Monografia - Humanas UFPR

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LEANDRO DE MELLO LECHAKOSKI
MASCULINIDADES E JUVENTUDE: GÊNERO, FAMÍLIA, EPISTEMOLOGIA E
OUTRAS QUESTÕES.
CURITIBA
2008
1
LEANDRO DE MELLO LECHAKOSKI
MASCULINIDADES E JUVENTUDE: GÊNERO, FAMÍLIA, EPISTEMOLOGIA E
OUTRAS QUESTÕES.
TRABALHO APRESENTADO À DISCIPLINA
DE ORIENTAÇÃO MONOGRÁFICA I, DO
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO SETOR DE
CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES, DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ.
ORIENTADORA: PROF.ª DRA. MIRIAM
ADELMAN.
CURITIBA
2008
2
Parafraseando Simone de Beauvoir:
“Não se nasce homem, torna-se homem.”
“Minha mãe era uma senhora fraca, de
pouco cérebro e muito coração, assaz,
crédula, sinceramente peidosa – caseira,
apesar de bonita, e modesta, apesar de
abastada; temente às trovoadas e ao marido.
O marido era o seu deus. (Memórias
Póstumas de Braz Cubas, Machado de
Assis, 1888. p. 42-43)
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha família, por mais que discordassem da minha escolha em fazer
ciências sociais, pela base tanto material quanto sentimental para a minha jornada
intelectual. Em especial à minha mãe que me inseriu no contexo feminista desde criança e
me fez sempre ter um pensamento crítico acerca da realidade. Pela mulher corajosa que
sempre foi e pela mãe, algumas vezes crítica, que sempre me aconselhou e me ajudou a
tomar decisões, me ensinando valores que permanecem ainda hoje, valores estes que
persistiram à desconstrução das ciências sociais. E pelo amor incondicional que sempre
dedicou a mim, por mais distante que fui de suas expectativas. À mãe amiga e
companheira, que sempre esteve do meu lado nas mais difíceis horas, enfim à uma mulher
que na prática é uma femista, mesmo sem saber.
Um agradecimento mais do que especial à minha avó Rita, por ter sempre acreditado
nos meus potenciais e sempre ter me dado apoio, sentimental e material, para que eu
continuasse nas ciências sociais. À paciência que sempre demonstrou, nas inúmeras vezes
que fui bater em sua casa, nos momentos em que estive desempregado, às 6h da manhã
antes de ir para aula, para pedir dinheiro para os xerox. Se não fosse essa ajuda, não sei o
que teria sido da minha formação. E ao seu compromentimento com minha formação,
sempre expressando o desejo de me ver formado na área que eu escolhi.
Ao professor Dr. Pedro Rodolfo Bodê de Moraes, por ter me dado, ainda no primeiro
período, a oportunidade de participar de um grupo de pesquisa, fazendo com que eu
pudesse ter uma noção de como era o mundo acadêmico e também por aceitar participar da
minha banca.
À professora Dra. Miriam Adelman, que além de ser minha orientadora, foi a primeira
que me fez perceber a importância dos estudos culturais de gênero. Mesmo sendo criticada,
sempre fez questão de destacar a importância da crítica femista e dos estudos de gênero em
suas disciplinas obrigatórias. Sem contar as disciplinas opatativas que tive a honra de
cursar, e que foram de muita importância para a minha formação.
À professora Dra. Marlene Tamanini, não só por aceitar participar da minha banca, mas
também por sempre estar preocupada em abordar as questões de gênero em suas disciplinas
4
possibilitando que eu me apaixonasse ainda mais por essa área. Também por sua insistência
e preocupação em observar as metolologias de pesquisa, as normas da ABNT e pelas
disciplinas de gênero ofertadas, que foram de grande importância na minha formação.
Um agradecimento especial à professora Dra. Rosângela Digiovanni (a Zanza), por ter
despertado um interesse inesperado pela antropologia, fazendo com que eu percebesse o
quanto a antropologia é maravilhosa e que ela é possível.
Aos meus amigos que sempre estiveram do meu lado, apesar de muitos acontecimentos
que abalaram nossa relação e pelas longas horas de conversas e debates sobre os mais
variados temas. Em especial à Marily pelo apoio incondicional e por sua ajuda na
realização do exercício etnográfico. Ao Cristopher, Éber, Diego, Luciana e Janaína por
sempre estarem dispostos a conversar, compartilhar experiências e trocar conhecimentos.
Ao corpo pedagógico do Colégio Estadual Padre Arnaldo Jansen pela possibilidade e
interesse na realização da presente pesquisa.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................pg. 07
CAP. 1
MASCULINIDADES: DO ESTRUTRALISMO AO PÓS-ESTRUTURALISMO.......pg. 10
A QUESTÃO DO PATRIARCALISMO NA SOCIOLOGIA BRASILEIRA...............pg. 10
A DOMINAÇÃO MASCULINA...................................................................................pg. 19
TENTADO IR ALÉM DAS DICOTOMIAS: ALGUMAS REFLEXÕES PÓSESTRUTURALISTAS....................................................................................................pg. 23
CAPÍTULO 2
MASCULINIDADES NO BRASIL...............................................................................pg. 33
PRIMEIRA VISITA À ESCOLA...................................................................................pg. 34
SEGUNDA VISITA À ESCOLA...................................................................................pg. 37
O DIA DO CAMPO........................................................................................................pg. 38
O HOMEM BRASILEIRO: RESITÊNCIA E FAMÍLIA..............................................pg. 43
CAPÍTULO 3
MASCULINIDADES EM MUDANÇA: IDEOLOGIA, UTOPIA
OU REALIDADE?.........................................................................................................pg. 53
OS ESTUDOS DE CAMPO SÃO O CAMINHO PARA O CONHECIMENTO.........pg. 54
ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE MASCULINIDADES,
PATERNIDADES, ETC.................................................................................................pg. 56
HOMENS EM CRISE....................................................................................................pg. 61
UM CAMINHO EPISTEMOLÓGICO..........................................................................pg. 63
DEFININDO CONCEITOS............................................................................................pg. 67
CONCLUSÃO................................................................................................................pg. 71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................pg. 72
6
INTRODUÇÃO
Este presente trabalho teve uma longa jornada, até chegar a esse formato e a esses
temas de discussão. Em 2006, quando cursava a disciplina de métodos e técnicas de
pesquisa em socilogia, já tinha o interesse em estudar masculinidades. Como tive meu
primeiro contato no antigo Grupo de Estudos da Violência, com a temática, despertou o
interesse na relação entre mortes violentas e masculinidade. Devido à pesquisa que
realisávamos no Instituto Médico Legal de Curitiba, colhendo dados no necrotério sobre as
mortes violentas, pude perceber que a maior parte dos homicídios ocorridos envolviam
homens, jovens e de classes populares. Essa constatação me despertou a relação existente
entre masculinidades e violência, como algo muito relacionado à construção da identidade
masculina. Inicialmente iria-se trabalhar com os dados referentes a um ano de pesquisa,
julho de 2003 à julho de 2004.
No entanto, essa tarefa começou a ficar um tanto quanto difícil, devido à dificuldade de
ascesso ao campo, que tornou-se algo bem evidente a partir de 2006. Nesse sentido, a
pesquisa inicial começou a ficar um pouco desanimadora. Contudo, no final de 2007 a
chama inicial foi acendida, devido à partidipição de um projeto, no qual visitávamos
delegacias para fazer uma avaliação positiva das mesmas. Uma das delegacas visitadas foi a
Delegacia do Adolescente, na qual conversamos com a delegada, que a princípio
demonstrou interesse e se dispôs a abrir o campo para futuras pesquisas. Nessa conversa,
surgiu o novo campo que estava faltando para a pesquisa sobre masculinidades e violência,
mas sem o quesito mortes violentas do I.M.L. Animação, campo novo, era só iniciar a
pesquisa, que consistia em fazer algumas histórias de vida com os meninos infratores que
se encontravam detidos lá. Enfim, fiz inúmero contatos com a delegada, sem nenhum
sucesso aparente. Conversei com ela por telefone e chegamos a marcar uma conversa, na
qual ela não apareceu, ou seja, o campo mais uma vez havia se fechado. Esperei um tempo,
e continuei insistindo nesse campo. Sem sucesso!
Todavia, a pesquisa devia continuar, mas ainda com a insistência dessa relação entre
masculinidades e violência. Nesse sentido, a nova possibilidade de campo foi a de realizar
um estudo focal, numa escola qualquer, com meninos de terceiro ano do Ensino Médio para
7
discutir masculinidades e violência. Depois de alguns planejamentos a temática violência
foi deixada de lado, e o recorte passou a ser a relação entre masculinidades e juventude. A
intenção era a de trabalhar com os meninos, os discuros sobre masculinidades, como eles
percebiam suas masculinidades, se existiam novas formas de masculinidade, ou se eles
ainda estavam presos a determinados “padrões” hegemônicos.
O trabalho foi realizado, houve a resistência em massa por parte dos meninos em
discutir masculinidades e a pesquisa ganhou outro rumo. De trinta meninos, integrantes de
duas turmas de 3º ano, somente quatro permaneceram, o que tornou o estudo focal
impossível. Nesse sentido, as meninas que estavam separadas foram inseridas com esses
quatro meninos que permaneceram e a discussão foi possível. Nesse debate, pode-se
perceber os discursos dessas(es) jovens, que claramente está marcado por uma matriz
heterossexual. Assim, durante a conversa, ficou clara a importância da família nos
discursos, e que a maioria tinha como objetivo futuro constituir família. Então, pode ser
observado a resistência dos meninos em discutir masculinidades e o papel central que a
família ocupa na vida desses jovens.
O Primeiro capítulo é mais um “mapeamento” de algumas teorias sobre masculinidades,
desde a questão do patriarcalismo na socioligia brasileira, a questão da dominação
masculina, até as teorias pós-estruturalistas sobre o tema.
O segundo capítulo vai mostrar o trabalho de campo, a realização do estudo focal, e
uma discussão sobre masculinidade no brasil. O papel da família como universo moral
constituinte do homem brasileiro.
E o terceiro capítulo, é onde são levantadas algumas reflexões sobre essas “mudanças”
nas masculinidades. Passando por uma discussão sobre a pós-modernidade, chegando a
uma breve reflexão epistemológica.
As metodologias utilizadas nesse presente trabalho, foi a pesquisa qulitativa, através do
estudo focal, ou seja, um pequeno estudo de campo, o que na antropologia chamamos de
entografia. Uma entnografia é algo longo, um investimento de muito tempo e “tornar-se
nativo”. Esse estudo de campo, não deixa de ser uma pequena etnografia, pois em duas
horas de conversa, podê-se tirar toda a base empírica para o trabalho, possibilitando uma
ponte com muitas teorias e trabalhos sobre o tema.
8
A discussão sobre masculinidades só foi possível graças à luta das mulheres, que na
década de 1970 organizaram-se politicamente e passaram a chamar a atenção para a
desigualdade culturalmente construída entre os gêneros. Sabe-se que, ainda hoje,
determinados tipos de comportamentos são culturamente produzidos e reproduzidos, no que
diz respeito aos “papéis sociais”. A crítica feminista está baseada no pressuposto de que
existem relações hierárquicas amparadas pelas diferenças sexuais, já que o sujeito
masculino sempre foi visco como universal.
Contudo, a grande precursora desse debate foi Simone de Beauvoir, que faz uma crítica
à presumida universalidade, neutralidade e unidade masculinas, chamando a atenção para a
visibilidade da mulher como outro e nunca como sujeito histórico. Dessa forma, deu bases
teórico-metodológicas às discussões posteriores sobre gênero, possibilitando a emergência
desses debates.
Entretanto, Joan Scott, propôs que a categoria gênero deve ser utilizada como uma
categoria histórica de análise, na qual deixava-se de fazer uma simples história das
mulheres sobre as mulheres e passava-se a analisar a construção social, cultural e histórica
do masculino e feminino, sem esquecer das relações de poder que operam na construção
dos sujeitos. Assim, os estudos feministas foram ganhando cada vez mais espaço e também
um caráter crítico em relação a modernidade. Para ela, a construção do gênero como
categoria de análise, deve estar amparada por uma teoria que lhe dê suporte, ou seja, o pósestruturalismo, já que possibilita levantar questões acerca das categorias unitárias e
universais, tornando históricos conceitos antes dados como naturais, como por expemplo,
“homem” e “mulher”. Esse debate, possibilitou a importância do método de descontrução,
ou seja, a desconstrução da lógica interna das categorias, expondo suas limitações. Esse
métodos, quanto paradigma emergente de uma ciência pós-moderna, é de extrema
importância, pois é através dele que podemos questionar e observar todos os esquemas
dicotômicos presentes e operantes na nossa cultura.
9
CAPÍTULO 1
MASCULINIDADES: DO ESTRUTURALISMO AO PÓS-ESTRUTURALISMO1
Atualmente um dos campos que mais crescem nos estudos culturais de gênero é o
que se refere às masculinidades. Durante os últimos anos a masculinidade se tornou um
tema popular no ocidente capitalista desenvolvido, especialmente nos Estados Unidos. Esse
tema muitas vezes é entendido por um viés psicológico, biológico e estrutural, mas raras
vezes entendido como um fenômeno cultural, social e político. Existem muitos autores(as)
das mais variadas ciências que discutem esse assunto, mas sempre presos a determinadas
escolas de pensamento.
Quando pensamos em masculinidades podemos fazer uma alusão ao patriarcalismo,
sistema este que sempre foi muito observado pelas teóricas feministas, devido ao seu
caráter de autoridade e dominação exercido pelos homens.
A QUESTÃO DO PATRIARCALISMO2 NA SOCIOLOGIA BRASILEIRA
Na sociologia brasileira, um dos temas muito explorados por autores de diversos
períodos é o que se refere ao patriarcalismo. Sabemos que esse sistema é uma forma de
organização social3 onde o homem exerce domínio político, econômico, religioso e detém o
papel dominante na família. Todos estão submetidos aos seus mandos e desmandos, pois
ele além de ser o detentor de todos os recursos econômicos, também é o detentor da força
física. No Brasil esse sistema foi um dos elementos constituintes da nossa sociedade e sua
influência pode ser observada ainda hoje.
As discussões acerca da influência do patriarcalismo na sociedade brasileira estão
presentes nas obras de muitos pensadores orgânicos4. Joaquim Nabuco (1863) reconhece
1
Inúmeros autores afirmam o aumento crescente dos estudos sobre masculinidade. Assim, podemos perceber
através de tais estudos uma reflexão epistemológica, já que são variadas as abordagens teórico-metodológicas
acerca do tema, com abordagens estruturalistas e pós-estruturalistas que refletem as rupturas paradigmáticas
ocorridas na ciência ao longo do tempo.
2
Patriarcalismo em vez de patriarcado, pois sugere a abrangência do fenômeno como um sistema.
3
Sabemos que este sistema não pode ser considerado um fenômeno universal.
4
Pensador orgânico é aquele que estuda sua própria cultura.
10
que a miscigenação no Brasil foi particular, pois foi realizada sob forte influência
portuguesa, onde o modelo de dominação patriarcal era fortemente verificável.
Um dos autores que mais se dedica ao tema é Oliveira Vianna (1918), onde parte do
pressuposto que nós somos um povo que não nos estudamos, apontando a nossa
heterogeneidade cultural e afirmando que existem diferenças regionais. Segundo ele a
composição étnica do povo é devido a três tipos sociais predominantes. No extremo-sul o
gaúcho, no centro-sul o matuto e no norte o sertanejo. Concentrar-se-á em observar dois
tipos específicos: o gaúcho e o matuto. Ao observar que o tipo social predominante é o
matuto (representante do povo de formação agrícola), constata que o centro-sul tornou-se o
grande palco dos acontecimentos políticos nacionais depois da Independência. Suas
investigações abrangem um período que se inicia nos primeiros séculos coloniais e vai até o
fim do Segundo Império.
Observa que os grandes criadores, os senhores de engenhos e os grandes
latifundiários cafeeiros aparecem em nossa história como chefes de clã. O nosso clã rural
possui um caráter patriarcal desde o início de nossa colonização, caráter este que se reflete
nas leis constitucionais, pois toda a nossa história política é oriunda desse modelo. Assim,
toda a população rural, segundo ele, está sujeita a esse regime, ou seja, está agrupada em
torno dos chefes territoriais. Esse clã rural é o grupo que desde sua formação inicial
constitui-se em torno do poder do grande proprietário de terras. O senhor territorial
dominava a população dos campos devido à proteção que ele poderia garantir contra a
anarquia branca. Essa anarquia branca diz respeito ao funcionamento dos nossos aparelhos
de justiça. Existe toda uma lógica na escolha dos representantes legais, influenciadas pelos
grandes proprietários. Na maioria das vezes são escolhidos os principais do clã, ou seja,
homens de extrema confiança dos senhores e que defenderão os interesses dos mesmos.
Essa, segundo o autor, seria a “justiça dos compadres”, sendo a responsável pela descrença
do nosso povo no poder reparador da justiça. A situação de desamparo legal que enfrenta a
nossa população é reflexo do regime histórico de mandonismo, de favoritismo e de
caudilhismo judiciário, que faz com os menos favorecidos busquem a defesa dos poderosos.
11
Assim, essa situação é um dos principais agentes determinantes da formação dos clãs
rurais, intensificando a tendência gregária5 das nossas classes inferiores.
As corporações municipais exercem durante o período colonial uma gama de
poderes capazes de manter todas as classes rurais e urbanas sob sua dependência. São essas
corporações, o centro da agitação dos partidos locais, que são verdadeiras “oligarquias de
lavradores do país”. Isso ocorre durante a época colonial, quando a composição das
câmaras ocorria pela eleição dos “homens bons”, ou seja, os magnatas locais, os grandes
latifundiários, fazendo com que o restante da população estivesse excluída do poder e
mantivesse sua dependência dos latifundiários.
O recrutamento militar é um outro agente de organização dos clãs. Para o autor, o
serviço militar é composto em boa parte pela plebe rural de mestiços e mamelucos que
buscavam na carreira militar, poderes que não tinham. Já os grandes proprietários, cheios
de privilégios, fazem de tudo para escapar do serviço militar. O recrutamento cai sobre a
massa de operários e lavradores que nada podem fazer para evita-lo. Desta maneira, o autor
considera o pavor do recrutamento uma força eficaz na consolidação dos clãs rurais.
Observa, que em nossa história as instituições políticas nunca amparam as classes
inferiores. Em muitas sociedades existem instituições sociais que auxiliam os indivíduos
menos favorecidos, diferentemente daqui, onde o nossa campônio não dispõe de nenhuma
proteção. Não podendo ser amparado por uma solidariedade parental, nem por uma
solidariedade de classe, o homem sem latifúndios é um indefeso que “precisará” que o
fazendeiro local exerça uma função tutelar, já que é o único com meios para garantir a sua
segurança e sua defesa. Desde o primeiro século colonial, ficou a cargo do grande
fazendeiro esse papel tutelar. Esses indivíduos tutelados são criaturas dos senhores e
dependentes dele, pois o proprietário de terras é o grande detentor do poder.
Essa seria uma das particularidades da nossa organização social, pois as classes
rurais integraram-se na mais íntima interdependência, criando assim a patronagem política,
a solidariedade entre as classes inferiores e a nobreza rural. Solidariedade esta que se reflete
na relação agregado/proprietário, quando o agregado procura intencionalmente o
proprietário para batizar os filhos, prendendo-se assim por laços religiosos de compadrio.
5
Gregário é quem vive em bando.
12
Como compadres do fazendeiro, estes agregados se consideram como pertencentes à
família do senhor. Depois dessa solidariedade parental, segundo o autor, é o clã fazendeiro
a única forma militante da solidariedade social em nosso país.
Em suma, Oliveira Vianna considera o regime de clã como a base da nossa
organização social e o grande responsável pela alienação das nossas classes inferiores.
Como aqui a posse de propriedades é sinônimo de poder, o camponês encontra-se
desamparado, encontrando amparo diante do proprietário forte local a quem se torna amigo
incondicional. O espírito de clã torna-se um dos atributos característicos das nossas classes
populares, pois o homem do povo é essencialmente o homem do clã, que busca a segurança
de um chefe. Essa seria a mentalidade do nosso campônio, a base da sua consciência social,
o temperamento do seu caráter, ou seja, toda a psicologia política esta nisso.
Outro autor que se dedicará minuciosamente ao estudo do patriarcalismo na nossa
sociedade é Gilberto Freyre6 (1933) em “Casa Grande & Senzala”. Esta obra dedica-se ao
estudo da formação da família brasileira no regime de economia patriarcal. A casa grande
representa o sistema patriarcal de colonização portuguesa no Brasil, operando como centro
de coesão social e representando todo um sistema econômico, social e político, agindo
como ponto de apoio para a organização nacional. Segundo ele, a formação patriarcal no
Brasil é explicada nos termos da experiência de uma cultura e de organização da família,
que foi a unidade colonizadora. O sistema patriarcal de colonização no Brasil (representado
pela Casa Grande), foi um sistema plástico que contemporizou duas tendências. Ao mesmo
tempo em que impôs um sistema imperialista da raça adiantada à atrasada, imposição de
formas européias ao meio tropical, representa uma contemporização com as novas
condições de vida. A Casa-Grande não foi nenhuma reprodução das casas portuguesas, mas
uma expressão nova, correspondente ao nosso ambiente físico.
A Casa-Grande, juntamente com a Senzala, representa todo um sistema econômico,
social, político e de produção, ela venceu a Igreja e se tornou a grande dona da terra, ou
seja, o senhor de engenho dominou a colônia quase sozinho. A força concentrou-se nas
mãos dos senhores rurais, que eram donos das terras e de tudo que tinha dentre delas
6
Importante autor que discute a organização social brasileira, influenciado pelo método historicista de Franz
Boas.
13
(outros homens, mulheres, escravos, etc). Um fato que representa bem o espírito patriarcal
de coesão social da família é o de se enterrar os mortos dentro da casa. Como continuavam
sob o mesmo teto dividindo o espaço com os santos, ambos eram partes da família. No
patriarcalismo brasileiro há uma curiosa intimidade com os santos. Numa hierarquia
patriarcal, os mortos ficavam abaixo dos santos e acima dos vivos.
Outra função que a Casa-Grande desempenhou aqui foi a de banco. Os senhores
guardavam toda a sua fortuna e a de outros nas paredes e esconderijos da Casa-Grande, ou
seja, detinham todos os recursos econômicos. Os senhores das Casas-Grandes
representaram na formação da sociedade brasileira a estabilidade patriarcal que era apoiada
no açúcar.
Segundo Gilberto Freyre (1933), é em torno dos senhores de engenho que se criou o
tipo de civilização mais estável na América hispânica, que é ilustrada na arquitetura gorda e
horizontal das casas-grandes. Esse estilo das casas-grandes foi uma expressão
genuinamente brasileira, sendo expressão das necessidades e dos interesses do ritmo de
vida patriarcal provenientes do açúcar e do trabalho dos negros. Generalizando, o autor diz
que a Casa-Grande não pode ser considerada expressão somente do açúcar, mas da
monocultura escravocrata e latifundiária, que pode ser observada no sul com o café.
A história social da Casa-Grande é para ele, a história íntima de quase todo
brasileiro, da sua vida doméstica, conjugal e religiosa. Acredita ser nas Casas-Grandes onde
melhor se exprimiu o caráter brasileiro e nossa continuidade social. Faz suas análises com
base em alguns documentos, como os da visitação do Santo Ofício no país, os quais
proporcionam um estudo da vida sexual e familiar no Brasil dos séculos XVI e XVII e
alguns inventários, cartas, testamentos e correspondências da Corte. Também considera
como importante fonte de análise o diário de viagem de estrangeiros e cartas dos jesuítas,
que possuem valiosas informações sobre os primeiros contatos do europeu com o índio e o
africano. Não esquece de mencionar a importância dos romances brasileiros, que segundo
ele fornecem muitos detalhes interessantes da vida e dos costumes da família patriarcal.7
7
Dentre muitos romances, pode-se obter importantes detalhes sobre a família patriarcal, na obra Memórias
Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (1988).
14
Ao discutir a questão da inserção da modernidade no país, Sérgio Buarque de
Hollanda8 (1936), faz uma interessante análise da possibilidade de uma nova forma de
organização social no Brasil. Propunha uma verdadeira análise das raízes do Brasil para
buscar explicações acerca da modernidade. Assim afirma, que só pela transgressão da
ordem doméstica e familiar é que nasce o Estado9. Devido às novas relações oriundas da
modernidade, vai observar nas bases sólidas da família patriarcal a dificuldade da evolução
da sociedade em moldes modernos. O círculo doméstico impôs desde sempre muitos
padrões de conduta que predominam ainda hoje e que dificultam o indivíduo a adaptar-se a
novos padrões culturais (modernidade). Parte do pressuposto, que aqui o tipo de
organização familiar patriarcal acarretou um desequilíbrio social, que se reflete ainda hoje.
Nesse modelo de organização social, era quase inexistente, por parte dos detentores
de posições públicas, uma distinção entre os domínios do público e do privado. Desta forma
diferencia o funcionário patrimonial do simples burocrata. Para ele, assim como para Max
Weber, o funcionário patrimonial na sua gestão política caracteriza-se pela defesa de seus
interesses particulares. No caso do Brasil, ao longo da nossa história pode-se observar o
predomínio das vontades particulares que se ambientam em circuitos fechados como o da
família. Deste modo, a influência do núcleo familiar é legitimada nas relações criadas na
vida doméstica que fornecem o modelo obrigatório de qualquer composição social entre
nós.
Devido aos acontecimentos da modernidade, o Brasil passa por um momento de
urbanização intensa, sem se livrar de tradicionalismos. O sistema patriarcal não deixa de
existir, pois a velha organização rural dá espaço à nova organização capitalista industrial,
que está intimamente ligada ao patriarcalismo. Essa constituição patriarcal reflete-se na
nossa política, que é totalmente personalista e muitas vezes reflete-se na nossa política, que
é totalmente personalista e muitas vezes aristocrática. Segundo ele, a sociedade brasileira
foi mal formada desde suas raízes, onde o emocional domina o racional, ou seja, a cultura é
8
Autor que se utiliza de uma metodologia weberiana para dar ênfase ao seu trabalho.
Capítulo onde discute Antígona e Creonte, recuperando o sentido dado pelos gregos para a formação do
mundo da política.
9
15
formadora do nosso personalismo conservador, que de certa forma é reflexo do sistema
patriarcal.
Fernando Henrique Cardoso10 (1956), aplica o método dialético na sua análise para
observar a relação entre senhores e escravos. Observa que o escravo no sul, assim como no
resto do país, era tratado com uma coisa, ou seja, uma propriedade do senhor de terras. O
escravo era chave importante no mecanismo econômico e de produção, mas sua reificação
era produzida objetiva e subjetivamente. O senhor tratava o escravo como uma coisa, uma
propriedade sua, e o próprio escravo entendia-se como coisa.
Tenta compreender como o escravo se inseria na sociedade gaúcha, e os
mecanismos sociais que mantinham senhores e escravos numa situação de afastamento
recíproco. Apesar de diferenças do senhor de escravos gaúcho com os de outras regiões, ele
não se afasta do modelo tradicional patriarcal. Numa sociedade patrimonialista como a
gaúcha, a coerção era necessária à manutenção da ordem e a violência era considerada
normal. A dominação senhorial gaúcha surge como uma dominação fundada na violência
da charqueada. Utilizavam a violência e as punições corporais como forma de controle
social, ou seja, o escravo da charqueada estava submetido a uma coerção organizada e
rotineira.
Observa também a ausência de uma esfera publica eficiente, que faz com que a
dominação patrimonial regrida para uma dominação patriarcal ou semipatriarcal, já que a
sociedade gaúcha foi organizada com base estamental. O escravo era formado para ser um
elemento passivo da produção incapaz de reagir. Essa relação violenta entre senhor e
escravo reflete de maneira clara o patriarcalismo brasileiro. O senhor, sem sombra de
dúvidas reproduz também no Rio Grande todas as características do patriarcalismo. Aqui se
observa a violência como base fundante da sociedade gaúcha. A violência física estava ao
lado da violência simbólica, já que o escravo desde criança era subjetivamente coisificado.
Essa coisificação era reproduzida pelo escravo de maneira que ele reconhecia-se realmente
como coisa e não possuía os recursos necessários para rebelar-se. Desta forma, uma das
características mais expressivas do patriarcalismo, está bem colocada na sociedade gaúcha:
a violência. A violência passa a ser considerada normal e tem sua legitimidade garantida
10
Autor que se utiliza do método dialético, muito comum à corrente marxista.
16
pela Igreja e pelo Estado, já que o escravo não era considerado ser humano, mas sim uma
coisa.
Recorrendo à crítica feminista, é possível observar no texto de Neuma Aguiar
(1997), um diálogo com autores brasileiros sobre o patriarcalismo. Para ela o patriarcalismo
deixa de ser uma dimensão apenas das sociedades tradicionais e passa a ser uma
característica das sociedades modernas, observado como um capitalismo patriarcal ou um
patriarcalismo do Estado-de-bem-estar-social. O feminismo contribui para a teoria
sociológica ao levantar a questão de que a racionalização econômica da sociedade acentuou
o processo de dominação masculina nas instituições sociais. O processo de diferenciação e
racionalização das várias esferas não tem um único sentido, pois em lugar de um sistema
universalista, fundado no mérito, particularismos baseados na ordem patriarcal continuam
sob a forma de discriminações.
Observa que juntamente com Oliveira Vianna, é possível classificar dois tipos de
perspectivas sobre o patriarcalismo. A primeira refere-se às teorias que advogam o
liberalismo como solução para os problemas de governabilidade, e a segunda, às que vêem
o patriarcalismo como impedimento ao exercício de uma autoridade mais ampla. Afirma
que Oliveira Vianna situa-se na corrente que critica o liberalismo político, e efetua uma
proposta normativa de um corporativismo como sistema político substitutivo ao
patriarcalismo. Entretanto, o patrimonialismo marca a natureza do Estado Nacional pela
associação que mantém com o sistema de relações familiares, resultando da dominação
masculina, no que se refere à ordem política. Assim, afirma que a maioria dos autores
considera o patriarcalismo como base fundante da organização social brasileira.
Outro autor observado por ela é Gilberto Freyre, destacando que o patriarcalismo
estabeleceu-se no Brasil como estratégia da colonização portuguesa, onde as bases
institucionais dessa dominação são o grupo doméstico e rural e o regime de escravidão.
Contudo, a dominação se exerce com homens utilizando sua sexualidade como recurso para
aumentar a população escrava nesse processo de povoamento. A relação entre homens e
mulheres acontece pelo poder de decisão masculino no uso do sexo. Diz que apesar de
Gilberto Freyre usar a religião na sua análise da ordem doméstica, o patriarcalismo não se
efetua pela dominação religiosa, mas sim pela influência que esta efetua nas relações
17
familiares dentro do grupo doméstico. O poder da religiosidade aparece limitado para
conter a liberdade sexual masculina e o abuso sexual da mão-de-obra escrava. Segundo ela,
para Freyre, esse abuso consiste na própria essência do patriarcalismo.
Observa também Raimundo Faoro, que diz que a principal característica da
colonização portuguesa constitui na forma de dominação estabelecida pelo papel do
governo central na condução das iniciativas econômicas, inibindo qualquer tentativa de
desenvolvimento econômico autônomo pelas unidades econômicas. Isso representaria um
contraste com a organização econômica do feudalismo, cuja característica essencial é a da
descentralização econômica. A transferência da coroa portuguesa para o Brasil acentuou a
tendência centralizadora predominando a ordem patrimonial. Isso se reflete na relação
mantida entre o público e o privado.
A autora diz que Oliveira Vianna concorda com o diagnóstico de que na sociedade
brasileira predominam a patronagem e o clientelismo político, derivados da importância do
patriarcalismo na vida social. Ele também observa uma ausência de laços de solidariedade
entre os clãs patriarcais, pois são organizados com base numa imensa distância social entre
patriarca e dependentes, e os laços assim criados são resultado da ausência de alternativas
políticas fazendo com que o povo busque o senhor em busca de proteção. Oliveira Vianna
critica a proposta de descentralização política, argumentando que as condições sociais
brasileiras e o liberalismo político representariam a preponderância do poder local, sem
garantias redistributivas de poder para o povo-massa, que permaneceria vulnerável ao poder
dos clãs patriarcais.
Quando se discute atualmente as formas de organização da sociedade e os
mecanismos de representação política, volta-se a questionar o lugar do Estado na regulação
das instituições da sociedade civil, os mecanismos de patronagem política oriundos da
organização patriarcal e o papel da burocracia pública, são organizados por um sistema de
privilégios políticos. O exame sociopolítico dos mecanismos de representação aponta que o
público é o privado, ou seja, há uma apropriação privada dos mecanismos de governo. Já o
movimento feminista propõe que o privado é o político, com falta de intervenção pública
que gera uma situação de desequilíbrio de poder. Deve-se observar que tornar público o que
é privado também significa dar às mulheres acesso ao processo decisório, ao mesmo tempo
18
em que a base de participação passa a se organizar sob princípios mais universalistas, ou
seja, em bases autônomas contrastando-se com as relações de dependência na ordem
patriarcal. Enquanto as perspectivas feministas apontam para o sistema de privilégios
políticos, muito presente no Brasil, que se organizam pela dominação masculina, a análise
das relações entre sociedade civil e Estado apontam para os particularismos derivados da
autoridade patriarcal.
Desta forma, a autora chama a atenção para a ausência de diálogo entre o feminismo
e a sociologia brasileira. Todavia, a literatura clássica e a brasileira sobre o patriarcalismo
se beneficiariam se a análise incorporasse uma dimensão de conflito e resistência femininas
ausentes naquela perspectiva sobre a dominação masculina.
A DOMINAÇÃO MASCULINA11
Um dos autores que se dedicou ao tema é Pierre Bourdieu12 (1999), partindo de um
vertente estruturalista13, caracteística marcante de suas obras, ele vai observar A Dominação
Masculina primeiramente como um reflexo do que chama de violência simbólica,
observando a existência de um trabalho de socialização do biológico e de biologização do
social capazes de produzir nos corpos uma construção social naturalizada, ou seja, os
gêneros como habitus sexuados.
Segundo ele é através de um trabalho social, de acordo com nossa percepção de
homem ou mulher, que apreendemos, incorporamos, sob a forma de esquemas
inconscientes de percepção as estruturas históricas da ordem masculina.
Analisando uma sociedade, a dos berberes da Cabília, onde representam uma forma
paradigmática da visão “falo-narcística” e da cosmologia androcêntrica, vai fundamentar
suas argumentações afirmando assim, que a divisão entre os sexos parece estar na ordem
11
Devemos atentar que esta noção de dominação masculina, por mais que muitos teóricos afirmem, não pode
ser vista como um fenômeno universal.
12
Bourdieu é sem dúvida um excelente representante da corrente estruturalista, pois suas análises partem
sempre de oposições duais, característica inegável de tal metodologia.
13
Para a maioria desses teóricos, o gênero implica em alteridade, ou seja, para que exista o masculino é
necessário seu oposto o feminino. Esta corrente acredita que o gênero se constrói sobre o corpo biológico, que
é sexuado. Assim, os estruturalistas acreditam que só pode haver dois gêneros, já que eles se constituem
cognitivamente sobre o corpo sexuado dual.
19
das coisas, e que essa divisão é socialmente construída como natural, tendo um caráter
legítimo. Assim, a força da ordem masculina dispensa justificação, está legitimada, já que o
mundo social constrói o corpo como realidade sexuada e a diferença biológica entre os
sexos, ou seja, entre o corpo masculino e feminino, sendo o princípio masculino tomado
como medida de todas as coisas.
Observa que as diferenças visíveis existentes entre o corpo feminino e masculino
foram construídas e percebidas sob uma lógica androcêntrica, sendo fruto de um trabalho
de construção simbólica, onde sempre estiveram presentes lógicas duais de oposição
relacionando o masculino ao ativo, público, exterior, objetivo, etc., e o feminino ao passivo,
privado, interior, subjetivo, etc. Isso tudo é legitimado pela violência simbólica existente,
pois ela é instituída pela adesão do dominado em relação ao dominante, onde não há
questionamentos e essa relação de dominação é incorporada de tal forma que é vista como
natural. O efeito dessa dominação simbólica se exerce através de esquemas de percepção
inconscientes e sua força é exercida sobre os corpos de uma forma silenciosa, sem coação
física. Mas tal poder simbólico não pode ser exercido sem a colaboração de ambas as
partes, dominantes/dominados, pois ambos o constroem como poder.
Neste sentido, tanto homens como mulheres estão submetidos a um trabalho de
sociabilização presentes na estrutura e inscritas no corpo. Ser homem implica uma série de
expectativas sociais “evidentes” e que não são discutidas. A honra 14 e a nobreza, atributos
masculinos, são produto de um trabalho social de nominação e inculcação e devem ser
mostrados e afirmados em qualquer circunstância, pois o ponto de honra se mostra como
um ideal, devendo ser validada por outros homens. Assim, a virilidade é uma noção
relacional, construída diante dos outros homens e para os outros homens. A masculinidade
é constituída enquanto nobreza, pois atende a expectativas sociais e ao desempenho de
papéis sexuais.
14
Segundo observações de Miriam Grossi (2006), muitos autores têm estudado a temática da honra na
sociedade brasileira, pois para nossa cultura, um homem honrado é aquele que tem uma mulher de respeito,
recatada, pura, controlada, etc. É a mulher que detém o poder de manter a honra do marido, pois se um
homem não tem uma mulher virtuosa ele perde sua honra. Existem muitos trabalhos que tratam do tema, pois
ainda hoje muitas mulheres são mortas pelos maridos ou companheiros, que alegam legítima defesa da honra,
sendo assim absolvidos pelo crime.
20
Contudo, outros autores vão observar a existência e permanência das lógicas
dicotômicas no que se refere às relações de gênero. Françoise Héritier (1996) chama a
atenção para a valência diferencial dos sexos, onde a relação idêntico/diferente está na base
dos sistemas que opõem dois a dois, valores abstratos ou concretos que se encontram na
classificação do masculino e do feminino. Observando inúmeras sociedades chega à
conclusão de que essa valência diferencial exprime uma relação hierárquica entre o
masculino e o feminino e que ela estaria inscrita no corpo e no funcionamento psicológico.
Isso se deve ao fato de que o pensamento dos seres humanos está fundamentado na
observação de fenômenos naturais do mundo, tanto físico quanto biológico.
A autora vai buscar explicações desde os discursos aristotélicos para mostrar como
se dá a construção do gênero. Segundo ela, Aristóteles pensa um dos modelos mais
interessantes, partindo de alguns trabalhos precedentes. Para Anaxágoras, a determinação
do sexo vem do pai, os rapazes provêm do testículo direito (o mais quente) e as meninas do
esquerdo. Já Empédocles, diz ser o calor da matriz, conforme o estado do sangue menstrual,
que faz nascer um menino ou uma menina. Em ambos os discursos, é um calor mais forte
que faz conceber um macho. Percebe-se que o calor está associado ao homem, enquanto o
frio está associado à mulher, e através dessa diferença em quantidades de calor e frio, que
cria e justifica a diferença anatômica dos órgãos.
Entretanto, quando observamos outras culturas, a determinação do sexo social não
está sempre relacionada à determinação do sexo biológico15. Nos Inuit, ou Esquimós, ocorre
algo diferente. A criança nasce com um sexo aparente, mas o sexo não é necessariamente o
seu sexo real, sendo esse sexo real fornecido pela identidade da alma-nome, ou seja, o
antepassado cuja alma-nome penetrou na mãe, se instalando na matriz para nascer de novo.
Observa a história de Iqallijug, que é a reencarnação do pai da sua mãe, homem pela sua
alma-nome, ela nasceu com um sexo aparente feminino. As crianças são educadas como se
fossem do outro sexo, são vestidas como roupas do outro sexo, participam exclusivamente
de atividades adequadas para cada sexo. No momento da puberdade tudo muda
15
Dessa forma, a autora vai um pouco mais além da biologia, mas sem deixar de observar as dicotomias
presentes.
21
radicalmente, pois os adolescentes devem, da noite para o dia, adaptar seu comportamento
ao seu sexo aparente, reajustando-se progressivamente à nova personalidade.
Todavia, observamos que o gênero, o sexo, a sua determinação, a adaptação do
indivíduo não são fatos oriundos apenas da ordem natural. São construídos e recriados,
dependendo da ordem simbólica, da ideologia, enquanto a exposição desta ordem
estabelece-os como fatos da natureza para todos os membros da sociedade. Dessa forma, no
discurso de Aristóteles tudo parte da opção que ele apresenta como “natural” entre o quente
e o frio, o seco e o úmido, o ativo e o passivo, e assim por diante, sendo esse modelo ainda
hoje encontrados em discursos modernos.
Desta forma, segundo a autora, fica claro que a nossa sociedade está marcada por
um gritante domínio masculino, pois ela afirma que a diferença entre os sexos, é sempre em
todas as sociedades, ideologicamente traduzida numa linguagem binária e hierarquizada,
legitimando o discurso sobre a existência de um sexo forte e um sexo fraco. Quando
observamos as teorias antropológicas a respeito da dominação masculina, devemos pensar,
segundo uma crítica feminista, de que a maioria dos trabalhos foram realizados por homens
encobertos por uma visão etnocêntrica e androcentrada. Isso nos faz observar a
predominância ainda existente de um domínio de tipo patriarcal.
TENTADO IR ALÉM DAS DICOTOMIAS: ALGUMAS REFLEXÕES PÓSESTRUTURALISTAS16
Judith Butler (2003), importante teórica pós-estruturalista, chama a atenção para a
distinção entre sexo e gênero, pois por mais que o sexo pareça intratável em termos
biológicos, o gênero é culturalmente construído, e não faz sentido definir o gênero como a
interpretação cultural do sexo. Ou seja, o gênero não está para a cultura como o sexo para a
natureza, sendo este como estabelecido e pré-discursivo. Faz uma interessante reflexão
sobre as idéias universalizantes acerca dos discursos políticos formadores das noções de
gênero, chamando a atenção para a idéia universal e hegemônica da dominação patriarcal
ou masculina. Essa noção de um patriarcado universal, atualmente vem sido muito criticada
16
Para os pós-modernos o gênero pode ser mutável, pois se pensa que existem múltiplos gêneros e não apenas
o masculino e o feminino (teoria queer, onde existem multíplas sexualiadades que podem ser desempenhadas
por um mesmo indivíduo).
22
pelas feministas por não ser suficiente para explicar os mecanismos de dominação e
opressão de gênero nos diferentes contextos culturais onde ele existe.
Contudo, em seu trabalho “Problemas de Gênero”, a autora chama a atenção ao
papel das estruturas lingüísticas e políticas como constituintes de um campo de poder onde
se dá toda a naturalização e legitimação dos discursos sobre gênero. Vai tentar desconstruir
todas as dicotomias associadas ao gênero, fazendo uma profunda análise das teorias
psicanalíticas e estruturalistas, apontando as “falhas” desse tipo de discurso. Dessa forma,
podemos perceber quanto o discurso contemporâneo tanto científico, como o do senso
comum estão impregnados por esses dualismos, e que podem ser observados desde a
discussão sobre natureza/cultura, onde a mulher representa a natureza e o homem a cultura.
As teorias antropológicas são um exemplo bem interessante desses discursos, pois ao
interessar-se pelos estudos de parentesco, observam em inúmeras culturas as relações duais
entre os sexos, onde a mulher sempre “estaria” submetida a uma situação subordinada, ou
servindo como objeto de troca entre tribos. A noiva funcionaria como um termo relacional
entre grupos de homens, refletindo a identidade masculina por ser o lugar de sua ausência.
O grande “problema” de tais teorias é a pretensão de buscar estruturas universais que
busquem dar conta de explicar as diferentes culturas. Sob esse ponto de vista
estruturalista/universal, todas as sociedades funcionariam sob uma lógica dicotômica que
está presente nas estruturas cognitivas dos seres humanos, fundamentando toda a dinâmica
social, segudo essa lógica pós-estruturalista.
Outra escola de pensamento observada pela autora é a psicologia, que na sociedade
ocidental é a grande responsável pela legitimação de muitos discursos sobre gênero e
sexualidade. Como um modelo explicativo dos seres humanos, a psicanálise tem uma forte
influência na construção dos indivíduos em sociedade. A grande crítica a esse modelo se
refere à não universalidade de sua aplicação, já que a psicologia se trata de uma ciência
ocidental que não pode ser aplicada a outras culturas. Dessa forma, podemos perceber
como os discursos médicos e jurídicos são os grandes responsáveis pela produção dos
gêneros e corpos e pela instauração de proibições e noções de normalidade e anormalidade.
O tema das masculinidades muitas vezes também é entendido por um viés
psicológico, biológico e estrutural, mas raras vezes entendido como um fenômeno cultural,
23
social e político. Existem muitos autores das mais variadas ciências que discutem esse
assunto, mas sempre presos a determinadas escolas de pensamento.
Connel (2003) propões algo novo: uma análise menos presa a certos determinismos
estruturais, ou seja, uma metodologia pós-estruturalista. Esse tipo de análise gera uma
importante discussão epistemológica sobre a ruptura de velhos paradigmas científicos
como, por exemplo, o estruturalismo como sendo o paradigma da ciência moderna e o pósestruturalismo como sendo o transgressor responsável por essa ruptura paradigmática,
constituindo assim uma ciência pós-moderna.
Ainda hoje existem inúmeros debates sobre os conceitos de masculino e feminino,
conceitos estes que estão muito presos a relações duais de oposição (por exemplo, feminino
como oposição a masculino) que são legitimados por ciências como a biologia, a medicina
e a psicologia, pois vivemos num momento onde a geração de conhecimentos sobre gênero,
ainda está muito enraizada a uma visão biologicista, psicológica e natural.
Desta forma faz uma trajetória, tendo como suporte a história, para nos mostrar
como se consolidaram outras formas de conhecimento sobre masculinidade e feminilidade.
Como já observado, pontos de vista biologicistas são muito discutidos desde o surgimento
das ciências sociais. A sociologia do conhecimento vem nos mostrando como pontos de
vista universais mais dominantes são estabelecidos a partir dos interesses e experiências de
grupos sociais dominantes. Nessa área de “conhecimento e poder”, podemos recorrer a
Foucault17 que fez importantes trabalhos sobre as relações existentes entre as ciências novas
(como a medicina, criminologia e sexologia) e as novas instituições e formas de controle
social. Segundo ele, essas “ciências novas” foram muito influentes na constituição do
17
Os discursos sobre a fundamentação da anormalidade podem ser observados em sua obra “Os anormais”
(...), sob três critérios principais:1-O monstro humano: tem como campo de aparecimento a área jurídicobiológica e está materializado nas figuras do ser meio homem meio bicho, as individualidades duplas e os
hermafroditas. Representa uma combinação do impossível com o proibido, criando um princípio de
inteligibilidade (forma natural contra a natureza) e formas de anomalias/anormalidades.2-O individuo a
corrigir: o seu aparecimento é contemporâneo à instauração das técnicas de disciplina, criando assim o sujeito
a ser corrigido numa instituição competente. Ele é regular na irregularidade, indisciplinado próximo a regra.
3-O onanista (masturbador): aparece em conseqüência das novas relações entre sexualidade e a organização
familiar, sendo essa prática representante do aparecimento do corpo sexual da criança. Tratada como algo
errado, a masturbação é uma prática comum e sua proibição representa uma ordenação familiar restrita como
um novo aparelho de saber-poder. A masturbação não tem nada de excepcional, é quase universal e é um
segredo compartilhado por todos e ao mesmo tempo é negado por todos.
24
pensamento ocidental moderno, que através de sua incontestável legitimidade,
possibilitaram uma normatização das ações sociais, uma categorização de pessoas e
condutas, estabelecendo assim o que é normal e anormal.
Voltando aos argumentos de Connel, este nos diz, aproximando-se de Butler, que o
corpo de conhecimentos sobre gênero derivados do senso comum, não são de modo algum
fixos. Desta maneira ele ressalta a importância da análise do discurso senso comum, muito
rechaçado pela ciência moderna, dando novamente base a uma ruptura paradigmática,
mostrando assim que na constituição histórica das ciências naturais existem características
que dependem dos conceitos de gênero. Chama a atenção de que a ciência e a tecnologia
ocidentais foram culturalmente masculinizadas.
Assim sendo, as ciências da masculinidade podem ser libertadoras ou dominadoras,
pois no século XX se desenvolveram três propostas metodológicas para uma ciência da
masculinidade. A primeira se baseia no conhecimento clínico psicanalítico, muito
influenciado por Freud. A segunda se baseia numa psicologia social centrada na noção de
“rol ou papel sexual”. Já a terceira se constitui em novas tendências da antropologia, da
história e da sociologia.
A primeira tentativa de construir uma explicação científica da masculinidade foi
através da psicologia freudiana do século XX. Tratando-se de uma prática clínica a
psicanálise foi crucial para a normatização e controle social. Apesar de todas as críticas que
suas obras proporcionam, Freud teve um importante papel como precursor de um
pensamento moderno sobre a masculinidade.
As primeiras tentativas de se pensar socialmente a masculinidade se fundamentaram
na concepção de “papel sexual masculino”. Estes debates se iniciaram no século XIX,
reforçando as diferenças sexuais como algo dado, resistindo assim à emancipação das
mulheres.
Já no século XX a investigação sobre a diferença sexual, estava explicitada nesse
conceito de papel social. Esse conceito de “papel ou rol” pode ser aplicado ao gênero de
algumas formas, como específicos a situações definidas, e também como expectativas
inscritas a cada sexo. Seguindo essa perspectiva, em qualquer contexto cultural sempre
haverá dois “papeis” sexuais o masculino e o feminino. Apesar dessa perspectiva ser
25
estruturalista, o que ela nos mostra é que a masculinidade e a feminilidade são entendidas
como papéis sexuais internalizados, produtos de uma aprendizagem social (socialização),
ajudando dessa maneira, legitimar a idéia das diferenças sexuais.
Sabemos que essa divisão sexual foi muito influenciada pelo discurso biologicista,
entretanto existem outras visões como a do estrutural funcionalismo. Parsons, um dos
representantes mais significativos dessa corrente, diz que diferença entre os papéis
femininos e masculinos é algo que surge na família em relação aos papéis “instrumentais” e
“expressivos”, sendo essa uma diferenciação das funções nos grupos sociais. Muitas teorias
funcional-estruturalistas sobre os papéis sexuais foram surgindo, onde se acreditava que a
internalização dos papéis sexuais contribuíam para a estabilidade social e seriam
responsáveis pelo bom funcionamento do sistema.
Na década de setenta, muitas feministas passaram a criticar esse conceito de papel
sexual, chamando a atenção para seu caráter hierarquizante na sua internalização que
reforçava a subordinação das mulheres. Suas pesquisas foram muito importantes, pois
apontaram um problema e sugeriram uma reforma, apontando um novo modelo.
Posteriormente, outros autores sustentavam a idéia que o papel masculino era o de opressor
e que essa idéia devia ser mudada, desenvolvendo assim, grande número de investigações
sobre os homens.
Contudo, muitas críticas a esse modelo estrutural-funcionalista foram surgindo,
tratando essa divisão (normatização) como uma forma política de gênero. Não podemos
nos apoiar totalmente nessas teorias sobre papéis sexuais, pois elas são muito vagas,
deixando muitas lacunas a serem preenchidas, principalmente quando não levam em conta
o papel das relações de poder. Na teoria dos papéis sexuais, a ação está relacionada com
uma estrutura definida pela diferença biológica, onde existe a dicotomia masculino e
feminino, reduzindo o gênero a duas categorias homogêneas. Assim como Butler, o autor
vem nos chamar a atenção para essa percepção que temos da realidade social, onde as
diferenças entre homens e mulheres não permitem uma reflexão maior sobre classe, raça e
sexualidade.
Connel (2003) reforça a importância da história e da etnografia como suporte
analítico e comparativo sobre a diversidade das masculinidades e suas transformações.
26
Muitas feministas chamaram a atenção à bibliografia histórica acadêmica ser sempre
ocupada por homens. Prepuseram, desta forma um movimento que escrevia a “história das
mulheres” para compensar esse desequilíbrio.
Muitos autores chamam a atenção ao papel das instituições na construção de
masculinidades. Percebendo que as definições de masculinidade estão ligadas à história das
instituições e as estruturas econômicas.
A partir do século XX a etnografia ocupava um importante papel como método de
investigação. Buscava-se a investigação através da descrição detalhada de uma cultura,
onde o investigador também participasse (observação participante). Devido à colonização,
surge esse interesse em estudar sociedades diferentes das “civilizadas”, onde o mito a
religião e os sistemas de parentesco seria as bases da estrutura dessas sociedades
“primitivas”.
Na década de trinta, Margaret Mead, nos mostrou que existe uma diversidade
cultural de significados sobre masculinidade e feminilidade nas diferentes sociedades.
Assim por diante, foram se desenvolvendo inúmeros trabalhos antropológicos sobre gênero,
a principio sobre as mulheres, depois se estendeu aos homens. Um importante autor, Heard,
estudou a cultura dos povos da Papua Nova Guiné, onde observou que a economia é
baseada numa hierarquia de ordem política, caracterizando a cultura uma forte divisão do
trabalho dependente do gênero e uma masculinidade agressiva. Este trabalho nos mostra
que o rito de passagem para uma fase adulta nessa cultura é um ritual de homosocialização,
uma prática muito repudiada discursivamente em nossa cultura. Com estes estudos, fica
clara a importância da antropologia, em especial a etnografia, para o estudo das
masculinidades.
Atualmente muitas novas perspectivas sociológicas estão surgindo para romper
definitivamente com a teoria de papéis sexuais. Essa investigação ainda não possui um
paradigma definido, porém sabe-se que ele não pertence mais ao paradigma da ciência
moderna estruturalista. A sociologia moderna de gênero, afirma que o gênero não se fixa
antes da interação social, mas que se constrói a partir dela.
Uma esfera social institucionalizada onde se reproduz masculinidade é o local de
trabalho, pois as circunstâncias econômicas e a estrutura da organização podem influenciar
27
na construção de uma masculinidade. É importante reconhecer os diferentes contextos de
classe e raça, produzindo masculinidades diferentes num mesmo contexto institucional.
Entretanto, existe uma idéia de masculinidade hegemônica muito criticado pelo
movimento de liberação gay, dando margem a um pensamento sobre diversas
masculinidades e suas relações que são permeados por relações de aliança, domínio e
subordinação.
Porém a hegemonia não é total, podendo ser rompida, pois as relações que
constroem a masculinidade são dialéticas. Klein em seu trabalho nas academias de ginástica
observou práticas homoeróticas, onde os fisiculturistas muitas vezes participam da
prostituição, reinterpretando assim essa prática e negando a homossexualidade. Isso nos
leva a concluir que para reconhecer os vários tipos de masculinidade deve ser desconstruída
a noção de categorias fixas.
Estudos marxistas surgiram para investigar de que maneira os homens se apropriam
do trabalho das mulheres, construindo assim um modelo de patriarcado. Outros autores dos
estudos culturais enfatizam o controle das emoções e a negação da sexualidade, oriundas da
construção da masculinidade, conectando-os à exaltação da razão abstrata na tradição
intelectual ocidental. Distanciando-se assim das teorias marxistas, esses autores mostram
que a masculinidade deve ser compreendida como um aspecto de estruturas e processos
sociais amplos.
A masculinidade deve ser observada segundo suas relações sociais e a sua formação
como estrutura de personalidade. Não existe um modelo de masculinidade universal. Cada
sociedade tem o seu.
Desta maneira, a masculinidade como objeto de conhecimento deve ser entendida
como masculinidade em relação com alguma coisa. São as relações de gênero que se
constituem como objeto de conhecimento científico. O conhecimento sobre a
masculinidade provém desse projeto de se conhecer as relações de gênero. Assim, as
masculinidades podem ser concebidas como configurações da prática estruturada pelas
relações de gênero, sendo históricas e em constante movimento. O autor propõe uma
análise baseada na justiça social, uma possibilidade da justiça nas relações de gênero.
28
A cultura de massas reproduz uma noção de masculinidade fixa. Muitas vezes se supõe que
a verdadeira masculinidade surge a partir dos corpos dos homens, como se o corpo produza
e direcione a ação ou que a limite. Devido a discursos como estes, que a análise social deve
buscar compreender os corpos dos homens e sua relação com a masculinidade. Existem
duas escolas opostas que discutem o tema. A primeira biologizante, diz que o corpo é uma
máquina natural que produz diferença de gênero. Já a segunda, mais da área das
humanidades, diz que o corpo é uma superfície neutra onde se imprime o simbolismo
social.
A masculinidade não pode ser considerada um objeto lógico pela qual pode-se
produzir uma ciência generalizante. Por isso a observação deve ser ampliada, não se pode
compreendê-la como um objeto isolado, mas sim com parte de uma estrutura maior. Para
melhor entendimento, devemos localizar em que nível ela se encontra estruturada.
Todas as sociedades possuem explicações culturais sobre gênero, mas nem todas
possuem um conceito definido de masculinidade. Culturalmente ser masculino, implica em
agir de determinada forma. Supõe-se que uma pessoa não masculina deverá se comportar
de maneira pacífica, não dominadora, não deverá jogar futebol e não se importará em
conquistas sexuais.
Em muitos casos, a masculinidade existe em oposição à feminilidade, pois uma
cultura que não distribua papéis específicos para as mulheres e homens, não possui um
conceito de masculinidade seguindo os padrões europeus e norte-americanos.
Por muito tempo na Europa, as mulheres eram consideradas muito diferentes dos
homens por serem incompletas, ou possuírem um mesmo caráter só que inferior ou
invertido.
Desta forma, criamos um conceito de masculinidade que é um produto histórico
ainda recente. Assim, quando falamos de masculinidade implicitamente estamos
construindo o gênero de uma forma cultural particular.
O gênero é uma das formas em que se ordena a prática social. Nos processos de
gênero, a conduta cotidiana organiza-se em relação à esfera reprodutiva, definida pelas
estruturas corporais e os processos de reprodução humana. Esta esfera inclui a excitação e o
intercambio sexual, o nascimento e cuidado infantil, as diferenças e semelhanças sexuais
29
corporais. Enfim, o gênero é uma prática social que se refere constantemente aos corpos e
suas funções, porém essa prática não se reduz a um único corpo. A noção de gênero existe
em relação aos determinantes biológicos sem considerar os determinantes sociais. Quando
os determinantes sociais foram considerados, ocorreu uma transição na concepção de
gênero, provocando um processo histórico onde a evolução biológica foi substituída.
Como a prática social está em constante mudança, as relações de gênero, as relações
entre as pessoas e o grupos organizados segundo a reprodução formaram uma das
principais estruturas das sociedades.
As práticas relacionadas com estas estruturas não podem ser observadas
isoladamente. As ações dos sujeitos se configuram de certa forma, com as práticas de
gênero.
No entanto, devemos observar o ponto de vista dinâmico da organização da prática,
para compreendermos masculinidade e feminilidade como projetos de gênero. Esses
processos de configuração da prática, ao curso da história, se transformaram em estruturas
de gênero. Dessa forma, a maneira mais simples de dividir e classificar as coisas são
através das noções de masculinidade e feminilidade, oriundas do senso comum. Essa
configuração da prática foi chamada pela psicologia como personalidade ou caráter.
Fugindo desses determinismos psicologizantes (identidade), a teoria pósestruturalista veio enfatizar que as identidades de gênero se rompem e mudam devido a
múltiplos fatores e discursos que fazem parte da vida do indivíduo. Esse argumento nos
coloca frente à importância da análise multicausal18, como o discurso, a ideologia ou a
cultura. Desta forma, o gênero se organiza em práticas simbólicas que vão muito mais além
do que a vida do indivíduo.
Assim, as ciências sociais chamaram a atenção para as relações institucionais
estruturadas segundo o gênero. O Estado pode ser considerado uma instituição masculina,
pois as práticas de organização dele se estruturam em relação ao âmbito reprodutivo.
Muitos funcionários são homens, o que significa que existe uma configuração de gênero
18
Esse conceito de multicausalidade já era empregado por Weber em 1920, num trabalho interessante
chamado “A objetividade do conhecimento nas ciências sociais”.
30
que determina a contratação e promoção, a divisão interna do trabalho e os sistemas de
controle.
Trabalhos de feministas da década de setenta, como Juliet Mitchell e Gayle Rubin,
foram de extrema importância para compreender que o gênero é uma estrutura internamente
complexa, na qual se configuram lógicas diferentes. Esses trabalhos foram ainda mais
importantes no que diz respeito à análise das masculinidades. Isso possibilitou uma visão
multicausal das relações de gênero, distanciando-se definitivamente dos discursos vigentes
até então.
Conforme percebemos a gama de relações que se estabelecem entre o gênero, à
classe e a raça, também podemos perceber masculinidades múltiplas.
Reconhecer que não há apenas uma masculinidade é muito importante para o
entendimento do assunto. Outro passo é analisar as relações entra as diversas
masculinidades.
Desta forma, devemos nos centrar nas relações de gênero entre os homens. A
masculinidade hegemônica não é sempre a mesma nas diversas sociedades, ela representa a
posição hegemônica que os homens ocupam em um determinado modelo das relações de
gênero.
O conceito de hegemonia, segundo Gramsci em análise das relações de classe, se
refere à dinâmica cultural pela qual um grupo exige e sustenta uma posição de dominação
na vida social. Não importa o momento histórico, pois a cultura sempre preferirá alguma
forma de masculinidade.
Desta forma, hegemonia está relacionada com poder, embora os portadores de poder
institucional podem estar longe do modelo hegemônico nas suas vidas pessoais. A
hegemonia somente se estabelecerá quando corresponda a um ideal cultural e um poder
institucional. A principal característica da hegemonia é o seu caráter autoritário, mais do
que a violência propriamente dita.
A masculinidade hegemônica incorpora uma estratégia aceita pela sociedade.
Quando as condições definidoras do patriarcado mudam, as bases da dominação de uma
masculinidade particulares se rompem, ou seja, os novos grupos questionam os antigos
paradigmas e constroem uma nova hegemonia. Assim, a hegemonia é uma relação
31
historicamente móvel e não fixa. A hegemonia se relaciona diretamente com a dominação
cultural na sociedade. Configuram-se relações de dominação e subordinação específicas
entre os grupos de homens, que são estruturados segundo o gênero.
32
CAPÍTULO 2
MASCULINIDADES NO BRASIL
No capítulo anterior foi feito um “mapeamento” de algumas reflexões teóricas que
dizem respeito ao tema das masculinidades. No caso específico do Brasil, verifica-se a
intensa preocupação pela sociologia brasileira pela questão do patriarcalismo. Neste
capítulo propõe-se a discussão dos padrões19 de masculinidade observados no Brasil.
Algumas reflexões podem ser observadas com a ajuda da etnografia, que é uma
ferramenta importantíssima da Antropologia e que não pode ser descartada da metodologia
sociológica. Nesse sentido, este capítulo abordará a questão partindo de uma pequeno
trabalho de campo, um estudo focal realizado em uma escola pública com alunos do 3° ano
do ensino médio. O estudo focal incialmente foi pensado em fazer uma divisão da turma
entre meninos e meninas.
A proposta inicial para o trabalho com os meninos era a exibição de um filme inglês
chamado Billy Elliot (2000), no qual há uma grande reflexão dos “papéis” masculinos. O
filme aborda a questão de um garoto, oriundo da classe operária inglesa, que deseja tornarse bailarino. Essa decisão do menino traz a tona uma série de discursos sobre
masculinidade e atividades masculinas. Seu pai e seu irmão acham totalmente fora da
heteronoramlidade um homem que queira ser bailarino, reforçando alguns preconceitos,
como “balé é coisa de bicha”.
Em contato com a coordenação pedagógica do colégio, houve uma grande resistência
pela exibição de um longa metragem, afirmando que seria muito desgastante e que não
prenderia a atenção dos alunos. Então eles sugeriram que fosse feita a exibição de um curta
metragem, pois a discussão seria mais dinâmica e a “nova” didática prezava por isso.
Apesar dessa resistência à exibição de um longa metragem, a intenção de discutir
masculinidades e questões de gênero foi bem aceita e até elogiada pela equipe, pois naquela
escola não há aulas de sociologia e nem um espaço para tais discussões.
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Segundo Margaret Mead (1930) existem padrões de masculinidade e feminilidade que diferem entre as
variadas sociedades.
33
Entretanto, depois de muita pesquisa não foi encontrado nenhum curta que tratasse da
questão, foi quando ocorreu a lembrança de uma indicação de um professor de
Antropologia, sobre um curta chamado “É menino ou menina?”, no qual são discutidos
claramente o pensamento social brasileiro acerca da questão do patricarcalismo.
Esse era apenas o início de mais um problema, pois esse filme não estava disponível em
lugar algum, mesmo sendo feita uma busca incessante na internet, sem grande sucesso.
Depois de algumas horas pesquisando, esse filme foi encontrado em um instituto de
pesquisa na cidade do Rio de Janeiro, onde só estava disponível para moradores. Entrando
em contato com um amigo carioca que vive em Curitiba, pode-se conseguir alguém que
mora no Rio de Janeiro e que fizesse uma cópia desse filme e enviasse para cá. Depois de
algumas semanas de espera, finalmente essa cópia chegou, e realmente o filme seria de
grande valia.
PRIMEIRA VISITA À ESCOLA
O Colégio Estadual Padre Arnaldo Jansen é uma escola pública, localizada no Centro
de São José dos Pinhais, se trata de umas das escola mais antigas da cidade. É uma escola
pública “tradicional” da cidade, onde muitos moradores já estudaram nela. Também é
famosa por ter um ensino de “qualidade” e bons profissionais, pois conseguir uma vaga
nesse colégio é um tanto quanto dificil.
Cheguei na secretaria do Colégio Estadual Padre Arnaldo Jansen, uma escola pública da
cidade de São José dos Pinhais. A escolha desse colégio não foi aleatório, pois primeiro é
próximo da minha casa, e segundo foi um colégio no qual estudei até a 8ª série. Cheguei
num momento em que as rematrículas estavam sendo feitas, e meu primeiro contato foi
com a secretária responsável por esse procedimento.
Perguntei a ela com quem eu poderia conversar sobre uma “possível” pesquisa que
objetivava realizar no colégio. Ela logo me encaminhou à coordenação pedagógica da
escola, me orientado a conversar com o Professor João Carlos, o pedagogo responsável. Ela
então me indicou onde era a sala dele fui até lá.
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Chegando lá, ele me perguntou em que poderia ser útil e logo eu fui falando minhas
intenções de pesquisa. Expliquei que eu era acadêmico de ciências sociais, e que precisava
fazer um estudo focal para discutir a questão das masculinidades. Não fui muito detalhado
no assunto, dando um panorama geral sobre o tema que pretendia discutir. Expliquei a ele
que meu trabalho era mais voltado aos meninos, pois minha pesquisa está relacionada às
masculinidades. Ele se interessou pelo tema e achou de grande valia alguém que se
dispusesse a falar sobre “sexualidade” com os alunos. Bem, minha abordagem não se
relaciona diretamente à questão da sexualidade, mas de certa forma está englobada na
discussão sobre masculinidades. Expliquei a ele que meu foco estava voltado aos meninos e
ele me questionou em relação às meninas. Disse que seria inviável fazer um trabalho só
com os meninos, sem desenvolver uma atividade com as meninas. Então expliquei a ele que
uma colega do curso iria me auxiliar nesse quesito, fazendo um trabalho paralelo com as
meninas. Dessa forma, ele concordou com que fosse feito o debate com os meninos e o
outro debate com as meninas.
Estava falando um pouco mais sobre minhas hipóteses, sobre a construção social da
masculinidade, e de como os meninos estavam construindo suas masculinidades, se ainda
havia a questão da violência envolvida na construção da mesma, quando ele me disse
assim:
-“Os meninos aqui são tranqüilos, não são violentos, mas as meninas são extremamente
violentas”.
-“Quase todos os casos de violência e brigas estão relacionados às meninas”.
Achei essa constatação dele muito curiosa, pois sempre estamos acostumados à associar
masculinidade à violência e não feminilidade.
Continuando a conversa ele me falou que os meninos tem um comportamento diferente
de anos atrás, me contanto um caso onde dois meninos estavam se beijando em pleno pátio
da escola na frente de todos os seus colegas. Como orientador, ele logo interviu e chamou
os meninos para conversar. Disse aos meninos “que a escola não era lugar pra eles fazerem
aquilo”, “que se eles querem se beijar, que vão se beijar em suas casas”. Dessa forma ele
chegou a um tema q me intrigou um pouco. Falou que há uma notável incidência de
“homossexualismo” entre os alunos. Achei a terminação ISMO carregada de valores morais
35
e preconceitos, mas enfim, não o questionei. Continuando o assunto ele me contou que sua
filha de 18 anos, tem um grupo de amigos, onde todos os meninos ficam com todos os
meninos. Ele acha isso uma questão geracional, onde há uma abertura maior sobre os
exercícios das sexualidades.
Ele me perguntou sobre como eu iria proceder no meu trabalho, então disse que iria
passar o filme Billy Elliot, sobre um menino que queria ser bailarino. Ele disse que já havia
assistido esse filme, mas que não achava uma boa idéia, pois considerou o filme muito
longo e cansativo, sendo desgastante para os alunos. Então me sugeriu que eu trabalhasse
com algum curta que tratasse do tema, pois segundo ele “é uma ferramenta didática mais de
acordo”. Dessa forma ele me indicou um site, chamado curtanaescola.com.br, onde existem
inúmeros curtas sobre os mais variados temas. Havia uma mãe de aluno na porta esperando
atendimento, então logo fomos finalizando a conversa, onde ele me passou algumas
exigências. Que eu providenciasse uma carta da Universidade, explicando e solicitando a
realização da pesquisa e que eu desenvolvesse um plano de aula.
Me comprometi a trazê-los e agradeci a atenção, e ele reafirmou que o trabalho
proposto seria muito interessante, já que os alunos do Ensino Médio não tem Sociologia na
grade curricular. Me despedi e fui.
Minutos depois cheguei em casa e entrei no tal site que ele me recomendou. Tinha
inúmeros curtas, mas nenhum que se enquadrava nos objetivos propostos pela minha
pesquisa. Então comecei a pensar de que maneiras podia abordar o tema. Lembrei de uma
aula do Professor Ricardo Cid, onde ele havia me indicado um filme que tratava a questão
do patriarcalismo no Brasil, chamado “É menino ou menina?”. Esse é um curta metragem
de 1978. Só que o problema estava apenas começando. Esse é um filme que não existe em
Curitiba, e em nenhum outro lugar do Brasil. Fiz uma pesquisa completa na internet e não
achava nada sobre esse filme. Até que depois de algumas horas pesquisando, encontrei esse
filme num Instituto Betinho do Rio de Janeiro. Mais um problema! Esse filme estava
disponível para empréstimo apenas a moradores da cidade do Rio de Janeiro. Não sabia o
que fazer, até que me lembrei de um amigo carioca que está morando em Curitiba há alguns
meses. Então entrei em contato com ele, e expliquei toda a situação a respeito do filme. Ele
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se propôs a falar com uma amiga dele que mora no Rio de Janeiro para que ela fizesse uma
cópia do filme e me enviasse.
Algum tempo depois, nenhum sinal do filme e nem do meu amigo e nem dessa menina
que mora no Rio de Janeiro. Já estava decepcionado, pois havia feito um depósito na conta
da menina, para as despesas de envio e conversão de VHS para DVD, e não tinha recebido
nenhum retorno.
Finalmente o filme chegou, pude assistir e achei ele bem relevante para a discussão,
pois é um curta metragem, onde fica clara a discussão sobre sexo e gênero e a confusão
entre ambas. No filme a maioria dos depoimentos está relacionada à preferência das
pessoas por meninos, pois são mais fáceis de educar. Mas também há um discurso vigente
sobre a “natureza” do homem e a “natureza” da mulher. Apesar do filme ser de 1978, achei
que ele se enquadra perfeitamente nos nossos dias, pois muitos dos discursos presentes
ainda persistem. (mas o filme chegou ontem08/11, uma semana depois da minha segunda
visita à escola).
SEGUNDA VISITA À ESCOLA
A segunda visita à escola foi mais para entregar as exigências burocráticas e marcar o
início da pesquisa. Ainda não tinha em mãos o curta “É menino ou menina?”, por isso o
plano de aula foi baseado no filme “Billy Elliot”. O orientador leu meu plano de aula e o
achou bem pertinente. Houve mais uma vez resistência à apresentação de um longa
metragem, mesmo eu explicando que seria de extrema importância para a discussão. Nesse
sentido, o Professor João Carlos e outra Professora responsável pelos horários, disseram
que era até “proibido”, por não sei que lei, a exibição de um longa metragem na escola.
Realmente nunca ouvi falar sobre isso, pois em minha vida escolar assisti inúmeros longas
metragens, como por exemplo “A guerra do Fogo”, que foi exibido nesse mesmo colégio
por uma Professora de História. Como a Professora foi a mesma de 5ª à 8ª série (período
que estudei nesse colégio), assisti ao filme por quatro anos consecutivos.
Enfim, voltando aos discursos da equipe pedagógica, eles me sugeriram que eu
apresentasse trechos do filme para o debate. Disse a eles que estava esperando chegar um
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curta muito interessante e que talvez fosse possível a apresentação deste. Dessa forma, eles
me cobraram sobre o trabalho a ser realizado com as meninas, então disse que minha
colega iria trabalhar a questão da violência, já que as meninas “são mais violentas” que os
meninos naquele colégio, segundo o Professor João Carlos.
A Professora responsável pelos horários me encaixou em uma falta de um professor e
me disponibilizou uma aula na segunda-feira dia 10/11/2008 com o 3º A, e outra aula na
terça-feira dia 11/11/2008 com o 3º B. Achei pouco tempo para a discussão, mas foi o que
conseguiram fazer por mim. Agradeci a ambos e retornarei para fazer o estudo focal.
Para a abordagem acerca do tema proposto em minha pesquisa, foi realizado um estudo
focal no Colégio Estadual Padre Arnaldo Jansen, uma escola pública da cidade de São José
dos Pinhais, na qual estudam alunos de camadas médias e classes populares.
Inicialmente o estudo focal se consistia em fazer uma divisão das duas turmas de 3° ano
do Ensino Médio. O trabalho consistiria em dividir a turma entre meninos e meninas. A
coordenação pedagógica da escola, me disponibilizou duas aulas de 50 minutos com as
duas turmas de 3° ano. O trabalho seria realizado na segunda-feira com o 3° A, e na terçafeira com o 3° B. Dessa forma, o estaríamos trabalhando com a variante faixa etária, pois os
alunos dessas turmas tem entre 16 a 18 anos, ou seja, um recorte geracional. A proposta era
de dividir as turmas entre meninos e meninas, para ser realizado um trabalho diferenciado
com ambos.
Enquanto eu trabalharia com os meninos, a Marily iria desenvolver um trabalho com as
meninas.
O DIA DO CAMPO
Enfim, chegamos na segunda-feira no horário proposto e fomos enformados pela
professora Zélia, que houve uma mudança e que as duas turmas seriam juntadas para
fazermos um trabalho com ambas ao mesmo tempo. O sinal da escola bateu, a aula estava
para iniciar, quando professora Zélia nos encaminhou até a turma. Ela falou para as duas
turmas se juntares que seria feito um trabalho com elas. Disse para os meninos ficarem
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numa sala e as meninas em outra. Nessa hora, muitos alunos e alunas reclamaram,
perguntando porquê dessa divisão e demonstrando uma certa discordância.
Então as meninas ficaram numa sala e os meninos em outra, Marily e eu estávamos
esperando que eles se ajeitassem para iniciar as atividades. Enquanto estava esperando fui
abordado por um menino que me perguntou o que seria feito. Respondi que seria feita uma
discussão com eles sobre masculinidades. Então a grande surpresa e “decepção” ocorreu.
Esse mesmo menino entrou na sala em que os meninos estavam e avisou aos colegas o que
seria trabalhado. Somando as duas turmas havia em média 30 meninos, dos quais somente
quatro permaneceram. Os outros todos foram embora, mesmo cientes de que essa atividade
iria ser cobrada em relatório pelo professor de filosofia. Na hora me senti mal, fiquei
decepcionado, mas logo percebi um dado interessante, ou seja, realmente há uma
resistência dos meninos em falar sobre masculinidades. Parece que o tema é tão fixo que
não tem o que discutir. Logo já pensei em inúmeras questões e hipóteses por conta dessa
resistência dos meninos em abordar tal tema. Devido a esse acontecimento inesperado,
pode-se criar uma reflexão maior sobre a existência dessa resistência por parte dos meninos
em abordar tal tema. O que leva os meninos a essa resistência?
Cheguei cheio de expectativas, pois esperava encontrar nos discursos dos meninos
novas formas de masculinidade, outros discursos acerca do tema, por se tratar de uma outra
geração. Mas o que aconteceu foi o inverso. Pode-se perceber que essa resistência mostrou
ser um reforço sobre o pensamento patriarcalista, onde determinados temas não tem porque
serem discutidos. Já que sou homem, por que preciso discutir sobre masculinidades? Creio
que seja por aí o pensamento desse meninos e de talvez toda essa nova geração. Talvez seja
um exagero generalizante, mas se isso ocorreu com essa faixa etária, será que em outros
lugares não ocorreria o mesmo?
Dessa forma, surgiu um novo dado para ser trabalhado, a resistência dos meninos e
discutir suas masculinidades.
Voltando a experiência de campo, as meninas estavam muito interessadas e dispostas ao
debate, apesar delas não concordarem em dividir as turmas entre os sexos. Notou-se um
grande interesse por parte das meninas em debater e discutir o tema das feminilidades, que
seria a abordagem da Marily. Mas como aconteceu essa debandada dos meninos, tivemos
39
que tomar uma atitude diferente. Juntamos as meninas com os quatro meninos que ficaram
e iniciamos um trabalho em conjunto, já que foi impossível realizar um estudo focal com os
grupos separadamente.
Inicialmente, foi passado um filme curta metragem, pois todos os membros da
coordenação pedagógica apresentaram grande resistência aos longas metragens, um filme
de 1978, com o título “É menino ou menina?”, onde é abordado de forma muito
interessante o pensamento social brasileiro em relação ao patriarcalismo. O filme inicia
com uma história, na qual um avô está ansioso pelo nascimento do neto. Ele tem a certeza e
a preferência pelo nascimento de um bebê do sexo masculino. Na hora do parto, há uma
grande mobilização dos vizinhos, e uma vizinha o questiona sobre a possibilidade de nascer
uma menina. Ele logo diz que não será uma menina, que há nove meses ele espera pelo
nascimento do neto, que é quem vai dar continuidade ao nome da família. Demonstra um
pensamento sobre o “papel” da mulher, que na visão dele só serve pra ficar em casa e ter
filhos. Então vem a notícia do nascimento da criança, que é do sexo feminino, deixando o
avô extremamente decepcionado. O filme continua em forma de um documentário, no qual
são entrevistadas várias pessoas sobre a preferência de ter um menino ou uma menina. A
grande maioria dos entrevistados diz que é muito mais fácil educar um menino, pois o “o
homem é homem” e é diferente da mulher. Como em 1978 a ecografia não era tão
avançada, era impossível saber o sexo da criança. Em uma maternidade com algumas
gestantes a beira do parto, foi feita a pergunta se elas preferiam menino ou menina. As
quatro gestantes responderam que preferiam menino, pois ser homem é mais fácil na visão
delas, tem menos sofrimento. Outro ponto que o filme aborda é sobre a educação de
meninos e meninas, pois nas entrevistas realizadas sobre esse tema, os discursos sempre
demonstraram que a educação deve ser diferenciada entre meninos e meninas, como por
exemplo no discurso de uma entrevistada: “o menino tem que ser educado desde pequeno
como um homenzinho, aprender a se comportar de uma forma masculina, já as meninas
devem ser educadas de uma forma feminina”. Nota-se também a idéia muito forte na
biologia, onde
pode-se notar em alguns discursos, que o homem é naturalmente mais
ativo, mais agressivo, mas decidido e que as mulheres “são mulheres”.
40
Esse filme mostra de maneira bem clara um pensamento vigente na década de 70.
Dessa forma, a discussão iniciou-se com a seguinte questão: Vocês acham que 30 anos após
esse documentário mudou muita coisa? As respostas foram surpreendentes, pois quem mais
falou foram as meninas, dizendo que pouca coisa mudou, pois ainda o homem tem um
papel de maior destaque na sociedade, segundo a visão delas. Os meninos não se
pronunciaram sobre isso. O debate começou e foram abordados vários temas acerca de
gênero. As meninas eram as que mais se pronunciavam, diziam que apesar da sociedade ter
esse pensamento patriarcalista, muitas mulheres eram as provedoras do lar. Isso me chamou
a atenção, pois muitas meninas falaram que suas mães que sustentavam a casa. Num dos
casos, a menina disse que seu pai assumiu as funções domésticas enquanto sua mãe
trabalhava e sustentava a casa. Já outra menina disse que ela e seu irmão foram criados pela
mãe e pela avó, sem a presença de uma figura masculina, mas segundo o discurso dela, isso
não fez com que seu irmão deixasse de ser “homem”, dizendo que ele não ajuda nas tarefas
domésticas, já que essa é uma “função” das mulheres. Nesse sentido, foi discutido a dupla
reprodução desses ideais patriarcalistas, pois ambos (homem e mulher) reproduzem essa
lógica.
Foi bastante frisado a construção social desses “papéis” que eles não eram
comportamentos dados, mas sim construídos historicamente, culturalmente e politicamente.
Nesse sentido, foi comentado sobre a cultura Inuit, onde as mulheres estéreis perdem seu
“papel” naquela sociedade, ganhando o estatuto de homem, com direitos iguais aos
homens, principalmente o direito de casar com uma mulher e caso essa mulher engravide, o
pai será essa mulher que ganhou o estatuto de homem. As reações foram: “ui que
esquisito”, “que horror”. Com essas reações, foi abordado a questão do etnocentrismo,
tentando passar pra a turma que a nossa cultura não é a única e que não devemos achar as
práticas culturais de outras sociedades como inferiores as nossas. A turma ficou bem
interessada nesse assunto, concordando com o comentário.
Outra abordagem foi com relação a existência cultural de padrões culturais de
masculinidade e de feminilidade (Mead, 1930), onde em cada cultura esses padrões variam
bastante. Enquanto abordava esse tema, entramos na discussão de comportamentos
“esperados” para homens e para mulheres. Caímos numa discussão sobre a infância, onde
41
as meninas disseram que gostavam de brincar de carrinho, mas nem por isso deixaram de
ser femininas. Logo comentei, sobre qual seria o problema de um menino brincar de
boneca. O único comentário feito por um dos meninos, foi o seguinte: “eu acho que as
meninas têm que brincar de boneca e os meninos de carrinho”. Esse comentário nos mostra
a rigidez do pensamento masculino, sem querer generalizar, onde os meninos pensam que
meninos e meninos devem agir de forma diferente, inclusive na hora de brincar.
Outra abordagem feita, foi em relação ao que eles entendia como “normal” e
“anormal”, foi falado rapidamente de Foucault, sobre as três categorias que fundamentam o
pensamento ocidental sobre a anormalidade. Nesse sentido uma questão foi lançada:
“Vocês acham a homossexualidade anormal?”. Todos discordaram dessa minha pergunta,
dizendo que hoje em dia há mais liberdade para o exercício da homossexualidade, com
apenas uma exceção: uma menina levantou a mão (a mesma que disse que brincava de
carrinho e nem por isso deixou de ser feminina) e disse que na concepção evangélica dela a
homossexualidade era anormal, pois segundo ela, o homem foi feito para a mulher e viceversa. Mas todos reconheceram que a heterossexualidade era a prática mais aceitável, então
pode ser comentado sobre a matriz heterossexual (Butler, 2003), onde a heterossexualidade
era fortemente normatizada e reproduzida, inclusive em casais homossexuais.
Foi abordada a questão da família, hereditariedade e continuação da linhagem, como o
filme mostra. Na fala de muitas meninas estava presente o discurso de se ter uma família,
de se ter filhos. Então foi feita uma pergunta: “Quem aqui nessa turma pensa em casar e ter
filhos?”. A grande maioria da turma ergueu a mão, ou seja, compartilham de um ideal de
família nuclear, pois por mais que não tenham vivenciado isso, parece ser algo “padrão” ,
“correto” e “esperado”.
O momento mais constrangedor para a turma, foi quando eu abordei a questão de ritos
de iniciação e de passagem. Fiz um direcionamento maior para os ritos de iniciação
masculinos, onde em inúmeras culturas eles eram existentes. Comentei que em nossa
cultura também existiam esses ritos e que eles eram pré-requisitos básicos para a
constituição da masculinidade (Connel, 2000). Falei sobre as práticas homoeróticas e a
socialização homoerótica, podendo-se notar o constrangimento dos meninos, como algo
existente, mas que não deveria ser comentado. As meninas ficaram surpresas com esse
42
comentário e acharam interessante esses ritos. Já os meninos ficaram realmente
constrangidos, mas dava pra perceber que não foi falado nenhum absurdo, pois todos os
meninos ficaram de cabeça baixa, realmente intimidados.
Já estava quase na hora de terminar a aula, quando foi abordado a construção da
masculinidade em algumas tribos africanas, onde os meninos tomavam o sêmen dos
homens da tribo como forma de adquirirem masculinidade. Nesse momento houve uma
reação por parte das meninas, como “ui que nojo”, e três meninos dos quatro presentes se
levantaram e se retiraram da sala. Realmente existe a resistência dos meninos em discutir
questões culturais de gênero. Pode-se perceber que os meninos dessa geração ainda
reproduzem um ideal de patriarcalismo, onde sua condição de “homem” é inqüestionável.
O HOMEM BRASILEIRO: RESITÊNCIA E FAMÍLIA
Conforme a experiência de campo apontou houve uma resistência entre os meninos pela
abordagem do tema masculinidades. Dessa forma podemos fazer uma análise de como
nossa sociedade lida com a questão. Autores como Leal e Boff (1996) refletem sobre a
dificuldade de incorporação dos “homens”, tanto como objeto de análise, tanto como
sujeito de investigação, nos estudos culturais de gênero, mas especificamente nos estudos
sobre masculinidades. Essa resistência e medo em discutir tal tema, está relacionado a um
medo enraizado dos homens em redefinir sua identidade, já que a masculinidade se constrói
por oposição do que é culturalmente considerado feminino, ou seja, ser homem é não ser
mulher20. Segundo Sabo (2002) há uma resistência entre os homens em lidar coma as
realidades centrais da dominação masculina e a estratificação social por sexo. O que cria
uma dificuldade por parte dos próprios homens em discutir sua “condição”, já que é algo
dado inquestionável.
O que mais chamou a atenção foi o fato de praticamente todos os presentes na discussão
acham importante ter filhos e constituir uma família. Nesse sentido, podemos observar o
que Mariza Corrêa (1982) observa essa unidade e organização familiar doméstica e
patriarcal como sendo o modelo tradicional de família utilizado como parâmetro. Segundo
20
Alguns autores afirmam a existência de uma subjetividade que é exclusivamente masculina.
43
ela, essa seria uma tendência de alinhar-se tudo ao modelo tradicional de engenho,
propondo a análise de diferentes formas de organização familiar no Brasil colonial. Sem
dúvida Gilberto Freyre e Antonio Candido são importantes referências no assunto, sendo
que este afirma que a familia patriarcal existiu aqui do século XVI ao XIX. Nesse mesmo
período surgiam no litoral os primeiros conglomerados urbanos, com noções de trabalho
livre e empregado urbano. Também existiam fazendas onde os trabalhos eram livres e
trabalhos individuais eram realizados para a manutenção do grupo doméstico, já no
engenho o trabalho era coletivo visando à exportação e ao lucro.
Para a autora, existe uma noção de que o parentesco organiza a sociedade anterior ao
Estado, pois o status social e a família, servem de instituição responsável por situar o
indivíduo em sua cultura. A literatura sobre família no Brasil não dá importância às
variedades de unidades domésticas em diferentes regiões do país, sendo a família nesse
aspecto a estrutura básica de integração social.
A colonização do Brasil parece ter sido um esforço de virilidade dos brancos, pois os
colonizadores chegaram sem famílias e faltavam mulheres brancas. Essa noção não pode
ser estendida a todas as regiões do país. Entretanto, há uma falta de outros olhares sobre a
família, e a percepção de que a família patriarcal não seria a única organização social
possível. A família patriarcal possibilita o surgimento da família conjugal moderna, pois
segundo Antonio Candido é devido ao processo de industrialização e urbanização, ou seja,
do individualismo.
Em suma, deve-se buscar uma multiplicidade de fatores para estudar a família
brasileira, não ficando preso na visão hegemônica de família patriarcal, observado as
diversas possibilidades possíveis.
De maneira bem interessante, Roberto Da Matta (1987) observa que os estudos sobre
família no Brasil são na sua maioria realizados por mulheres, devido aos estudos feministas
que possibilitaram maior debate sobre o tema. Fazendo um diálogo entre teoria
antropológica e o cenário político nacional, mostra através da observação das realações de
nepotismo21 na esfera pública a permanência da estrutura familiar patriarcal. Faz um
diálogo com Gilberto Freyre, quando aproxima a esfera pública do sistema patriarcalista,
21
Nomeação de parentes, amigos e agregados, bem comum na nossa sociedade.
44
tutelar e patrimonialístico, observando a permanência de uma divisão das coisas do mundo
social, como exemplo a dualidade entre casa e rua. Entretanto, Freyre e A. Candido já
observavam na década de 30 que a família patriarcal dominante estava cercada de formas
não patriarcais de organização doméstica, ou seja, reconheciam as diversas formas que
compuseram a nossa sociedade.
Nesse sentido, é interessante observar como a organização familiar patriarcal realiza
uma ponte entre o universo público e o privado, agindo como grupo corporado22. Assim,
podemos perceber observado o nepotismo, como determinadas relações características da
família patriarcal23 estão presentes na esfera pública. Nos mostra como existe uma oposição
nacional em relação às leis, já que, ainda persiste uma noção de que a justiça não é para
todos, ou seja, as leis devem servir apenas para os outros (rua) e nunca para nós (casa).
Nesse cenário, o nepotismo consegue juntar práticas com realidades jurídicas e políticas,
pois as leis são do mundo da rua e as normas não escritas pertencem ao universo da casa.
Essa distância entre leis e práticas configura duas éticas diferenciadas, as da família (casa) e
as razões públicas (rua). Tendo isso claro, fica mais fácil observar a importância da família,
não só como instituição social, mas também a sua permanência enquanto um valor. Na
sociedade brasileira, a família possui um caráter institucional fundamental à vida social,
pois o pertencimento ou não a uma família gera uma rede de expectativas sociais e age no
sentido de promover uma condição de existência para o indivíduo.
A noção de família patriarcal não está associada a uma classe específica, pois havia
uma diversidade de formas de organização, onde ela era a forma dominante, porém não a
única, possuindo uma visibilidade social percebida ainda hoje. Possuir uma família
completa, no sentido patriarcal de organização, é um valor no sentido em que revela uma
forma de sucesso ou superioridade social. Dessa forma, a família representa para nós uma
gama de instituições sociais, que apesar de todo o processo de individualização, ela
permanece como ponto de referência orientador no mundo, ou seja, é um valor.
É dentro desse contexto cultural que as masculinidades são construídas em nossa
sociedade. Autores como Peter Fry (1982) e Mac Rae (1984), observam a importância do
22
23
Como a noção de pessoa jurídica indivisível.
Essas são as relações de compadrio, amizade e parentesco que o ordenam o indivíduo dentro de casa.
45
imaginário social brasileiro com relação à sexualidade masculina. Em nossa cultura, desde
a infância são impostas várias espectativas sociais de como é o comportamento considerado
devido a homens e mulheres, onde as relações sexuais esperadas sejam heterossexuais.
Dessa forma, Fry demonstra que o uso da categoria homem estaria ligada ao aspecto de ser
“ativo ou passivo”, “penetrar ou ser penetrado”. Assim surgem duas categorias: homens e
bichas. Aqui homens são idealmente percebidos como “ativos”, ou seja, não são
homossexuais. Bichas seriam estigmatizados como “passivos”, mesmo sendo parceiros dos
homens na relação. Contudo, bichas tornam-se alvo de perseguição e são representados
através de modelos de submissão, enquanto homens seriam os únicos que possuem o
privilégio do status de macho24.
Em nossa cultura, ainda é presente a idéia de “homem predatório” e é um dos elementos
constituintes do gênero masculino, ou seja, uma sexualidade formada com base numa visão
de que as mulheres e até mesmo outros homens devem ser consumidos como se fosse um
produto. Muitos estudos sobre a sexualidade masculina traz a tona a fragilidade desse
modelo de masculinidade predatória, pois os homens estão sendo confrontados, com
situações de impotência e com a epidemia da AIDS. Atualmente como a
heterossexualização da doença, são os homens heterossexuais e bissexuais os mais
atingidos.
O corpo está diretamente relacionado na construção das relações de gênero, pois no
caso do Brasil, como afirma Goldenberg (2005) corpo e prestígio se tornou um elemento
fundamental na cultura brasileira, ou seja é no final do século XX e início do século XXI é
o momento em que o corpo se tornou uma verdadeira obsessão. Segundo Mauss (1974), o
corpo reflete o conjunto de hábitos, costumes, crenças e tradições característicos de uma
cultura. Para as camadas médias, o corpo é um valor, pois Bourdieu (1999) observa a
“dominação masculina” que obriga homens a serem fortes, potentes e viris, enquanto as
mulheres devem ser delicadas, submissas e apagadas. O ideal de ser homem, ancorado num
corpo musculoso, na performance sexual e no tamanho do pênis é chamado de complexo de
Adonis. Voltando a Boudieu (1999), os homens tendem a se mostrar insatisfeitos com as
24
Esses termos “atividade” e “passividade”, denotam atribuições de dominação e submissão através de uma
relação hierárquica, onde penetrar outro homem é visto de forma positiva de auto-afirmação masculina e
significa poder em relação à passividade.
46
partes de seu corpo que consideram “pequenas demais”, enquanto as mulheres se
preocupam com as partes de seu corpo que consideram “grandes demais”. Ele chama a
atenção para a estrutura que impõe pressões aos dois lados da relação de dominação, ou
seja, os próprios dominantes, que são dominados por sua própria dominação, fazem um
grande esforço de que todo homem tem que estar à altura de um ideal. Assim sendo, a
preocupação com altura, força física, potência, poder, virilidade e como o tamanho do pênis
é um exemplo desta dominação que o dominante também sofre.
Quando pensamos a questão da autoridade do homem, um exemplo interessante está no
estudo de Sarti (1996), onde ela chega à conclusão de que a família é um universo moral. A
autora faz uma discussão sobre a relação da autoridade paterna com a família e as
oposições e antagonismos resultantes. Observando o caso de uma família, onde o pai era
alcoólatra, violento e ainda não contribuía suficientemente para as despesas do lar. Essa
situação gerou uma crise familiar, onde o pai foi destituído do seu papel de provedor,
ocorrendo uma reversão da situação violenta através de uma linguagem que reiterava essa
violência através da força simbólica de elementos morais patriarcais tradicionais na esfera
pública, pois estudos recentes sobre a família brasileira reafirmam a pernanência da
autoridade masculina e seu papel enquanto mediador com o mundo externo.
No entanto, nota-se que o papel de provedor ainda se faz presente na organização
familiar de classes populares, ou seja, existe uma noção social na qual a família apóia-se na
figura do homem provedor. Isso se deve ao fato da permanência de estruturas nas quais se
configuram uma noção de como o homem deve ser perante a sociedade, ou seja, sua autoimagem relaciona-se ao seu desempenho, honra, virilidade e afirmação moral, persistindo a
idéia de chefe de família. Em muitos casos, os homens se sente responsáveis pelo provento
do lar com uma idéia de que a mulher está mais relacionada às funções domésticas, ou seja,
elas seria as chefe da casa.
Nesse sentido, o casamento seria o principal responsável para a formação de um núcleo
independente, onde se realizam os papéis de organização familiar e se mantém uma
hierarquia. De acordo com a realidade das classes populares, as condições econômicas
operam de maneira significativa, já que com a pobreza e a chefia feminina ocorre uma
redefinição de papéis, onde o papel masculino de provedor é afetado moralmente. A mulher
47
pode assumir o papel de chefe, o que pode acarretar na substituição do homem por outro
membro masculino da família, como o filho mais velho, por exemplo, fazendo-se presente
essa idéia da importância da figura masculina, devido ao seu caráter autoritário, de proteção
e de provedor.
Os papéis femininos também são marcados, pois existe uma noção de mãe, esposa e
dona-de-casa, que podem ser transferidos para outra mulher da família, geralmente as irmãs
do marido. Dessa forma, a mulher tem uma função materna e de mantenedora da unidade
familiar. Os papéis masculinos, muitas vezes, são substituídos pela figura do irmão da
mulher, no caso de uma ruptura conjugal, reativando alianças consangüíneas. Desde sempre
a criança vai adquirindo valores que são reproduzidos pela sua família de origem.
Entretanto, a noção de mãe solteira implica na responsabilidade da mulher de provero
lar, ou seja, o código de hora dessa mãe é trabalhar para sustentar seu filho, pois o direito
ao prazer sexual implica em assumir as conseqüências. Assim, parece ocorrer mais uma
coletivização no cuidado das crianças, reafirmando laços familiares, onde a família mais
uma vez aparece como sendo a estrutura básica na formação da criança como um ser social
e moral.
O casamento aparece como sendo o projeto inicial de construir família, pois não é algo
individual, mas sim complementar entre homem e mulher. O casamento institucionalizado
(legal) e ritualizado (religioso) é visto como superior, pois promove uma legitimidade,
trazendo uma uma noção que se refere que o indivíduo só pode casar, quando tiver sua
independência financeira.
Na família, pode-se confiar, pois estabelece relações recíprocas e horizontais, onde são
construídas obrigações morais relativas ao universo dentro e fora de casa, ou seja, é uma
referência simbólica fundamental para estruturar o indivíduo perante a sociedade.
Nesse sentido, pode-se observar o lugar central que a família ocupa no pensamento
social brasileiro, principalmente quando fazemos um recorte geracional, pois a pesquisa foi
realizado com alunos(as) do Ensino Médio, de uma faixa etária que varia de 16 a 18 anos.
A teoria antropológica sempre esteve preocupada e observar a importância da família na
constituição do “indivíduo”. Segundo Malinowski (1927) observava que a doutrina
psicanalítica era essencialmente uma teoria da influência da vida familiar sobre o espírito
48
humano. Chama a atenção que a família não é a mesma em todas as sociedades humanas25.
Ele também observa que em nossa sociedade o pai ainda goza de um status patriarcal. Ou
seja, é o chefe da família e o elo relevante na linhagem, sendo também o provedor
econômico. Nesse sentido, “o pai é a fonte da autoridade, a origem do castigo e portanto
torna-se um bicho-papão.” (Malinowski, 1927). Assim observa o papel do pai melanésio,
que não é o chefe da família, não transmite sua linhagem a seus filhos nem é o principal
fornecedor de alimentos26.
Já outra antropóloga contemporânea, Héritier (1996), nos diz que na cultura ocidental
essa noção de hereditariedade e continuação da família é uma questão central, que ainda
permanece. Nós ocidentais, damos muita importância à biologia, à genética, pois ainda
reproduzimos essa lógica da linhagem e hereditariedade. Ela nos chama a atenção para essa
lógica, mostrando como em outras culturas essa questão de pais biológicos não tem a
mínima importância, pois em outras culturas a criança pertence ao grupo e não a dois
indivíduos (como pai e mãe biológicos), sendo esta educada por outros indivíduos do grupo
sem nunca saber quem são seus pais biológicos. Nesse sentido, ela nos diz que essa noção
de paternidade e maternidade é social, pois quem educa e cria a criança são quem realmente
podem ser reconhecidos como pais. Dessa forma, ela observa que nossa sociedade dá muita
importância a essa questão da biologia e da hereditariedade, mesmo com o advento das
novas técnicas contraceptivas, ainda presa-se pela genética.
Entretanto, voltando à cultura brasileira, que é uma cultura amparada numa
particularidade singular, podemos notar a importância dessas questões de hereditariedade e
genética, apesar de inúmeros estudos mostrarem as diferentes organizações familiares
existentes. Segundo muitas teorias, em nossa cultura não há uma novo modelo familiar,
mas sim rearranjos que estão aparados pela lógica patriarcalista. Muitos estudos atuais no
campo de família e gênero no Brasil, nos levam a tais considerações. Pensando em termos
de classes populares podemos observar bem essa lógica. Segundo Fonseca (2000)
pesquisando um contexto de camadas populares ela vai observar que o modelo familiar é
25
“Sua constituição varia enormemente com o nível de desenvolvimento e com o caráter da civilização do
povo e não é idêntica nos diferentes estratos da sociedade.” (Malinowski, 1927)
26
“Um homem de Trobriand raramente brigará com a mulher, e ainda mais dificilmente tentará maltratá-la,
não sendo capaz nunca de exercer uma permanente tirania.” (Malinowki, 1927)
49
diferente do modelo da classe média. No Brasil, as camadas populares conhecem uma
modelo tradição familiar distinta do modelo conjugal estável, pois pode-se perceber o
grande número de mulheres-chefe-de-família e a circulação de crianças. O termo mulherchefe-de-família tem sido empregado para designar unidades domésticas de mulheres sem
marido, ou seja, o possuem um papel central nas relações familiares. Segundo sua
etnografia numa vila de camadas populares, o tremo “mãe solteira” passa a ser substituído
por “unidade mãe-filhos”. Mesmo assim, observa que na vila estudada, há a hipótese de que
atrás da colaboração entre mulheres, há uma presença masculina que dá apoio a situação,
ou seja, a presença masculina permanece sendo importante. Em relação ao papel
reprodutor, as mulheres dessa vila pesquisada começam sua “carreira” de mãe muito cedo.
Com a instabilidade conjugal e o grande número e filhos, a mulher depende boa parte da
vida, de um homem que não é parente de seus filhos mais velhos. Em casos de crise, as
consangüíneas de uma mulher não podem ajudá-las, tanto quanto seus consangüíneos
(irmãos)27. A autoridade do marido se estende até em relação ao salário da esposa, no caso
desta trabalhar, pois existe ainda uma noção presente de que o homem deve trabalhar
sozinho e sustentar a casa, enquanto a mulher cuida da casa e dos filhos. Dessa forma, o
emprego da mulher parece não aumentar seu status dentro da casa, pelo contrário, pode
trazer alguns problemas.
Entretanto, apesar de uma alta taxa de unidades mãe-filhos na vila, a presença
masculina é fundamental, pois é importante que um homem assuma o papel de defensor
público da família. Assim sendo, observamos esse debate entre consangüíneos e afins nas
classes populares percebendo que essas dinâmicas familiares não são tão desviantes e que
não há formas alternativas, já que, a rede de parentes é fundamental.
Saindo um pouco da discussão sobre camadas populares, podemos ter algumas
reflexões sobre as camadas médias urbanas. Segundo Velho (1986), o tema da aliança está
associado ao da reciprocidade, onde o casamento dentre desse código serve para estabelecer
relações entre grupos. Esse tipo de relação produz reciprocidade nos mais diversos níveis
27
Outro aspecto interessante observado nessa vila, é a relação irmã/irmão. Existe uma rede muito ampla e
socialmente legitimada onde o irmão tem obrigação moral de amparar sua irmã, no caso de uma separação por
exemplo. No caso da mulher ser maltratada pelo marido, só o irmão tem a legitimidade de protegê-la. O apoio
moral de seus consangüíneos é muito importante para essas mulheres, reforçando a importância desses laços
que dificilmente se desfazem, ou seja, a relação irmão/irmã.
50
da vida social, já que elabora identidades. Sabe-se de antemão que a sociedade moderna
tem um caráter individualista, que segundo Dumont, seria uma valoração realizada de
várias maneiras. Esse individualismo gera uma psicologização da sociedade, onde o sujeito
psicológico passa a ser a medida para todas as coisas.
Todavia, Velho (1986) ao realizar um estudo sobre camadas médias no Rio de Janeiro,
mostra esse caráter psicologizado, onde o indivíduo centra-se mais na descoberta de “si
mesmo”, tendo como pressuposto a expansão de sua individualidade. Nesse ethos
psicologizante, o casamento caracteriza-se como uma escolha recíproca, baseada em
critérios afetivos, sexuais e na noção do amor romântico. Apesar disso, a família permanece
fundamental na efetivação de matrimônios, pois determina ou não sua realização. O
casamento implica em um compromisso diferente da amizade. A expressão “amizade
colorida” nesse ethos, aparece relacionada a uma noção de autonomia e liberdade como
valores básicos. Mas isso pode acarretar na problemática da honra, sobretudo para as
mulheres. Como o rompimento de alianças, a dependência à família de origem tende a
aumentar. Mas também a noção de amizade como valor, sugere uma relação mais livre em
comparação com as relações familiares. Enfim, todos esses fatores vão contribuir para as
diferentes configurações e distintas formas de sociabilidade e construção da identidade
social.
É dentro desse universo moral, que é a família, que o homem brasileiro é constituído.
Podemos perceber que a grande maioria dos valores, sentimentos e pensamentos dos
homens é reproduzido por sua família de origem, onde a noção de masculinidade fica bem
evidente. A masculinidade hegemônica brasileira, se for possível tal generalização, é
amparada nessa noção de patricarcalismo, sem sombra de dúvidas. É impossível
descartarmos tal influência, pelo menos em nossa cultura, pois inúmeros estudos nos
mostram essa lógida permanecendo e sendo reproduzida ao longo de gerações. Nesse
sentido, a incorparação dos papéis masculino e feminino (Mead, 1970) é algo bem
acentuado e marcante em nossa sociedade, pois a reprodução desses papéis não é algo
exclusivamente masculino, já que as mulheres ainda reproduzem essa lógica e contribuem
significativamente para isso. Nesse sentido, nota-se que ambas as partes reproduzem de
forma significativa o patriarcalismo, ou seja, a incorporação desses “papéis” masculino e
51
feminino, por mais que novos arranjos estejam surgindo, como por exemplo o papel da
mulher provedora. Essa discussão sobre mulher provedora é bem explorada por Oliveira
(2007), em trabalho com entrevistadas, a questão da provisão da família é algo que acabou
sendo-lhes imposto por acontecimentos que as levaram a ser a última esperança do núcleo
familiar em relação à obtenção dos meios de subsitência28 ou falta de alguém para ajudar na
desses meios. Analisando a manutenção ou redefinição dos papéis feminino e masculino no
que diz respeito a quem deveria ser o provedor da casa ou a “pessoa de referência” 29. Dessa
forma surge a questão: As coisas estão mudando em nossa cultura brasileira? Certos valores
e dicotomias estão sendo desconstruídas? Fica a cargo do terceiro capítulo tais reflexões.
28
Nos referimos aos meios de subsitência como sendo o dinheiro obtido mediante o trabalho que permite
comprar alimentos, pagar as despesas do lar, enviar os filhos à escola e comprar elementos indispensáveis. No
capitalismo contemporâneo, ter dinheiro é indispensável para sobreviver, e nos parece que o dinheiro, então,
seja o meio de subsitência por excelência, que leva à possibilidade de adquirir bens de uso cotidiano e de
suprir as necessidades básicas.
29
Esta categoria substitui a de “chefe de família”, a partir do estabelecimento do princípio de igualdade entre
os conjuges, na Constituição de 1988, e foi reafirmada pelo Código Civil em 2003.
52
CAPÍTULO 3
MASCULINIDADES EM MUDANÇA: IDEOLOGIA, UTOPIA OU REALIDADE?
De acordo com os apontamentos levantados no segundo capítulo, podemos refletir
sobre as mudanças propostas pelos teóricos(as) pós-modernos e pós-estruturalistas. A
experiência de campo não foi longa, como uma etnogragia de verdade necessita. Foi apenas
uma pequena experiência, que foi capaz de criar uma reflexão fora das expectativas do
pesquisador. De acordo com as reações dos meninos, que em sua maioria demosntrarm
resistência à discussão sobre masculinidades, podemos perceber o quanto o pensamento
cientiífico muitas vezes não se aplica à prática nativa (Bourdieu, 2004). O tempo científico
é diferente do tempo nativo, pois quando se vai a campo, o pesquisador vai amparado por
uma vasta pesquisa teórica e dessa forma cria inúmeras expectativas. Nesse sentido,
podemos observar através do plano de aula exigido pela corrdenação pedagógica do
colégio, as expectativas do pesquisador. Neste plano de aula, propôs-se inicialmente uma
discussão sobre as masculinidades. A intenção era a de observar nos discursos dos meninos,
mudanças em relação à construção de suas masculinidades. Nesse sentido, as expectativas
estavam baseadas em teorias pós-modernas e pós-estruturalistas, nas quais os discursos
apontam para novas formas de masculinidade e que mudanças estão acontecendo. Mas
também não estavam descartadas e esperadas as reproduções de lógicas binárias.
A grande surpresa foi a de que nesse estudo de campo, novas concepções de
masculinidades não puderam ser observadas nem debatidas, pois a resistência dos meninos
por si própria nos mostra como a masculinidade ainda é algo inquestionável. O que mais
chama a atenção, está realacionado à variante faixa etária, pois os alunos(as) variam de 16 a
18 anos. Devido a essa variante, esperava-se novas concepções sobre o tema, uma abertura
a esse tipo de discussão por parte dos meninos, o que não foi possível. Já as meninas
estavam abertas ao debate e contribuiram de forma significativa para a realização desse
exercício de campo. Entrentanto, seus discursos estavam impregnados de valores morais e
comportamentos discutidos no Capítulo 2. Talvez em muitos países, essas mudanças podem
53
ser notadas e observadas. Mas será esse o caso do Brasil? Estamos indo em direção a novas
formas de masculinidade?
OS ESTUDOS DE CAMPO SÃO O CAMINHO PARA O CONHECIMENTO
Como demonstrou a atividade de campo, algumas questões de dificíl resposta surgiram.
Como as teorias pós-estruturalistas e pós-modernas podem ser colocadas em prática?
Estamos conseguindo nos livrar dos papéis sexuais? É possível dissolver essas dicotomias
presentes? Será mesmo que a ciência opera em outro tempo que é diferente do tempo
cultural? Questões como essas são muito complicadas de serem respondidas, mas podemos
pensar um pouco mais sobre a prática de tais concepções científicas pós-modernas. Nesse
sentido podemos iniciar a discussão sobre os conceitos de ideologia e utopia.
Segundo Mannheim (1964) a principal tese da sociologia do conhecimento é a de que
exitem modos de pensamento que não podem ser compreendidos enquanto não
descubrirmos suas origens sociais. Segundo ele, um indivíduo limitadamente não criaria
por si mesmo um modo de falar e de pensar. Ele fala a linguagem de seu grupo, pensa do
modo que seu grupo pensa. Nesse sentido, quem pensa não são seres humanos em geral,
nem indivíduos isolados, mas sim seres humanos pertencentes a certos grupos que tenham
desenvolvido um estilo de pensamento particular30. Observa também que na modernidade
há a ausência de uma organização intelectual social própria (as chamadas ingelligentsia),
transformando os intelectuais e permitindo que os diversos modos de pensar e de se
experimentar o mundo, pudessem competir entre si, sem pertencer a uma casta ou estrato.
Assim há uma verdadeira competição entre os intelectuais, pois como existem variados
modos de pensamento e experiência na cultura, foram permitidos jogarem uns contra os
outros. Nesse sentido, a ilusão intelectual de que haja apenas uma forma de pensar,
desaparece.
Todavia, para Manhheim, o conceito de “ideologia”:
30
“Pode-se indicar com relativa precisão os fatores que estão inevitavelmente forçando um número cada vez
maior de pessoas a refletir não apenas sobre as coisas no mundo, mas também sobre seu prórprio pensamento
e, neste caso, não tanto sobre a verdade em si mesma, mas sobre o alarmante fato de que o mesmo mundo
possa se mostrar diferentemente a observadores diferentes.” (Mannheim, 1954)
54
“[...] reflete uma das descobertas emergentes do conflito político, que é a de que
os grupos dominantes podem, em seu pensar, tornar-se tão intensamente ligados
por interesse a uma situação que simplesmente não são mais capazes de ver
certos fatos que iriam solapar seu senso de dominação. Está implicita na palavra
“ideologia” a noção de que, em certas situações, o inconsciente coletivo de certos
grupos obscuresse a condição real da sociedade, tanto para si como para os
demais, estabilizando-a portando.”
(Mannheim, 1954)
Ou seja, não podemos ficar presos a uma ideologia pós-moderna e pós-estruturalista
como únicas formas possíveis de conhecimento, e assim fechando-se num grupo de
intelligentsia. Pois como apontou o campo, certas concepções pós-modernas e pósestruturalistas, foram encobertas pela realidade do grupo pesquisado.
Já quando pensamos em pensamento utópico, podemos observar o que o autor nos
mostra:
“O conceito de pensar utópico reflete a descoberta oposta à prmeira, que é a de
que certos grupos oprimidos estão intelectualmente tão firmemente interessados
na destruição e na transformação de uma dada condição da sociedade que, mesmo
involuntariamente, somente vêem na situação os elementos que tendem a negá-la.
Seu pensamento é incapaz de diagnosticar corretamente uma situação existente da
sociedade. Eles não estão absolutamente preocupados em com o que realmente
existe; antes, em seu pensamento, buscam logo mudar a situação existente. Seu
pensamento nunca é um diagnóstico da situação; somente pode ser usado como
uma orientação para a ação, oculta determinados aspectos da realidade. Volta as
costas a tudo o que pudesse abalar sua crença ou paralisar seu desejo de mudar as
coisas.”
(Mannheim, 1954)
Nesse sentido, não podemos descartar qualquer forma de pensamento e de método, mas
sim partir para uma reflexão de como estamos operando metodologicamente e
cientificamente, se estamos vivendo uma ideologia, ou uma utopia, e/ou a simples
realidade. Também não podemos descartar a tentativa das(os) teóricas(os) pósmodernas(os) e pós-estruturalistas em propor algo novo, algo que leve à mudança e
observar tais mudanças, acreditando ou não que elas estejam ocorrendo. Mas temos que
tomar o cuidado de não fecharmos os olhos para a realidade social, em vez de ficarmos
presos a determinadas escolas de pensamento.
55
ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE MASCULINIDADES, PATERNIDADES,
ETC...
Essa é uma discussão muito complexa, pois tais teóricos partem do pressuposto de que
no caso do gênero, este constitui-se pela linguagem e pelo discurso. Scott diz que o
discurso é um instrumento de orientação do mundo, mesmo se não é anterior à orientação
da diferença sexual. Nesse sentido, teóricas (os) dessa linha, pensam que discursos não são
apenas palavras, mas linguagem, atos que tem significado, ou seja, o discurso aparece como
o permeador das questões de gênero. Mas quais discursos são esses? Será que a sociedade,
em especial a sociedade brasileira, pensa assim? Será que os meninos e meninas do
trabalho de campo, podem ser enquadrados em (re)produtores de tais discursos?
Para os teóricos(as) pós-modernos(as) o gênero pode ser mutável, pois há a existência
de múltiplo gêneros, e não apenas o masculino e feminino. Essa é uma afirmação que
cientificamente é verdadeira. Mas na prática, é algo que a sociedade percebe? Podemos
perceber que essa discussão é muito complexa, e cabe a nós pensarmos e refletirmos mais
sobre ela.
Entretanto, podemos observar os discursos pós-modernos e pós-estruturalistas acerca da
masculinidade. O gênero e uma das formas pela qual se ordenam a prática social, pois nos
processos de gênero a conduta cotidiana se organiza em relação com um âmbito
reprodutivo, definido pelas estruturas corporais e os processos de reprodução humana.
Segundo Connel (2003), a noção de gênero existe precisamente no momento que a biologia
não determina o social e um desses momentos de transição nos quais um processo histórico
substitui a evolução biológica como a única mudança.
Segundo alguns teóricos, as masculinidades se dão em momentos e lugares específicos,
e sempre estão sujeitas à mudança. Para se compreender o padrão atual de masculinidade é
necessário analizar o período no qual ela se formou. Como a masculinidade só existe num
contexto de uma estrutura completa de relações de gênero, é preciso localizá-la nessa
formação da ordem de gênero moderno como uma totalidade.
Nesse sentido, masculinidade e violência estão intimimamente ligadas, pois os homens,
assim como o Estado Moderno, são detentores da violência física. A idéia de que estamos
vivendo um momento onde o papel sexual masculino tradicional está sendo suavizado é tão
56
inadequada como afirmar que uma masculinidade verdadeira e natural está sendo
recuperada. Existe uma exportação de uma ideologia ligada ao gênero da Europa e Estados
Unidos que podem ser observados pelos meios de comunicação em massa dos países em
desemvolvimento. No caso do Brasil, é o sucesso da Xuxa, como um ícone de feminilidade,
uma modelo loira que fez muito sucesso e se tornou muito rica, graças a um programa de
televisão para crianças. Os regimes de gênero se transformam na prática cotidiana, por
exemplo, os costumes das tribos indígenas do Brasil, onde relações homoeróticas eram
comuns e que em contextos urbanos ocidentais são associados à “identidade gay”.
Há também uma enorme gama de trabalhos, onde muitos autores apontam para uma
“crise da masculinidade”, ou seja, uma crise surgida do desconforto masculino frente às
conquistas das mulheres no mundo contemporâneo. Assim como o feminismo trouxe uma
crise na vida das mulheres, trouxe na vida dos homens também. Embora o exercício de
campo nos leve para outro caminho, Grossi (2004) diz que ao pensar nas relações de
gênero e no processo de constituição de identidade masculina, torna-se evidente o tema da
dominação masculina e a consequente subordinação das mulheres. Segundo ela, hoje no
Brasil há múltiplos modelos de masculinidade, como homens honrrados, homens
sensíveis31, novos pais, homens desempregados, etc. Entretando, algumas dessas “novas”
masculinidades se afastam do modelo tradicional de força que até então definia o homem.
Nestes novos modelos seria valorizada a inteligência, a sensibilidade e a capacidade de
lidar com novas tecnologias. Assim, ela irá afirmar que a dicotomia masculinidades
hegêmonica/subalterna talvez não seja a melhor para se pensar os diferentes modelos
identitários vividos pelos homens brasileiros. Essa noção de “masculinidades subalternas”
não seia a mais adequada para pensar as masculinidades não-hegemônicas, devido ao peso
negativo da categoria subalterno. Há também uma corrente bem interessante de trabalhos,
onde apontam a importância da emergência de novas masculinidades, atravé de estratégias,
onde a receptividade masculina seria visto como algo positivo. Nesse sentido, o exercício
da sexualidade masculina, não estaria restrito somente ao pênis, mas se estenderia ao prazer
anal. Muitos homens estariam recorrendo a essa forma de prazer, em suas relações
31
Sobre esse tema da sensibilidade dos homens, muitos autores dizem da noção existente de que homem não
chora, que esse é um comportamento socialmente esperado. Saffioti (2004) aponta que existem pesquisas que
demonstram que glândulas lacrimais de homens sofrem o processo de atrofia, por desuso.
57
heterossexuais, sem afetar sua masculinidade. Há a idéia presente que a passividade,
receptividade são características homossexuais, mas correntes queer, apontam para o
exercício livre da sexualidade masculina, pois é comprovado que a região anal masculina é
uma fonte muito prazeroza, responsável pelo orgasmo masculino. No entanto, no Brasil
ainda há o pensamento de que o homem que tem esse tipo de relação é homossexual32.
Segundo a mesma autora, existem novos modelos de paternidade, onde o papel da
reprodução continua sendo um fato importante. Segundo estudos sobre “novas” famílias,
atualmente há um número considerável de pais que assumem as funções de mãe. Outra
nova forma de paternidade que começa a ser estudada são os casos de pais gays, sendo um
movimento bem marcante em países desenvolvidos. Existem muitos estudos de como as
crianças convivem com duas mães ou dois pais33.
Entretando, no Brasil a paternidade homessexual é mais um projeto individual, mesmo
que o homem viva em conjugalidade, pois a lei permite que apenas um adote, mesmo que
ambos criem a criança. Tarnovski (2004) observa que nos últimos anos as famílias
formadas por gays e lésbicas vêm conquistando atenção da mídia nacional e internacional.
Lembra que no Brasil esse tipo de discussão foi impulsionada pelo caso Cássia Eller34. O
objeto de estudo dele são homens que se definem homossexuais, que têm filhos ou desejam
tê-los. Atualmente há um novo termo empregado nos estudos sobre família, que é o de
homoparentalidade, sendo este um objeto legítimo de estudo e preocupação acadêmica.
Mostra que existem algumas fórmulas para se caracterizar as famílias formadas por
homossexuais: 1) recomposição familiar após uma união heterossexual, 2) coparentalidade, onde a criança é gerada sem que exista um comprometimento conjugal entre
o pai e a mãe, 3) adoção e 4) novas tecnologias reprodutivas, como no caso das lésbicas
inseminação artificial, e no caso dos gays barriga de aluguel. Mas na sua pesquisa o autor
observa que nessas famílias, a criança tem uma ligação afetiva com o companheiro do pai
(ou a companheira da mãe), mas não os toma como equivalentes. Nesse sentido, os estudos
32
No entando alguns autores apontam para essa nova tendência, sem que necessariamente o homem perca sua
masculinidade e seja considerado homossexual. Esse tipo de relação pode ser exercida numa relação
heterossexual, com a estimulação anal pela esposa em seu marido.
33
Estes estudos observam os efeitos da homossexualidade dos pias sobre sua identidade sexual e a inserção
desta criança no mundo familiar e social.
34
A cantora morreu em 2001 e a guarda de seu filho foi disputada na justiça, entre seu pai e sua companheira
Maria Eugênia, que acabou ficando com a guarda da criança.
58
de gênero apontam que a paternidade é uma importante etapa na constituição da
masculinidade. Em vários contextos da sociedade brasileira, ela é valorizada como um
signo de virilidade, até servindo como um atestado da passagem da juventude à vida
adulta35.
Contudo, a paternidade realizada por homossexuais masculinos possui uma
especificidade que é a de ser pai sem mãe. Há uma dificuldade do homem em tornar-se pai
fora de uma relação de alianã com a mãe de seu filho 36. Nota-se que os estudos sobre
paternidade e maternidade heterossexuais destacam a importância da mãe como uma
“iniciadora” do homem na paternidade37. A maternidade costuma ser percebida como
“naturalmente” condicionada, já que a paternidade necessita de uma aprendizado, ou seja,
sem determinantes naturais. Nesse aspecto podemos observar o que Mead (1930) no diz a
respeito da construção da paternidade. Quando ela afirma que a paternidade é uma
construção social, pois o que diferencia os seres humanos de outros animais, é o fato de
que em todas as sociedades humanas, encontra-se sempre alguma forma de organização
familiar, ou algum conjunto de organizações permanentes no qual os homens assistem às
mulheres na educação das crianças. Isso se deve a uma distinção na conduta nutriz do
homem, que ajuda na busca de alimentos para a mulher a prole. Segundo ela:
“Algum dia, na aurora da História humana, fêz-se a invenção social através da
qual os homens passaram a alimentar sua femea e sua prole. Em toda sociedade
humana conhecida, em todas as partes do mundo, o homem jovem aprende
quando cresce que uma das coisas que deve fazer para ser membro pleno da
sociedade é dar alimento para a mulher e os filhos”.
(Mead, 1970)
Essa seria a herança de uma tradição, onde o homem provê bens para a mulher e para
os filhos, mantendo um núcleo onde há a idéia de homem como provedor, enfim é algo
apreendido culturalmente. Mas ela também observa que esse “padrão” pode modificar-se
com o passar do tempo.
35
“Tornar-se pai permite transcender a posição de filho e torna legítimas as reivindicações por autonomia em
relação à família de origem. Dessa forma “completa” o processo de aquisicção da identidade de gênero
masculina, mesmo que ela seja compreendida como uma construção permanente.” (Tarnovski, 2004)
36
O termo pai solteiro ainda é visto como algo sem sentido.
37
Nesse sentido, as discussões sobre paternidade estão relacionadas a um contexto de conjugalidade, ou
relação com uma mulher.
59
Contudo, a paternidade não deixa de ser um projeto em nossa cultura, com um forte
investimento financeiro e emocional. A estabilidade financeira foi apontada em algumas
pesquisas, como a principal condição para que possa-se tornar pais.
Uma prova interessante de que a paternidade é uma construção social está no estudo de
Héritier (1996) quando observa a cultura dos Nuer, onde a mulher estéril é considerada
como um homem e um pai, na qual é atribuída uma descendência. Nesta sociedade as
mulheres que conseguem provar sua esterilidade, depois de serem casadas por muito
tempo, voltam para sua linhagem de origem onde são consideradas homens completos, ou
seja ganha um estatudo de homem e têm sua essência masculinia reconhecida. Nessa
lógica, a mulher estéril, juntando seu gado38, ou seja, tiver um capital, poderá obter uma
esposa de quem se torna marido. A reprodução é assegurada devido a um servidor que
desempenha tarefas pastoris e assegura o serviço de cama junto a esposa. Nesse sentido,
todos os filhos nascidos, são do “marido”que desegnou a transfêrencia de gado, portanto é
a lei social que faz a filiação. Essas crianças usam seu nome, chamam-lhe de “pai” e não
reconhecem nenhuma ligação com seu progenitor. Nessa cultura estatutos e papéis
masculino e feminino são independentes de sexo, pois é a fecundidade feminina, ou sua
ausência, que cria a linha de separação. Esta representação que faz da mulher estéril um
homem permite que ela desempenhe o papel de homem em toda a sua extensão social.
Pode-se notar que a é muito forte o papel da cultura na constituição de subjetividades,
pois se observamos o modelo Sambia, onde segundo essa cultura os rapazes são
desprovidos de capacidade endógena de atingir a masculinidade. Para o órgão genital
masculino está vazio no momento do nascimento. Não obstante, ele deve ser cheio, pois o
sémen não se autoproduz, fazendo com que os homens vivam com a constante preocupação
da perda de sémen. Assim, eles irão procurar casamentos com sobrinhas ou irmãs de clã,
pois há uma idéia de que o sémen não se perderia quando encontra uma substância corporal
identica em parte. Alguns homens recusam qualquer relação com mulheres e sua obrigação
de fazer filhos, sendo a relação homossexual institucionalizada, sendo menos arriscada para
o homem. Essas relações homossexuais se explicam na lógica Sambia, pois desde os sete
38
Nessa cultura todo casamento legítimo é sancionado por tranferências de gado, da família do marido para a
da esposa, onde esse gado será repartido entre o pai e os tios paternos da esposa.
60
anos de idade, o menino vai para a Casa dos Homens, onde vai ser inseminado através do
sexo oral, de maneira regular, primeiro pelos maridos das irmãs e das primas paralelas
patrilaterais do pai, em seguida pelos jovens adolescentes ainda não casados. Nesse
sentido, os mais jovens inseminam os mais jovens. Eles procuram evitar qualquer
investimento psicológico e emocional entre os parceiros da operação. No momento do
casamento, os jovens passam exclusivamente à heterossexualidade, a não ser quando
devam cumprir o dever de inseminar os sobrinhos por aliança, os filhos das irmãs das suas
esposas. Assim, todos passam por essas mudanças sem experimentar nenhum problema.
Assim observa-se que para essa cultura, a feminilidade é considerada completa e
natural, já a masculinidade deve ser construída. É estabelecida a diferença entre ser macho
(ter um pênis) e ser um homem, pois nessa lógica um macho só é completo quando está
cheio, com sua reserva garantida, ou seja, é necessário estar cheio para poder encher. Com
a paternidade vem o receio de esgotamento dessas reservas. Mas todo macho deve aceitar
perder o que faz a essência de sua masculinidade para tornar-se um homem,
tradicionalmente como seu pai o fez por ele. A homossexualidade, como escolha de vida é
recusada.
HOMENS EM CRISE
Inúmeros autores apontam para uma crise vivenciada pelos homens, devido ao advento
feminista, os homens estaria passado por uma crise. Segundo Ruitenbeek (1969) o homem
não se dê conta que está em crise, por ser homem, sua posição social, econômica e sexual o
terne superiro à mulher. Mas atualmente o homem está passando por um processo, onde as
mulheres são capazes de sustentar a casa e a família, fazendo com que eles percam seu
papel de provedor39.
No entanto, há também uma perspectiva específica, discursos que reelaboram o gênero
masculino nos apresentando o homem vítima. Nesse sentido algumas correntes, vão
mostrar que esse tipo de discurso vitimário expressam uma condição masculina que é
39
“O papel de provisor fazia, tradicionalmente, do pai a fonte de vida da família e não apenas a pessoa que
possibilita a subsistência do lar.” (Ruitenbeek, 1969)
61
vítima de um conjunto de fatores sociais e psíquicos. Como aponta Olveira (1998), tensão,
fragilidade, solidão, sofrimento, angústia, problemas de identidade, inabilidade para a
manifestação de sentimentos, opressão através do processo de socialização, são
reccorrentes nesse tipo de discruso. Desde a década de 70, muitos autores destacam em
seus trabalhos inúmeros aspectos problemáticos do fato de ser homem. Como por exemplo,
a questão da alienação no trabalho, burocracia na política e na guerra, comercialização da
sexualidade abalando a masculinidade, contradições entre masculinidade hegemônica e a
real condição da vida dos homens, isso gerando conflitos provenientes das exigências
contraditórias na construção da identidade masculina que levam o homem a um sentimento
de impotência. Muito disso se deve às análises funcionalistas, onde o conceito de papel
masculino era protagonista. Para o discurso vitimário, o papel exigido para o homem era
muito restrito e acabava por sufocar seu íntimo. Ainda segundo Oliveira (1998), alguns
discursos marxistas apontam a dinâmica social capitalista como responsável pelo status
quo, ou seja, responsável pela relação de dominação dos homens em relação às mulheres,
gays e outras minorias. Nesse sentido, a “cultura do trabalho” era ao mesmo tempo
responsável pela constituição e pelo abalo da masculinidade.
Em nossa cultura é muito forte a associação entre masculinidade e capitalismo, ou seja,
o capitalismo segue uma lógica patricarcalista que anda junto com o masculino. Dessa
forma, há uma “repressão exedente” dos desejos emocionais e sexuais do homem, como
sendo a fonte de violência e da dominação exercida sobre as mulheres, outros homens e a si
próprio.
Entretanto, essa crise dos homens como aponta Heilborn & Carrara (1996), é fruto da
percepção da masculinidade como culturalmente específica, variando segundo as diferentes
sociedades ou, no interior de uma mesma sociedade, segundo diferentes períodos
históricos. Nesse sentido, a “masculinidade desconstruída” agora pode possuir uma
história, uma antropologia, uma sociologia. Como apontam os autores, um dos reflexos
dessa “crise” é que os homens começam a se organizar em torno da singularidade do seu
gênero, entretanto, no Brasil isses movimentos são menos expressivos.
Segundo Grossi (2004) há um série de autores que apontam para uma “crise da
masculinidade”, pois assim como o feminismo trouxe uma crise na vida das mulheres,
62
trouxe na dos homens também. Já segundo Cecchetto (2004) essa crise da masculinidade
não se aplica aos homens latinos, pois ainda está muito forte a idéia de honra e vergonha
masculina exisntente nas sociedades mediterrâneas, cujos valores foram herdados pela
sociedade brasileira. Chama a atenção para essa crise sendo vivênciada por homens norteamericanos, assim com Ruitenbeek (1964) apontava em sua análise sobre o homem norteamericano.
Isso nos leva mais uma vez, a idéia de uma especificidade cultural brasileira, onde
determinadas teorias e conceitos não cabem a nossa realidade. Essas questões são muito
complexas e dificeis de serem solucionadas por uma ou outra escola de pensamento. Por
isso a importância da Antropologia para uma reflexão menos idealizada da realidade, sem
descartar a Sociologia, pois ambas “funcionam” muito melhor quando é possível fazer uma
união. O que devemos atentar é para a questão da interdiciplinariedade, ou seja, um diálogo
entre diferentes áreas e disciplinas. Mudanças culturais ocorrem, pois como diz a
Antropologia, a cultura é dinâmica e não estática. Mas será que mudanças propostas por
teóricos(as) pós-estruturalistas e pós-modernos(as) dão conta de explicar a realidade
brasileira?
UM CAMINHO EPISTEMOLÓGICO
Para uma reflexão acerca dessas questões podemos, observar o que Bourdieu (1979)
entende por “sistemas de ensino e sistemas de pensamento”. Aponta que o etnólogo é um
sujeito social, e como tal mantém uma relação de familiaridade com sua cultura, e isso
dificulta tomar como objeto de pensamento os mesmos esquemas que organizam seu
próprio pensamento. Segundo ele:
“A cultura não é apenas um código comum nem mesmo um repertório comum de
respostas a problemas recorrentes. Ela constitui um conjunto comum de esquemas
fundamentais, prefiamente assimilados, e a partir dos quais se articula, segundo
uma “arte da invenção” análoga à da escrita musical, uma infinidade de esquemas
particulares diretamente aplicados a situações particulares.”
(Bouridieu, 1979)
Assim sendo, seria possível definir para cada época um pacote de temas comuns, um
repertório de esquemas dominantes e um número de paradigmas epistemológicos que são
63
correspondentes às escolas de pensamento. Em outras palavras, um pensador é parte de
uma sociedade e de uma época, pois reflete um inconsciente cultural apreendido por suas
aprendizagens intelectuais e por sua formação escolar. Ou seja, a escola é uma força
formadora de hábitos e esquemas de pensamento particulares e particularizantes. Nesse
sentido, a noção de “realidade” de um indivíduo é influenciada e determinada pelo seu
grupo de pertencimento. Ele observa ainda que, em cada época de cada sociedade, há uma
hierarquia dos objetos de estudo legítimos, pois o pensamento segue uma rede de caminhos
abertos no interior de uma linguagem particular. Vai mais longe quando observa que em
cada sociedade histórica existe uma hierarquia de “questões” que merecem interesse,
guiando as ambições intelectuais aos objetos de estudo mais prestigiados.
Com essas observações não podemos escapar de uma rápida, porém necessária,
discussão epistemológica. Como já abordado, Boaventura (1987) nos fala:
“[...] todo conhecimento científico é socialmente construído.”
(Boaventura, 1987)
Podemos observar que o modelo de racionalidade que domina a ciência moderna
começou a se desenvolver a partir do século XVI inicialmente pelas ciências naturias.
Posteriormente no século XIX este modelo de racionalidade se estendeu às ciências sociais.
Devido a sua legitimidade, esse conhecimento ocidental diferencia-se do senso comum e
das chamadas humanidades ou estudos humanísticos. Essa nova racionalidade ocidental
não deixa de ser um modelo totalitário, pois nega o caráter racional a outras formas de
conhecimento que estejam fora desse modelo. Nesse sentido, a ciência moderna rompe
definitivamente com o senso comum, na qual ocorre a famosa separação entre natureza e
cultura, ou seja, o conhecimento científico avança pela observação descomprometida e
livre, sistemática e rigorosa, dos fenômenos naturais. Sendo a matemática a grande
responsável por essa lógia de investigação, já que conhecer significa quantificar, ou seja, o
que não é quantificável seria cientificamente irrelevante. Assim, conhecer significava
dividir e classificar para depois determinar relações sistemáticas entre o que foi separado.
Essa divisão proporciona a distinção entre “condições iniciais” e “leis da natureza”. As
condições iniciais são complicadas, por isso é necessário selecionar e classificar para
estabelecer condições relevantes sobre os fatos observáveis. Já as leis da natureza, são mais
64
simples e regulares onde são possiveis uma observação e mediação mais rigorosas. Apesar
dessa distinção nada ter de natural, é através dela que se funda toda a ciência moderna.
Baseados na idéia da formação de leis e na idéia de ordem e estabilidade, o mecanismo
passa a ser a grande hipótese universal da modernidade. Esse mecanismo determista tem
pretensão utilitária e funcional, não se preocupando em reconhecer o real, mas sim em
dominá-lo e transformá-lo. No plano social, esse modelo proporcionio a passagem do
estudo da natureza para o estudo da sociedade, pois havia a crença de que se era possível
descobrir as leis da natureza, seria possível descobrir as leis da sociedade, ocorrendo assim
uma aproximação espistemológica e metodológica com os estudos da natureza desde o
século XVI, mas também possibilitou, por parte das ciências sociais, um estatuto
epistemológico e metodológico próprio. Estavam vigentes vários discurssos, nos quais
eram considerados possivel estudar os fenômenos sociais como se fossem fenômenos
naturais. Dentre esses discursos, está o de Durkheim, que propõe estudar os fenômenos
sociais, ou seja, conceber os fatos sociais como coisas, ou seja, reduzindo-os às suas
dimensões externas, observáveis e mensuráveis.
Segundo esse paradigma moderno, as ciências sociais são revestidas por obstáculos que
interferiram no seu estatuto de cientificidade, diferentemente das ciências naturais.
Segundo Thomas Kuhn, as ciências sociais são atrasadas em relação às ciências naturais,
devido ao seu caráter pré-paradigmático, pois nestas o desenvolvimento do conhecimento
proporcionou a formulação de princípios e teorias acitas pela comunidade científica
(paradigma), e aquelas não possuem um consenso paradigmático. Nesse sentido, a ciência
social será sempre uma ciência subjetiva e não objetiva40 como as ciências naturais, por
isso a importância de se compreender os fenômenos sociais por métodos e critérios
epistemológicos distintos das ciências naturais.
Esse paradigma, até então dominante, passa por uma crise devido a uma pluralidade de
condições. Isso só foi possível graças à identificação dos limites, das insuficiências
estruturais do paradigma moderno, resultando em um grande avanço no conhecimento.
Assim, os cientistas passam a praticar uma reflexão e interesses filosóficos,
problematizando suas práticas científicas, já que ocorre uma preocupação maior com a
40
Em 1920 Weber já observava essas dificuldades nas ciências sociais.
65
análise das condições sociais, dos contextos culturais, dos modelos organizacionais de
investigação científica, o que deixa de ser uma preocupação apenas da socilogia da ciência
e passa a ser um tema importante na reflexão epistemológica.
Nesse sentido, há uma revolução científica que é distinta da que ocorreu no século XVI,
pois:
[...] uma revolução científica que ocorre numa sociedade ela própria revolucinada
pela ciência, o paradigma a emergir dela não pode ser apenas um paradigma
científico, tem de ser também um paradigma social.”
(Boaventura, 1987)
Contudo, podemos observar que todo conhecimento científico-natural é científicosocial, pois a distinção dicotômica entre ciências naturais e sociais deixou de ter sentido,
pois começa-se a reconhecer uma dimensão psíquica na natureza, “a mente mais ampla”,
havendo um novo interesse pelo “inconsciênte coletivo”. O conhecimento do paradigma
emergente tende a ser um conhecimento não dualista (pós-estruturalismo), um
conhecimento fundado na superação de dicotomias como ciências sociais/ciências naturais,
pois na medida que ocorre uma aproximação entre essas ciências, ambas se aproximam das
humanidades, ou seja, a superação dessa dicotomia tende a revalorizar os estudos
humanísticos. Essa concepção humanística das ciências sociais enquanto aceleradora da
fusão entre ciências naturais/ciências sociais, coloca o autor e sujeito do mundo no centro
do conhecimento, ou seja, coloca a natureza no centro da “pessoa”.
Na ciência moderna, o conhecimento avançava pela especialização, onde o
conhecimento disciplinar controlava e reprimia os que pretendiam transpô-las. Contudo,
atualmente reconhe-se que a excessiva parcelização e disciplinarização do saber científico
faz do cientista um ignorante especializado e que isso acarreta efeitos negativos41. No
paradigma emergente o conhecimento é total e local, pois a fragmentação pós-moderna não
é disciplinar, mas sim temática. Contrariamente ao paradigma moderno, o conhecimento
avança na medida em que seu objeto se amplia. Sendo local, o conhecimento pós-moderno
é também total, pois recontitui os projetos cognitivos locais transformando-os em
pensamento total ilustrado42. Se o conhecimento pós-moderno é total, não é determinístico,
41
Essa parcelização do conhecimento (institucionalização do conhecimento), ajuda a criar novas disciplinas
para resolver problemas produzidos pelas antigas, e por essa via produz-se o mesmo modelo de cientificidade.
42
“A ciência do paradigma emergente, [...], assumidamente analógica, é também tradutora, ou seja, incentiva
os conceitos e as teorias desenvolvidas localmente a emergirem para outros lugares cognitivos, de modo a
66
mas sim um conhecimento sobre as condições de possibilidade. A ciência-pós moderna é
trangressora, pois não segue um estilo unidimensional, já que é uma configuração de estilos
construída segundo o critério e a imaginação pessoal do cientista.
Com a distinção dicotômica da ciência moderna entre sujeito e objeto, surge a corrente
pós-estruturalista possibilitando descontruir essa relação, onde o objeto é a continuação do
sujeito por outros meios. Os juízos de valor, as crenças do investigador estão presentes na
nova ciência, sendo assim uma autobiografia. Esse caráter autobiográfico necessita de
outras formas de conhecimento, como um conhecimento compreensivo e íntimo que não
nos separe, mas pelo contrário, nos uma pessoalmente ao que estamos estudando. A criação
científica no paradgma emergente tem a forma da criação literária ou artística, pois a
semelhança destas pretende que a dimensão ativa da trasnformação do real seja subordinada
à contemplação do do resultado, ou seja, o discurso científico está cada vez mais se
aproximando do discurso da crítica literária. Dessa maneira, o conhecimento científico
traduz-se num saber prático.
A ciência moderna sempre buscou um distanciamento do senso comum, produzindo
conhecimentos e desconhecimentos, já que transformou o cientista num “ignorante
especializado” e fez do cidadão comum um “ignorante generalizado”. A ciência pósmoderna tenta dialogar com outras formas de conhecimento, dentre elas o senso comum,
deixando-se penetrar por elas, procurando reabilitar o senso comum43 por reconhecer neste
uma forma de conhecimento enriquecido, uma relação com o mundo.
Em suma, o conhecimento pós-moderno só é possível na medida em que se converta em
senso comum, pois a ciência ao “sensocomunizar-se”, não despreza o conhecimento que
produz tecnologia, observa que esse desenvolvimento tecnológico dee traduzir-se em
sabedoria de vida.
“A condição epistemológica da ciência repercute-se na condição existencial dos
cientistas. Afinal, se todo conhecimento é auto-conhecimento, também todo o
desconhecimento é auto-desconhecimento.”
(Boaventura, 1987)
poderem ser ultilizados fora do seu contexto de origem.” (Boaventura, 1987)
43
“O senso comum faz coincidir causa e intenção. [...] O senso comum é prático e pragmático; reproduz-se
colado às trajetórias e às experiências de vida de um dado grupo social [...]. O senso comum é transparente e
evidente, [...]. O senso comum é superficial porque desdenha das estruturas que estão para além da
consciência [...]. O senso comum é indisciplinar e imetódico; [...] o senso comum é retórico e metafórico; não
ensina, persuade. (Boaventura, 1987)
67
DEFININDO CONCEITOS
Entretanto, a pós-modernidade enquanto ganha um sentido muito mais legítico do que
um período histórico. Segundo Giddens (1991), são muitos os desafios da pós-modernidade
enqunto momento histótico, pois como são compreendidas as concepções pós-modernas
(que em sua maioria tem origem no paradigma pós-estruturalista) envolvem várias linhas
diferentes. Mas o que vem a ser o termo pós-modernismo?
Segundo Huyssen, o termo “pós-modernisno” é adequado para as sociedades ocidentais,
devido às mudanças de sensibilidade, das práticas e de discurso, se tornando um conjunto
diferente da modernidade. Dessa forma, acredita que pode ser tratado como um estilo ou
período histórico. Esse debate pós-moderno nos incita alguns modos de pensar, pois
enquanto alguns afirmam que o pós-modernismo está em continuidade com o modernismo,
outros sutentam a opinião de que há uma ruptura radical com o modernismo, que pode ser
analisada em termos positivos ou negativos. O próprio termo pós-modernismo se separa do
termo modernismo, descrevendo assim nossa “distância” da modernidade.
Contudo, esse termo surgiu no anos 50, sendo utilizado por críticos literários. Já na
década de 70 o termo ganhou um curso mais geral, primeiramente aplicando-se à
arquitetura, depois à dança, ao teatro, à pintura, ao cinema e à música. Nesse sentido, a
ruptura com o modernismo era visível na arquitetura e nas artes visuais. Como alguns
movimentos culturais e políticos, como a contra-cultura e o movimento feminista, a adoção
do termo passaou a fazer parte das teorias sociológicas na década de 70. Nos anos 80, o
termo já fazia parte de inúmeros trabalhos sociológicos e ganhou importante papel na vida
intelectual ocidental.
Todavia, a sensibilidade pós-moderna “do nosso tempo” é diferente tanto do
modernismo quanto do vanguardismo, onde a questão da tradição e da conservação cultural
é tratado como tema estético e político. O pós-modernismo opera num campo de tensão
entre tradição e inovação, conservação e renovação, cultura de massas e grande arte. As
críticas feministas ganham maior reconhecimento, contribuindo significativamente para as
68
revisões históricas do modernismo e sua nova abordagem dos modernistas do sexo
masculino44.
Entretanto, a corrente pós-estruturalista está mais próxima ao modernismo, pois é um
discurso do e sobre o modernismo, podendo ser tratado como uma teoria do modernismo. O
pós-estruturalismo francês, nos fornece uma arqueologia do modernismo, pois as forças
criativas do modernismo, pois as forças criativas do modernismo atingiram um momento de
exaustão. Foucaultu é um importante autor desse período, analisando discursos onde tanto a
escrita quanto o sujeito que fala são questionados. Herda do estruturalismo “a morte do
sujeito”. Ao negar inteiramente o sujeito, o pós-estruturalismo não descarta a possibilidade
de se fazer frente à ideologia do sujeito. Ele ataca a aparência da cultura capitalista, mas
não atinge sua essência, ele está em sincronia como os processos reais de modernização.
As leituras pós-estruturalistas do modernismo são novas e estimulantes, nos E.U.A. o
pós-estruturalismo oferece uma teoria do modernismo e não uma teoria do pós-moderno.
Existem razões históricas e intelectuais para a resistência francesa em reconhecer o
problema do pós-moderno como problema histórico do final do século XX.
Assim sendo, quando observamos o exercício de campo proposto, não encontramos
essa ruptura radical com valores e concepções características da modernidade. Não só o
exercício de campo, nos mostrou isso, mas inúmeros trabalhos observados, nos mostram o
quanto a sociedade brasileira opera como essas dicotomias e como ainda elas são
reproduzidas, mesmo fazendo um recorte geracional, onde as novas gerações ainda estão
impregnadas de valores morais, concepções e discursos ditos “modernos”.
Mas a mudança mais marcante que podemos perceber segundo Adelman (2008) é a
conquista de visibilidade feminina no sentido de teóricas e estudiosas que se interessam
com as dimensões de gênero na cultura, ou seja,
houve um aumento crescente das
mulheres na prdução cultural e na vida pública. Nas palavras de Adelman:
“De fato, a teoria feminista e os estudos de gênero nascem como resultado de
esforços que acontecem – simultânea e interligadamente – em diversos campos
interdisciplinares, e a partir desse momento, dialogam com e contribuem para o
desenvolvimento dos campos mais tradicionais, a sociologia, a antropologia e a
filosofia, assim como se fazer presentes nas metodologias e produção de outros
novos campos transdisciplinares.”
44
É notável que uma cultura pós-moderna que venha a emergir das constelações políticas, sociais e culturais,
terá que ser um pós-modernismo de resistência.
69
(Adelman, 2008)
Nesse sentido, os Estudos Culturais nos tornam possível uma abordagem menos presas
a determinismos e com uma reflexão e olhar mais críticos a nossa cultura, tentando
compreender as inúmeras facetas que a sociedade possiu.
70
CONCLUSÃO
O presente trabalho, mostrou como a questão da família patriarcal ocupa uma posição
central na nossa cultura. A família vista como um universo moral constituinte de sujeitos,
no caso do trabalho, de sujeitos masculinos. Percebe-se que se a família patriarcal é a base
da constituição da sociedade brasileira, então essa base está muito forte ainda. Pois como
observamos em campo e em várias teorias, ainda reproduz-se determinados “papéis”
sexuais. Espera-se um comportamento Y para “homens” e um X para “mulheres”, isso
ainda fundamento na questão da biologia, pois o sexo biológico ainda permanece como
base para a noção de gênero. Nós cientistas sociais sabemos que o sexo é biologicamente
construído e que o gênero é culturalmente construído, mas a sociedade em geral sabe disso?
As pessoas diferenciam isso? O penasamento social brasileiro ainda está muito cheio de
determinismos e “padrões” de masculinidade e feminilidade.
Nesse sentido, observa-se a permanência de todas essas relaões dicotômicas que ainda
pse fazem presentes em nossa cultura, e que a priori difícil de serem dissolvidas. Mas a
pós-modernidade enquanto projeto, é válida, pois de acordo com o novo paradigma
emergente, o pós-estruturalismo, todo tipo de conhecimento é válido e importante. Assim, o
senso comum, grande monstro da ciência moderna, agora ganha um papel central na nova
ciência, sendo um dos grandes responsáveis pela elaboração de análises que a posteriori
ganharão fundamento cietífico.
Fica a cargo de nós sociólogos, antropólogos e cientistas políticos, a observação mais
detalhadas de nossa realidade, sem nos prendermos a determinismos metodológicos e
acabar fechando os olhos para a “verdadeira” realidade. É uma tarefa difícil, não é algo
fácil, pois mesmo para nós cientistas é difícil se livrar de nossos valores e juízos morais,
como Weber (1920) já nos alertava da impossibilidade do conhecimento objetivo nas
ciências sociais. Ao mesmo tempo que o conhecimento objetivo é possível, ele é
impossível, devido a inúmeros fatores como a multicausalidade dos fenômenos.
71
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