Fios discursivos que constroem a imagem do homem ideal

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Fios discursivos que constroem a imagem do homem ideal: o padrão de masculinidade
nas páginas do Jornal Cruzeiro1
Jakson dos Santos Ribeiro/UFPA-PA
Resumo
A visão acerca do trabalho no contexto da primeira metade do século XX foi visto na
conjectura das relações de gênero como um elemento de relevância na definição da
masculinidade do homem, principalmente no cenário caxiense das décadas de 1940 a
1950, visto que percebemos nesse recorte temporal uma intensificação dos discursos em
prol da máxima, “o trabalho dignifica o homem!”. Assim, discursos, como este
imprimem uma imagem acerca do perfil, modelo de masculinidade que os homens
caxienses deveriam seguir. Neste ínterim, laçamos o nosso olhar para os exemplares do
jornal Cruzeiro, que no baricentro das relações sociais da citadina Princesa do Sertão
são espaços privilegiados para percebemos como as representações sobre as formas de
ser do homem caxiense eram explicitas. Desse modo, buscaremos nortear nossa escrita
pela análise de discurso, com intuito de apresentarmos as composições discursivas que
lançavam mão de imagens que apontavam “máximas como o trabalho define o bom
homem que você é para sociedade e para sua família”, com intuito de apresentar como é
percebido o homem a sua masculinidade em Caxias, no recorte temporal acima
proposto.
Palavras-chave: Imagem. Homem. Discurso.
abstract
The vision of the work during the first half of the twentieth century has seen the
conjecture of gender relations as an element of relevance in defining the man's
manhood, especially in the scenario caxiense the decades from 1940 to 1950, since we
realize that time frame an intensification of speeches in favor of the maxim, "work
ennobles man." Thus, speeches, like this print a picture on the profile, model of
masculinity that men should follow Caxienses. Meanwhile, laçamos our look at the
copies of the newspaper Cruzeiro, which the centroid of the social relations of city
Princess Hinterland spaces are privileged to realize how representations about ways to
be the man caxiense were explicit. Thus, we will seek to guide our writing for discourse
analysis, in order to introduce the discursive compositions made use of images that
pointed "as the maximum work defines the good man you are to society and to his
family," with a view to presenting as the man his masculinity is perceived in Caxias, in
the proposed time frame above.
Keywords: Image. Man. Speech.
1
Trabalho apresentado no I Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os
dias 04 e 06 de novembro de 2014, Belém/PA.
1
“A imagem Ideal”: o homem nas paginas do jornal
Quando pensamos inicialmente em analisar a categoria masculinidade como
um vocábulo conceitual gestado a partir da ideia de fabricação foi justamente após a
leitura do texto de Joan Scott, em que ela vem afirmar que o gênero não pode ser
pensado como um elemento determinado pelo viés biológico, mas sim como uma
categoria que é gestada e pensada também pelos aspectos culturais em que está inserida.
Nesse sentido, Scott nos apresenta:
O gênero é, segundo essa definição, uma categoria social imposta
sobre um corpo sexuado. Com a proliferação dos estudos do sexo e da
sexualidade, o gênero se tornou uma palavra particularmente útil,
porque ele oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis
atribuídos às mulheres e aos homens. Apesar do fato dos(as)
pesquisadores(as) reconhecerem as relações entre o sexo e (o que os
sociólogos da família chamaram) “os papéis sexuais”, estes(as) não
colocam entre os dois uma relação simples ou direta. O uso do
“gênero” coloca a ênfase sobre todo um sistema de relações que pode
incluir o sexo, mas que não é diretamente determinado pelo sexo nem
determina diretamente a sexualidade.2
Sobre esse prisma de análise, podemos perceber o quanto os discursos em prol
de afirmativas e representações totalizantes acerca da funcionalidade de homens e
mulheres saíram da perspectiva naturalista “normal” para serem substituídas e
entendidas de outras formas.
Nesse sentido, podemos apontar que o ângulo de entendimento nos
redirecionou o olhar para um campo de compreensão em que fosse não percebido
apenas o biológico para definição, conceituação, do que seja homem e mulher, mas que
levassem em conta outros aspectos formativos na construção das identidades desses
indivíduos.
Ao problematizar o gênero dentro da História se tornou possível criar pontes de
entendimentos que levassem os historiadores e historiadoras a terem acesso às formas
relacionais que as sociedades em seus mais diversos contextos estabeleciam como
aspectos funcionais na compreensão do que sejam homens ou mulheres. Sob a luz dessa
máxima apontada, a categoria gênero
[...] não vem substituir nenhuma outra, mas atende à necessidade de
ampliação de nosso vocabulário para darmos conta da multiplicidade
2
SCOTT, Joan. Gênero: Uma Categoria Útil para a Análise Histórica. Traduzido pela SOS: Corpo e
Cidadania. Recife, 1990, p. 3.
2
das dimensões constitutivas das práticas sociais e individuais. Neste
caso, a dimensão sexual. O sexo participou indubitavelmente e de
forma central na construção histórica de nossa identidade pessoal e
coletiva, especialmente no Brasil, mas foi por muito tempo colocado à
margem na leitura das práticas sociais. A desconstrução dos mitos
fundadores, acredito, passa pela leitura do gênero de sua própria
produção, ao lado de outras dimensões, é claro. Mas,
fundamentalmente, é importante que possamos perceber a construção
das diferenças sexuais histórica e culturalmente determinada,
desnaturalizando portanto as representações cristalizadas no
imaginário social.3
Dessa forma, Joan Scott vem também reforçar que os estudos de gênero
tornam possíveis que os sujeitos em seus mais diversos espaços temporais sejam
historicizados pelas lentes de modelos totalizantes que não possibilitavam ver para além
das naturalizações. E nesse sentido Scott nos acrescenta:
Historicizar gênero é enfatizar os significados variáveis e
contraditórios atribuídos à diferença sexual, os processos políticos
através dos quais esses significados são construídos, a instabilidade e
maleabilidade das categorias “mulheres” e “homens”, e os modos
pelos quais essas categorias se articulam em termos da outra, embora
de maneira não consistente ou da mesma maneira em cada momento. 4
Não só a História como as demais ciências humanas iniciaram trajetórias de
pesquisas buscando enveredar por caminhos outrora ignorados, ou mesmo nem
cogitados de serem trilhados. E nesse giro do olhar se criou vias de compreensão acerca
dos sujeitos, mas que levassem em conta que tanto em relação ao conceito de homem ou
de mulher, como a própria funcionalidade social desses, o cientista social deveria e deve
ter em mãos a sensibilidade de anotar em seus registros que os sujeitos são indivíduos
fabricados a partir de uma lógica ideológica, gestada no contexto em que esse homem
ou mulher estão inseridos.
Joan Scott, ao desenvolver os seus estudos sobre gênero, nos remete a
compreender que:
Seu uso rejeita explicitamente explicações biológicas, como aquelas
que encontram um denominador comum, para diversas formas de
subordinação feminina, nos fatos que as mulheres têm a capacidade
para dar a luz e de que os homens têm uma força muscular superior.
Em vez disso, o termo “gênero” torna-se uma forma de indicar
“construções culturais” – a criação inteiramente social de ideias sobre
os papeis adequados aos homens e às mulheres. Trata-se de uma
3
4
RAGO, op. cit., p. 93.
SCOTT, op. cit., pp, 25-26.
3
forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades
subjetivas de homens e mulheres.5
Dessa forma, a subjetividade passou a ser um elemento capturado pelos
historiadores para buscar compreender a própria definição ou compreensão que está fora
da definição biológica de homem e mulher, por exemplo. Conforme Margareth Rago,
Trata-se, nessa referência, de perceber que as subjetividades são
históricas e não naturais, que os sujeitos estão nos pontos de chegada e
não de partida como acreditávamos então; e ainda, que as conexões
podem ser estabelecidas entre campos, áreas, dimensões sem
necessidade exterior pré-determinada.6
Nesse ponto, podemos identificar que as identidades de homens, como também
de mulheres, são fabricadas por elementos operantes que visam constituir na teia social
homens com aspectos específicos, como a construção de ideais, e deixando de lado que
as identidades são também gestadas também por elementos subjetivos, que, por sua vez,
se enquadram em processos de supressão de ambiguidades, a fim de apresentar na cena
social uma “ilusão” de coerência acerca das posturas e formas de homens e mulheres.
Outro aspecto que também se torna presente nos estudos de gênero, e da
própria masculinidade, é o conceito fabricado para corresponder ao conjunto de práticas
realizadas pela maioria dos homens. Nessa vertente, essas práticas constituíram o que as
críticas feministas chamavam de conceito hegemônico de masculinidade. Sobre o
prisma conceitual desse modelo, o ângulo de análise sobre as atribuições funcionais do
homem, se criou uma maneira de perceber e analisar como os homens se comportam em
vários momentos e contextos históricos.
Segundo Erik Pereira, este conceito hegemônico de masculinidade possibilitou
com que os estudos sobre o gênero masculino, e as representações sobre este, criassem
vias de compreensão sobre os pontos que ratificam a hegemonia masculina, como
também abriu possibilidades para perceber os perfis de masculinidade fora dos
parâmetros de análise do elemento principal de percepção do que seria o homem, ou o
modelo hegemônico.
O conceito de masculinidade hegemônico permite uma concepção
mais dinâmica de masculinidade, entendida como uma estrutura de
relações sociais em que várias masculinidades não-hegemônicas
subsistem, ainda que reprimidas e auto-reprimidas por esse consenso
5
6
SCOTT, op. cit., p. 75.
RAGO, op. cit., , p. 91.
4
comum e senso comum hegemônico, sustentado pelos significados
simbólicos incorporados.7
E sobre essa prerrogativa, apontada acima, percebemos que, em contextos
diferentes, apesar de estarem operando pela lógica que estabelece o conceito
hegemônico de masculinidade, temos que estar atentos às ressignificações existentes
como forma para entender o que se chama de masculinidade, visto que o conceito
apenas norteia a representação da figura masculina.
Porém, apesar de nortear o entendimento sobre o que é ser homem e sua
masculinidade, não significa dizer que essa figura masculina será o parâmetro geral para
entender o que se denomina de masculinidade, pois em cada contexto as formas de
representar são diversificadas, mas não se deixa de exaltar a superioridade do sujeito.
O que podemos perceber é que o conceito de “normal” ou o conceito de
“masculinidade padrão” figuram como conceitos gestados por uma ótica ideológica, que
afirma pelos olhos da positividade social que ser um homem, igual ao conceito
apresentado, é corresponder com a dimensão simbólica que esta identidade pode ter no
bojo das relações de gênero e dos projetos institucionais que se tem para com quem se
torna tributário da forma de ser homem.
Mas mesmo mantendo a correlação com os anseios sendo sociais, podemos
apresentar que o homem e sua masculinidade se enquadram aos modelos prontos para
atuarem na cena social. Nesse compasso, podemos frisar que, na órbita desses modelos
padrões, é possível perceber que existem sujeitos que enveredam por outra ótica na
afirmação da sua masculinidade. Segundo Erik Pereira,
A masculinidade não se apresenta desse modo uniforme, destacandose a existência de padrões hegemônicos e outros subordinados a estes.
Tais formas baseiam-se no poder social dos homens individuais. A
hegemonia é uma forma de dominação em que a dominação participa
da dominação. No campo do gênero, trata-se da capacidade de impor
uma definição especifica sobre outros tipos de masculinidades [...]8
Os fatores culturais9 podem, nesse ponto, ser elementos que encaixam em um
quadro formativo da identidade masculina, ou mesmo da própria masculinidade desse
7
PEREIRA, op. cit., p. 94.
PEREIRA, op. cit., p. 94.
9
Os fatores culturais são responsáveis pela permanência do atual regime de gênero, mesmo em
sociedades avançadas do ponto de vista industrial e econômico. Os exemplos não são apenas os enclaves
nas sociedades urbanas, constituídas por massas de imigrantes que procuram manter suas tradições nas
quais esse regime é um elemento-chave, e sim as sociedades reconhecidamente machistas e que
8
5
homem. De modo geral, essa qualificação positivada da masculinidade no conjunto das
relações de gênero serviu e serve para manter em segurança o lugar ocupado pelo
homem.
A masculinidade, na qualidade de lugar simbólico de sentido
estruturante, impõe aos agentes masculinos uma série de
comportamentos e atitudes imbricados com valores tradicionais
capazes de manter uma taxa de conversibilidade entre ela e o poder
simbólico, de tal forma que permita aos homens reatualizar todas
aquelas qualidades típicas de quem é digno, segundo esses valores, de
possuir as prerrogativas de poder frente às mulheres e aos outros
homens que não estão à altura de cumprir suas exigências e provar sua
competência enquanto reprodutores do regime de gênero mediante a
adoção dos comportamentos qualificados tipicamente masculinos.10
Nessas condições, podemos perceber que, sendo a masculinidade um vocábulo
conceitual amparado por uma áurea simbólica, os homens deviam e devem manter uma
correspondência ao conjunto de atitudes que se exige para a manutenção do que seja um
homem. O que, por sua vez, esse sujeito não poderia e nem pode se ocupar de atitudes e
comportamentos que não ratificassem o status de superioridade que ser homem
significava. Caminhando por essa perspectiva, Heleith Saffioti aponta que “a sociedade
delimita, com bastante precisão, os campos em que pode operar a mulher, da mesma
forma como escolhe os terrenos em que pode atuar o homem.”11
Corroborando com essa questão, Pierre Bourdieu, em seu texto A dominação
masculina, aponta que:
A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que
tende a ratificar a dominação masculina sobre qual se alicerça: é a
divisão do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades
atribuídas cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus
instrumentos; é a estrutura do espaço, opondo o lugar de assembléia
ou de mercado, reservados aos homens, e a casa reservada às mulheres
[...]12
A força masculina nesse caso se evidencia como um mecanismo de segurança
para que os discursos produzidos sobre a defesa da masculinidade em prol do homem
possa ser garantido. E homem, nesse ínterim, fica relegado a ser um mantenedor dessa
continuam a reproduzir práticas sexistas, apesar de apresentarem índices de modernização e eficiência
capitalista invejáveis [...] OLIVEIRA, op. cit., p. 194.
10
ibid., pp. 195-196.
11
SAFFIOTI, Heleith I. B. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987, p. 8.
12
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Trad. Maria Helena Kühner. 10ª Ed. – Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2011, p. 18.
6
economia de caracteres simbólicos que viabilizam a autoafirmação da masculinidade e
do conjunto conceitual que define o sentido de ser homem.13
Dessa forma, a produção da identidade do homem como também a fabricação
da sua masculinidade são elaboradas por uma relação de alteridade, em que estão
sempre próximos uma da outra, mas ao mesmo tempo se distanciam, porém coexistem
dentro do espaço social em que os indivíduos se encontram. Sobre essa questão,
Pesavento nos aponta que:
A identidade é uma construção imaginária que produz a coesão social,
permitido a identificação da parte com o todo, do indivíduo frente a
uma coletividade, e estabelece a diferença. A identidade é relacional,
pois ela se constitui a partir da identificação de uma alteridade. Frente
ao eu ou ao nós do pertencimento se coloca a estrangeiridade do
outro.14
As representações acerca da identidade são assim múltiplas e podem dar conta
de sentidos diversos que são gestados na teia de significados, e elaborados, por sua vez,
para saciar as necessidades criadas no cotidiano dos indivíduos. Para Pesavento, a
“identidade é construída em torno de elementos que ganham positividade e
características valorizadas, pois conseguem render um reconhecimento social em um
dado momento, em uma situação chave do dia-a-dia do sujeito”.15
Como nos aponta Castoriadis, a sociedade tenta dar respostas de quem
somos, quais as funções fundamentais, como devemos funcionar enquanto coletividade,
o que devemos desejar, o que somos uns para os outros, quais atitudes devemos ter em
determinadas relações sociais, quais desejos devemos nutrir, o que é necessário para
nossa sobrevivência, enfim, se fôssemos elencar aqui, nos faltariam páginas para trazer
à tona, o que nos é imposto para que possamos nos adequar ao espaço social, ao
contexto do qual fazemos parte. Deste modo, o mundo social:
[...] é cada vez mais constituído articulado em função de um sistema
de tais significações, e essas significações existem, uma vez
constituídas, na forma do que chamamos imaginário efetivo (ou
imaginado). É só relativamente a essas significações que podemos
compreender, tanto a “escolha” que a sociedade faz de seu
13
A masculinidade seria definida não só pelo que deviam ser os comportamentos masculinos, mas
também pelas margens, pelo que era condenável, pelo que não se enquadraria nos parâmetros aceitáveis
para os comportamentos masculinos disciplinados. CASTELO BRANCO, Pedro Vilarinho. História e
masculinidades: a prática escrituristica dos literatos e as vivencias masculinas no inicio do século XX. –
Teresina: EDUFIP, 2008, p. 134.
14
PESAVENTO, 2005, op. cit., p. 90.
15
CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição imaginária da sociedade. Trad. Guy Reynaud. São Paulo:
Ed. Paulo e Terra, 1982, p. 177.
7
simbolismo, e principalmente de seu simbolismo institucional, como
os fins aos quais ela subordina a “funcionalidade”. Presa
incontestavelmente entre as coerções do real e do racional, sempre
inserida em uma continuidade histórica e por conseqüência codeterminada pelo que já se encontrava aí, trabalhando sempre com
simbolismo já dotado e cuja manipulação não é livre, sua produção
não pode ser exaustivamente reduzida a um desses fatores ou ao seu
conjunto. Não pode “responder” às perguntas às quais “respondem”.16
Por essa perspectiva, as concepções naturais sobre a funcionalidade do homem
e dar mulher, pode ser aqui considerada como uma imposição instituída culturalmente e
que ao longo dos anos se naturalizou que foi imposta no baricentro das relações sociais.
Mas não podemos deixar de salientar nesta esteira de considerações que os
perfis identitários elaborados no bojo da cultura para dar sentido aos papeis sociais são
efetivados para indicar as chamadas funções sociais desses sujeitos na dinâmica da
sociedade.17
Por isso que nesse caso tomamos que nos discursos do jornal Cruzeiro,
objeto de estudo nesse trabalho potencializam em suas paginas, o homem à imagem de
José, apresentando-o como tal representação, a sua masculinidade, como também a
constituição de modelos como tal no bojo das práticas de homens caxiense.
As subjetivações em torno da identidade do homem, mas um “homem
santo”, corporifica no discurso do jornal, salientando sempre as boas qualidades, que os
mesmos detinham, como também mostrando os traços característicos dessa identidade
masculina construída no discurso do jornal. É o que retrata a poesia intitulada “Homem
(João de Deus)”18 do jornal Cruzeiro:
HOMEM (João de Deus)
Ser desenvolvido, penetrante, que desvendeu a ciência e, avante
Fé-la crescer em conseqüência
do seu instinto de penetração!
Não és apenas a expressão
Antropogenica das células
16
ibid.
A afirmação da identidade e marcação da diferença implicam, sempre, as operações de incluir e de
excluir. Como vimos dizer “o que somos” significa também dizer “o que não somos”. A identidade e a
diferença se traduzem, assim, em declarações sobre quem está incluindo e quem está excluindo. Afirmar a
identidade significa demarcar fronteiras, significa fazer distinções entre o que fica dentro e o que fica
fora. SILVA, Tomaz Tadeu Da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. (Org).
TOMAZ Tadeu da Silva. STUART, Hall WOODWARD, Kathryn. 11 ed.. Rio de Janeiro: Vozes, 2012,
p. 82.
18
Durante a pesquisa não encontramos nenhum relato que pudesse nos reportar sobre o escritor nem saber
o lugar social do sujeito.
17
8
em formação!
Viestes do nada, de pó da terra,
do granito; és finito,
mas procurou galgar o infinito!
Incapaz de desvendar
O segredo que o fez vir
Pêlo efeito biológico da gestação
e trazer,
já para o mundo, (coisa rara)
o fluido
do seu desenvolvimento no embrião!
Que sem ser um Deus, um semi-Deus
ao menos,
procura ser no universo
como estudos árduos, mas amenos
conhecer-se a si num simples verso.
Grande quando grande poder ser
Sem a prepotência criminosa do poder
pode ser um sábio, um herói um santo,
um néscio,
quando desposajado da causalidade natural
de ser potentado
ou um letrado!19
Nesta poesia, a imagem que se quer repassar caminha pela ótica de um
sujeito de muitas qualidades, mas também um homem predestinado a ser um sujeito de
identidade viril. O discurso poético envereda em qualificar as percepções sociais que se
construíram sobre a ideia do que seria um homem. Isso, para Castelo Branco (2008),
estaria na esteira de preservar a autonomia do sujeito masculino, como também
corporificar na escrita, no discurso, o modelo de masculinidade, que deveria existir na
sociedade caxiense.
Assim é sempre possível percebermos que ao folhearmos as paginas do
jornal o discurso do Cruzeiro que é personificado com as características tradicionais,
potencializa em demasia o homem, que segundo, pela “própria natureza” é um sujeito
sábio e forte para resolver os problemas do dia a dia.
Homens de Aço
<<Homens de aço>> esta é uma expressão das mais desconexas e
mais absurdas.
O homem não é de aço. O homem que composto de alma e corpo.
A generosidade e a coragem impregnam na alma humana um hábito,
um costume de tomar certas resoluções em momentos, críticos da
19
CRUZEIRO, Caxias, Maranhão, Domingo, 11 de maio, de 1958, nº. 588, p. 4.
9
vida. E nessas horas decisivas nasce o << o Homem de aço>>. Eu
quero dizer: nasce o homem aquele entre o que se deixa impressionar
com qualquer obstáculo da vida prática.
Homem! Torna-se homem de vida de aço em todas as situações da
vida prática.
Homem! Torna-se homem de aço em todas as situações da vida
prática. Tornaste um homem de aço no caráter [...]20
O jornal procura denotar no bojo de seus discursos, que a ideia de ser
homem e suas características, como potencialidade, seu heroísmo, são elementos que
não deixam de existir, mesmo quando existe mudanças que ocorrem ao seu redor, na sua
vida. Nesse sentido, Castelo Branco (2008) afirma:
A potencialização do homem via a heroicização apresenta-se, no
domínio cultural, como exacerbação dos valores que passam a se
construir em torno dos signos masculinos, que se tornam vetores
significativos da construção e do reforço as hierarquias sociais e fonte
de legitimação. Nesse contexto, as disputas em torno da
masculinidade, ou a concorrência entre distintas formas de
masculinidade operantes dão o diapasão das lutas pelo poder, que se
associam da maneira mais intensa à rápida e quase vertiginosa
ebulição dos lugares sociais ocupados [...]21
Na ordem dos discursos do Cruzeiro, a identidade masculina é fabricada
como “forma natural” em que muitos estariam prontos para assumirem esse ideal. O
jornal mapeia formas de significar e elaborar discursivamente o mundo masculino, e
percebe as novas formas masculinas de ser, mas não possibilita existir uma abertura
para despersonificação completa da identidade masculina, pois ainda é necessário
enaltecer as qualidades de um modelo hegemônico.
Nesse contexto em que nossa análise se debruça, a mentalidade é que o
sujeito masculino deve ainda permanecer como indivíduo de relevância social e
familiar. O que na via de compreensão, tendo o conceito de masculinidade hegemônico,
como prisma para observar a dinâmica dos sujeitos, os discursos do jornal não se afasta
do padrão estabelecido.
Os discursos do periódico religioso versam sobre a identidade como forma a
salientar que as mudanças que se processam no cotidiano da modernidade, e que foram
se constituindo, possibilitaram não o aprimoramento das identidades de homens e
20
CRUZEIRO, Caxias, Maranhão, Sábado, 02 de fevereiro, de 1946, nº. 538 p.
CASTELO BRANCO, Pedro Vilarinho. História e masculinidades: a prática escriturística dos literatos
e as vivencias masculinas no inicio do século XX. Teresina: EDUFPI, 2008, p. 19.
21
10
mulheres, mas desqualificaram essas identidades, que precisam de orientações moral e
religiosa para cumprir seus papeis de maneira natural.
A ideia de poder que envolve a escrita no jornal é que possibilita a
qualificação de identidades no campo discursivo à concretização de papéis, onde
homens e mulheres são colocados em lugares definidos e vistos como naturais. Assim
como observa Foucault:
É preciso pôr em questão, novamente, essas sínteses acabadas [...]. É
preciso desalojar essas formas e essas forças obscuras pelas quais se
tem o hábito de interligar os discursos do homem. É preciso expulsálas das sombras onde reinam. [...] É preciso também que nos
inquietemos diante de certos recortes e agrupamentos que já nos são
familiares.22
O poder que foi sempre instituído ao homem na perspectiva foulcaultiana é
revestido no discurso do Cruzeiro, mesmo que no campo das práticas esse homem se
projetasse em outras perspectivas de tipos de masculinidades. Os símbolos e poder
atribuídos a eles se configuram como os instrumentos por excelência de integração
social, tornando possível a reprodução da ordem estabelecida. No caso, os discursos do
jornal Cruzeiro são revestidos desse símbolo quando qualifica que o comportamento do
homem deve ser experenciado à vida de José.
A rede das relações sociais é o palco no qual se desenrolam as vivências
dando a elas um significado que inscreve o sujeito em um lugar imaginário, que
resultará em sua identidade. A identidade é produto das relações sociais porque é nelas
que se define a partir da criação de espaços simbólicos. Consequentemente, se a
identidade masculina se inscreve como um espaço simbólico dentro do cotidiano, esta
se torna um elemento de sua composição, sendo uma composição feita a partir de outros
estratos sociais, responsável pela dinâmica das relações entre os indivíduos. A
masculinidade pode ser entendida, então, como um componente da estrutura social que
ajuda a sustentá-la ao mesmo tempo em que também é constituído por ela.23
Nessa perspectiva, o ideal de masculinidade, modelo de homem traçado
pelo discurso do jornal Cruzeiro, é um modelo religioso produzido para Caxias como
uma forma de controlar o comportamento masculino e enquadrá-lo num campo de
atuação esperado, ao subordinar e excluir performances masculinas não desejadas, como
22
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 13º Ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 24.
SIMÕES, Kleber José Fonseca. Os homens da Princesa do Sertão: modernidade e identidade
masculina em Feira de Santana (1918-1928). Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia.
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2007., 2007, p. 15.
23
11
é o caso de homens que possuem vícios, como o ato de beber e fumar, tanto rebatido
pelo jornal.
12
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