime
A crise do subprime é, assim como vimos nos modelos do capítulo 2, uma
preocupação quanto às condições da economia americana e suas implicações na
relação que existe entre mercados financeiros e a economia real.
Um primeiro fato que é importante ressaltar é que a economia americana na
segunda metade desta década, dada a política de juros baixos implementada pelo
presidente do Federal Reserve Alan Greenspan durante o início dos anos 2000,
cresceu em um ritmo muito forte para um país desenvolvido, média de 2,75% entre
2002 e 2007. O resultado desse crescimento é a queda no desemprego e o aumento
da massa salarial. Dessa maneira mais indivíduos estavam sendo inseridos no
mercado de hipotecas.
Além da taxa de juro ser mantida baixa pelo banco central americano existia
no começo dos anos 2000 uma grande liquidez que é muito atribuída aos petrodólares do Oriente Médio e também a entrada da China no mercado global. Essa
liquidez buscava ativos alternativos aos juros, como por exemplo: ações,
commodities e mercado imobiliário.
Com esse novo cenário de liquidez e vigor econômico a inflação volta a
apresentar riscos para a economia e o Fed começa um ciclo de alta dos juros, o que
foi feito com pequenas altas por um longo período. O ciclo durou de meados de
2004 até meados de 2006. Bernanke participa do final do ciclo, pois assumi a
presidência do Fed em fevereiro de 2006.
É nesse cenário que no inicio de 2007 o mercado de hipotecas subprime
começa a mostrar os seus primeiros sinais de alerta. Esses sinais de alerta acendem
não só para os detentores de papeis de hipotecas, mas também para o mercado
como um todo, já que o setor imobiliário é muito importante para a economia como
afirma em seu discurso Bernanke (2007), e uma queda no crescimento deste setor
tem grandes impactos na economia como um todo. No inicio de 2007 os olhos do
mercado estavam voltados para os dados de inadimplência no mercado de
empréstimos imobiliários que começava a subir.
37
A inadimplência pode ser bem explicada se utilizarmos como variáveis
explicativas o desemprego, grau de endividamento dos indivíduos e taxa de juros. O
que observamos neste período, é o início de um ciclo de aumento do desemprego,
um endividamento dos indivíduos que cresceu muito dadas as condições de liquidez
e um movimento de baixa mais forte dos juros a partir deste ano. Sendo que os dois
primeiros pressionam o aumento da inadimplência, enquanto que o ultimo tem o
sentido contrario, o que não é suficiente pelo que observamos até agora.
Juntamente com o aumento da inadimplência o que observamos é uma queda
na venda de casas, isso se deve a uma menor oferta de crédito por parte do
mercado que restringe o empréstimo para indivíduos com risco mais alto, já que nos
anos anteriores os padrões para cessão de crédito foram levados de forma leviana.
As queda nas vendas de imóveis se deve também a uma expectativa de piora no
cenário, que faz com que os indivíduos diminuam seus gastos com bens duráveis,
como vimos nos modelos gerais.
Este processo desencadeia em um aumento no estoque de casas a venda e,
portanto provoca uma queda nos preços. Esta queda atinge os indivíduos que
estavam especulando nesse mercado e compraram ativos que valem menos do que
a hipoteca que tem de pagar. Estes indivíduos juntamente com aqueles
considerados subprime aumentam então o número de default nas dívidas. Esse
efeito é repassado para diversas carteiras de securitização desses créditos. Isto
pode ser repassado diversas vezes, pois como comentamos acima, o mercado
estava operando securitizações de até terceira e quarta gerações. Ou seja, uma
carteira de créditos era securitizada, e então os ativos de uma SPE eram resecuritizados por mais diversas vezes.
Dessa maneira ainda há problemas quanto à identificação de quais
instituições irão arcar com estes prejuízos. Os prejuízos gerados pelos subprimes
nas carteiras de RMBS e, portanto de CDO podem ou não fazer com que as
agências de rating re-classifiquem esses instrumentos. Isto faz com que estes sejam
sujeitos a um prêmio de risco maior o que reduz o seu valor e aumenta as baixas
contábeis que os bancos vêm apresentando.
Estima-se que as perdas geradas nessa crise alcançarão um montante entre
500 bilhões e 1 trilhão de dólares e que a porcentagem de default de hipotecas pode
chegar a 35% do mercado. Um número que corrobora essa visão é o de montante
38
de hipotecas que deve sofrer um reset da taxa de juros nos próximos meses. A
figura 5 mostra os dados. Como existem muitos bilhões de dólares para sofrerem
reset e essas taxas devem aumentar já que o risco dessas hipotecas aumentou, a
inadimplência por parte desse mutuários deve aumentar.
Figura 5 - Montante de Hipotecas de Subprime com taxas que sofrerão "reset"
30
25
Bilhões de US$
20
15
10
5
0
jan/08
abr/08
jul/08
out/08
jan/09
abr/09
jul/09
out/09
Fonte: Deutsche Bank Global Markets Research
Devemos ressaltar que o trabalho que o Fed tem realizado tem sido muito
importante. O presidente do banco central já realizou cortes na taxas de juros em
reuniões extraordinárias o que levou a taxa dos fed funds para 2% próximo a um
piso teórico. Mesmo com a inflação rondando números altos estas medidas foram
tomadas. Bernanke ainda fez diversos comunicados ao mercado mostrando que não
deixará que a crise se agrave cedendo liquidez para o mercado. Os bancos centrais
europeus e o americano injetaram no mercado em tordo de 40 bilhões de dólares
mensais e o governo americano anunciou um pacote que prevê a distribuição de 150
bilhões de dólares em forma de cheques para a população na tentativa de impedir
uma recessão. Este tipo de ação é muito importante em momentos de crise por
mostrar aos mercados que há uma preocupação das autoridades com a economia e
com o mercado e que uma recessão não será duradoura.
39
6 Comparação entre as crises
Este capítulo visa trabalhar as semelhanças e diferenças entre as crises. Para
isso serão analisadas as trajetórias de algumas variáveis selecionadas durante o
período das crises. O critério utilizado para o período de tempo é de três anos antes
do início da crise e três anos depois desta mesma data.
A data foi escolhida tomando-se como base o dia em que os mercados
tiveram suas piores quedas. Para a crise de 1929 o dia escolhido foi 28 de outubro,
ou segunda-feira negra, no caso da crise de 1987 o dia escolhido foi 19 de outubro,
também uma segunda-feira. A crise atual tem como data de inicio o dia 27/02/2007
que foi a primeira vez que o subprime levou pânico aos mercados.
No caso da crise de 1929 muitos dos dados não eram calculados na época,
foram criados alguns índices que dão uma indicação dos movimentos, por isso em
diversos casos os dados não estarão disponíveis e serão feitos comentários sobre
esta crise.
Podemos começar a analise com os dados do índice Dow Jones que são
disponíveis para os três períodos. Esse estudo tem como base o trabalho de WHITE
(1990), que ao estudar a crise de 1929 faz um exercício semelhante ao da figura 6.
A figura 6 é muito útil para nos mostrar primeiro a semelhança entre a “bolha”
formada em 1929 com a formada em 1987 e como a “bolha” do mercado imobiliário,
pelo menos na bolsa, está distante dos outros casos. Percebe-se através do gráfico
que o período pós-crise é fortemente baseado em expectativas de melhoras
continuas na economia do país.
Outro fato interessante é a trajetória do índice um ano após o início da crise.
No caso de 1929 vimos que houve uma política restritiva por parte da autoridade
monetária o que acabou criando a Grande Depressão e o índice tem uma trajetória
de continuidade de queda até o fim do período enquanto que na crise de 1987,
passado um ano da turbulência no mercado o índice voltou fortemente. Pelo que já
foi comentado, a crise de 1987 foi apenas um pânico nos mercados e, além disso,
Greenspan, em seu papel de autoridade monetária não permitiu que a crise tivesse
grandes impactos.
40
Figura 6 - Índice Dow Jones nos três periodos de crise
Índice (Ínicio dos períodos = 100)
275
225
175
125
75
25
-3
-2
-1
0
1
2
3
Anos
1929
1987
Subprime
Fonte: Bloomberg
Parece que o mercado aprendeu com as crises passadas e “bolhas” como as
observadas nas duas crises passadas não podem ocorrer novamente. O mercado
sofre ajustes, porém em uma dimensão menor do que a observada, quando os
mercados chegaram a ter valor 250% superiores ao inicial.
É possível comprovar o que foi dito sobre a economia nos períodos
analisando a figura 7 com dados de crescimento econômico para 1987 e os dias
atuais. Os dados de PIB americano são disponíveis na base anual desde 1929, isso
é possível devido a estimações, pois o PIB não era contabilizado na época, porém
não são disponíveis dados trimestrais. Apesar de não termos os dados para a crise
de 1929, vimos no capítulo 3 e os dados anuais mostram que o Pib nesses anos não
apresentou recuperação até o New Deal.
Os dados de crescimento confirmam ainda o fato de que a economia real só
foi afetada no final dos anos 80, passada a crise de 87. O gráfico traz pouca
informação sobre a crise do subprime já que os dados são trimestrais. O que os
economistas prevêem é que a economia americana deve passar por uma recessão
nesse anos, provavelmente com crescimentos negativos do PIB no segundo e no
terceiro trimestres. O que se pode observar com os dados dos últimos trimestres é
uma queda na demanda que traz dúvidas quanto a saúde da economia.
41
Figura 7 - Cresciemto do PIB americano
240
ïndice (Ínicio dos períodos =100)
220
200
180
160
140
120
100
80
-3
-2
-1
0
1
3
4
Anos
1987
Subprime
Fonte: Bureau of Economic Analysis
Outra variável que nos traz informação sobre o nível de atividade e também
sobre como deverá evoluir a inadimplência é o desemprego. Os dados não são
disponíveis para a crise de 1929, mas ainda assim conseguimos traçar alguns
paralelos. A figura 8 mostra a evolução da média móvel de doze meses para o nível
de desemprego nos períodos da crise de 87 e do subprime. Utiliza-se a média móvel
para suavizar a série que apresenta sazonalidade. Observamos através do gráfico
que o desemprego se reduziu continuamente durante a crise de 1987, apenas se
manteve um pequeno período constante um ano antes da crise. Pode-se perceber
que o nível de desemprego só começa a aumentar a partir dos anos 90, que é
quando a economia americana sofre uma recessão de fato. No caso da crise atual
conseguimos observar a inflexão da curva próximo à data zero da curva, isso se
confirmando nos próximos dados a serem liberado é uma indicação de que está
crise terá conseqüência na economia real mais severa do que a de 87, já que o
aumento do desemprego mostra que a economia está se arrefecendo também pela
influencia maligna que isso tem no aumento da inadimplência.
Pelo que foi estudado, a crise de 1929 apresentou um grande aumento no
nível de desemprego, mesmo sem termos o dado exato, estudos mostram que o
42
desaquecimento da economia afetou muito o emprego. Por isso também foi criada a
política do New Deal, que era baseada na idéia de que era preciso contratar
pessoas para enterrar garrafas durante o dia e outras tantas para procurá-las
durante a noite. Com o governo gerando empregos e aumentando seu gasto seria
possível uma recuperação mais forte da economia real.
Além do aumento do gasto do governo é necessário estudar também a
evolução da oferta monetária, pois essa foi determinante tanto na crise de 29
quando a falta de uma política mais expansiva impediu que a economia se
aquecesse mais rapidamente quanto na crise de 1987 quando o Fed não exitou em
aumentar a oferta afastando pelo menos por algum tempo a recessão econômica.
Figura 8 - Taxa de desemprego (Média Móvel 12 meses)
Índice (Ínicio dos períodos =100)
110
100
90
80
70
60
-3
-2
-1
0
1
2
3
Anos
1987
Subprime
Fonte: Bureau of Labor Statistics
Portanto outra variável que devemos estudar é a oferta de moeda. A evolução
dessa variável nos períodos da crise de 1987 e do subprime é apresentada na figura
9. O gráfico mostra a evolução do chamado M2, que é a variável chave para o
estudo da inflação, pois é o M2 que mostra a quantidade de ativos liquidos na
economia. O gráfico mostra-nos que nos dois casos a oferta vem sendo expandida
pela autoridade norte americana. É possível perceber que durante a crise de 87 o
crescimento foi ainda maior do que o proporcionado agora por Bernanke. Em 1929
43
foi visto que houve na realidade uma retração da oferta monetária durante o inicio
dos anos 1930 o que ajudou a retardar a recuperação da economia na época.
Figura 9 - Oferta Monetária
Índice (Ínicio dos períodos = 100)
150
140
130
120
110
100
-3
-2
-1
0
1
2
3
Anos
1987
Subprime
Fonte: The Federal Reserve Board
Enquanto em 29 a oferta se retraiu, em 87 e no subprime a oferta se expandiu
muito. Apesar disso a expansão em 87 foi ainda maior. Esse comportamento pode
ser explicado se confrontarmos esses dados com os de inflação já que a inflação
agora está subindo mais rapidamente do que em 87 como pode ser observado na
figura 10.
As informações sobre a crise de 1929 apontam para um período de deflação
o que faz sentido já que houve uma retração da oferta monetária em um período de
aumento da demanda por moeda. No crash de 1987 houve um crescimento muito
forte da oferta monetária desde três anos antes da data zero e a inflação se manteve
em patamares baixos até meio ano antes da crise, quando começou a crescer. Isso
pode ser explicado através da demanda por moeda que deve ter crescido muito no
período já que a expectativa de uma economia mais fraca aumenta a demanda por
moeda por parte dos indivíduos. Porém, com a sinalização do Fed de que não
permitiria que a crise se alastrasse pela economia, os agentes passam a esperar
que a oferta monetária cresça ainda mais e, portanto a inflação deverá ser maior o
que tem um efeito na inflação imediatamente.
44
O maior dilema na condução da política monetária aparece em crises como a
do subprime. Nesse caso observamos que mesmo antes da crise os índices de
inflação já eram crescentes, devido ao grande aumento de liquidez no mundo que
caracterizou a segunda metade dos anos 2000. Somando-se a isso a expectativa de
uma economia mais fraca é possível se prever que a economia caminha para uma
estagflação.
Uma economia com estagflação é uma economia em recessão e com inflação
crescente, esse fenômeno foi observado em diversos paises do mundo em meados
dos anos 70, sendo decorrente da crise do petróleo. O principal problema nesses
casos e que na tentativa de tirar um país da crise aumentado a oferta monetária o
resultado pode ser uma crise ainda maior causada pelos problemas da alta inflação.
Talvez por isso Bernanke tenha aumentado menos a oferta monetária agora
em comparação com a atuação de Greenspan em 87. Mesmo com a inflação
crescente o Fed tem tomado decisões no sentido de baixar os juros numa tentativa
de dar força a economia mesmo que seja necessário suportar uma inflação acima da
perseguida pela instituição, que é de um número em torno de 2%, tendo em vista a
serie de inflação dos Estados Unidos.
Figura 10 - Inflação (Preços ao Produtor)
Índice (Ínicio dos períodos = 100)
125
120
115
110
105
100
95
-3
-2
-1
0
1
Anos
1987
Fonte: Bureau of Labor Statistics
Subprime
2
3
45
Com base nessa discussão podemos afirmar então que por mais que a oferta
monetária seja importante para tirar um país de uma crise, talvez esse instrumento
possa não estar disponível. No caso da crise atual até o momento a inflação
americana apesar de alta é sustentável permitindo a política do Fed que trouxe os
juros a 2% em abril de 2008, de um patamar de 5,5% em meados de 2007. Além
disso, houve atuações por parte do governo demonstrado que irá injetar dinâmica na
economia através de transferências diretas aos indivíduos.
Para uma melhor visualização de como a economia se comporta em períodos
de crises foi produzida a tabela 2 que resume o movimento das principais variáveis
estudadas.
Tabela 2 - Resumo da evolução das principais variáveis durante a crise
1929
1987
Antes
Depois
Antes
Depois
Antes
Subprime
Depois (até abril/2008)
PIB
Desemprego
Oferta monetária
Inflação
Bolsa
- Aumento
- Queda
- Estabilidade
Através da tabela podemos identificar que a economia comumente tem um
crescimento forte do PIB, com queda do nível de desemprego seguido de um
momento de crescimento restrito e queda no emprego. Isso não se verificou em
1987 pois a crise foi sentida no mercado mas não teve efeitos na economia real.
A oferta monetária tende a crescer ainda mais nos períodos de crise, isso
ocorre na tentativa por parte da autoridade monetária de evitar a crise, isso não
ocorreu em 1929 e é apontado como um das causas do prolongamento da recessão.
Esse aumento na base monetária geralmente é acompanhado por um aumento da
inflação. Esse efeito pode não ser grande já que em períodos de crise a demanda
por moeda também tende a crescer o que eliminaria parte do efeito do aumento da
oferta na inflação. O que se observou em 1929 é atípico, pois a moeda não foi
utilizada como maneira de recuperar a economia. Em 1987 a inflação não saiu do
controle, apenas se acelerou. E na crise do subprime a inflação vem se mostrando
um problema já que ela não é causada apenas pela oferta monetária, mas também
por uma oferta mundial mais restrita, principalmente para alimentos e commodities.
46
Por fim podemos comentar que o mercado financeiro sofre os efeitos de uma
crise de forma distinta nos três períodos. No primeiro caso, ao se vislumbrar uma
economia mais fraca no futuro, o mercado sofreu grandes ajustes durante um mês
inteiro. No segundo caso houve um grande crash em um único dia, mas a economia
não se mostrou tão fraca e, portanto o mercado logo se recuperou. No terceiro caso
o que observamos é que vislumbrando uma economia mais fraca o mercado sofreu
ajustes no inicio de 2007, quando começou a se observar os problemas no mercado
imobiliário na seqüência houve outro ajuste em agosto de 2007, pois alguns fundos
demonstravam enormes perdas no mercado imobiliário, no final de 2007 o mercado
apresentou novos ajustes frente a uma consolidação de um cenário de recessão e
perdas para os bancos. Esses ajustes foram mais fracos do que nos outros casos
porque a “bolha” não era tão grande, parte dos agentes já esperavam o pior e não
alimentaram um aumento insustentável nos preços das ações.
Dando um passo a frente, é interessante comentar um pouco sobre os rumos
da atual crise e como devem evoluir as variáveis estudadas daqui para frente. Para
podermos entender o que ainda está por vir como resultado da crise do subprime é
interessante analisarmos os pedidos iniciais de auxílio desemprego. Slok (2007)
apresenta essa variável como sendo um indicador antecedente significante para
recessões. Se observarmos a evolução dessa variável na figura 11 é possível se
chegar a essa mesma conclusão e ainda formar expectativas sobre o que está por
vir.
Vemos que em 1985, dois anos antes de 87 os pedidos estão caindo o que
não é indicativo de uma recessão, o que realmente não se viu. Porém em meados
de 89 já é possível se observar o pedido de auxílio crescendo o que se seguiu até
91 quando a economia real americana sofre uma crise. O padrão de que o aumento
nos pedidos resulta em uma crise em dois anos é observado também na crise de
2001, quando já em 1999 os pedidos de auxílio desemprego começam a subir. O
que se viveu em 2001 foi uma crise atribuída também a uma “bolha” criada devido as
empresas ponto com. Na época surgiram muitas empresas que começavam a se
beneficiar das inovações da Internet oferecendo serviços que antes não eram
possíveis.
Levando em conta esse padrão vemos que em meados de 2006 os pedidos já
começam a demonstrar uma tendência de alta e essa tendência vem se mantendo
47
até esse momento, o último dado existente é da segunda semana de abril de 2008.
com base nesse dado e também na figura 5 apresentada, pode-se dizer que a
economia americana deverá sofrer uma recessão no mínimo durante o segundo e o
terceiro trimestre de 2008.
Figura 11 - Pedidos iniciais de auxílio desemprego (Média móvel de 4 semanas)
Número de pedidos (Mil)
550
450
350
250
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
Fonte: Bureau of Labor Statistics
Podemos aprofundar essa analise através de uma comparação entre o
crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2008 contra o ultimo trimestre e contra o
primeiro trimestre de 2007. Os dados da tabela 1 mostram a contribuição das
variáveis do PIB na ótica da demanda para o crescimento.
Coincidentemente nos três trimestres o crescimento apresentado pela
economia foi de 0,6% porém, o perfil desse crescimento se alterou para pior.
Observamos que já algum tempo são os serviços que puxam o crescimento do
consumo, mas o que observamos agora é um consumo de bens tanto duráveis
quanto não duráveis em queda. Isso resulta em uma queda de quase dois pontos
percentuais na relevância do consumo para o crescimento da economia. Os
investimentos privados que mostram uma participação menor para o decréscimo
parece um alívio. Analisando os dados com calma, vemos que o investimento fixo
vem caindo mais fortemente, com os investimentos residenciais puxando já desde
2007 e os não-residenciais caindo ainda mais do que em relação a 2007. Os
48
investimentos estão sendo segurados pelo aumento dos estoques, que é mais uma
demonstração de que o consumo está caindo. Uma economia sadia deveria crescer
com investimentos fixos e não com aumento de estoques.
Tabela 1 - Contribuição para o crescimento em pontos percentuais
2007.I
2007.IV
Taxa anual de crescimento do Pib (%)
0.6
0.6
Gastos com consumo pessoal
2.56
1.58
Bens duráveis
Bens não-duráveis
Serviços
Investimento doméstico privado Bruto
Investimento Fixo
Investimento não-residencial
Residenciais
Mudança nos estoques privados
Exportação Líquida de bens e serviços
Exportações
Importações
Gastos e Investimentos do Governo
Federal
Defesa nacional
Não defesa nacional
Estaduais e Municipais
2008.I
0.6
0.68
0.67
0.61
1.28
0.15
0.25
1.18
–0.48
–0.27
1.43
–1.36
–2.40
–0.70
–0.70
0.22
–0.93
–0.65
–0.62
0.63
–1.25
–1.79
–1.50
–0.28
–1.23
0.81
–0.51
1.02
0.22
0.13
–0.63
0.77
0.24
0.67
–0.44
–0.09
0.38
0.39
–0.46
–0.54
0.08
0.36
0.04
–0.03
0.06
0.34
0.32
0.28
0.04
0.07
Fonte: Bureau of Economic Analysis
A economia norte americana tem a exportação líquida positiva, resultado da
depreciação que o dólar vem sofrendo frente a outras moedas do mundo. Isso é
positivo para os Estado Unidos dada a sua situação econômica. Podemos afirmar
que o governo vem tentando fazer a sua parte já que tem aumentado os gastos e
investimentos. É importante ressaltar que o governo aumenta principalmente os
gastos não militares, pois esse é o gasto que produz crescimento econômico. Se o
governo gastar com outros bens causará o chamado crowding out, processo no qual
o governo tira a participação privada no crescimento do PIB. Como gastos com
defesa não são possíveis de ser realizados pelo setor privado, o crowding out é
assim evitado.
Com base nos dados é importante ter em mente que a crise americana não
acabou que ainda devemos observar alguns semestres de recessão com o aumento
do nível de desemprego nos Estados Unidos. A oferta de moeda deve continuar em
crescimento com o estimulo do banqueiro central e isso mantém sempre o perigo de
49
um aumento mais forte da inflação dado a queda nos juros promovida pelo banco
central americano e a inflação mundial provocada pela restrição de oferta. A queda
dos juros normalmente só se reflete no crescimento econômico de seis a nove
meses após o corte, mas o efeito no aumento sa inflação ocorre apenas três meses
após.
O mercado norte americano deve continuar estável já que com um PIB
decrescendo ou estável próximo de zero, as empresas devem apresentar resultados
não muito positivos. Como vimos o consumo está caindo e os estoques se elevando.
Além disso, perdas por parte dos grandes bancos ainda devem estar por vir o que
prejudica os balanços.
50
7 Conclusão
O trabalho apresentou modelos para analise de crises em economias, após
esse estudo analisamos mais profundamente duas crises do passado e a atual crise
que o mercado vive, conhecida como crise do subprime. Com base nessas analises
podemos perceber que há muito a se aprender com as crises passadas.
Primeiro é importante salientar que as crises têm sua origem em expectativas
negativas quanto ao futuro da economia. Isso porque ao se vislumbrar um futuro de
crescimento mais restrito, isso impacta o resultado das empresas esse impacto é
sentido no preço das ações imediatamente. Esse processo de revisão das
expectativas sempre tem seu estopim no crédito. Ao se esperar um aumento da
inadimplência a economia entra em um ciclo de recessão. Vimos que no caso de 87
a recessão não aconteceu, pois não se observou um aumento da inadimplência, o
que veio a ocorrer dois anos mais tarde.
Mesmo sendo o crédito o principal fator para o desencadeamento desse
processo, foram apresentadas algumas particularidades das crises. Nos três casos
tivemos uma inovação ajudando a criar uma “bolha”. No caso de 1929 a inovação foi
o aumento do mercado de ações incentivado por empréstimos a custo baixo. No
caso de 1987 tínhamos algumas inovações no mercado: (i) Contratos futuros de
índices, (ii) operações de leverage-buy-out e (iii) o portfolio insurance. A crise do
subprime teve uma importante inovação no mercado imobiliário, que foi a criação de
um mercado de hipotecas subprime, este teve um forte crescimento devido a outra
inovação que foi a negociação no mercado dos instrumentos conhecidos como
colaterallazed debt obligation.
Como o crédito é potencialmente um grande vilão a importância de um banco
central nesse momento fica mais evidente. A atuação deste é importante, pois
estimula a economia como um todo. Além disso, dá liquidez ao mercado
possibilitando aos agentes que rolem as suas dívidas, que não teriam capacidade de
honrar, dessa forma evita-se o aumento da inadimplência. Por isso que é preciso se
tomar cuidado também com o problema de moral hazard. Se os indivíduos
perceberem que sempre que estiverem em dificuldades serão ajudados, eles irão
tomas decisões que tenderam a aumentar a probabilidade de inadimplência,
51
portanto um resultado perverso, ao contrario do que o banqueiro central gostaria de
alcançar.
Com um banco central atuando de forma correta, uma recessão maior pode
ser evitada. O banqueiro deve abaixar os juros, na medida do factível, frente a uma
economia que decresce, sem criar condições para uma nova bolha. E deve contar
com um governo que utilize a política fiscal de forma a manter a economia
crescendo sustentavelmente.
No caso da crise atual o mercado está mais atento para a criação de “bolhas”
em comparação com o que foi visto nas crises passadas. Percebemos isso quando o
mercado realiza correções relativamente antes e essas correções vão se seguindo
conforme mais informações se tornam disponíveis.
Deve se evitar a criação de “bolhas” que incentivam as pessoas a tomarem
posições alavancadas e mais arriscadas do que deveriam. O que gerou as bolhas
foram juros baixos, um incentivo para a alavancagem e também a má utilização das
inovações, que surgem com se proporcionassem ganhos sem risco. O ciclo do
crédito que é determinado pelos juros deve ser suavizado evitando grandes
mudanças nos índices de inadimplência.
No caso da crise atual, já presenciamos o estouro da “bolha”, porém o
mercado vem mostrando força e se mantém estável. Isso não deve ser sustentável,
ainda devem ocorrer correções, pois o mercado se apega muito aos dados que
mostram uma recuperação da economia e tentam esconder os dados que mostram
que as coisas não estão voltando aos eixos ainda, como por exemplo, a quantidade
de reset que deveram acontecer, e a piora na qualidade do crescimento do PIB norte
americano.
52
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