UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO ANA KEILA ENNES ANDRADE VISÃO E PERSPECTIVA JURÍDICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (PROEJA): DIREITO À INTEGRALIDADE E A DINÂMICA DA ARTICULAÇÃO COM ESPECIFICIDADE DO TRABALHO Campinas/SP 2015 ANA KEILA ENNES ANDRADE VISÃO E PERSPECTIVA JURÍDICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (PROEJA): DIREITO À INTEGRALIDADE E A DINÂMICA DA ARTICULAÇÃO COM ESPECIFICIDADE DO TRABALHO Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor(a) em Educação, na área de concentração em Políticas, Administração e Sistemas Educacionais. Supervisor/Orientador: Profª. Drª Débora Cristina Jeffrey O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA ANA KEILA ENNES ANDRADE, E ORIENTADA PELA PROFª. DRª DÉBORA CRISTINA JEFFREY Campinas/SP 2015 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO TESE DE DOUTORADO VISÃO E PERSPECTIVA JURÍDICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (PROEJA): DIREITO À INTEGRALIDADE E A DINÂMICA DA ARTICULAÇÃO COM ESPECIFICIDADE DO TRABALHO Autora: ANA KEILA ENNES ANDRADE Orientadora: PROFª. DRª. DÉBORA CRISTINA JEFFREY COMISSÃO JULGADORA: Profª Doutora Débora Cristina Jeffrey Prof. Doutor Luís Enrique Aguilar Profª. Doutora Ana Elisa Spaolonize Queiroz Assis Profª. Doutora Edite Maria da Silva Faria Profª. Doutora Mara Pedrinho A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno. 2015 Aos meus pais, Numa de Andrade e Meiga Ennes Andrade pelo exemplo de dignidade, sabedoria e paixão pela vida. À minha filha, Anna Maria Andrade Barbosa que é a mais extraordinária oportunidade de amor que vivencio. Esta tese é resultado da contribuição de várias pessoas, colegas, amigos e funcionários de diversos órgãos e instituições que, com maior interesse e entusiasmo, colocaram-se a disposição durante o processo de investigação, colaborando para a concretude deste trabalho, a todas essas pessoas meu agradecimento e carinho. À Universidade Estadual de Campinas pelo ambiente próprio e agradável para realização da pesquisa. À Professora Doutora Debora Cristina Jeffrey, brilhante docente e pensadora da educação, agradeço a acolhida carinhosa, o interesse efetivo na realização desta pesquisa e, principalmente, os ensinamentos transmitidos, o apoio, a paciência, incentivo e amizade nos momentos difíceis. Agradeço, por tudo, Professora, sobretudo por me conceder a honra e a alegria de ser minha orientadora neste trabalho. Ao Professor Doutor Luís Enrique Aguilar, pelo exemplo vivo de caráter e de dignidade humana, pelo carinho e incentivo; e a Professora Doutora Ana Elisa Spaolonize Queiroz Assis, amizade e solidariedade permanentes, participantes da banca de defesa, na qual ao longo dessa jornada contribuíram com acurados pensamentos filosóficos. As professoras doutoras Edite Maria da Silva Faria e Mara Pedrinho pelo cuidado e a delicadeza nas contribuições para enriquecimento do trabalho. Aos professores das disciplinas cursadas durante o Doutorado José Roberto Montes Heloani, José Roberto Reis Perez, Evaldo Piolli pelas contribuições à minha formação e demonstraram grande apreço e carinho. Ao Departamento de Direito da Universidade de Uberaba, em especial ao juiz estadual da Comarca de Uberaba, professor Santo Aparecido Gutierrez, pela base da formação intelectual, sem as quais o presente trabalho jamais teria sido possível. Aos meus irmãos Maria Aparecida, Carlos Humberto, Teresa Cristina pelo incentivo e companheirismo nesta jornada científica. Aos meus colegas do IFTM (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro), especialmente a pedagoga Conceição Guedes pela amizade e companheirismo nas horas difíceis. Aos meus colegas da UNICAMP e a equipe administrativa pelo carinho e atenção nos momentos difíceis, na acolhida fraterna e principalmente estímulo constante e credibilidade no trabalho realizado. Aos entrevistados E1 e E2 pela acolhida fraterna, pelo horário disponibilizado, e, as contribuições para tratar de um tema político e, às vezes controverso. Aos colegas das orações no Centro Espírita Francisco de Assis, pelo chá com sabor de amor de Jesus. Enfim, meus agradecimentos a todos que, apesar de não mencionar, contribuíram de alguma forma à tese. “Os abolicionistas queriam que todos os brasileiros fossem livres da escravidão, nós queremos que todos os brasileiros tenham acesso a uma escola de qualidade para serem livres”. Cristovam Buarque Senador e ex-Ministro da Educação RESUMO A presente pesquisa tem o objetivo geral analisar o Programa de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação Jovens (PROEJA) em relação ao currículo, a partir de recontextualização da política, sob influência dos textos políticos, tendo como base o levantamento documental da legislação produzida, na década de 2000. Pauta-se na análise do discurso da política mediante a utilização da Teoria Tridimensional de Miguel Reale (REALE, 2003), como referencial teórico-metodológico. Evidenciou-se que o currículo integrado proposto no PROEJA, representou uma possibilidade de inovação, no que tange a formação integral dos estudantes, como forma de compreender e se compreender no mundo. No entanto, não houve, com base na análise documental, a incorporação de uma concepção de ensino médio integrado na perspectiva da formação unilateral e politécnica. Ao contrário, a proposta de integração/articulação curricular apresentada nos documentos oficiais reforçou o discurso de um ensino médio propedêutico, no qual a profissionalização representou um processo específico e independente. Palavras-chave: PROEJA. Política Educacional. Educação Profissional. ABSTRACT This research has the general objective to analyze the Vocational Education Integration Program with the Basic Education in the form of Youth Education (PROEJA) regarding the curriculum, from recontextualization of politics, under the influence of political texts, based on the survey document the legislation produced, in the 2000s Tariff in the political discourse analysis by using the Theory Three-dimensional Miguel Reale (REALE, 2003), as a theoretical and methodological framework. It became clear that the integrated curriculum proposed in PROEJA, represented a possibility for innovation, regarding the integral formation of students as a way to understand and be understood in the world. However, there were not based on document analysis, incorporating a high school design integrated the perspective of unilateral and polytechnic training. On the contrary, the proposed integration / joint curriculum presented in official documents reinforced the speech of a preparatory high school, where the professional was a specific and independent process. Keywords: PROEJA. Educational policy. Professional education. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Teoria Tridimensional do Direito ........................................................................... 23 Figura 2 – Três ordens de dialética ........................................................................................... 40 Figura 3 - Teoria Tridimensional do Direito ............................................................................ 41 Figura 4 – Organização da Sociedade Civil, atualmente. ......................................................... 47 Figura 5: As formas de comunicação e o discurso pedagógico em paralelo com ciclo de políticas (BERNSTEIN, 1996) (VILLANUEVA, 2003) ......................................................... 64 Figura 6 - O Ciclo de Políticas e Programas Públicos............................................................ 121 Figura 7 – Rede Federal por Estado ....................................................................................... 123 Figura 8 – Organização dos níveis e etapas da educação brasileira em articulação com a educação profissional e tecnológica ....................................................................................... 162 Figura 9 – Expansão da Rede Federal de Ensino Profissionalizante...................................... 166 Figura 10: Integração de informações de diferentes fontes na estruturação de um Sistema de Indicadores de Monitoramento ............................................................................................... 168 Figura 11 – Organização do ciclo de matrícula no SISTEC................................................... 171 Figura 12 – Possibilidades de situação (status) de matrícula dos estudantes no SISTEC em um ciclo. ....................................................................................................................................... 171 Figura 13 – Fluxograma ......................................................................................................... 180 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Distribuição Percentual da Matrícula por Etapa de Ensino e Dependência Administrativa – Brasil 2013.................................................................................................... 86 Gráfico 2 – Distribuição do número de matrículas na Educação Profissional por Dependência Administrativa – Brasil 2013.................................................................................................... 94 Gráfico 3 – Cenário da Rede Federal ..................................................................................... 122 Gráfico 4 - Distribuição de Carga Horária do núcleo comum definida pelo Parecer CFE 45/72. ...................................................................................................................................... 156 Gráfico 5 – Distribuição de matrículas em cursos ofertados pela Rede Federal de 2009 a 2013. ................................................................................................................................................ 163 Gráfico 6 – Distribuição da carga horária das disciplinas. ..................................................... 181 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Número de Matrículas de Educação Básica por Etapas e Modalidade de Ensino, segundo a Dependência Administrativa - Brasil 2007 - 2013 .................................................. 85 Tabela 2 - Número de matriculas da Educação Profissional por Dependência Administrativa Brasil 2007 - 2013 .................................................................................................................... 95 Tabela 3 - Evolução da Taxa de Analfabetismo entre a população de 15 anos ou mais Brasil – Ano 2000 e 2009 .................................................................................................................... 107 Tabela 4 - Sumário da avaliação de adequação das Metas do PPPA 2016-2019 com o PNE 2014-2024 ............................................................................................................................... 108 Tabela 5 - Documentos oficiais do MEC utilizados na análise documental .......................... 132 Tabela 6 - Documentos oficiais do IFTM utilizados na análise documental. ........................ 133 Tabela 7 – Legislação de Educação Profissional.................................................................... 134 Tabela 8 - Formato de identificação dos entrevistados .......................................................... 136 Tabela 9 – Distribuição de matérias e cargas horárias de um curso técnico. ......................... 155 Tabela 10 – Critérios de escolha dos lugares dos novos campi por fase da expansão. .......... 165 Tabela 11 – Quantitativo de campi da Rede Federal de Ensino Profissionalizante, por Região e fase de expansão. ................................................................................................................. 165 Tabela 12 - Alunos Evadidos, Em Curso e Concluintes, por tipos de cursos, de ciclos de matrícula iniciados a partir de 2004 e encerrados até dezembro de 2011. ............................. 172 Tabela 13 - Alunos em retenção por diferentes prazos e diferentes cursos, de ciclos de matrícula encerrados até dezembro de 2011........................................................................... 173 Tabela 14 – Conjugação de indicadores para acompanhamento da Evasão........................... 173 Tabela 15 – Dados do PROEJA Agroindústria e PROEJA Contabilidade ............................ 180 Tabela 16 – Relação de trabalho e relação de emprego ......................................................... 195 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Portaria e Decretos do PROEJA ............................................................................ 52 Quadro 2 – Desenvolvimento da Educação Formal do Brasil – Período 1920 até 1990 ......... 68 Quadro 3 – Áreas Profissionais e Cargas Horárias Mínimas ................................................... 78 Quadro 4 – Resumo do Catálogo Nacional de Cursos Técnico de Nível Médio por Eixos Tecnológicos conforme CNE/CEB nº 11/2008 ........................................................................ 82 Quadro 5 – CF/88 / LDB / EC 59/2009 ................................................................................... 90 Quadro 6 – CF/88 / LDB / EC14/1996 .................................................................................... 91 Quadro 7 – Comparativo CF/88 / LDB / Lei 11.741/2008....................................................... 93 Quadro 8 – Desenvolvimento da Educação Formal do Brasil 1990 até 2010 .......................... 97 Quadro 9 - Análise da LDB – 9.394/96 .................................................................................. 112 Quadro 10 - Análise Decreto .................................................................................................. 113 Quadro 11- Análise Decreto ................................................................................................... 114 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEB Câmara de Educação Básica CEE Conselhos Estaduais de Educação CEFET Centro Federal de Educação Tecnológica CEFET-MG Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais CEFET-PR Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (atual UTFPR) CEFET-RJ Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro CEFET-RS Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas CF Constituição Federal do Brasil CFE Conselho Federal de Educação CHT Ciências Humanas e suas Tecnologias CNCT Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos CNE Conselho Nacional de Educação CODIR Colégio de Dirigentes (do IFTMl) CONCEFET Conselho de Dirigentes dos CEFETs CONIF Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica CONSUP Conselho Superior (do IFSul) CST Curso Superior de Tecnologia CT Curso Técnico DIN CT em Desenho Industrial DIREC Diretoria de Relações Empresariais e Comunitárias DIV-S Classe da carreira docente EAD Educação na modalidade a Distância EAF(s) Escola(s) Agrotécnica(s) Federal(is) EJA Educação de Jovens e Adultos EM Ensino Médio EPT Educação Profissional e Tecnológica E-Tec Rede de educação profissional e tecnológica na modalidade de educação a distância ETF(s) Escola(s) Técnica(s) Federal(is) ETUF(s) Escola(s) Técnica(s) vinculadas à(s) Universidade(s) Federal(is) FAE Faculdade de Educação FHC Fernando Henrique Cardoso (referente ao governo) FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística HES Hegemonia y Estrategía Socialista (livro) IC Iniciação Científica IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IF(s) Instituto(s) Federal(is) de Educação, Ciência e Tecnologia IFET(s) Instituto(s) Federal(is) de Educação, Ciência e Tecnologia (sigla inicial) IFTM Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Triângulo Mineiro INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IPCA Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo LC Linguística de Corpus LCT Linguagem, códigos e suas tecnologias LDBEN Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional ME Microsoft Excel – Marca registrada MEC Ministério da Educação NDE Núcleo Docente Estruturante (previsto no SINAES) OD Organização Didática do IFTM PAER Pesquisa da Atividade Econômica Regional PDI Plano de Desenvolvimento Institucional PDRAE Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado PL Projeto de Lei PPGE Programa de Pós-graduação em Educação PRDI Pró-reitoria de Desenvolvimento Institucional PROAP Pró-Reitoria de Pesquisa, Inovação e Pós-graduação PROEJA Programa Integrado da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Jovens e Adultos PROEN Pró-reitoria de Ensino PROEX Pró-reitoria de Extensão PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego ProPEd Programa de Pós-graduação em Educação PROPESP Pró-Reitoria de Pesquisa, Inovação e Pós-graduação PROTEC Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Técnico REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais RFEPT Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SENAT Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte SESC Serviço Social do Comércio SESI Serviço Social da Indústria SETEC Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica SIMEC Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle do Ministério da Educação SINAES Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior SINASEFE Sindicato Nacional dos Servidores Federais em Educação TAE(s) Técnico(s) Administrativo(s) em Educação TCU Tribunal de Contas da União TD Teoria do Discurso UAB Universidade Aberta do Brasil UEP(s) Unidade(s) de Educação Profissional UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro UFPel Universidade Federal de Pelotas UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 18 CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTALIZAÇÃO TEÓRICA E METODOLÓGICA ................... 27 1.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS ..................................................................................... 27 1.2 ANÁLISE DE POLÍTICA.................................................................................................. 30 1.3 ANÁLISE JURÍDICA – TRIDIMENSIONALIDADE DE MIGUEL REALE ................ 37 1.4 FORMAÇÃO DA AGENDA ............................................................................................. 43 1.5 ANÁLISE DO DISCURSO ............................................................................................... 55 1.5.1 As contribuições teóricas de Basil Bernstein .............................................................. 55 1.5.2 A Noção de Recontextualização e a Análise de Políticas Educacionais e Curriculares .............................................................................................................................................. 60 CAPÍTULO 2 – ANÁLISE DA TRAJETÓRIA DO ENSINO PROFISSIONALIZANTE .... 65 2.1 A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO NO BRASIL A PARTIR DE 1990 ..................................................................................................................... 70 2.2 O ENSINO PROFISSIONAL TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO – FORMAÇÃO - PROEJA .................................................................................................................................................. 83 2.2.1 Legislação da Formação .............................................................................................. 83 3 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO PROEJA .......................................................................... 98 3.1 ANÁLISE DO PROEJA - EJA INTEGRADA À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ESTRUTURA EDUCACIONAL BRASILEIRA .................................................................. 102 3.1.1 Análise da Lei 11.741/2006 e seus impactos na Constituição Federal de 1988 e na Lei 9.394/1996 - LDB ............................................................................................................... 110 3.1.2 Projeto de Lei 919 de 2007 ........................................................................................ 114 3.2.1 A construção do conhecimento na pesquisa ênfase as entrevistas ............................ 128 4 A CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS CURRICULARES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA ................................................................................... 141 4.1 CONSTRUÇÕES TEÓRICAS: CICLO DE POLÍTICAS, TEORIA DO DISCURSO DE BASIL BERNSTEIN, TRIDIMENSIONALIDADE DE MIGUEL REALE E A POLÍTICA CURRICULAR PARA EPT................................................................................................... 142 4.1.1 A complexidade – Análise de política curricular na visão de Villanueva, Basil Bernstein, Alice Lopes e Elizabeth Macedo ....................................................................... 142 4.1.2 Currículo e sua trajetória no contexto educacional ................................................... 144 4.1.3 A política curricular para educação profissionalizante na rede federal ..................... 150 4.2 PROEJA - POLÍTICA CURRICULAR NA REDE FEDERAL ...................................... 161 4.2.1 PROEJA dimensão curricular Rede Federal – Evasão e Repelência ........................ 167 4.2.1.1 Evasão dos Institutos Federais ................................................................................ 169 4.2.2 PROEJA: análise política curricular no IFTM .......................................................... 176 4.2.3 Currículo formador no PROEJA ............................................................................... 182 4.2.4 PROEJA – Na visão da tridimensionalidade de Miguel Reale ................................. 188 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 201 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 206 APÊNDICES .......................................................................................................................... 212 APÊNDICE 1 - RESUMO DO PROJETO DE PESQUISA .................................................. 212 APÊNDICE 2 - TERMO DE CONFIDENCIALIDADE ............................................................. 213 APÊNDICE 3 - ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA ANALISTAS POLÍTICOS .............. 214 APÊNDICE 4 – ORGANOGRAMA INSTITUCIONAL ......................................................... 216 APÊNDICE 5 – ORGANOGRAMA PRÓ REITORIA DE ENSINO ...................................... 217 APÊNDICE 6 – ORGANOGRAMA PRÓ REITORIA DE EXTENSÃO TECNOLÓGICA ... 218 APÊNDICE 7 – ORGANOGRAMA PRÓ REITORIA DE EXTENSÃO TECNOLÓGICA ... 219 18 INTRODUÇÃO Na história se faz o que pode e o que gostaria de fazer. Uma das grandes tarefas políticas que se deve observar é a perseguição constante de tornar possível amanhã, o impossível de hoje. (PAULO FREIRE, 1992) No momento atual, em que prevalece o pensamento tecnicista/utilitarista, atribuindo à ciência apenas um caráter instrumental e produtivista realizar uma pesquisa na área de educação se torna um esforço necessário para se buscar um conhecimento emancipatório e libertador que considere o homem em toda sua dignidade. Diante deste fato, este trabalho tem como campo investigativo a política educacional com ênfase na gênese da agenda de um programa do governo federal que busca atender um segmento da sociedade, os jovens e adultos que foram excluídos da escola. Considerando que o Decreto nº 5.840 de 13 de junho de 2006 (PROEJA) é um programa de integração da educação profissional, a presente pesquisa insere-se no debate das políticas educacionais, mais especificamente das políticas de Educação Profissional e de Educação de Jovens e Adultos (EJA), com foco na análise do programa PROEJA e suas implicações para o currículo. E na busca da compreensão dos fenômenos que envolvem os atores e os processos educacionais relativos à temática, algumas indagações foram articuladas com o objetivo de conhecer os pressupostos teóricos e epistemológicos constitutivos dessas representações, tais como: o PROEJA insere na política profissional? Quais os processos históricos que incluíram os jovens e adultos na agenda política do governo? Este programa educacional deve ser tratado como uma nova política ou um ajustamento? Há uma dualidade entre a formal geral e a formação técnica? Existe uma proposta de articulação e/ou integração entre os diferentes saberes na formação do trabalhador? Estes questionamentos articulados no âmbito da pesquisa sintetizam sua justificativa em compreender os aparatos políticos e legais na dualidade entre formação geral e a formação técnica, no ensino profissionalizante, propondo ora a integração ou a articulação entre os diferentes saberes na formação do trabalhador brasileiro. Segundo dados da Pnad/IBGE 2009, o Brasil tem uma população de 57,7 milhões de pessoas com mais de 18 anos que não frequentam escola e que não têm o ensino fundamental completo. Esse contingente poderia ser considerado uma parcela da população a ser atendida pela EJA. A educação de jovens e adultos (EJA) apresentou queda de 5,0% (374.098), totalizando 4.234.956 matrículas em 2010. Desse total, 2.846.104 (67%) estão no ensino fundamental e 1.388.852 (33%) no ensino médio. A maioria das matrículas de EJA está na 19 rede pública, distribuída da seguinte forma: 54,8% na rede estadual, 41,7% na rede municipal e 0,4% na rede federal, cabendo à rede privada uma participação de 3,1%. Merece destaque também a integração da EJA com a educação profissional. A educação de jovens e adultos de ensino fundamental associada à formação profissional totaliza 14.126 matrículas, e as de ensino médio 38.152. Esses números indicam que há espaço para ampliação da oferta de EJA integrada a educação profissional. Os números são contundentes, ou seja, o atendimento de EJA é muito aquém do que poderia ser. Essa questão precisa ser melhor analisada e os dados do Censo podem contribuir para um diagnóstico e proposição de políticas de ampliação da oferta dessa modalidade de ensino. É certo, porém, que tem reduzido o número de escolas que oferecem EJA. Isso pode sinalizar um problema, sobretudo para o trabalhador que precisa de motivação para voltar à escola. Menos escolas, mais dificuldades, sobretudo nos grandes centros urbanos em que o deslocamento pode se tornar um impeditivo para acesso aos locais de oferta. (INEP, 2010, p.17) Entendemos que esses dados nos dão uma mostra da realidade educacional da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do país e o quanto são necessárias ações políticas que encaminhem tais questões no sentido de se realizar o direito a educação para todos como superação desse ordenamento societário. Não é razoável esperar que tais programas resolvam a estrutura de classe preexistente na sociedade brasileira, mas analisar os currículos propostos com intuito de verificar articulação e integração na proposta transdisciplinar e interdisciplinar, com base nos valores propostos pelo programa na visão educacional, jurídica e social. Assim sendo, nossa preocupação com esse tema se acentuou diante do quadro de docentes para o ensino profissional, e do anúncio da implantação de uma nova política para o ensino profissional, o PROEJA, visto que os professores da rede de instituições federais de educação profissional e tecnológica seriam aqueles que, prioritariamente, efetivariam a política. Nesse sentido, “[...] não se pode esquecer que a escola e, principalmente, a sala de aula, são espaços em que se concretizam as definições sobre a política e o planejamento que as sociedades estabelecem para si próprias, como projeto ou modelo educativo que se tenta por em ação. ” (AZEVEDO, 1997, p.59) (Grifo nosso) O PROEJA, programa criado pelo governo federal, tem como objetivo “atender a demanda de jovens e adultos pela oferta de educação profissional técnica de nível médio, da qual, em geral, são excluídos, como também do próprio ensino médio, em muitas situações” (BRASIL, 2006b, p.05). Resguardando o mérito da iniciativa, preocupou-nos a forma como tal programa vinha sendo implantado, sobretudo, no que concerne à formação curricular. 20 De início, destacamos que no próprio Documento Base do PROEJA (BRASIL, 2006b, p.43) fica instituído que as instituições proponentes – Instituições Federais de Educação, Secretarias Estaduais e Municipais de Educação e as Instituições Estaduais de Ensino e Municipais Públicas – deverão ter experiência em EJA. Contraditoriamente, no mesmo documento está posto que o governo federal, por meio do Ministério da Educação (MEC), convoca a rede federal de educação profissional e tecnológica para atuar como referência na oferta do ensino médio integrado à educação profissional na modalidade EJA, sendo considerado o local privilegiado para o oferecimento desse ensino (BRASIL, 2006b, p.23). Ao mesmo tempo em que se pode considerar uma política inclusiva por acolher, nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFs1 (antigos Centros Federais de Educação Tecnológica – CFEETs – e nas Escolas Agrotécnicas Federais – EAFs) a EJA, por acolher os jovens e adultos no resgate do direito à educação. Os IFs têm sido, ao longo dos anos, referências no oferecimento da educação profissional técnica de nível médio, porém as iniciativas na modalidade EJA, antes de criação do PROEJA, são mínimas. Podemos citar algumas vivências de docentes da área técnica de alguns IFs com pessoas jovens e adultas, como é o caso dos cursos técnicos sequenciais (subsequentes)2 e dos cursos de qualificação profissional de nível básico (formação inicial e continuada do trabalhador)3. No entanto, essas “experiências” não lhe dão a condição e a “competência” para o desempenho (PPC4 integrados), já que a EJA tem se configurado como um campo de conhecimento com posições teóricas e político-ideológicas próprias, exigindo dos professores um preparo para o ensino, através de uma formação pedagógica específica, que a considere. Diante de tais propósitos para o campo, reconhecemos a complexidade dos currículos para o PROEJA, já que segundo Kuenzer (2004, p.27): O currículo, na perspectiva da politecnia, deriva princípio pedagógico que mostra a ineficiência de ações meramente conteudistas, centradas na quantidade de informação que não necessariamente se articulam para propor ações que levem os alunos a uma relação com o conhecimento. 1 Entidade que representa professores e funcionários de 31 dos 34 CEFETs, das Escolas Agrotécnicas e do Colégio Dom Pedro II. 2 Cursos técnicos oferecidos aos alunos que já haviam concluído o ensino médio. 3 Cursos de curta duração, em geral de 40h, oferecidos à comunidade, com vistas à inserção no mercado de trabalho. 4 PPC – Projeto Político Pedagógico 21 Além disso, Kuenzer (2004), afirma que “uma nova forma de integração de vários conhecimentos, através do estabelecimento de ricas e variadas relações que quebram os bloqueios artificias que transformam as disciplinas em compartimentos específicos, expressão da fragmentação da ciência”. O documento base PROEJA aponta no artigo 1º §4º - Os cursos e programas do PROEJA deverão ser oferecidos, em qualquer caso, a partir da construção prévia de projeto pedagógico integrado único, inclusive quando envolve articulações interinstitucionais ou intergovernamentais (Grifo nosso). Além disso, afirma que a formação de professores e gestores objetiva a construção de um quadro de referência e a sistematização de concepções e práticas político-pedagógicas e metodológicas que orientem a continuidade do processo. Nesse sentido, várias são as questões que vêm nos inquietar com relação à qualidade social do PROEJA, na perspectiva formativa de favorecer aprendizagens próprias para propiciar a inclusão dos(as) alunos(as) que o procuram: Como é visto o currículo em relação “integrar” e/ou “articular” dentro do contexto da política do PROEJA? Qual a concepção de “integrar” e/ou “articular” dentro do contexto jurídico e pedagógico? Assim sendo, para embasar nosso estudo e com o intuito de compreender, de modo contextualizado, como estão se desenvolvendo a política do PROEJA nos currículos, adotaremos o Ciclo de Políticas segundo Villanueva (2003), o caminho a um processo político passa pelas seguintes fases: a) de decisão-inicial (iniciación: planejamento, definição, opções e justificativa); da estimativa (estimación: levantamento dos impactos positivos e negativos e escolha do melhor programa), da seleção (seleción: escolha das opções possíveis pelas negociações e definir quem executará); b) de implementação (implementación); c) de avaliação (evaluación) d) de finalização política (terminacón: decisão sobre o futuro da política implantada e avaliada). Para este trabalho, o que nos interessa são as etapas do item a, que compreendem a elaboração da agenda, com a tomada de decisões que decidirá se a questão entra para as prioridades da agenda governamental e nela será incluída. Por agenda de governo é entendido, na literatura, como o conjunto de problemas, demandas, questões, assuntos que os governos selecionam e priorizam como objetos 22 de sua ação e, mais precisamente, como objetos sobre os quais decidem que vão agir ou consideram que devem atuar5. (VILLANUEVA, 2003, p.29) Além disso, para fundamentar e compreender será abordado “Fundamentos da Política Jurídica” com base na tese da “Tridimensionalidade de Miguel Reale”. Melo (1994, p.17) propõe o fortalecimento e autonomia da Política do Direito, distinta da filosofia jurídica, destinada a tentar conciliar Política e o Direito, com o fim de reaproximar a norma e o jurista axiológico do justo, ético, do legítimo e do útil. Assim, o homem é um ser histórico social, cujos valores vão se formando e modificando ao longo de suas vivências, desse modo, o Direito precisa acompanhar essas mudanças, não é possível um Direito abstrato, distante da realidade social. Osvaldo Ferreira de Melo corrobora com seguinte entendimento: À Política do Direito cabe intercomunicar ambos os elementos, tornando-os interdependentes, e examinar os âmbitos da Política e do Direito não como áreas bastantes em si mesmas, mas como espaços suscetíveis de permanentes e desejáveis influências recíprocas. O Direito necessita da Política para renovar-se continuamente na fonte das mediações, e esta necessita daquele para objetivar em realidades e valores a sua atividade quase sempre dispersiva e pragmática, ou seja, objetivá-la em sistema de princípios e normas, formal e materialmente válidos. (MELO, 1994, p.21) E embasados na “Teoria Tridimensional do Direito” em que pese à norma ser o objeto central do Direito, não há como se abandonar, para sua real interpretação e aplicação, as questões fático-valorativas que antecedem a sua produção. Diz textualmente o jurista Miguel Reale: O direito é uma realidade trivalente, digamos assim, trivalente, ou, por outras palavras, tridimensional. Ela tem três sabores que não podem ser separados um dos outros. O direito é sempre fato6, valor7 e norma8, para quem quer que o estude, havendo apenas variação no ângulo ou prisma de pesquisa. A diferença é, pois, de ordem metodológica, segundo o alvo que se tenha em vista atingir, (...) de tal modo que o discurso do jurista vai do fato ao valor e culmina na norma. (REALE, 2007, p.121) (Grifo nosso) 5 “Por agenda de gobierno suele entenderse em la literatura el conjunto de problemas, demandas, cuestiones, assuntos, que los governantes han selecionado y ordenados como objetos de su acción y, mas propriamente, como objetos sobre los que han decidido que deben actuar o han considerado que tienem que actuar.” (VILLANUEVA, 2003, p.29) 6 Fato: capaz de revelar as intencionalidades objetivas de um determinado lugar ou época, é compreendido não como mero fato natural, mas sim imantado por um valor. 7 Valor: considerado não como objeto ideal, mas como deve ser, situado num plano prático e ligado a uma ação 8 Norma: descreve os valores que vão se concretizando na condicionalidade dos fatos sociais e históricos. 23 Assim os fatos e valores, dos quais a norma decorre, não se pode afastar as variáveis que sobre elas incidem e influem, consistente na História e no Poder, pois “historiografia é o espelho no qual temporalmente se contempla, adquirindo plena consequência de seu existir, se seu atuar” (REALE, 2007, p.80) Logo, graficamente9 acredita-se ser possível apresentar o seguinte esboço sobre a teoria tridimensional do direito: Figura 1 – Teoria Tridimensional do Direito Fonte: REALE, 2007 Pelo gráfico e demais considerações, apresenta-se as categorias básicas da teoria tridimensional (fato – valor – norma) e os seus elementos de variação (história e P(p)oder), através dos quais se pretende a seguir fazer um estudo de percepção jurídica sobre a obra de Osvaldo Ferreira de Melo, “Fundamentos da Política Jurídica”, a fim de responder aos questionamentos levantados pela tese. Nesse sentido, é mister destacar que o nosso objeto de estudo representa um recorte na educação profissional, pois se trata da análise do “integrar” e/ou “articular” no PROEJA em sua relação política, jurídica e pedagógica no currículo. Assim sendo, nossa categoria teórica de pesquisa é o currículo. O debate que está sendo proposto, no sentido de desenvolver a análise curricular no processo de recontextualização do PROEJA, passa pela compreensão dos cenários sóciopolíticos-educacionais, focando nos princípios constitucionais de justiça, igualdade e solidificando a importância dos processos de multiculturalidade, na perspectiva da inclusão 9 O gráfico foi elaborado a partir do esboço gráfico apresentado na obra: REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito – situação atual. 2007, p. 124 24 social. E partindo do resgate do direito à educação, elegemos as seguintes subcategorias teóricas: inclusão social e multiculturalismo. Diante desse fato, o problema de pesquisa é definido, a partir do seguinte questionamento: como os gestores educacionais estão recontextualizando a política do PROEJA sob a influência do currículo partindo da análise “integrar” e/ou “articular”. Essa recontextualização está (conduzindo) a processos de inclusão? Dessa forma, elegemos como objetivo geral de pesquisa: Analisar o programa de integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação Jovens e Adultos/PROEJA em sua relação ao currículo a partir de recontextualização da política, sob a influência dos textos políticos. E como objetivos específicos: Analisar elaboração da agenda, com a tomada de decisões que decidirá se a questão entra para as prioridades da agenda governamental e nela será incluída; Analisar o PROEJA à Luz da Tridimensionalidade de Miguel Reale e que interfere na interdisciplinaridade e transdisciplinaridade; Identificar a relação entre “integrar” e/ou “articular” na proposta curricular nos cursos do PROEJA na perspectiva formação dos alunos(as) no resgate do direito à educação; Com base nessa problematização inicial, o presente estudo é composto de três capítulos. O primeiro capítulo apresenta reflexões do campo teórico e metodológico sobre a análise de política segundo Villanueva (2003) e a Luz da Teoria da “Tridimensionalidade de Miguel Reale” (2007) no processo de interpretação da legalidade do PROEJA que irá orientar a discussão, ao longo do trabalho. Das diversas etapas do processo de criação de políticas públicas, toma-se a fase da elaboração de uma agenda governamental, com especial atenção para o contexto social, econômico, político, educacional, junto com os atores sociais administrativos, como categoria para explicar o PROEJA. Também expomos aqui os debates sobre as políticas educacionais do Estado Brasileiro no governo Lula. O segundo capítulo está dividido em três itens que estão relacionados com a constituição do PROEJA. No item 2.1 faz-se um traçado da trajetória do ensino profissional de nível médio no país, enfatizando as alterações na Lei 9.394 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, decorrentes da Lei 11.741, de 16 de julho de 2008, fazendo uma relação entre estes 25 atos normativos e a redação do PROEJA. No item 2.2 analisa-se a trajetória da Educação de Jovens e Adultos, institucional e formal. Em nossa pesquisa retrospectiva, encontra-se experiências, ações e programas de educação de jovens e adultos no campo de alfabetização e do ensino fundamental que forneceram subsídios práticos e teóricos para a noção do PROEJA. Constatamos que o movimento de educadores, educandos, teóricos e pesquisadores progressistas atuaram em prol do direito à educação e a preparação para o mundo do trabalho. No item 2.3 apresentamos o ante projeto de lei e a publicação do PROEJA, resgatando as mudanças formais e políticas para que avançasse a educação de jovens e adultos e a educação profissionalizante no Estado Brasileiro, abordando as entrevistas E1 e E2 com objetivo de fundamentar a visão da inclusão, ou não, de jovens e adultos na sociedade. O objeto de análise, o PROEJA, será apresentado no capítulo três. Partindo da legislação, o Programa é descrito, contextualizando com a conjuntura política, social, econômica e educacional vigente no primeiro governo sob a presidência de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006). Ao reconstituir a elaboração do programa, percebeu-se a sua complexidade pelo fato de ser integrado com o ensino médio propedêutico, com o ensino técnico profissional e com a educação de jovens e adultos enfatizando os currículos propostos. Princípios e normas de cada uma dessas modalidades estão presentes no novo projeto. Aqui, discute-se as políticas para o ensino profissional dos dois últimos partidos que governaram o país, no que eles têm de permanência e de mudança. Também é apresentado a relação do Programa com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – IFTM. Tomando como fonte o Decreto que instituiu o Programa e o Documento Base que definiu as concepções e diretrizes, levantou-se as concepções políticas e educacionais que nortearam os criadores da proposta. E finalizando apresentaremos o Programa Integrar realizado na Confederação dos Sindicatos dos Metalúrgicos e sua comparação com “integrar” no Programa PROEJA, fazendo uma comparação matriz pedagógica e metodológica pensada pela classe trabalhadora e essa matriz nas bases educacionais nos IFs, aprofundando na interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Nas considerações finais, estabelecemos as relações do PROEJA com a educação profissional, a Educação de Jovens e Adultos e com o Projeto Integrar. Procuramos esclarecer porque um Programa com princípios antagônicos ao que o poder público vinha desenvolvendo ao longo dos séculos consegue fazer parte da agenda do governo em 2005. Segundo a disciplina “Análise de Política”, os atores políticos desempenham um papel importante na formulação da agenda governamental. Em se tratando de políticas sociais, como é a educação, os atores presentes na administração da coisa pública definem o 26 andamento de processos decisórios. Concordando com este ponto de vista é que foram entrevistadas duas pessoas envolvidas, de forma ou de outra, com o PROEJA. A contribuição das entrevistas foi no sentido de obter as impressões de quem participou da elaboração do programa, de quem recebeu incumbência de implementá-lo e de um pesquisador que faz uma análise crítica do projeto. A fala dos colaboradores indicou pontos relevantes que deviam ser considerados nesta pesquisa. Considerando que o entendimento da feitura de uma lei contribui para compreendê-la e melhor interpretá-la, esperamos ter colaborado neste sentido. Ainda há que se destacar que a análise de política e análise da lei na Tridimensionalidade de Miguel Reale contribuíram para assegurar a democratização dos espaços de discussão, de elaboração e de acompanhamento de políticas existentes e para se criar novos espaços de debate, ampliando a participação da sociedade civil na discussão das questões nacionais sobre educação. 27 CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTALIZAÇÃO TEÓRICA E METODOLÓGICA 1.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS O objeto de análise será o Programa Nacional da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, criado no primeiro mandato do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2006). A pesquisa consiste na realização de uma análise de política, adotando como metodologia a concepção incremental, a qual possibilita estudar o contexto da conjuntura no momento da formulação do Programa de Educação Profissional para jovens e adultos que estão fora da escola. Esse caminho referencia o trabalho como análise e não como avaliação, nem como defesa de política. Partimos da lógica dedutiva (do conceito para a análise) que reconstrói o sentido e a direção do processo de formulação do Programa, identificando suas origens conceituais, históricas, ideológicas e seus atores, apropriando do processo incremental que se baseia em “caracterizar pela proximidade do real”, sendo um método descritivo que parte situações existentes e se modifica para algo novo, Lindblom (1959) O modelo incremental da elaboração de políticas significa a busca de solução para problemas de maneira gradual sem provocar rupturas. Esta busca de modelos ou referenciais analíticos com o objetivo de capturar os elementos essenciais do processo que levam a compreensão de sua formulação e de sua institucionalização fundamentada pelo modelo incremental. O modelo incremental atribui ao ensino característica de bem público, classificado pela teoria microeconômica e que o ensino tem característica de atendimento constante e não exclusivo e de impactos de efeito social maior que a soma de benefícios individuais sendo maior que a soma de natureza estatal (STOCO, 2006). A educação brasileira envolve grupos de interesse com poder que interferem nas questões educacionais. A esse respeito, Lindblom (1959) considera que o tomador de decisão, mesmo de posse de um grupo de valores e objetivos amplamente aceitos e hierarquicamente bem definidos, concentra em valores marginais. Logo, o tomador de decisões retorna continuamente aos problemas e procura minorar estes problemas até atingir um estado ideal futuro. 28 E vários fatores sociais e políticos passam a contribuir com o Decreto nº5.4781 de 24 de julho de 2005, posteriormente revogado pelo Decreto nº 5.8402 de 23 de julho de 2006 nasce o PROEJA. Assim, o modelo incremental, como forma de análise, permite captar os movimentos de ajustes entre os grupos de interesse de negociação e barganha. Além disso, o que garante o avanço das mudanças incrementais é um projeto de médio e longo prazo de um governo. No caso do Brasil, o governo atual não tem projetos de mudanças estruturais, o que torna esse método adequado para analisar sua política educacional, pois de acordo com Lindblom (1959), o incrementalismo é tanto uma boa descrição de como políticas são realmente elaboradas quanto um modelo de como decisões deveriam ser tomadas. O ato de tomar decisões incrementais evita que erros sérios venham a ocorrer e ainda possibilita rápidas correções no processo. Logo, os governos procuram tornar mais racionais as suas análises mediante processos de planejamentos formais, nos quais, muitas vezes, são consideradas posições alheias ao governo em si. Os partidos políticos contrários ou de oposição, procuram frequentemente promover o debate com base em fatos e dados. Segundo Lindblom (1980), essas outras atividades não-governamentais contribuem para a formulação das políticas governamentais. Assim, o procedimento metodológico escolhido é a pesquisa bibliográfica, análise documental e entrevistas. A análise documental toma por referência a legislação e os documentos emitidos pelo governo federal, com destaque para a LDB/1996, os Decretos 5.154/2004, 5.840/2006, o Documento Base do PROEJA, Parecer CNE/CEB 11/2000, Lei 11.741/2008, dentre outros. O levantamento de dados envolve documentação indireta, ou seja, o recolhimento de informações por meio de fontes primárias, principalmente documentos oficiais que, para Marconi e Lakatos (1996) constituem geralmente a fonte mais fidedigna de dados. A pesquisa bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras (MARCONI E LAKATOS, 1996). Este trabalho fez uso de 1 Decreto nº5.478 de 24 de julho de 2005 i O Proeja é o Programa âmbito das Instituições Federais de Educação Tecnológica de integração da Educação Profissional com o Ensino Médio na modalidade de educação jovens e adultos. 2 Decreto nº 5.840 de 23 de julho de 2006 O Proeja é o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica, na Modalidade de Jovens e Adultos, que tem por objetivo oferecer oportunidade da conclusão da educação básica, juntamente com a formação profissional àqueles que não tiveram acesso ao ensino médio na idade regular. 29 documentos escritos, envolvendo principalmente a Legislação que trata da Educação Profissional, da Educação de Jovens e Adultos, do programa INTEGRAR, além de documentos já divulgados em relação ao objeto de estudo, desde publicações avulsas, boletins, revistas, livros, pesquisas, monografias, periódicos – revistas e jornais – especializados, inclusive disponíveis em meios eletrônicos. É inegável o valor da legislação e o contexto social presente no momento da construção de análise. Os dados de resultados estatísticos foram encontrados nos órgãos oficiais de pesquisa, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio – PNAD. É a análise dos dados quantitativos que expressará os desvios sociais e históricos vividos pela sociedade que violam ou não o bem comum social. Como busca de informações em fonte direta, entrevistou-se atores envolvidos no Decreto do PROEJA que apresentou e justificou a concepção do programa. Estas entrevistas tiveram como principal contribuição à pesquisa um caráter complementar da busca documental e bibliográfica, indicando caminhos e tópicos a serem incorporados ao trabalho. O entrevistado 1 (E1) atuou como professor titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) na Câmara da Educação Básica (2009-2011) e atualmente membro do Conselho Superior da Capes. Tem experiência na área de Direito à Educação, atuando principalmente em temas como: lei de diretrizes e bases, política educacional, legislação educacional e educação para jovens e adultos. Foi realizada uma entrevista semiestruturada com objetivo de obter informações sobre o processo formulação do Decreto 5.840/2006 e o “integrar” e “articular” dentro do contexto da legislação profissional, e educação de jovens e adultos. O entrevistado 2 (E2) atua como Conselheiro do Conselho Nacional de Educação licenciado em filosofia, Teologia e Pedagogia. Sociólogo e orientador social do SESC de São Paulo, Conselheiro do Conselho Estadual de São Paulo, Conselheiro do Conselho Municipal de Educação, Conselheiro Titular da Câmara de Educação Básica, Membro Diretor IPPH – Instituto Paulista de Promoção Humana, Coordenador do Sub grupo “Educação TécnicoProfissional”, membro do Conselho Diretor do IQE – Instituto de Qualidade no Ensino, vinculado à Câmara Americana de Comércio, Consultor do Programa “Aprendendo a Aprender” da Secretaria Estadual Emprego e Relações do Trabalho de São Paulo, Membro do Conselho Diretor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Esta entrevista 30 foi realizada para identificar o nível de participação do Conselho Nacional em relação ao processo concretização do PROEJA e sua compreensão entre “articular” e o “integrar” no contexto da legislação educacional jovens e adultos e da legislação profissional. Este trabalho tem como característica ser uma “análise de política” na qual se fundamenta em um conjunto de observações, de caráter descritivo, explicativo e normativo, na política pública – o PROEJA. De acordo com Lasswell (1958), a análise de política, trata-se de um campo de forte caráter contextual (preocupado com as especificidades de cada contexto), multidisciplinar e multimetódico e orientado por problemas. Wildavsky (1979) complementa essa leitura ao afirmar que a análise de política representa um campo cujas fronteiras (interna e externa) de investigação não obedece a limites rígidos, sendo estabelecido de acordo com a natureza do problema a ser analisado. E segundo Triviños (1990), a abordagem qualitativa tem como foco principal a compreensão, descrição e interpretação de significados que as pessoas projetam do fenômeno em estudo. O roteiro seguido por esta metodologia, de forma bem ampla, abrange a escolha do assunto, a fundamentação por uma revisão teórica da literatura em torno do tema escolhido, a coleta e análise de dados. Os dados interpretados pela análise são cruzados com a teoria resultando em algumas conclusões. Por sua vez, Sanches Gamboa (1987) argumenta que uma boa pesquisa faz uso de dados qualitativos e quantitativos conforme a necessidade do objeto em estudo. Defende que esta divisão entre método quantitativo e qualitativo deve ser superada, uma vez que elas se completam para proporcionar um melhor conhecimento dos fenômenos analisados. Nesse sentido, desaparece a radicalidade da dualidade quantitativo/qualitativo, admitindo a interrelação entre elas diante de uma visão dinâmica dos fenômenos. São apenas técnicas para desenvolver o projeto dentro de um método que se enquadra na teoria escolhida pelo pesquisador. 1.2 ANÁLISE DE POLÍTICA A partir dos anos 1960, cresce o interesse pelo estudo em análises de políticas públicas (public policy) nas sociedades industrializadas ocidentais, com estudos nos Estados Unidos e Inglaterra, motivados pelo surgimento do Estado de Bem Estar Social (welfare state) e pelas mudanças ocorridas na forma de se fazer política. Nesse sentido, a análise de política foca no comportamento dos atores sociais e no processo de formulação da agenda e da 31 política, busca entender o porquê e para quem a política foi elaborada, e não só olha o conteúdo da política pública em si. Segundo Oszlak (1997), a configuração particular (ou a identidade) assumida pelo Estado em cada momento histórico depende da direção que é conferida a agenda. No Brasil, a análise de política se encontra em permanente construção e expansão, devido ao conhecimento sobre o processo de apropriação do ato normativo e a identificação de seus idealizadores, caracterizando o processo de formulação de políticas. A esse respeito, Viana (1996) define que o momento da formulação envolve três subfases: primeira, quando uma massa de dados transforma-se em informações relevantes; segunda, quando valores, ideais, princípios e ideologias se combinam com informações factuais para produzir conhecimento empírico e normativo é transformado em ações públicas. Este trabalho situa-se na temática geral de natureza teórica, abrange as discussões sobre o processo de formulação do programa PROEJA numa abordagem vinculada ao contexto educacional, como desenhar a política PROEJA na sua integração e/ou articulação (VIANA, p.13, 1996). Mondragón (2006) identifica dois momentos relativos a formulação: O primeiro é o processo decisório, no qual os atores políticos3, com base em variáveis diversas (valores políticos, de organização, pessoais, governamentais e ideológicos; projeção de resultados; recursos envolvidos; níveis de conflito; caráter objetivo ou subjetivo da política; intensidade de capital ou recursos humanos necessários à efetividade da política; dotação orçamentária4 etc.) influenciam, consideravelmente, a escolha das alternativas e o esqueleto da política pública. O segundo é o processo formal, em que se configura em política pública por meio de medidas administrativas. Os espaços que legitimam e formalizam essas decisões são: legislativo (leis); executivo (decretos, medidas provisórias e resoluções); e judiciário (interpretam leis etc.). Este trabalho situa-se na temática mais geral de natureza teórica, que abrange discussões do processo de formulação de programas numa abordagem vinculada ao contexto educacional do período. O objeto de análise política “é descobrir o que os governos fazem, porque o fazem e que diferença isso faz. É a descrição das causas e consequências da ação do governo” (DYE, 1976, apud HAM e HILL, p.7, 1993). Também destaca-se o seu caráter interdisciplinar, fazendo uso de conceitos de outras disciplinas, como sociologia, economia e direito. Para reduzir as possibilidades de desvios de 3 Neste momento, utilizamos a denominação de atores políticos para diferenciar de atores sociais, algo mais amplo. No momento da formulação, compreendemos que, na sua maioria, a tomada de decisão se dá pelos atores políticos, participantes do processo político. 4 A formalização da decisão, para esta virar um programa, é necessário haver dotação de recursos para implementar a política pública. Não podemos nos esquecer que, também, há disputa entre órgãos do governo pelos recursos financeiros. 32 interpretação, identifica-se como análise de política o método que descreve a natureza e dinâmica das variáveis de determinada política, utilizando instrumental e conceitos que lhe são pertinentes. O intento de identificar e pesquisar variáveis da elaboração do programa classifica este trabalho como uma “análise de política” e não como uma avaliação, nem como uma defesa de política. (DYE, 1976, apud HAM; HILL, 1993, p.57). A atividade política pode ser analisada em termos de um sistema contendo uma série de processos que devem permanecer em equilíbrio, a fim de que a atividade sobreviva. Há diversos modelos de análise de um sistema político com suas ações e tomadas de decisão: o enfoque sistêmico esboçado por David Easton (1953) e Eastman (1965). Este modelo separa o processo de políticas em vários estágios: a formulação, a implementação e a avaliação, cada um composto por subdivisões que facilitam a análise. As demandas são as influências externas e internas, incluindo os fazedores de política, que irão movimentar a formulação da agenda. Este modelo também possibilita algo que qualquer teoria explicativa satisfatória de políticas públicas deve ter, que é explicar as inter-relações entre o Estado, a política, a economia e a sociedade (o ambiente). Porém, das críticas a este modelo, destaca-se uma feita por Lindblon: [...] a ideia de policy process geralmente incorpora o pressuposto ou sugere a imagem de que a política seja um 'processo ordenado, racional, como um roteiro, com sua introdução, desenvolvimento e conclusão, logicamente articulados'; a política é, pelo contrário, um processo desalinhado, desorganizado (untidy process), no qual se misturam e sobrepõem sem ordem nem clareza várias questões e respostas, vários atores, a decisão e a imposição, a atividade intencional e a inércia (LINDBLON, apud VILLANUEVA, 2003, p. 17)5. Há necessidade de reconhecer que as redes sociais6 tem apresentado a diversidade das organizações estatais, a pluralidade de interesses e as múltiplas formas de relacionamento entre esses atores. E a quantidade dos programas públicos, a multiplicação dos atores com valores e interesses heterogêneos, a erosão das fronteiras entre o público e o privado e a transnacionalização das políticas públicas transcorrem em inter-relações (MARQUES, 2005 p.46) 5 Más aún, la idea de policy process suele incorporar el supuesto o sugerir la imagen de que la hechura de la política sea un 'proceso ordenado, racional, a la manera de un escrito, con su prólogo, desarrollo y final, lógicamente articulados'; la política es, en cambio un proceso desaliñado, desordenado (untidy process), en el que se mezclan y sobreponen sin cuidado y claridad varios problemas y respuestas, varios actores, la decisión y la imposición, la actividad intencional y la inercia”. (VILLANUEVA, 2003, p. 17). 6 Redes sociais: “o conjunto de relações entre atores estatais, e entre esses e atores externos ao Estado, mas a ele ligados de inúmeras formas”. (MARQUES, p.4, 2005) 33 Todos os modelos têm vantagens e desvantagens dependendo do objeto da pesquisa, por isso “é importante tentar desenvolver modelos do modo como decisões são tomadas e compará-los a fim de perceber as diferentes formas em que eles nos ajudam a compreender o processo” (HAM; HILL, 1993, p. 16). Nesse sentido, não pretendemos seguir um único modelo de análise de decisões, apenas estabelecer alguns conceitos e estruturas que nos permitam fazer uma análise da formulação do PROEJA. Uma política pública geralmente envolve mais do que uma decisão e requer diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas. Uma decisão política corresponde a uma escolha dentre um leque de alternativas. A sua dimensão pública é dada não pelo tamanho do agregado social sobre o qual incidem, mas pelo seu caráter “imperativo”. Isto significa que uma das características centrais é o fato de que são decisões e ações revestidas de autoridade soberana do poder público (HAM; HILL, 1993, p. 76). Assim, pode-se considerar que grande parte da atividade dos governos destina-se à tentativa de satisfazer as demandas que são dirigidas pelos atores sociais7 ou aquelas formuladas pelos agentes do sistema político. Na realidade, o próprio atendimento de demandas é um fato gerador de apoio constituindo “procedimentos formais e informais de resolução pacífica de conflitos”. E o PROEJA é uma demanda dos sujeitos merecedores do direito à educação e de organizações civis que defendem a educação para todos de acordo com o Princípio Constitucional elencado na Constituição Federal de 1988 – Princípio da Dignidade8. E o processo de formação de políticas segue as seguintes etapas: surge a demanda expressa em aspirações quanto à solução de um problema (baixa escolaridade e carência de qualificação técnica) - o problema entra na agenda (pressão externa e interna) – inicia a 7 Atores sociais: atores políticos que não mantém vínculo profissional com o Estado, para fazer valer o seu interesse. É o caso das associações cidadãs, das Organizações não-governamentais (ONGs), dos grupos de interesse, dos grupos de pressão e do cidadão comum. Não são menos importantes que os atores públicos, embora estejam mais distantes das ferramentas de implementação das políticas públicas. 8 Nossa Constituição Federal de 1988, pela primeira vez na história constitucional brasileira, consagrou o Princípio da Dignidade da pessoa humana, seguindo o movimento internacional de constitucionalização deste princípio. Não só o consagrou, mas colocou-o como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito, nos termos do atr. 1º, inciso III. Além de abarcar o princípio da dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal de 1988 trouxe, também o mínimo existencial, ou piso mínimo normativo, sendo o princípio da dignidade da pessoa humana uma norma jurídica constitucional, se reveste do caráter da imperatividade que possui as normas jurídicas em geral. Sendo imperativo, esse princípio precisa ser respeitado sob pena de acarretar consequências ao seu transgressor, e, se necessário também se faz um meio capaz de tutelar este princípio na esfera judicial. Assim, a norma jurídica dotada de imperatividade que veicula o princípio da dignidade da pessoa humana deve possuir aplicabilidade, na medida em que exista consequência jurídica para seu transgressor e meios jurídicos de tutela jurisdicional da mesma. (José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 109) 34 formulação de alternativas (programas para educação profissional) - aspirações se transformam em expectativas - os atores se mobilizam (realização de conferências e documentos) – processo decisório (aceita a reivindicação) – ação do governo (decreto do PROEJA) – implementação (VILLANUEVA 2003). Assim, a questão educacional é uma demanda recorrente9 que está em pauta. Com essas considerações, é possível se aproximar de uma resposta para indagações, quais sejam: como se forma uma agenda de governo e por que se forma desta maneira? Por que alguns assuntos públicos chegam à agenda? Que lógica e dinâmica explica a inclusão ou eliminação dos assuntos? Seus canais terminam por ser cooptados pelos assuntos privados dos grupos políticos e eleitoreiros? Os canais dos partidos políticos são os únicos para canalizar os interesses da comunidade ou concorre a atividade de outras formas de organização? Qual é o impacto dos meios de comunicação de massa na configuração dos problemas e de sua chegada a agenda? No presente trabalho pretendemos indicar alguns grupos e organizações que influenciaram na formulação da política do PROEJA, num cenário que tem elementos nacionais e internacionais, econômicos, culturais e políticos, atuando no campo educacional brasileiro. E o que caracteriza um bom governo é sua ação em deliberar sobre questões que são pertinentes, não decidir prematuramente, adotar decisões, pois, nem tudo é assunto público, e há assunto público no exato momento não é urgente e há questões que são do público local (estados, municípios, organizações). A filtragem se torna uma atividade estratégica na medida em que decidir se uma questão merece ser objeto de ação governamental significa comprometer-se e por em jogo os recursos financeiros do Estado (VILLANUEVA, 2003). Portanto, a formação de uma agenda é uma filtragem; se uma questão merece ser objeto de ação governamental. Isto é, nem todos os temas podem ir para a agenda. Flexor e Leite (2007) corrobora com o seguinte entendimento: Para que isso ocorra é necessário: 1) que o problema seja relacionado com o escopo de atividades de uma autoridade; 2) que o problema seja capaz de ser traduzido na linguagem da ação política; 3) a existência de uma situação problemática, i.e., a presença de um hiato entre, por um lado, as expectativas e aspirações e, por outro lado, os desejos e crenças do que deveria ser feito e realizado. (FLEXOR e LEITE, 2007, p. 9). 9 Para o governo existem, basicamente, três tipos de demandas: as demandas novas (aquelas que resultam do surgimento de novos atores políticos ou de novos problemas); as demandas recorrentes (problemas não resolvidos, ou mal resolvidos, e que estão sempre voltando a aparecer no debate político); e as demandas reprimidas – são aquelas constituídas por estados de coisas (algo que incomoda, prejudica, gera insatisfação para muitos indivíduos, mas não chega a constituir um item da agenda governamental impedido por interesse ou por não-decisões) (HAM; HILL, 1993). (Grifo nosso) 35 Diante desse processo, o governo decide por uma ação adequada à escolha feita. Em virtude disso, o pesquisador de análise de políticas deve levar em consideração vários aspectos: a estrutura social; o contexto econômico e político; as forças políticas; e a rede de influências que atuam no processo de formulação da agenda de uma política e da tomada de decisões nas diferentes esferas. O PROEJA tem um problema público que são os jovens e adultos sem escolarização, portanto nasce de um grupo de agentes sociais e de gestores governamentais que têm uma concepção de sociedade em que pauta a justiça e uma educação que valorize a formação integral dos cidadãos. A agenda sistêmica (do Estado) está relacionada com questões genéricas, abstratas e globais e a agenda institucional (de organizações e setores governamentais) tende a ser mais específica como a educação profissional de jovens e adultos. Cobb e Elder (1972, 1976, 1983, apud VILLANUEVA, 2003), ressalta que o modelo conflitos do grupo se estrutura em três requisitos básicos necessários para que um assunto se torne uma questão pública e alcance a agenda governamental: que o tema seja objeto de amplo conhecimento e atenção do público, e que tenha necessidade de ação e que, no entendimento da comunidade política, a ação seja competência de algum órgão governamental. No caso do PROEJA, a iniciativa da proposta resultou da influência do grupo de identificação10, formado pelos educadores envolvidos com a educação de jovens e adultos, organizados em fóruns diversos e receberam apoio do novo governo, a partir de 2003. E a capacidade de decisão do governo aumenta ou diminui com o volume da pressão das forças sociais. No governo Lula, este quadro se altera, mas aparece as organizações do capital e as organizações trabalhistas (centrais sindicais) na esfera de um triângulo de ferro11 e tendo como partido político que abraça os jovens e adultos e a profissionalização – Partido dos Trabalhadores (PT), ao contrário do governo, Fernando Henrique Cardoso, em que assiste o desmantelamento da Educação Profissional. Oliveira (2009) observa que as políticas do governo Lula caracterizam-se por: [...] uma valorização da educação profissional, traduzida no expansionismo da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica; na implementação de Programas de 10 Grupo de identificação: formado pelo público diretamente afetado pela questão e/ou envolvido socialmente. Triângulo de ferro: é a denominação dada pela tradição intelectual pluralista americana para designar o tipo de relações de poder que ocorrem entre as organizações sociais corporativas e os poderes do Estado. Segundo esta corrente os grupos de interesse são poderosos a ponto de sempre definir a agenda de governo. Negam a rede de influências que atuam na arena política (VILANUEVA, p. 46). (Grifo nosso) 11 36 Educação Profissional que buscam promover a inserção de sujeitos de camadas sociais menos favorecidas, nos setores societário e produtivo; na propositura de garantir a qualidade da educação profissional, através, de uma infraestrutura adequada; no resgate das bolsas destinadas aos alunos carentes; na realização de concursos e de melhores condições salariais e de trabalho para os professores e funcionários. (OLIVEIRA, 2009, p.6-7) É nessa fase de restauração democrática que o Partido dos Trabalhadores (PT), sob o comando do Presidente Lula, traz novos referenciais teóricos para a análise da realidade brasileira. É nesse ambiente que a compreensão da escola, como um espaço de mera reprodução da sociedade, passa a ser contestada, conforme assinalou Dore (1989): Como o eixo de organização cultural dos trabalhadores – assim como o sindicato o é no plano econômico e o partido no plano político – adquirindo uma importância que nunca desfrutara nas teorias revolucionárias da esquerda. A partir dessa nova posição teórica frente à questão cultural, o movimento popular moderno apresentou a proposta de “escola unitária” como perspectiva capaz de se contrapor à hegemonia da “escola nova” proposta escolar das forças dominantes. (DORE, 1989, p.14) Assim, em defesa da escola pública, a esquerda assume a proposta de uma “escola unitária” defendida por Gramsci. A ideia de escola unitária12 apresentada por Gramsci representa um horizonte conceitual e político na luta contra o dualismo escolar. Dore (1999a, p.111), dispõe que o dualismo escolar é um produto da estrutura social classista do sistema capitalista, ou seja, organização dual da escola. Tendo a igualdade social como horizonte, a proposta do PT é a defesa da ideia de escola unitária, rejeitando a dualidade da formação dos cidadãos que reproduz a divisão entre governados e governantes e fundamenta-se na unidade das formações gerais e profissionais. Desse modo, o PROEJA marca o início deste novo olhar dos fazedores de política do PT sob a tutela do Presidente Lula, fundamentados no conceito de escola unitária de Gramsci, no qual defende a necessidade de criação de uma escola preparatória que conduza todos os jovens até a escola profissional, sendo esses jovens capazes de pensar, estudar, dirigir e controlar quem dirige, não exercendo apenas o trabalho manual. O operário que, democraticamente, teve as condições necessárias de se qualificar e de exercer uma função de direção, constrói para si a oportunidade de tornar-se um “governante”. O envolvimento teórico e prático com a organização da sociedade poderá proporcionar as efetivas condições para que a governabilidade se exerça. (AMORIM et al., 2011, p.12) dispõe que: Para Gramsci, a escola deveria ser única, no sentido de dar a todos oportunidades iguais de formação, e diversa no sentido de propiciar diferentes possibilidades de 12 Escola unitária trata-se de uma proposta apresentada por esse filósofo italiano nos anos 30 e divulgada no Brasil nos anos 80 como “estratégia para superar a dualidade da escola, dividida em escola formação humanida e de formação profissional”. (DORE SOARES, R. Escola média no Brasil por que não unitária? Site: <http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=168> Acesso em: 24 fev 2015) 37 formação. Trata-se da unidade na diversidade, um dos princípios dialéticos mais caros do pensamento de Marx. A unicidade, como igualdade, não significa a supressão do diverso de multiplicidade, e sim a supressão das desigualdades. Significa adquirir uma formação que propicie a todos alcançar o nível mais elevado do pensamento humano, conquistando capacidades para exercer a crítica do mundo em que vivem e ao mesmo tempo serem capazes de dirigir de governar. (AMORIM et al., 2011, p.12) Porém, o entendimento da escola unitária parece equivocada, por parte dos formuladores da medida, pois conforme assinalou Soares (2000, p. 34): A realização da “escola unitária” não está condicionada à derrocada imediata do estado burguês porque, para Gramsci, a construção de uma nova sociedade se dá no processo de luta pela destruição da ordem social capitalista. Examinando nessa perspectiva a “escola unitária”, ele afirma que um dos meios para conquistá-la seria o desenvolvimento dos elementos racionais da “escola nova” e a luta contra seus aspectos conservadores e elitistas, até que a organização escolar se tornasse efetivamente democrática (SOARES, 2000, p.34). No momento atual, a análise de política do PROEJA se torna um esforço necessário para se buscar um conhecimento emancipatório e libertador que considere o homem em toda sua dignidade. Apple, Girox e Maclaren (1989), com corroboram a respeito que: Nossos debates sobre o papel da educação na distribuição e na produção do poder econômico, político e cultural desenvolveram-se demasiadamente em um nível muito abstrato, em vez de pegar os instrumentos e aplicá-los à história e à realidade concretas das políticas e das práticas envolvidas na organização do ensino e do currículo. Imbernón, p.81 resgata as vicissitudes sociais e educacionais segundo os passos de Paulo Freire: É preciso desenvolver novas formas de linguagem crítica que permitam, por um lado, desvelar o currículo oculto e, por outro, descobrir outras maneiras de ver o mundo e a educação. Nesse mesmo sentido, precisamos analisar o progresso de maneira não linear, nem monolítica, mas integrando outras identidades sociais, outras manifestações culturais da vida cotidiana e outras secularmente marginalizadas. Com base nos referidos autores e conceitos anteriormente mencionados, o próximo item contextualiza o PROEJA na análise jurídica focado na Teoria Tridimensional de Reale que se estrutura no fato, valor e norma para análise deste programa. 1.3 ANÁLISE JURÍDICA – TRIDIMENSIONALIDADE DE MIGUEL REALE A nomogênese jurídica (analise jurídica) corresponde ao processo de nascimento de uma norma jurídica, processo esse intimamente ligado com o poder. Não se trata aqui de analisar tecnicamente as várias etapas do processo legislativo, mas sim de como os políticos 38 selecionam os assuntos a serem objeto de deliberação no Congresso Nacional e como esses assuntos serão colocados no papel, à luz do entendimento de Reale. Qualquer lei equivale ao instante culminante de uma gama respeitável de fatores, que podem ser agrupados em dois tipos: os de cunho axiológico e os de cunho fático. Todavia, há de chegar um momento no qual os negociadores optam por uma das alternativas que têm a seu dispor. Importante, portanto, os ensinamentos de Miguel Reale (1999, p. 193): “nada mais incompatível com o direito do que a incerteza, a carência de uma diretriz insegura: o direito responde, de maneira primordial, ao desejo espontâneo que o homem tem de fugir à dúvida, mais pungente no plano moral da ação do que no plano intelectual da especulação pura”. Prosseguindo, ensina o citado autor que “uma opção se impõe, e toda vez que se escolhe uma via, sacrificam-se todos os demais caminhos possíveis. Dentre os vários projetos de lei em debate em um parlamento, por exemplo, a respeito de um dado assunto, por mais que se procrastine, chega o momento do fiat lex, átimo culminante de uma decisão. É este o momento decisório e decisivo do Poder” (REALE, 1999, p. 194). Abordaremos o pensamento filosófico de Miguel Reale para construir o mundo ideológico do jurista, pois o ato de filosofar brota de uma constante inquietação humana com seus problemas e questões mais essenciais, restando ser a busca de significações e princípios, representando “perene esforço de sondagem nas raízes dos problemas” (REALE, 2002, p.7), como forma de compreender a Teoria Tridimensional do Reale. Para a teoria de Miguel Reale, essa filosofia do Direito não é específica, porém presente na obra de inúmeros filósofos podendo ser classificada implícita, marcando a fase da justilosofia, a qual se estende dos pré-socráticos até Kant. A partir do criticismo kantiano, inaugura-se uma Filosofia do Direito explícita, adquirindo a condição de disciplina autônoma, através da passagem do jusnaturalismo para a experiência jurídica crítica (REALE, 2002, p. 288). Inspirando-se em Stammler, 1925, neste momento em que demonstra explicitamente suas relações com o neokantismo: O pensamento stammleriano, que alcançou ampla ressonância, merece ser examinado de maneira especial, por sua inegável atualidade, ao pôr em realce o problema do Direito como estimativa, e ao conceber a regra ou norma de Direito como norma de cultura, reconhecendo a importância dos problemas dos valores para a Jurisprudência, embora fazendo-o, repetimos, de um modo excessivamente lógicoformal em harmonia com os esquemas aprioristas da Escola neokantista de Marburgo. (REALE, 2002, p. 305) Assim propõe que a Filosofia do Direito se divida em uma parte geral e outra especial, resumindo-se a primeira à ontognoseologia jurídica. Já na parte especial, adota três 39 componentes, a epistemologia jurídica, ou doutrina das ciências do Direito (entendida como a preocupação com o “o problema da vigência e dos valores lógicos do Direito”); a deontologia jurídica, ou doutrina dos valores éticos do Direito (preocupada com “o problema do fundamento do Direito”); e, por fim, a culturologia jurídica, ou doutrina do sentido histórico do Direito (tratando do “problema da eficácia social do Direito”) (REALE, 2002, p. 305). Dentro dessa Filosofia do Direito, alinhada com o criticismo próprio de Kant, surge a questão primordial e típica do culturalismo dos valores, ou seja o ser e o deve ser. (REALE, 2002, p.324) Toda regra jurídica traduz um imperativo de conduta, a obrigatoriedade de um comportamento, uma exigência de ação ou de omissão. Quando se fala em lei jurídica, fala-se na obrigatoriedade de um comportamento possível. A lei físiconatural, como já dissemos, é, em sua essência, uma súmula estatística dos fatos. O cientista, nos domínios da Física, procura refletir o fato na sua objetividade, expressando-o em fórmulas possivelmente quantitativas e matemáticas. [...] As leis físico matemáticas não possuem sanção, porque a sanção é algo de extrínseco à regra, algo que se acrescenta à lei, para garantia de sua obrigatoriedade. (REALE, 2002, p.324) Portanto, a ideia realeana sobre a Filosofia do Direito está diretamente vinculada à cultura e aos valores relacionados com os fatos (fenômenos) verificados na sociedade, interpretados conjunta e complementarmente, se desvelando tal articulação através da tridimensionalidade do direito. Pode-se perceber que essa colocação do problema corresponde à teoria tridimensional do Direito, o qual é, ao mesmo tempo e dialeticamente, fato, valor e norma. Dava-se, desse modo, o superamento da redução do Direito ao mundo empírico dos fatos (realismo ou positivismo jurídicos) ou das normas (normativismo puro kelseniano) ou dos valores (Direito Natural), para passar a ser visto como integração normativa de fatos segundo valores (REALE, 2004, p. 6). Frente as desconstruções e construções de velhos e novos paradigmas, constitui-se a teoria da “Tridimensionalidade de Miguel Reale” que coincidiram com as pesquisas Wilhelm Sauer, na Alemanha. Se perguntassem a Kelsen13 o que é Direito, este responderia: “direito é a norma jurídica e não é mais do que a norma”, mas para Miguel Reale14, a esse respeito desconsidera e dispõe que: 13 Hans Kelsen, em 1940, era conhecido sobretudo como jurista da norma, do normatismo hierárquico, da pirâmide da norma, conforme expõe em sua Teoria Pura do Direito. 14 Miguel Reale foi um filósofo, jurista, educador e poeta brasileiro. Foi um dos maiores expositores da filosofia do direito dos séculos XX e XXI. Com sua tese “Fundamentos do Direito”, 1940, lançou as bases de sua “Teoria Tridimensional do Direito”, que se tornou mundialmente conhecida. 40 [...] a norma jurídica é a indicação de um caminho, porém, para percorrer um caminho, eu devo partir de determinado ponto e ser guiado por certa direção: o ponto de partida da norma é o fato, rumo a determinado valor. ” Assim, Direito não é só norma, como disse Kelsen, Direito não é só fato como rezam os marxistas, o Direito não é só valor, como pensam os adeptos do Direito Natural15 porque o Direito ao mesmo é norma, é fato e é valor. (Relato na homenagem 25 de março de 1992 na USP – Linha Evolutiva da Tridimensionalidade Miguel Reale, p.303) A noção da estrutura tridimensional se fundamenta na dialeticidade dos três elementos. Há uma dinamicidade integrante e convergente entre o fato, valor e a norma, de tal maneira que há três ordens de dialética, conforme o seu sentido dominante, abaixo transcrito no quadro direcional: Ciência Direito Sociologia Direito Filosofia Direito Figura 2 – Três ordens de dialética Fonte: REALE, 1993 No primeiro caso, a ciência do direito objetiva atingir a norma, para interpretá-la e aplicá-la, a Dogmática Jurídica16, ou a Jurisprudência; já a sociologia jurídica tem com o objeto o fato social, sendo um fato jurídico, que não se compreende sem referir-se a uma norma e ao valor que se veja realizar. E a filosofia do direito tem como o objetivo o valor disposto na norma e fato que é valor do “justo”. Além disso, os fatos e os valores, cuja implicação resultam as normas, precisam ser analisados de acordo com o contexto histórico vivido pelo homem, pois o ser humano é um ser tipicamente histórico, de modo que analisá-lo fora da cronologia é afastar-se de sua real compreensão. Daí Miguel Reale (2007) dispõe que: A historiografia é o espelho no qual o homem temporalmente se contempla, adquirindo plena consequência de seu existir, de seu atuar. Qualquer conhecimento do homem, por conseguinte, desprovido da dimensão histórica, seria equívoco e mutilado. O mesmo se diga do conhecimento do direito, que é uma expressão do viver, do conviver do homem. (REALE, 2007, p.80) 15 Direito natural tem como pontos principais em sua doutrina a ideia de que existe um direito comum a todos os homens e que o mesmo é universal. Este direito é anterior ao direito positivo, que é fixado pelo Estado. Segundo Norberto Bobbio, são a universalidade, a imutabilidade e o seu conhecimento através da própria razão do homem. 16 Dogmática jurídica é a teoria positiva do Decreto Positivo, e este termo não significa, absolutamente, “algo que é imposto”, mas tão somente algo que é posto. (REALE, 1992) 41 Desse modo, o historicismo cultural, a partir da abordagem da tridimensionalidade de Reale (2007), o Poder tem influência sobre o processus factual-axiológico17 gerando a norma jurídica. E esse “Poder”, não é apenas governamental, existe a figura do “poder”, propositalmente nominado com “p” minúsculo, que se refere às outras formas de poder não estatais (utopias decorrentes das ideologias dos grupos sociais, contratos, ONGs, dentre outros). Dessa afirmação, apresentamos o esboço sobre a teoria tridimensional do direito: Figura 3 - Teoria Tridimensional do Direito Fonte: REALE, 2007, p.124 O que conclui Reale (2007), destarte, é que o papel da norma é de relacionar o fato e valor, ou seja, é o ponto de referência entre o que existe na realidade social, e a mesma necessidade de se medir no âmbito do comportamento social e da atividade juridicante, quais são as consequências a se atribuir a este ou a aquele fato. Disso, obviamente, resulta um direito cujo processo trata-se de algo dinâmico por excelência, em que interagem e se implicam três elementos básicos (fato-valor-norma) que não se excluem, mas se exigem mutuamente entre si, processo este que não pode ser concebido nos moldes tradicionais da dialética dos opostos, que terminaria por identificar ou excluir um dos termos da relação de conhecimento. Assim, o direito deve ser tratado como um processo cujo enfoque é dado, a partir de uma dialética de implicação e polaridade, em que os termos não se excluem nem se identificam, mas se exigem e são irredutíveis um ao outro. [...] complementaridade, dá-se a implicação dos opostos na medida em que se desoculta e se revela a aparência da contradição, sem que com este desocultamento os termos cessem de ser contraditórios, cada qual idêntico a si mesmo e ambos em mútua e necessária correlação. (REALE, 2003, p. 71) Na teoria realeana, é exatamente esta irredutibilidade e implicação do processo dialético da complementaridade a que o fenômeno jurídico se submete, garantindo-lhe o 17 processus factual-axiológico – processo que deriva do fato, valor constituindo a norma 42 constante “transmutar-se, numa incansável dinâmica, que não se esgota, em sua síntese integradora, na norma jurídica” (COELHO, 2003, p. 88). Portanto, é importante que haja uma proximidade entre as questões axiológicas e as questões normativas, a fim de que o Direito tenha não apenas uma validade formal, mas validade material, provindas dos desejos da sociedade com respostas efetivas e eficazes através da política. Esse entendimento é corroborado por Oswaldo Ferreira de Melo (1994): À Política do Direito cabe intercomunicar ambos os elementos, tornando-os interdependentes, e examinar os âmbitos da Política e do Direito não como áreas bastantes em si mesmas, mas como espaços suscetíveis de permanentes e desejáveis influências recíprocas. O Direito necessita da Política para renovar-se continuamente na fonte das mediações, e esta necessita daquele para objetivar em realidades e valores a sua atividade quase sempre dispersiva e pragmática, ou seja, objetivá-la em sistema de princípios e normas, formal e materialmente válidos. (MELO, 1994, p.21) Assim, percepção jurídica a primeira análise são as questões de fato (e de contexto histórico) que conduzirá o pesquisador à compreensão da teoria do Direito aos valores sociais. Logo “o objeto da Política Jurídica deve ser considerado no universo de grandes reflexões e das grandes decisões18”. Alguns questionamentos são formulados: Como deve ser o Direito? Fruto retórico da dominação ou instrumento estratégico de mudanças? (...) O Direito deve ter compromisso apenas com o presente ou deverá estar empenhando na construção ética do devir? O PROEJA é visto como um programa ou ajustamento? “Articular” e “integrar” são termos jurídicos que reestruturam a visão jurídica? Como o aplicador do direito conceitua estes termos? E que maneira altera a interpretação jurídica? O Integrar no PROEJA é distinto do Integrar em outros atos normativos? Que serão analisados no capítulo 3. Assim, deparamos que o PROEJA vem elencado no princípio maior do homem – Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, traz a questão do mínimo existencial ou piso mínimo normativo19 no qual reveste de caráter imperatividade, sendo que precisa ser respeitado sob pena de acarretar consequências ao seu transgressor, art. 1º da CF/8820. E finalizando, a dialética para Reale (2007), trata de governar o mundo da cultura, como teoria e prática de tal forma que possibilita a compreensão do conjunto a partir de sua composição como unidade múltipla e aberta. 18 MELO, Oswaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. 1994, p. 38 19 Mínimo existencial ou piso mínimo normativo: segundo Celso Antônio Pacheco Fiorilo para referir-se às condições sem as quais o homem não pode viver com dignidade e que tais condições estão elencadas no artigo 6º Constituição Federal de 1988. 20 art. 1º da CF/88 – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Munícipios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento: [III] A dignidade da pessoa humana. 43 1.4 FORMAÇÃO DA AGENDA Ao mencionar o termo “políticas públicas”, sabe-se que estas constituem um campo de atuação vinculada ao Estado. Segundo Pinheiro (2010), política pública é um conjunto de ações coletivas voltadas para garantir os direitos sociais de um cidadão, como saúde, educação, segurança e outros expressa a transformação daquilo que é do âmbito particular em ações coletivas no espaço público. Para Guareschi et al. (2004), a política pública pauta-se em marcos jurídicos específicos e contempla a questão dos recursos financeiros, da gestão e controle social. Assim, toda a pressão leva a acordos que, às vezes, descaracteriza o projeto inicial. E tendo por referência o pensamento de Villanueva (2003), atores importantes estiveram presentes na formulação do PROEJA. Na arena da política, o documento que norteou a implantação das políticas para a educação profissional no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), denominado Proposta de Políticas Públicas para a Educação Profissional e Tecnológica (BRASIL, 2003), dentre os princípios gerais, destacou: [...] comprometer-se com a redução das desigualdades sociais e incorporar a educação básica como direito e dentre os pressupostos específicos da educação profissional e tecnológica: articular a educação profissional e tecnológica com a educação básica, integrar a educação profissional e tecnológica ao mundo do trabalho, promover a interação da educação profissional e tecnológica com outras políticas públicas. No ano de 2005, a exposição de motivos do referido Decreto, encaminhada ao Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) pelo Ministro da Educação Tarso Genro, destacou que o Decreto nº 5.154/2004 apontava para a necessidade de que a formação profissional estivesse em constante articulação com as estratégias de educação de jovens e adultos, promovendo, simultaneamente, a qualificação profissional e elevação da escolaridade do trabalhador brasileiro. Outra estratégia do governo que se fez presente no cenário da formulação do Proeja foi uma pesquisa21 denominada Experiências atuais de Educação Básica de nível médio com formação profissional realizada pela SEMTEC/MEC que teve como objetivo identificar as experiências de ensino médio fora dos sistemas educacionais que estavam associadas à 21 O relatório parcial da pesquisa realizada pela Semtec/UNESCO, com a coordenação do IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas) que levantou um banco de dados e um cadastro completo das instituições atuantes em 2004 na educação básica. Esta pesquisa teve seu início organizado em novembro de 2003, com a participação de pesquisadores, organizados em coordenações regionais e uma coordenação nacional, coordenada pela Diretoria de Ensino médio da Semtec, tendo, à época, Marise Ramos como diretora. Julho, 2005. Mimeo. 44 formação profissional, de modo a subsidiar a definição de prioridade junto às ações de Educação Profissional e de Educação de Jovens e Adultos. Na arena dos burocratas, conforme a auditoria realizada na Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica/MEC, no ano de 2005, o relator Benjamin Zymler do Tribunal de Contas da União – TCU em 27 de abril, mediante o Acórdão submetido ao Plenário do TCU22 destacou: “Vale registrar, também, a sugestão de que seja aquela Secretaria o incentivo às Ifets de práticas que favoreçam a permanência, nessas instituições, de indivíduos socialmente desfavorecidos”, acolhendo integralmente as propostas da Unidade Técnica, alicerçadas no contexto que se segue: Apesar da intenção original de democratizar o acesso aos cursos técnicos, atraindo somente os alunos realmente interessados na formação profissional para ingresso no mercado de trabalho, o Decreto nº 2.208/97, que separou o ensino técnico do médio, não atingiu esse objetivo [...] Além disso, as formas com que os cursos técnicos eram oferecidos não se adequavam à realidade dos estudantes. Para o aluno que precisava trabalhar – situação muito comum nas classes menos privilegiadas – a forma concomitante era inviável, já que exigia do estudante dedicação aos estudos em tempo integral: o ensino médio em um período do dia e o técnico, em outro [...] Conforme relatado, a natureza das reformas na educação profissional nos últimos dez anos encerra potencial de ter dificultado o ingresso, nas Ifets, dos candidatos provenientes de grupos socialmente desfavorecidos. Nesse contexto, torna-se ainda mais necessária a existência de mecanismo para beneficiar o acesso à educação profissional de grupos socialmente desfavorecidos e/ou de baixa renda e garantir sua permanência. [...] Essas ações de iniciativa das Ifets são financiadas com recursos das próprias instituições e muitas delas carecem de formalização e de regularidade no seu oferecimento [...] Além disso, como projetos isolados, os mecanismos utilizados são muitos variados. As ações mais comumente adotadas para favorecer o acesso dessa parcela da população são a isenção de taxa de inscrição, o sistema de cotas, os critérios de preferências, os cursos desenvolvidos especialmente para o público jovem adulto, como Emjat do Cefet Espírito Santo, Unidade Pelotas do Cefet Rio Grande do Sul. Na arena dos trabalhadores, representado pela sociedade civil organizada em fóruns e sindicatos. Estudos realizados por Carvalho (1999), que tomaram como universo de investigação entidades de trabalhadores, como: organização Internacional do Trabalho – OIT, Central Sindical, Central Única dos Trabalhadores, CUT, Força Sindical – FORÇA, Confederação dos Trabalhadores em Educação – CNTE, Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Profissional – Sinasefe e Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST, revelaram que, à época, os trabalhadores defenderam uma educação profissional integrada à educação básica “pressupõe, de um lado, a defesa do acesso e 22 Por meio de requerimento apresentado pelo Ministro Guilherme Palmeira e aprovada pelo Plenário deste tribunal em 01/10/2003 (Ata nº 38), foi solicitada esta auditoria na área de educação profissional, abrangendo a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica/Setec/MEC e Instituições Federais de Educação Tecnológica/Ifets, para, inclusive, avaliar as conseqüências das mudanças implementadas com a edição do Decreto nº 2.208/97, especialmente em relação ao atendimento de estudantes de baixa renda, como instrumento de inclusão social. Neste sentido, o presente trabalho teve como objetivo avaliar aspectos de natureza operacional e de legalidade do programa de educação profissional a cargo da Setec/MEC (TC–004.550/2004-0). 45 permanência na escola, para todos, e, de outro lado, implica na defesa de uma educação profissional que integre a prática do trabalho e a aprendizagem do trabalho” (CARVALHO, 2000, p.12). Na proposta da educação do trabalho das entidades pesquisadas, observa-se que a educação profissional “deve orientar-se em princípios de educação continuada e permanente, constituindo tema para uma agenda de participação dos trabalhadores e a luta pela democratização do Ensino médio para os jovens e da Educação Profissional a ele vinculada” (CARVALHO, 2000, p.18). Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) no período de transição para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a sociedade civil23 debateu e avaliou as ações desenvolvidas e aquelas que estavam em desenvolvimento na área da formação profissional que tinham relação com a educação escolar, com o objetivo de gerar subsídios para as políticas públicas do novo governo. O documento afirmou a necessidade da educação profissional, Em todos os seus níveis, estar integrada à educação básica de forma a complementála e nunca substituí-la, considerando a situação dos trabalhadores brasileiros, jovens e adultos, que apresentam, em sua maioria, baixos índices de escolaridade formal e desempenho escolar [...] e promover, simultaneamente, a elevação de escolaridade dos trabalhadores (idem, p.39). A proposta elaborada como subsídio ao governo que ora se iniciava trouxe uma indicação relevante para a política pública a ser implementada: a necessidade de que as estas políticas de “formação profissional superem o viés assistencialista/compensatório” (idem, ibidem) e promovam a inclusão social. Para isto, foi reafirmada a indicação de que os cursos sejam organizados em itinerários formativos e superem o caráter fragmentado e descontínuo que não permite o prosseguimento dos estudos. Os integrantes da rede de interesse, incluem os ativistas que lutam por políticas, como fóruns da EJA, organizações internacionais, e agências não governamentais (ONGs), exigindo por parte do governo que tenham equipes de especialistas para interagir no mesmo nível teórico e técnico (VILLANUEVA, 2003) acrescenta outra representação da sociedade 23 “Um grupo de trabalhadores, gestores de políticas públicas de trabalho, educação e formação profissional de governos estaduais e municipais, pesquisadores de universidades e coordenadores de programas de educação/formação profissional vinculados a entidades da sociedade civil” (FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS, 2005, p. 38) reuniu-se na cidade de Santo André/SP, nos dias 5 e 6 de dezembro de 2002, para participarem da oficina sobre qualificação profissional como política pública. Nesta reunião foi elaborado o documento “Propostas para a organização da política pública de formação profissional” (idem, ibidem). 46 civil no tocante à EJA são os Fóruns EJA24 e Enejas. O Relatório síntese do IV Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos (IV Eneja) realizado na cidade de Belo Horizonte, em agosto de 2002, deliberou as diretrizes para a EJA num contexto de mudanças políticas no Brasil, em razão das eleições presidenciais daquele ano. Entre elas, destaca-se: Propostas curriculares que contemplem o estabelecimento de relações com o mundo do trabalho, com os saberes produzidos nas práticas sociais e cotidianas e o envolvimento de todos com esse mundo e seus saberes formais, sejam como trabalhadores, como empregados ou como desempregados (BRASIL, 2004, p.131). E os fóruns tornam-se possíveis nos espaços onde a sociedade local se mobiliza, se reafirmam e se consolidam as identidades coletivas e o sentimento de pertencimento, a ideia de unidade na diversidade e os projetos e utopias que sustentam o movimento. Nesse lugar, onde o fórum pode se localizar, é que se constroem, de forma sistemática, propostas e a transformação da sociedade, bem como os instrumentos de negociação com o Estado e o mercado. (SCHERER-WARREN, 2006, p.124). Estudos e pesquisas têm destacado a importância dos fóruns e plenárias. Estudos e pesquisas têm destacado a importância dos fóruns, plenárias, audiências públicas, mesas de concertação, redes e outras formas de articulação enquanto espaços políticos estratégicos para a ampliação da participação e democratização da informação, bem como mecanismos de ativação e dinamização dos próprios conselhos. [...] A gestão das políticas públicas poderá ser mais ou menos cidadã, ou seja, influenciada pela sociedade civil. Isto dependerá das relações de força ou das possibilidades de convergência entre representantes das redes de movimentos, da esfera estatal e do mercado nos conselhos setoriais e nas conferências de promoção de direitos da cidadania; bem como das possibilidades e efetivo empoderamento e democratização no interior das próprias redes de movimento, na direção do desenvolvimento de sujeitos com relativa autonomia na construção de seus destinos pessoais e coletivos. (RAICHELIS apud SCHERER-WARREN,2006, p.126). Avritzer e Pereira (2005) mencionam que o novo conjunto de formas ampliadas de participação política é híbrido, visto que este modelo de participação envolve atores sociais e estatais, em um mesmo espaço, dividindo os processos deliberativos. Nestes espaços a ação, os debates e o ajuste das estratégias acontecem, levando-se em conta uma ação coletiva e negociada. O local se torna o lugar da elaboração de políticas públicas, de tomada de decisão discutidas e compartilhadas sob a forma de orçamentos participativos, de fóruns e arenas público-privadas e projetos participativos, seja através de novas relações jurídico-institucionais entre as instâncias federal, estadual, municipal, seja através da construção de um novo espaço democrático com as comunidades locais e suas representações sociais e políticas. (AVRITZER; PEREIRA, 2005, p. 17). 24 “O movimento dos fóruns de educação de jovens e adultos, conformando espaços públicos de expressão e legitimação de reivindicações, diálogo e negociação” (DI PIERRO, 2005, p. 1122-1123). Para Paiva (2009) a característica fundamental dos fóruns é seu “caráter informal, não institucionalizado, não submetido a nenhuma instância de poder formal, embora alguns apresentem coordenações mais ou menos estruturadas” (p.29). 47 Os fóruns ganharam importância, nos últimos anos, por se constituírem em uma instância de articulação entre várias ações coletivas, que trabalham em prol da cidadania e na construção de políticas públicas. Eles servem como elementos de mediação entre a sociedade de base local e o Estado. Na sociedade das redes (para usar uma terminologia de Manuel Castells), o associativismo localizado (ONGs comunitárias e associações locais) ou setorizado (ONGs feministas, ecologistas, étnicas, e outras) ou, ainda, os movimentos sociais de base locais (de moradores, sem teto, sem-terra, etc.) percebem cada vez mais a necessidade de se articularem com outros grupos com a mesma identidade social ou política, a fim de ganhar visibilidade, produzir impacto na esfera pública e obter conquistas para a cidadania. Nesse processo articulatório, atribuem, portanto, legitimidade às esferas de mediação (fóruns e redes) entre os movimentos localizados e o Estado, por um lado, e buscam construir redes de movimento com relativa autonomia, por outro. (SCHERER-WARREN, 2006, p.114). Figura 4 – Organização da Sociedade Civil, atualmente. Fonte: Scherer-Warren, 2006, p.114 A sociedade se vê obrigada a adotar estratégias de articulação descentralizadas, com o intuito de permitir a discussão da gestão e o controle das políticas educacionais. Esta articulação tinha como característica a criação de espaços públicos e sem marcas de institucionalidade. Nestes, as representações governamentais e não-governamentais poderiam se reunir com a perspectiva de se informar, formar, mobilizar e intervir. (DI PIERRO, 2005, p. 1130-1131). Constitui-se, então, “um movimento nacional de continuidade da V CONFINTEA, que se materializa na criação de fóruns estaduais de EJA”. (SOARES, 2002, p.9). O primeiro deles, o Fórum de Educação de Jovens e Adultos do Rio de Janeiro foi uma estratégia de trabalho que: 48 [...] contribuiu para a desconstrução de posturas e atitudes centralizadoras, adquiridas ao longo de muitos anos na sociedade, possibilitando o estabelecimento de relações mais igualitárias, fator decisivo para um processo de democratização da educação nas esferas locais, como preconiza a LDB, ao mesmo tempo que representava um grupo de pressão organizada e permanente, em defesa dos interesses da educação de jovens e adultos. (PAIVA, 2004, p.36). Já Dantas (2005), por sua vez, define o Fórum do Rio de Janeiro como: [...] uma articulação informal de diversos segmentos da sociedade civil na luta pelo direito à educação. [...] uma nova institucionalidade, pois é palco de uma forma particular de ação política. Sua pretensão não é somente cobrar e exigir, mas é construir coletivamente, junto aos que atuam na EJA e, principalmente, com os que formulam as políticas para este segmento. (DANTAS, 2005, p.7). Para Paiva (2000), o papel desses fóruns é a: [...] articulação informal de educadores e educadoras, que somam suas experiências em movimentos da sociedade civil, ONGs, Prefeituras, Secretaria de Estado da Educação, Universidades, pelo interesse em discutir, fortalecer e propor caminhos para a educação de jovens e adultos... (PAIVA, 2000, pág. 2). O Relatório síntese do V Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos (V Eneja) definiu as diretrizes básicas para pensar políticas públicas para jovens e adultos e destacou a necessidade de “integração de programas de EJA com o mundo do trabalho, sustentação e renda” (BRASIL, 2004, p.143). Os representantes dos segmentos reunidos no Eneja ainda apontaram a necessidade de estreitar os vínculos entre a educação profissional e a EJA, “o que requer do MEC uma aproximação frutífera com o MTE, rediscutindo as políticas e recursos dissociados e pulverizados” (BRASIL, 2004, p.147). O sistema federal de educação profissional, aqui representado pela Rede Federal, é um dos atores da formulação da política pública, ao sofrer pressões da população local e do setor empresarial, mas também exerce o papel de implementador, no âmbito da escola, onde, a partir da sua realidade, configura a política no seu cotidiano. E na conquista dos direitos educacionais pelos cidadãos, concretiza nos marcos da Constituição de 1988 e das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei n. 9.394/96). A pressão social dá - se por diversos movimentos da sociedade civil, movimentos sociais e sindicais, pressões de redes de atores comunitários e de famílias. Tais pressões, algumas vezes, foram canalizadas por meio de mecanismos participativos que ampliaram as formas de democracia representativa vigentes no país. Isso ocorreu, por exemplo, no caso da demanda por EJA contemplada no contexto do orçamento participativo em Porto Alegre (PONTUAL, 2000). 49 Outro dado relevante é a pequena participação das universidades na elaboração dos projetos, com presença apenas em 6% no total (HADDAD, 2002) Esses dados confirmam outros estudos (evasão, repetência), programas implantados já realizados, que demonstram ainda pequena presença das instituições de ensino superior na EJA, tanto em pesquisas quanto em extensão e ensino25 (HADDAD, 1987, 2002). O Fórum MOVA era o conselho popular da alfabetização de adultos (GADOTTI, 2000). O projeto residia em criar um movimento de educação popular que ultrapassasse o sentido das campanhas contra o analfabetismo promovidas pelo Estado, tornando-se um movimento organizado e autônomo da sociedade civil capaz de sobreviver às mudanças do poder institucional e continuar lutando pela educação básica. O MOVA não era concebido, portanto, apenas como um programa educacional de combate ao analfabetismo, mas como um movimento de eminente caráter político, na medida em que, concomitantemente e por meio da alfabetização, procurava desenvolver um processo de conscientização dos envolvidos que incorresse num incremento da luta popular (FREIRE, 2000). Recentemente, o programa Alfabetização Solidária vem envolvendo as instituições de ensino superior em processos de formação e avaliação, produzindo como consequência uma aproximação sobre o tema. Programas como o Movimento de Alfabetização (MOVA), modelo de programa oriundo na gestão de Paulo Freire (1989-1992), espalhou-se por todo o país, em governos municipais e estaduais de diversos partidos, mas principalmente nas gestões do Partido dos Trabalhadores. O modelo implementado, ao envolver entidades e movimentos sociais, acabou por fortalecer no âmbito da sociedade civil a demanda por EJA e experiências educacionais nessa área. 25 SÉRGIO HADDAD, doutor em história e sociologia da educação pela Universidade de São Paulo, foi professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e atualmente é pesquisador e coordenador geral da Ação Educativa, em São Paulo. Publicações mais importantes: Education of youth, human rights and human development (Convergence, Toronto, v. XXXIX, p. 131-146, 2006); com Maria Clara Di Pierro: A historical overview of adult formal education in Brazil (In: CASTRO, Rui Vieira de; SANCHO, Amélia Vitória; GUIMARÃES, P AULA (Orgs.). Adult education: new routes in a new landscape. Braga: University of Minho, 2006, v. 1, p. 231-270); com Maria Machado Malta Campos: O direito humano à educação escolar pública de qualidade (In: HADDAD, Sérgio; GRACIANO, Mariângela (Orgs.). A educação entre os direitos humanos. Campinas: Autores Associados, 2006, v. 1, p. 95-126); The World Social Fórum as a place for learning (Convergence, Quebec, v. XXXVI, n. 3-4, p. 3-5, 2003); com Maria Clara Di Pierro: Escolarização de jovens e adultos (Revista Brasileira de Educação, n. 14, maio/agosto, p. 108-130, 2000); Educação de jovens e adultos no Brasil – 1986-1998 (Brasília: MEC/INEP, 2002); Adult education: the legislative and policy environment (Hamburg: UNESCO Institute for Education, 1996, v. 1); Ensino supletivo no Brasil: estado da arte (Brasília: MEC/ INEP, 1987). É também pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), atualmente desenvolvendo a pesquisa: “Um balanço da produção de conhecimentos sobre educação não escolar de adultos no Brasil”. 50 A conquista do direito à EJA, assim como a mobilização por sua implementação, inseridas no processo de redemocratização do sistema político nas décadas de 1980 e 1990, foram marcadas pela forte presença da sociedade civil na reivindicação de direitos e pressão por mais participação nos rumos da gestão pública. Esse movimento, principalmente por meio de pressões municipais, fóruns estaduais e encontros nacionais, resultou em novas ofertas de serviços de atendimento e em novas formas de pensar e fazer a EJA, assim como na necessidade de buscar regulamentá-lo. Entre os vários subsídios para esse debate, há o parecer do Conselho Nacional da Educação de nº 11/2000, relatado por Carlos Roberto Jamil Cury, que incorporou a nova concepção de EJA às normas e diretrizes nacionais da educação básica a qual, ao tomar como referência o Parecer CNE/CEB 11/2000 homologado pelo Ministro da Educação em 07 de julho de 2000, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA e a Resolução CNE/CEB 1/2000, em seus 25 artigos, normatiza a educação de pessoas jovens e adultas em todas as suas modalidades, definindo diretrizes nacionais que de vem, obrigatoriamente, ser observadas na oferta da EJA, nas etapas fundamental e média, em instituições que integrem a organização da educação nacional, considerando o caráter próprio desta modalidade de educação. Além disso, a EJA, segundo o Parecer 11/2000, tem como funções a reparação, a equalização e a qualificação. A primeira, a função reparadora, é justificada, no Parecer CNE/CEB 11/2000, pelo alto número de analfabetos existente no Brasil. Considera o documento em questão que a focalização das políticas públicas no ensino fundamental teve como resultado a ampliação do número de crianças na escola. Aponta que, nos últimos anos, foram grandes os avanços quanto à universalização do Ensino Fundamental, em obediência ao princípio da obrigatoriedade escolar. Argumenta, contudo, que condições sociais adversas e as sequelas de um passado ainda mais perverso, associadas a inadequados fatores administrativos e de planejamento e dimensões qualitativas internas à escolarização têm condicionado o insucesso de muitos alunos (BRASIL, 2000, p.30) E a educação de jovens e adultos sendo uma “bandeira do partido dos trabalhadores” sob a tutela do presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva, para que o programa PROEJA tornasse uma realidade foram necessários a formação de alianças com os “conservadores”. Discurso do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, proferido em 1º de setembro de 2007, Grifos nosso durante 3º Congresso Nacional do PT enfatiza a importância das coligações para a educação tivesse o crescimento necessário trazer jovens e adultos com 51 também a juventude excluída para uma sociedade mais justa e equilibrada. E passa a discorrer sobre os pontos fortes do seu governo: Prestem atenção no número que eu vou dar agora, que é motivo de orgulho, meu caro João Felício, para qualquer professor deste País. Em toda a história republicana foram criadas no Brasil, desde 1909, quando Nilo Peçanha fez a primeira, 140 escolas técnicas federais. Em oito anos criaremos 214 novas escolas técnicas e já contratamos, por concurso, 10 mil professores para as universidades federais brasileiras. Prestem atenção: somente o ProUni beneficiará, até o fim do governo, cerca de 1 milhão de jovens das camadas populares, vindos das escolas públicas, com alta porcentagem de negros e índios. Além disso, os elevados investimentos do Fundeb, 10 bilhões de reais até 2010, contribuirão para que, finalmente, tenhamos uma educação pública de qualidade neste País. Essa verdadeira revolução educacional, consolidada no PDE, será decisiva para a ampliação da cidadania e para o aprofundamento da nossa democracia, mas o projeto nacional de desenvolvimento está também integrado pelas ações do Ministério da Saúde, pelo Plano Nacional de Ciência e Tecnologia, pelo Programa Nacional de Segurança, pelo Programa para a Juventude, que anunciaremos nos próximos dias, e por um conjunto articulado de novos programas na área social. (Discurso do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, proferido em 1º de setembro de 2007, Grifos nosso durante 3º Congresso Nacional do PT) Além disso, no Programa Brasil Que Queremos – Partido Trabalhadores, p.70; dispõe posicionamento do Presidente Lula: [...] A necessária expansão da educação profissional de nível técnico e tecnológico deve ser acompanhada por medidas que superem a concepção produtivista e mercadológica, voltada exclusivamente para a empregabilidade, ainda hegemônica no país. Currículos integrados (a exemplo do PROEJA, Saberes da Terra, PROJOVEM e Trabalho Doméstico Cidadão), formação de educadores de educação profissional, reformulação das diretrizes da educação profissional baseada no Decreto 5.154, participação dos atores sociais na gestão de programas e ações são questões centrais que devem merecer prioridade. Quanto à formação inicial e continuada de trabalhadores (FICT), é fundamental a sua regulação, abrangendo não apenas as ações do governo federal, estadual e municipal, como as ações do Sistema S e a formação nas empresas (“educação corporativa”). No Brasil, a busca do consenso “nunca foi um arranjo de iguais, mas o reconhecimento, por parte de um polo social ou político menor, da primazia de outro polo, mediante algumas benesses e sobre o pano de fundo constituído pela exclusão da grande massa da população” (DEBRUN, 1983, p.13) A partir das Deliberações na agenda política, o Proeja foi institucionalizado na Rede Federal conforme o quadro 1 Portaria, Decretos do PROEJA 52 ATOS NORMATIVOS DATA 13 de junho de 2005 Portaria 2080 Decreto Nº5478 Decreto Nº5840 24 de junho de 2005 13 de julho de 2006 FORMULADOR Ementa elaborada pelo Centro de Documentação e Informação – CEDI/Ministro Estado de Educação Poder Executivo Poder Executivo PREÂMBULO Estabelece, no âmbito dos Centros Federais de Educação Tecnológica, Escolas Técnicas Federais, Escolas Agrotécnicas Federais e Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais, as diretrizes para a oferta de cursos de educação profissional de forma integrada aos cursos de ensino médio, na modalidade de educação de jovens e adultos. Institui, no âmbito das instituições federais de educação tecnológica, o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA Institui, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, e dá outras providências Quadro 1 – Portaria e Decretos do PROEJA Segundo os documentos oficiais (BRASIL, 2006a), o PROEJA surge, então, com uma dupla finalidade. A primeira é enfrentar as descontinuidades e o voluntarismo que marcam a modalidade EJA no Brasil, e, a segunda, integrar à educação básica uma formação profissional que contribua para a integração socioeconômica de qualidade do coletivo de jovens e adultos. As intenções explicitadas no PROEJA são coerentes com as políticas públicas para a educação profissional e tecnológica definidas pelo atual governo federal (BRASIL, 2004), as quais apontam para a necessidade de a EPT articular-se com a educação básica e com o mundo do trabalho. Apesar dessas intenções explícitas no Programa e das potencialidades da Rede Federal de EPT em contribuir com seu êxito, alguns equívocos importantes marcam a gênese dessa iniciativa governamental. Em primeiro lugar, tem-se a instituição da Portaria Nº. 2.080/2005-MEC, de junho de 2005, que deu materialidade ao tema. Esse dispositivo determinava que todas as instituições federais de EPT oferecessem, a partir de 2006, cursos técnicos integrados ao ensino médio na modalidade EJA, estipulando, inclusive, um percentual mínimo de vagas que deveriam ser destinadas à nova oferta. Entretanto, legalmente uma portaria não pode ferir um decreto, que tem maior hierarquia e havia o Decreto Nº. 5.224/2004, que dispõe sobre a organização dos CEFETs que os centros federais de educação tecnológica – CEFETs –, criados mediante transformação das 53 escolas técnicas federais e escolas agrotécnicas federais, [...] constituem-se em autarquias federais, vinculadas ao Ministério da Educação, detentoras de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático pedagógica e disciplinar. (BRASIL, 2004a, p. 1, grifo nosso). Dessa forma, a Portaria Nº. 2.080/2005-MEC carecia de legalidade. Apesar das críticas veementes a diversos aspectos da supramencionada Portaria (Nº. 2.080/2005-MEC), após poucos dias de vigência, o seu conteúdo foi ratificado, quase integralmente, pelo Decreto Nº. 5.478/2005, que instituiu, no âmbito da Rede Federal de EPT, o PROEJA. Essa parece ter sido uma tentativa de resolver o problema de hierarquia das normas, mas o objetivo não foi alcançado, pois o Decreto Nº. 5.224/2004, mais antigo, permanece em pleno vigor. O primeiro passo equacionar o vício formal que é a falta de legitimidade foi a constituição de um grupo cuja função era elaborar um Documento Base (BRASIL, 2006a) de concepções e princípios do Programa, e cujo resultado aponta na direção de transformar esse Programa em política pública educacional. Posteriormente, a partir das diretrizes apontadas por esse Documento Base, o Decreto Nº 5.478/2005 foi substituído pelo Decreto 5.840/2006 (BRASIL, 2006b), atual instrumento legal regulador do PROEJA. Esse Decreto traz mudanças significativas em relação ao primeiro. Dentre elas destacam-se: a) a ampliação das cargas horárias; b) a ampliação dos espaços educacionais em que o PROEJA pode ser oferecido (o Decreto Nº 5.478/2005 limitava a oferta à Rede Federal de EPT, ao passo que o Decreto Nº 5.840/2006 incluiu as instituições públicas estaduais e municipais de educação também como espaço para as ofertas do PROEJA); c) a ampliação da abrangência do Programa (o Decreto Nº 5.478/2005 limitava o PROEJA ao ensino médio, enquanto o Decreto Nº 5.840/2006 incluiu o ensino fundamental), englobando toda a educação básica. Na arena das Agências Internacionais, em âmbito internacional, a Convenção26 relativa à luta contra as discriminações na esfera do ensino (1960), o Pacto Internacional27 26 A Convenção relativa à luta contra as discriminações na esfera do ensino A convenção contra discriminações na esfera do ensino define o conceito de discriminação e enfatiza ser uma atitude discriminatória “a exclusão de uma pessoa ou um grupo de pessoas a determinado grau ou tipo de ensino em função da idade” (art. 1º, §1º, “a” e “b”). Além disso, a convenção estabelece compromissos aos Estados signatários de eliminar disposições legislativas e administrativas que sejam discriminatórias na esfera do ensino (art. 3º, §1º, “a”), bem como a promoção e intensificação da educação de jovens e adultos que não o receberam em sua totalidade (art. 4º, §1º, “c”). E dispõe, no artigo 5º, que a educação “deve atender ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e reforçar o respeito aos direitos humanos e das liberdades fundamentais”. 27 O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais O artigo 13, inciso 1, “d” do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Assembleia Geral da ONU (PIDESC), de 16.12.66, estabelece o dever do Estado em “fomentar e intensificar na medida do possível, a educação de base para aquelas pessoas que não receberam educação primária ou não concluíram o ciclo completo da educação primária”. 54 sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) e a Declaração de Hamburgo28 (1997) são importantes instrumentos que garantem o direito à educação de jovens e adultos, no qual contribuíram para pressionar a criação do projeto PROEJA integrador. Diante dos fatos expostos, necessários para contextualização e justificativa da discussão aqui pretendida – formulação do Programa PROEJA - ilustram as dificuldades ou deficiências do sistema político no acompanhamento deste programa governamental. Muitos são os exemplos de pesquisas de avaliação que, mesmo motivadas por preocupação legítima e meritória com a eficácia e efetividade do gasto público, revelam, infelizmente, resultados triviais, metodologicamente questionáveis ou com baixa apropriação para reformulação dos programas. Equacionar tal situação requer, ademais de decisões políticas e administrativas, aprofundar o conhecimento sobre aspectos técnicos e legais. Vale formalizar dois termos correntemente citados no texto – políticas públicas e programas. Isso é importante para circunstanciar os limites do campo de diálogo estabelecido neste texto, já que a formulação de políticas públicas e formulação de programas públicos são termos muito imbricados, mas referem-se a contextos muito diferentes (em amplitude) da análise da intervenção estatal. Ao contrário da Declaração Universal de 1948, que proclama a instrução gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais, sem fazer distinção de idade, o PIDESC aborda diferenciadamente o direito à educação de jovens e adultos do direito dos educandos em idade própria, garantindo a estes que “a educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos”(art. 13, inc. 2, “a”) e à EJA, a implementação será feita “na medida do possível”, o que deixa margens para um tratamento discriminatório da EJA nos ordenamentos jurídicos internos de cada país. 28 A Declaração de Hamburgo sobre educação de adultos No contexto da Declaração de Hamburgo a educação de adultos é afirmada como um direito humano fundamental e um direito chave para o século XXI, sendo tanto uma “consequência do exercício da cidadania como condição para a plena participação na sociedade”. Assumiu-se o compromisso de “oferecer a homens e mulheres as oportunidades de educação continuada ao longo de suas vidas” (...) e construir “amplas alianças para mobilizar e compartilhar recursos, de forma a fazer da educação de adultos um prazer, uma ferramenta, um direito e uma responsabilidade compartilhada”. No âmbito desta Declaração foi adotada a Agenda para o Futuro, que estabeleceu metas específicas para que os objetivos proclamados na Declaração (melhoria das condições e qualidade da educação de adultos; garantir a alfabetização e a educação básica; promover o fortalecimento das mulheres através da educação de jovens e adultos; entre outros) fossem atingidos. Os signatários, entre os quais o Brasil, que subscreveram a Declaração de Hamburgo (1997) comprometeram-se, entre outras ações, a: 31. Promover o direito ao trabalho e o direito à educação de adultos relacionada com o trabalho: b) fazendo com que a educação de adultos, com objetivo profissional, desenvolva competências e habilidades específicas que permitam a inserção e a mobilidade profissionais, e melhore a capacidade dos indivíduos para exercer tipos diversificados de empregados; [...] e) insistimos sobre o papel capital que a educação profissional dos adultos exerce no processo de aprendizagem, ao longo da vida; [...] 33. Diversificar o conteúdo da educação de adultos com objetivo profissional: c) estimulando o espírito empreendedor por meio da educação de adultos (BRASIL, 2004, p.67-68). 55 Evitando entrar em discussão muito extensa sobre os diferentes significados do termo – sistematizados em Villanueva (2006) – política pública é, na definição de Nascimento (1991), o conjunto de decisões tomadas por aqueles que detêm competência legal para deliberar em nome da coletividade – as instituições de Estado – visando à solução de um problema ou ao redirecionamento de tendência, com a intenção de orientar sua evolução para um fim estabelecido como desejável. Assim, as decisões que conformam tal política – distributiva, redistributiva ou regulatória, universal ou focalizada – assumem diferentes formatos: podem se enunciados de diretrizes estratégicas de governo, leis e decretos, criação de organizações ou programas que vão conferir operacionalidade às diretrizes, leis e normas (VILLANUEVA, 2006). Por outro lado, o programa público é, pois, um dos instrumentos operacionais das políticas públicas, mais especificadamente, trata-se de conjunto sistêmico de ações programas e articuladas entre si, com o objetivo de atender uma demanda pública específica, encampada na agenda de prioridades de políticas públicas do Estado ou governo (ROSSI et al., 2004). Neste viés, a tese, apropria-se ciclo de políticas (VILLANUEVA, 2006), tridimensionalidade de Miguel Reale e os conceitos de recontextualização do discurso (BERNSTEIN, 1996) que passa a permitir o entendimento das políticas em constante articulação do contexto macroestrutural e o do micro contexto com fulcro de análise da formulação do Proeja no seu integrar ou articular dentro do contexto curricular. 1.5 ANÁLISE DO DISCURSO 1.5.1 As contribuições teóricas de Basil Bernstein A partir do conceito de recontextualização do discurso de Basil Bernstein que vem sendo associado à abordagem do ciclo de políticas constituindo fonte de metodologia para as pesquisas de análises das políticas, pois é a partir das reinterpretações dos textos das políticas, produzidos nos contextos macros, que podemos identificar como se estabelecem as relações entre processos de reprodução, resistência e mudança nos contextos micro. Outro fator, o princípio de recontextualização, as contribuições e conceitos de Bernstein, auxiliam na análise das políticas educacionais como, por exemplo: o Discurso Pedagógico com suas regras distributivas, recontextualizadoras e avaliativas; as regras de reconhecimento e realização, nos campos recontextualizadores oficial e pedagógico (BERNSTEIN, 1996). 56 Bernstein, preocupa-se com as questões macro da educação, as relações que se estabelecem com os sistemas político, econômico e cultural; e de outro lado, com as questões micro, as relações que se estabelecem no âmbito das escolas, das salas de aula, mais ainda com aspectos intrínsecos ao processo de transmissão do que é transportado do exterior para o interior da escola (códigos), a partir de dados posicionamentos, numa relação determinada entre os sujeitos, como uma criação de regulações específicas no interior dos contextos (BERNSTEIN, 1996). Segundo Lopes (2003, p. 23), para Bernstein, a escola deve garantir três direitos nos níveis individual, social e político: O primeiro deles se refere ao desenvolvimento pessoal, à formação dos sujeitos e opera no nível individual. O segundo, que opera no nível social, diz respeito ao direito de ser incluído, que é diferente de ser absorvido, pois inclui autonomia. O terceiro, que opera no nível político, é o direito à participação, que inclui a possibilidade de participar na construção, manutenção ou mudança de ordem social. Tratar da inclusão social como efeito de segunda ordem na análise de uma política requer que nos apropriemos de conceitos tais como igualdade e diferença, compreendendo as articulações existentes entre eles, principalmente no que se refere à exigência de reconhecimento da diferença e de uma redistribuição que permita a realização da igualdade (BERNSTEIN, 1996; SANTOS, B.; NUNES, 2003). Essa discussão remete à ultrapassagem da compreensão do multiculturalismo que apenas “aceita, tolera ou reconhece a existência de outras culturas no espaço cultural onde domina” para o conceito de interculturalidade, que “pressupõe a existência, o reconhecimento recíproco e a disponibilidade para o enriquecimento mútuo entre várias culturas que partilham um dado espaço cultural” (SANTOS; MENEZES, 2009, p. 09). Segundo Apple (1999), as reflexões de Bernstein se iniciaram através da relação entre cultura e poder, ou para melhor dizer, das ligações entre escola, economia, cultura de classe e suas práticas significativas. Para Bernstein, é através das relações de classe que o poder se reproduz. Assim, sua “[...] categoria central de análise é o poder, e o assunto preponderante é como as relações sociais constituem relações de poder [...]” (APPLE, 1999, p. 167). Segundo Cohen & Franco (1999, p.104) a eficiência é: “...a relação existente entre os produtos e os custos dos insumos, portanto, o resultado será sempre o custo de uma unidade de produto final por um beneficiário em uma certa unidade de tempo”. Figueiredo & Figueiredo (1986) também apontam para a definição do critério de eficiência. Para esses autores, existem dois tipos de eficiência que podem ser distribuídos a uma 57 política ou programa de cunho social: a eficiência instrumental e a eficiência política. Em relação ao primeiro tipo de eficiência, os autores afirmam que “esta é definida pela relação estrita entre os custos econômicos e os benefícios que são, em geral, tangíveis e divisíveis”. Já em relação à eficiência política, “esta é definida pela relação entre os custos, sociais ou políticos, e os benefícios derivados” (FIGUEIREDO &FIGUEIREDO, 1986, p.114). Para Tenório (2000, p.76) a eficiência é a definida como o “cumprimento de normas e redução de custos”. Portanto, avaliar a eficiência de um projeto é averiguar a relação entre custo e resultado obtido. Para tanto, é necessário analisar o custo-resultado e o insumo/produto do projeto. Um projeto é considerado eficiente quando seus resultados são alcançados dentro do menor custo possível. Neste ato, pontua a necessidade contextualiza o currículo dentro da política PROEJA, verificando sua aplicabilidade no contexto escolar integrando e articulando dentro do universo ensino aprendizagem. Lopes, 2005, corrobora que a compreensão das reinterpretações que sofrem os textos que circulam no meio educacional, desde o contexto de influência até o contexto da prática nesse âmbito, há espaço para se pensar o entendimento dos processos de aquisição/comunicação/troca simbólica (códigos elaborados/restritos), pelas interações entre classe social e cultura, pelos processos de recontextualização de conhecimentos e práticas, mediados pelos processos pedagógicos e interculturais, em que se articulam processos instrucionais (competências especializadas) e educativos de humanização. Ou seja, a partir do contexto influência a prática, há discricionariedade na interpretação dos textos educativos, em foco. Este entendimento é disposto por Lopes, 2005: [...] São orientações de agências multilaterais que se modificam ao serem inseridas nos contextos de Estados-nação; são orientações curriculares nacionais que são modificadas pela mediação de esferas governamentais intermediárias e das escolas; são políticas dirigidas pelo poder central de um país que influenciam políticas de outros países; são ainda os múltiplos textos de apoio ao trabalho de ensino que se modificam nos disciplinares (LOPES, 2005, p.53). Assim, o PROEJA, destinado a um grupo específico (jovens e adultos marcados historicamente pela exclusão educacional e social) com fins de concretização de um direito que já lhes fora negado em idade própria, sofre aquelas influências e passa por transformações desde a sua definição e durante o desenvolvimento contínuo, entre a prática da política governamental e a prática institucional educativa, na concretização dos seus efeitos, quer político-sociais, quer pedagógicos. Dessa maneira, Bernstein nos auxiliou tanto em relação à compreensão do discurso pedagógico que se produz nessa relação política/prática como também na análise dos efeitos da política do PROEJA. 58 De influência durkheimiana e marxista, a teoria de Bernstein representa o mundo simbólico e do significado por um lado, e, por outro, o mundo do poder diferencial das classes. Então não vislumbra somente as questões econômicas, mas também as questões culturais. [ ... ] Bernstein permite-nos ver a classe como uma categoria cultural e como uma categoria econômica. Neste processo, apresenta-nos uma imagem das fracções de classe agindo não só no seio da economia como também no centro das instituições políticas e culturais. Estas acções não se podem reduzir facilmente de acordo com as necessidades e os interesses do capital nem são mecanicamente determinadas pela economia. [ ... ] [ ... ] Nunca nos devemos esquecer que o seu destaque principal é consistentemente a (re)produção cultural. [ ... ] (APPLE, 1999, p. 166-167) O conhecimento educacional e, com ele, as relações de dominação, para Bernstein, realizam-se. através de três sistemas de mensagem: o currículo, a pedagogia e a avaliação. Apesar dos seus escritos iniciais terem se concentrado no currículo (o que conta como conhecimento válido), posteriormente passou a dar mais atenção às relações estruturais entre os conhecimentos e suas relações com os princípios de poder e controle - relações de dominação. Depois se preocupou mais com a pedagogia (o que conta como transmissão válida do conhecimento) e com a avaliação (o que conta como realização válida desse conhecimento) (SILVA, 2009a). Dessa forma, Bernstein passa a dar centralidade ao processo de comunicação pedagógica para, através das práticas discursivas, entender como a aprendizagem se desenvolve de forma seletiva e, em consequência disso, como as desigualdades educacionais são produzidas e justificadas. Pretende, assim, em sua teoria, compreender como a estrutura e a lógica do discurso fornecem os meios que transportam as relações externas de poder. Com isso, o referido autor introduz o dispositivo pedagógico destacando que não basta compreender as mensagens pedagógicas do ponto de vista institucional e ideológico, mas, sobretudo, do ponto de vista da gramática social subjacente à pedagogização do conhecimento; e entre o conhecimento e formas de consciência (BERNSTEIN, 1996, p.225). Assim, o dispositivo pedagógico, para Bernstein, constitui-se de três tipos de regras: distributiva29, recontextualizadora30 e avaliativa31. 29 As regras distributivas regulam, controlam, ou, melhor dizendo, nos termos de Bernstein, marcam e especializam o que pode ser pensável ou impensável. Ou seja, essas regras regulam a especialização diferenciada da consciência para os diferentes grupos. 30 As regras recontextualizadoras - o discurso pedagógico - consistem nas regras de comunicação especializada através das quais os sujeitos pedagógicos são seletivamente criados. "O discurso pedagógico é a comunicação especializada pela qual a transmissão/aquisição diferencial é efetuada." É “[...] a regra que embute um discurso de competência (destrezas de vários tipos) num discurso de ordem social, de uma forma tal que o último sempre domina o primeiro" (BERNSTEIN, 1996, p. 258). 59 [...] As regras distributivas regulam a relação fundamental entre poder, grupos sociais, formas de consciência e prática e suas reproduções e produções. As regras recontextualizadoras regulam a constituição do discurso pedagógico específico. As regras de avaliação são constituídas na prática pedagógica. [...] (BERNSTEIN, 1996, p. 254). Sendo que o princípio que rege o discurso pedagógico é o princípio recontextualizadora que, Seletivamente, apropria, reloca, refocaliza e relaciona outros discursos, para constituir sua própria ordem e seus próprios ordenamentos. Neste sentido, o discurso pedagógico não pode ser identificado com quaisquer dos discursos que ele recontextualiza. Ele não tem qualquer discurso próprio que não seja um discurso recontextualizadora (BERNSTEIN, 1996, p. 259). Bernstein define os campos recontextualizadores como sendo o campo e o subconjunto estruturados. Afirma que as principais atividades dos campos recontextualizadores são criar, manter, mudar e legitimar: o discurso, a transmissão e as práticas organizacionais que regulam os ordenamentos internos do discurso pedagógico. O Campo Recontextualizador Oficial (CRO) é aquele dominado pelo Estado e seus agentes, política e administrativamente; e o Campo Recontextualizador Pedagógico (CRP) é constituído pelos educadores, departamentos de educação nas universidades, pelos periódicos especializados e fundações de pesquisa (MAINARDES, 2007; SANTOS, L., 2003). Na mesma lógica, Bernstein (1996, p. 272) divide o discurso pedagógico em: Discurso Pedagógico Oficial (DPO) - "as regras oficiais que regulam a produção, a distribuição, a reprodução, a inter-relação e a mudança dos textos pedagógicos legítimos (discurso), suas relações sociais de transmissão e aquisição (prática) e a organização de seus contextos (organização)"; e Discurso Pedagógico Local (DPL) - "regula o processo de reprodução cultural ao nível da contextualização inicial da cultura, essencialmente na família e nas relações entre grupos de colegas". As regras de avaliação estão relacionadas à prática pedagógica. Bernstein considera que a prática pedagógica não reproduz necessariamente o discurso pedagógico; aquilo que é adquirido não é necessariamente aquilo que é transmitido. Elas avaliam "os discursos gerados pelas práticas manuais juntamente com os executores dessas práticas e os grupos sociais que elas pressupõem." (BERNSTEIN, 1996, p. 284). Diante do exposto, é importante atentarmos para as formas distintivas de 31 As regras avaliativas – avaliação relação com termo eficiência fazendo uma distinção entre dois termos eficácia e efetividade (SIEMPRO, 1999, p.104). a avaliação da eficiência “mide los resultados alcanzados em relación com los custos y tempos previstos”. Estas estão relacionadas com a prática pedagógica (BERNSTEIN, 1996, p. 284). 60 comunicação, as quais são reguladas pela prática pedagógica, pois As relações sociais regulam a forma de prática pedagógica e, assim, a categoria mensagem específica. A mensagem fundamental de uma prática pedagógica é a regra para a comunicação legítima. Assim, as relações sociais no interior da reprodução controlam os princípios de comunicação e, ao fazê-lo, regulam aquilo que chamaremos de contexto comunicativo (BERNSTEIN, 1996, p. 55-56). Em virtude da consistência da teoria de Bernstein, o pesquisador de políticas educacionais e curriculares poderia expandir o seu espectro de análise quando conhece os diversos aspectos dos trabalhos de Bernstein e o sentido da teoria (ou teorias) por ele formulada. O trabalho de Bernstein sobre o discurso pedagógico busca compreender a produção, distribuição e reprodução do conhecimento oficial e como este conhecimento articula-se com as relações de estruturalmente determinadas. Um aspecto essencial da teoria de Bernstein é que ele estava preocupado não apenas em descrever os processos de transmissão e aquisição de conhecimentos, mas também e com as suas consequências para diferentes grupos sociais (SADOVNIK, 2006). Singh (2002) relata que nos trabalhos de Bernstein percebe-se a preocupação com a classe operária e com os direitos dos estudantes que se encontravam em desvantagens sociais e educacionais. 1.5.2 A Noção de Recontextualização e a Análise de Políticas Educacionais e Curriculares Conforme já exposto – contribuições teóricas de Bernstein, a teoria do dispositivo pedagógico constitui-se um modelo teórico que permite a análise das políticas tanto no nível macro da sua formulação e influências até o nível dos micro processos de sua realização. A teoria de Bernstein mostra como a distribuição do poder na sociedade e seus princípios de controle social podem afetar o “o quê” e o “como” do texto político produzido e a sua reprodução (AL-HAMAHI; DAVIES, 2002). Em toda a sua obra, Bernstein procurou estabelecer uma ligação entre os micros processos (linguagem, transmissão e pedagogia) e as questões macro contextuais (como os códigos culturais e o conteúdo e os processos educativos estão relacionados com as relações de poder e às classes sociais (MAINARDES, apud BERNSTEIN, 2010, p.45). As pesquisas sobre políticas educacionais e políticas curriculares que se baseiam nos trabalhos de Bernstein, em geral, têm explorado o conceito de recontextualização do discurso das políticas, discutindo aspectos do discurso oficial, do discurso pedagógico e do campo 61 recontextualizador local (família e comunidade). Além disso, outros conceitos da teoria de Bernstein têm sido empregados nas análises, a saber: conceitos como pedagogias visíveis e invisíveis32, modelo pedagógico de competência e de desempenho, discurso instrucional33 e discurso regulador34, classificação e enquadradamento, currículo de coleção e de integração, código restrito e código elaborado, discurso vertical e discurso horizontal, autonomia relativa da educação, recontextualização e reprodução do discurso pedagógico, educação e classe social, etc. Esses conceitos apresentam estrutura conceitual forte que os colocam no âmbito das “estruturas horizontais de conhecimento de gramática forte e mesmo, poder-se-ia dizer, em muitos aspectos, no âmbito de estruturas hierárquicas de conhecimento” (MORAIS, 2004, p. 74). O conceito de recontextualização permite a análise da emergência e desenvolvimento dos discursos de políticas específicas ao longo do tempo,35 Em Pedagogy, control and identity (publicada originalmente em 1996) Bernstein relacionou o conceito de dispositivo pedagógico com a teoria da mudança educacional. Com base nesse dispositivo, Bernstein argumentou que a recontextualização do conhecimento a partir dos anos 1960 vem mudando de um modelo de competência para um modelo de desempenho, por meio da proposição de um currículo nacional e da criação de um sofisticado sistema de avaliação nacional. Nesse processo de mudança observa-se um aumento no poder do Estado na recontextualização do conhecimento. Bernstein explica que o campo recontextualizador oficial e o campo recontextualizador pedagógico são relativamente autônomos, mas inter-relacionados com o campo da produção dentro da economia. 32 Pedagogia visíveis e invisíveis, segundo Bernstein (1996) no texto “Classe Social e Práticas Pedagógicas”, analisou a diferença entre dois tipos de transmissão educacional a classes sociais e pressupostos da família, representa-as como modelos pedagógicos de competência e desempenho (reedição de 2000 com edição de novos capítulos faz estas distinções) (BERNSTEIN, 1996) 33 Discurso instrumental: discurso de análise do programa. (NEVES, et al., 2000) 34 Discurso regulador: o texto oficial produzido pelo Ministério da Educação, que caracteriza um determinado contexto. (NEVES, et al., 2000) 35 Bernstein não nega a existência de uma base linguística nos processos discursivos. No entanto, em sua teoria, ele procura considerar as condições sociais (relações de poder) que controlam a produção e a reprodução do discurso e reconhecer as relações de poder e controle que regulam a sua existência. Segundo Bernstein, o discurso é uma categoria abstrata, é resultado de uma construção, de uma produção. O discurso não pode ser reduzido a uma simples realização de linguagem. Cada processo discursivo pode ser considerado como produto de uma rede complexa de relações sociais. Também, o discurso é uma categoria na qual os sujeitos e objetos se constituem e essa constituição de sujeitos e objetos está articulada a relações de poder e controle (BERNSTEIN e DÍAZ, 1984). O poder está presente em cada discurso e, por sua vez, cada discurso é um mecanismo de poder. Assim, discurso não diz respeito apenas à linguagem, mas aos tipos de ideologias e valores que estão por trás dos discursos. 62 O trabalho de Bernstein vem sendo empregado como referencial teórico para a análise de políticas curriculares (NASCIMENTO, 1998; NEVES et al., 2000; ROSE, 2004; LOPES, 2005; NEVES; MORAIS, 2006; CALADO, 2007; entre outros). Para Lopes (2005), o conceito de recontextualização tem se evidenciado como produtivo para o entendimento das reinterpretações que sofrem os diferentes textos na sua circulação pelo meio educacional. A autora menciona que: São orientações de agências multilaterais que se modificam ao serem inseridas nos contextos dos Estados-nação; são orientações curriculares nacionais que são modificadas pela mediação de esferas governamentais intermediárias e das escolas; são políticas dirigidas pelo poder central de um país que influenciam políticas de outros países; são ainda os múltiplos textos de apoio ao trabalho de ensino que se modificam nos contextos disciplinares (BALL, 1992, 1994, 1998, 2001; BONAL & RAMBLA, 1999; EVANS & PENNEY, 1995; JONES & MOORE, 1993; MULLER, 1998; NEVES e MORAIS, 2001; WHITTY et al., 1994a e 1994b) (p. 53). A referida autora defende que por intermédio desse conceito, é possível “marcar as reinterpretações como inerentes aos processos de circulação de textos, articular a ação de múltiplos contextos nessa reinterpretação, identificando as relações entre processos de reprodução, reinterpretação, resistência e mudança, nos mais diferentes níveis” (p. 55). Além disso, a autora destaca que a centralidade das questões discursivas e textuais como constitutivas de identidades pedagógicas é também um aspecto produtivo, por articular o discurso. Neste viés da recontextualização será analisado o PROEJA sob a ótica das agências multiculturalismo, orientações curriculares governamentais intermediárias e das escolas, internacionalização (pactos internacionais). Outro fator preponderante é que as formas de comunicação e o discurso pedagógico nas práticas pedagógicas transmitem os códigos elaborados e os artigos restritos respectivamente universalistas e particularistas. Conclui-se que através dos códigos36 que: [...] a relação de poder mantém, reproduz e legitima as posições no interior de qualquer divisão social do trabalho: do modo de produção, da modalidade de educação, da família ou do gênero”. (BERNSTEIN, 1996, p.139) Os códigos regulam as relações entre os contextos (classificação) e no interior dos contextos (enquadramento). Bernstein, baseando-se em investigação empírica, estabeleceu as diferenças entre o código restrito da classe trabalhadora e o código elaborado da classe média. Os códigos restritos dependem do contexto e são particularistas enquanto que os 36 Código: “um código é um princípio regulativo tacitamente adquirido, que seleciona e integra significados relevantes, formas de realização e contextos evocadores (Bernstein, 1996, p.143). 63 códigos elaborados não dependem do contexto e são universalistas (MAINARDES; STREMEL, 2010, p.137). Neste ponto, a tese busca as contribuições da teoria de Bernstein para analisar a política educacional PROEJA e curriculares, com especial referência a recontextualização. Assim, a pesquisa das políticas educacionais e curriculares demanda um esforço para apreender as influências internacionais por meio de processos de globalização e disseminação de ideias e discursos e os processos de recontextualização do contexto nacional e local. A teoria de Bernstein representa uma forma de pensamento mais próxima das estruturas hierárquicas em que foram socializadas (MORAIS e NEVES, 2007). Neste próximo item, será abordado o PROEJA, política pública de inclusão de jovens e adultos, analisando sua historicidade e seu currículo integrador – Decreto 5.840 de junho de 2006 e as alterações decorrentes da Lei 11.741 de 16 de julho de 2008 – Parâmetros (VILLANUEVA, 2003), Ciclo de Políticas / Formulação – (BERNSTEIN, 1996), Análise do Discurso / Currículo. A figura 5 aponta para sua construção com espectro de análise tendo por base a metodologia proposta na tese: Visão e Perspectiva Jurídica na Educação de Jovens e Adultos (PROEJA): Direito à Integralidade e a Dinâmica da Articulação com Especificidade do Trabalho. 64 Objeto: Aplicação da Lei Objeto: Currículo Teoria Tridimensiona l de Reale Objeto: Lei Práticas Pedagógicas VILLANUEVA (2003 – 2006) Contexto comunicação CICLO DE POLÍTICA Códigos dominantes e dominados ANÁLISE DO DISCURSO BERNSTEIN (1996) Avaliação Implementação Formulação Base Comum Relações Sociais Figura 5: As formas de comunicação e o discurso pedagógico em paralelo com ciclo de políticas (BERNSTEIN, 1996) (VILLANUEVA, 2003) Fonte: Elaboração própria 65 CAPÍTULO 2 – ANÁLISE DA TRAJETÓRIA DO ENSINO PROFISSIONALIZANTE A evolução do trabalho relaciona-se à estrutura socioeconômica e cultural e desempenha papel importante na construção das etapas do desenvolvimento das sociedades, na concepção das organizações produtivas que determinam o seu modo de vida e no estabelecimento de parâmetros de diferenciação entre elas. Ao abordar o tema trabalho, empregabilidade, emprego e (re)colocação profissional sempre surge, na sociedade globalizada, o contraponto ao assunto - a formação profissional, que de acordo com Leite (1996): Sob a égide da "acumulação flexível", o velho modelo taylorista/fordista estaria sendo substituído por um "novo" modelo de organização do trabalho cujas características principais seriam a produção em pequenos lotes, a reintegração das atividades de execução e planejamento, e ainda o emprego de trabalhadores mais qualificados para o desenvolvimento de um trabalho mais variado (LEITE, 1996). Neste patamar, de (re)-construções sociais a educação, se apropria destas ansiedades sociais e busca as transformações das políticas públicas para garantir ao trabalhador condições no mercado de trabalho como também seu crescimento como cidadão que constrói sua identidade. A cada momento histórico, o Brasil se apropria de sua realidade e faz as mudanças necessárias para cada período histórico, até o início do século XX, o ensino profissional era um ensino de traço assistencialista, herdado do período imperial e voltado para os menos favorecidos socialmente. Em 1909, foram criadas dezenove escolas de aprendizes e artífices em várias regiões do país, pelo então Presidente da República Nilo Peçanha (Decreto Lei nº 7.566 de 23/09/1909) e instaladas a partir de 1910, (UTFPR, 2011), visando à formação de mão obra melhor qualificada. Entre 1942 e 1946, o governo central estabeleceu normas para a educação profissional visando qualificar a mão de obra para a indústria e o comércio. Surgem assim iniciativas voltadas para oferecer formação profissional e educação voltada aos aspectos sociais, a qualificação oferecida por essas instituições não previsse e nem possibilitasse a progressão escolar a níveis superiores, elas focavam a formação profissional no nível educacional básico, com vista a proporcionar a ascensão social, para os participantes dos setores econômicos (SENAI1, SESI2, SENAC3, SESC4). 1 SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - (jan/1942): atender à necessidade premente do país na formação de mão de obra para a indústria de base que começava a se 66 Crescia os anseios de um país mais justo, então o Brasil introduziu mudanças significativas com a promulgação da Lei Federal nº 1.076/50 de 31 de março de 1950, pelo Presidente da República Eurico Gaspar Outra, oficializando a equivalência entre o ensino acadêmico e o profissionalizante, corroborada pelo presidente Getúlio Vargas, em seu segundo mandato, que, por meio da Lei Federal 1.821/53 de 12 de março de 1953, promulgou e formalizou legalmente a equivalência entre o ensino propedêutico e o profissional, criou-se o possibilidade de o aluno cursar o ensino básico profissional e, quando o desejasse, poderia progredir. No nível médio nos cursos científico ou clássico (cursos que correspondiam ao atual ensino médio) por meio de prova avaliativa específica e, sendo aprovado, migrar para esse nível escolar e, quando concluído o ensino médio, candidatar-se ao ensino superior. Na década de 1960, o Brasil formulou novas políticas de educação (Lei Federal nº 4.024 de 20/12/1961) que estabeleceu as diretrizes e bases para a educação do país, definindo a abrangência dos diversos níveis educacionais e a equivalência entre o ensino médio (secundário) e o ensino profissional (técnico). Na década de 1970, sob o regime militar, desenvolveu e normatizou leis voltadas ao ensino dos 1º e 2º graus (fundamental e médio) e, em especial, educação profissional (Lei nº 5.692 de 11/08/1971 e Lei nº 7.044 de 18/10/1982). Para ilustrar a legislação educacional, Quadro 1, adiante mostra as principais características do Sistema Educacional Brasileiro (fundamental e Médio) entre 1920 e o final 1990, mostrando os principais pontos de transformação da Educação Profissional Técnica de nível médio desse período. desenvolver. Na ocasião, estava claro que sem educação profissional não haveria desenvolvimento industrial para o País. A criação do SENAI foi inspirada na experiência do Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional. 2 SESI - Serviço Social da Indústria - (juI/1946): melhorar a qualidade de vida do industriário e de seus dependentes. Em suas atividades incluía a prestação de serviços em saúde, educação, lazer, cultura, nutrição e promoção da cidadania. 3 SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial- (jan/1946): manter cursos práticos ou de continuação e de especialização em escolas de aprendizagem comercial para os empregados adultos do comércio, não incluídos na aprendizagem formal. Deveria também ter a finalidade de contribuir com a difusão e aperfeiçoamento do ensino comercial de formação e do ensino imediato que com ele se relaciona diretamente, promovendo para tal os acordos necessários, especialmente com estabelecimentos de ensino comercial reconhecidos pelo Governo Federal 4 SESC - Serviço Social do Comercio - (set/1946): planejar e executar medidas que contribuíssem para o bem-estar e a melhoria do padrão de vida dos comerciários e suas famílias. O SESC resultou de uma perspectiva de construção do bem-estar social, para além da necessidade de estabelecer uma legislação trabalhista, e propunha uma sociedade mais igualitária e pacífica. 67 Ação Educacional Implementada ou Modificada Brasil Criação do Ensino Comercial Muda a denominação das Escolas de Aprendizes e Artífices para Liceu Industrial – Transformação em Escola Técnica Cria o SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – organiza e administra as escolas de aprendizagem para os industriários. Estabelece as bases da organização e de regime do ensino industrial – Ensino de nível básico. – Não dava direito à progressão ao nível médio. Cria o SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – organiza e administra as escolas de aprendizagem para os industriários. Cria o SESI – Serviço Social da Indústria – voltado para a melhoria da qualidade de vida do industriário e seus dependentes. Cria o SESC – Serviço Social do Comércio – voltado para o bem-estar e a melhoria do padrão de vida dos comerciários e suas famílias. Flexibiliza a progressão ao nível médio mediante prova avaliativa para os alunos dos cursos de primeiro ciclo do ensino comercial; ensino industrial ou agrícola. Possibilitava progressão após prova avaliativa. Regulamentava a Lei 1.821 e dá Nova flexibilização ao ensino – Permitida a matrícula na primeira série do curso clássico ou científico dos alunos dos cursos técnicos comerciais, industriais e agrícolas mediante adaptação ao Situação Legal Não integrava o sistema educacional regular Não integrava o sistema educacional regular Não integrava o sistema educacional regular Integrava o sistema educacional regular Integrava o sistema educacional regular Não integrava o sistema educacional regular Não integrava o sistema educacional regular Implantada Lei /Decreto Data Sim Reforma Francisco Campos 1932 Sim Não disponível 1941 Sim Decreto Lei nº 4.048 22/01/1942 Sim Decreto Lei nº 4.073 30/01/1942 Sim Decreto Lei nº 8.621 10/01/1946 Sim Decreto Lei nº 9.403 25/06/1946 Sim Decreto Lei nº 9.853 13/09/1946 Integrava o sistema educacional regular Sim Lei nº 1.076 30/03/1950 Integrava o sistema educacional regular Sim Decreto Lei nº 34.330 21/10/1953 68 currículo dos cursos. Define abrangência e diretrizes para a educação no Brasil, fixando as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Possibilita a progressão após adaptação. Define abrangência, estabelece nova estrutura à educação definindo níveis educacionais para Educação Infantil, Educação Básica para os dois ciclos (1ª a 4ª série e 5ª a 8ª série), Educação Média e Educação Superior Alteração do Dispositivo da Lei nº 5.692 de 11/08/1971 referente à profissionalização do ensino 2º grau. Ênfase na ligação entre a educação formal e a educação profissional Integrava o sistema educacional regular Sim Lei nº 4.025 20/12/1961 Integrava o sistema educacional regular Sim Lei nº 5.692 11/08/1971 Integrava o sistema educacional regular Sim Lei nº 7.044 18/10/1982 Quadro 2 – Desenvolvimento da Educação Formal do Brasil – Período 1920 até 1990 Fonte: ALMEIDA, 2010 Esta retrospectiva legal demostra claramente que no lapso temporal 1920 a 1990 a preocupação das agendas políticas era incrementar a educação profissional – nível médio, apenas, para capacitar com o foro único e exclusivo para capacitação para o mercado de trabalho. Foram 06 decretos-lei5 e 04 leis6 dentre este apenas integravam ao sistema regular (Decreto-lei nº 4.073/1942; Decreto-lei nº 8.621/46; Lei 1.076/50; Decreto-lei 34.330/53, Lei nº 4.025/01, Lei nº 5692/71 e Lei nº 7.044/82), excetos os demais atos normativos. A lei 7.044 de 18/10/1982 marca um olhar diferenciado, propondo uma ligação entre educação formal e a educação profissional iniciando os primeiros passos ao integrar e/ou articular, porém não se concretizou, estruturou-se no “nível de competência”. No mercado de trabalho do modelo de acumulação flexível, o conceito que norteia a qualificação profissional é o de competências, segundo Hirata (1994). A noção de competência é ainda imprecisa e decorre da necessidade de se avaliar e 5 Decreto-Lei não mais existe em nosso ordenamento jurídico. É espécie de ato normativo que foi substituído na Constituição de 1988 pela Medida Provisória. De acordo com o artigo 55, da Constituição Federal de 1967, com redação dada pela EC nº 1/69, "o Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não haja aumento de despesa, poderá expedir decretos-leis sobre as seguintes matérias: I segurança nacional; II - finanças públicas, inclusive normas tributárias; e III - criação de cargos públicos e fixação de vencimentos". Hoje prevê a Constituição Federal, em seu artigo 62, que "em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional". Decreto serve para regulamentar uma lei (caso de decreto regulamentar do art 84, IV da CF) é privativo do chefe do poder executivo (Presidente da República, Governador e Prefeito). 6 Lei é espécie normativa constante do art 59 da CF. De uso exclusivo do Poder Legislativo, tem a característica de generalidade e abstração. Ela inova a ordem jurídica e possui o poder de obrigar a todos (erga omnes). 69 classificar conhecimentos e habilidades a partir das novas exigências de trabalho, associando-as aos novos modelos de produção e gerenciamento. Este Quadro 2, nos informa sobre a caminhada da política educacional brasileira, conclui-se que no período entre 1950 e 1960 a qualificação profissional era adequada a formação escolar, às demandas dos contratantes e mão-de-obra, esse conceito está baseado na Teoria do Capital Humano. Nessa teoria, a educação é fundamental para “criar e aumentar” o capital humano. É o processo educativo que produzirá algumas atitudes e conhecimentos para capacitar para o trabalho. Assim sendo, neste ponto de vista, a educação é tida como um dos fatores que auxiliam no desenvolvimento e na distribuição social de renda. No entanto, as questões relacionadas às diferenças de classes são deixadas de lado, pois quem não conseguiu uma posição social melhor deve ser auto responsabilizado, pois não teve méritos. Com relação a este ponto Frigotto (1993) expõe que: O investimento no “fator humano” passa a significar um dos determinantes básicos para o aumento da produtividade e elemento de superação do atraso econômico. Do ponto de vista macroeconômico, constitui-se no fator explicativo das diferenças individuais de produtividade e de renda e, consequentemente, de mobilidade social. (1993, p.41). Durante a década de 1960, no auge da Teoria do Capital Humano, passou-se a postular que deveria privilegiar e investir mais em “capital humano” do que em recursos físicos para se alcançar uma maior renda nacional. Levando-se a concluir que esta teoria relacionava o crescimento e o aumento da renda ao grau de escolarização. E assim sendo, Cunha (1980, p.16) nos lembra que, “a educação é reconhecida como uma variável, política estratégica capaz de intensificar o crescimento da renda, produzir a modernização ou construir uma sociedade justa”. A partir deste momento, a questão da desigualdade social é colocada como responsabilidade individual, causada por que alguns tiveram mais méritos do que os outros. Isso explica a estratificação social. A sociedade se divide em estratos, pois, os indivíduos que mais merecem por seu esforço e maior escolaridade devem assumir o topo da hierarquia social e ter melhor situação econômica e política. Ocorre a relação direta entre melhor qualificação profissional e maior escolarização de uma pessoa com a diminuição de sua pobreza. Oliveira (1997) nos lembra o grande peso colocado na educação, mostra também que a educação acaba convergindo com a lógica do capital ao preparar pessoas que sirvam aos interesses deste, reafirmando a Teoria do Capital Humano no seu ato de esconder as 70 verdadeiras relações sociais existentes. O próximo tópico deste capítulo versa sobre a Educação profissional técnica de nível médio a partir recorte estabelecido para presente pesquisa, os seja, a partir dos anos de 1990 até 2009. 2.1 A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO NO BRASIL A PARTIR DE 1990 Até meados dos anos de 1990, a Educação no Brasil seguiu a mesma estrutura e modo de funcionamento do período acadêmico e propedêutico. Assim, a promulgação da Lei nº 7.044 de 18 de outubro de 1982 resultou de uma variação da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971 sobre a profissionalização do ensino de 2º grau, e vigorou até o final de 1996, quando ocorreu a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (Lei nº 9.394 de 20/12/1996, BRASIL, 1996), trazendo mudanças substanciais nas políticas educacionais, estabelecendo as diretrizes e bases da educação nacional e, em especial, do ensino médio e ensino profissional técnico que passavam a ter uma concepção profissionalizante. A nova LDB, encaminha com fulcro expansão da educação para atender uma demanda maior até atingir a universalização, torna o ensino fundamental e médio gratuito EC 59/2009. Neste sentido, Cunha (2000) ressalta que o ensino médio definido pela LDB trazia uma concepção marcadamente profissionalizante ao afirmar que as finalidades incluíam: [...]a preparação para o trabalho de cada aluno, para que ele seja “capaz de se adaptar com flexibilidade as novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores e as formas de avaliação serão organizadas de tal forma que, ao final do ensino médio, o educando demonstre “domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção (CUNHA, 2000, p. 56) Um fato importante da realidade do Brasil é que a juventude brasileira sempre foi e permanece sendo uma juventude trabalhadora. O trabalho faz parte da maioria dos jovens que por pertencerem a famílias de baixa renda têm seu ingresso antecipado no mercado de trabalho, às vezes, antes da idade legal (16 anos) e sem concluir o ensino fundamental. E, além disso, os jovens de baixa renda insere-se de forma precária e/ou informal, enquanto os de alta renda ingressa aos 18 anos em sua grande maioria, alcançam trabalhos protegidos pela lei (MTE, 2010). Para compreender a amplitude do termo trabalho, torna-se necessário conceituá-lo, pois acredita-se ser ele o alicerce essencial para qualquer discussão sobre Educação 71 Profissional, que, na essência educação para o trabalho. A reflexão aqui realizada toma por base as concepções – derivadas do pensamento marxista que o trabalho ao mesmo tempo em que é constitutivo da identidade humana, é também o cerne da alienação do homem que o realiza. Em sentido amplo e dialético. Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. [...] Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. (MARX, 2004, p.29) Para Antunes (2000, p.143), a movimentação laboral que extrapola a necessidade de substência material, traz consequência à busca de uma vida cheia de “sentido”, que encontra no trabalho seu locus primeiro de realização e “é socialmente empreendida pelos seres sociais para auto realização individual e coletiva”. Enxergar o trabalho por este ângulo revela uma posição diante da Educação Profissional, que conforme assinalou Antunes (2000, p.136), o trabalho constitui-se como categoria intermediária que possibilita o salto ontológico das formas pré-humanas para o social. Na concepção sociológica do trabalho, considera-se o trabalho como elemento central da identidade de cada pessoa tendo por principal pressuposto: o reconhecimento do trabalho, levando em conta o momento histórico e configurações organizacionais, com um dos pilares na constituição do sujeito. Cada sujeito raramente consegue afastar-se do trabalho “sem perder o sentimento de utilidade social a ele vinculado, sentimento vital de contribuir para essa perenidade, em nível pessoal”. (CLOT, 2006, p.69) Faz necessário conceituar os termos adolescência e juventude, para a UNICEF e o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, adolescência é delimitada etariamente entre 12 e 18 anos; por sua vez, juventude é faixa etária entre 15 e 29 anos e representa fase final do amadurecimento físico e social que se conclui com a inserção no mundo adulto. Diversos estudos já apontaram que entre as maiores preocupações que afligem os jovens estão a falta de perspectivas de emprego e a constituição de uma carreira profissional. Na opinião dos jovens entrevistados pela Pesquisa do Projeto Juventude, os Principais motivos associados ao anseio de trabalho são a necessidade econômica (64%), desejo de independência (55%), busca de crescimento (47%) e auto realização (25%) (NOVAES E VANUCCI, 2004). A Ação Educativa (2011, p.14) – uma nova pesquisa, em 2011, vem corrobar que: “O principal motivo que levou o jovem a procurar se inserir no mercado de trabalho por meio da Lei de Aprendizagem foi a vontade de trabalhar seguido de perto pelo desejo de aprender uma profissão e pelo desejo de ter o próprio dinheiro. Em quarto 72 lugar aparece a necessidade de trabalhar”. E a noção de jovem como sujeito de direito continua consolidando-se. Em 2010 houve aprovação da Emenda Constitucional 65, que inseriu o termo jovem no capítulo de Direito e Garantias Fundamentais da Constituição Federal de 1988. E focalizando no novo panorama do mundo do trabalho e o impacto na Educação Profissional, a crise instalada e as consequentes mudanças vêm sendo enfrentadas, além do choque no próprio cotidiano do processo produtivo, e na vida do trabalhador, significativas transformações ocorridas colocam em jogo as discussões do mundo do trabalho na Educação Profissional, isto é, na forma de qualificação do trabalhador e preparação do jovem para o trabalho e pensada e realizada. Em contrapartida, as políticas públicas necessitam orientar o desenvolvimento de atividades educativas apoiadas em pressupostos epistemológicos que caminhem para uma visão teórica de unidade, respeitando as dimensões sociais, econômicas, étnicas, cognitivas e da personalidade do jovem e do adulto no momento da aprendizagem escolar. Ao debater os direitos à educação profissional atrelada a compromissos éticos que busquem consolidar o direito a um trabalho digno para todos os brasileiros, Paiva (2006, p.24) esclarece que: Os acontecimentos do mundo, antes insuspeitados, que nos causam horror e insegurança, abalando em grande parte nossas convicções na humanidade, e acirrando intolerâncias e ódios, colocam em xeque não só os direitos sociais, mas a perspectiva mesma de direito humano. Cotidianamente, a própria condição de vida que as opressões produzidas pelo sistema econômico mundial vêm determinando, as populações veem-se atravessadas pela possibilidade de novas ameaças, em tempos inimagináveis. Nesse sentido, ao reescrever a história, pelo direito a educação, desafia-se os profissionais da educação, para abrir caminhos de forma que a educação, categoria direito fundamental subjetivo, que tem por finalidade assegurar interesses e necessidades identificadas como vitais, caracteriza por ser fundamental. E modo geral, o reconhecimento constitucional de um direito fundamental como subjetivo significar conferir-lhe maior grau de realização, executividade e imprime ao Poder Público o dever de avançar em nível político, administrativo, social. E, principalmente, as políticas públicas que resgate os jovens e adultos que se encontram, em pleno século XXI, sem escolaridade necessária e fundamental para se inserir com competência no mercado de trabalho e cidadão crítico-reflexivo dentro da sociedade. Sendo que a Constituição Federal reserva à União competência privativa para legislar sobre as diretrizes e bases da Educação Nacional (CF, art. 22, XXIV): “Art. 22. 73 Compete privativamente à União legislar sobre: XXIV - diretrizes e bases da educação nacional”. E competência concorrente à dos Estados e Distrito Federal para legislar sobre Educação, mediante normas gerais (CF, art. 24, IX): Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação Outro fator a ser observado é que juridicamente, a organização dos sistemas da Educação (CF, art. 211) acompanha a organização político administrativa da República (CF, art. 18, caput) aplicando-se, por simetria, o princípio da descentralização normativa e executiva. Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. § 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; § 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. § 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. § 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. § 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular. Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. (caput) E na ausência de normas gerais, os Estados exercem a capacidade legislativa plena, sendo que a superveniência da lei federal suspenderá a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário, como expresso (CF, art. 24, IX e parágrafos): Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. 74 Alguns parâmetros se fazem necessários para distinguir entre normas nacionais e normas federais, tanto em face do Congresso Nacional quanto em decorrência da atividade regulatória do Conselho Nacional de Educação. As normas de diretrizes e bases e normas gerais da educação aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, incidem indistintamente, sobre todos os sistemas de ensinos. E os Estados, por intermédio de suas Assembleias podem suplementar as normas gerais (CF, art. 24, IX), mas não as diretrizes e bases. E os decretos do Presidente da República, não incidem sobre os sistemas estaduais e municipais desde que regulamentados nas normas gerais ou diretrizes e bases sem alterar o conteúdo. E finalmente pareceres, deliberações e resoluções do Conselho Nacional de Educação incidem sobre todos os sistemas de ensino quando veiculem normas gerais de educação, desde que homologadas pelo Ministro da Educação e atendido o Princípio da Legalidade. Localizando que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) é uma lei federal de âmbito nacional que estabelece os princípios gerais da educação. Alcança todos os sistemas de ensino, por ser uma norma de competência da União, não tem a natureza de legislação exaustiva (CF, art. 22, XXIV), constituindo eixo jurídico da organização do ensino no Brasil. Para tanto, torna-se necessário conceituar a palavra “diretriz” significa linha reguladora, conjunto de instruções para se tratar a levar o termo a um plano, uma ação; no direito “opção mérito” e na educação “diretriz” são as metas de promoção do indivíduo como pessoa cidadão e trabalhador (RANIERI, 2013, p.96). Aprofundando no termo “diretrizes e bases” designam, portanto, fundamentos, organização, condições exequibilidade e a previsão da LDB conferindo a Educação garantia constitucional, conferindo unidade de ação em todo país e refletem o momento histórico de sua elaboração e a direção que se pretende imprimir à preparação para a cidadania e à formação de recursos humanos, reflete, consequentemente na política governamental no momento histórico. A lei 9.394/96 pode afirmar é inovadora e modernizadora, ao romper com as rígidas prescrições das legislações anteriores. De maneira geral, não cria amarras institucionais e burocráticas, privilegiando em seu conjunto a liberdade de conteúdo e forma para todos níveis, estabelecendo um novo padrão de articulação entre União, Estados e os Municípios, entre estes e a esfera privada. Outro fato importante ampliou o grau de atuação autônoma dos sistemas e das instituições de ensino, porém, controle de resultados. São dos os eixos que orientam a articulação: descentralização – expresso na discriminação de competência das unidades 75 federadas e dos sistemas de ensino; o estímulo à inovação pela margem de liberdade de processos que concede aos sistemas e às instituições (RANIERI, 2013, p.97) A edição da LDB assinalou um novo marco à Educação na Constituição Federal de 1988, o seu regime jurídico fundado na natureza pública e na supremacia do interesse público sobre o particular. E ponto primordial é que “regime legal pode ser flexibilizado, na medida em que o permitam os valores educacionais, a letra da lei cede ao interesse público nas quais o processo de aprendizagem se complete, em benefício do aluno” (RANIERI, 2013, p.97). O problema é que, desde a edição da atual LDB, sucessivas e frequentes alterações de seu conteúdo põe em risco os seus principais eixos, portanto, sua efetividade. Iniciaremos a análise das alterações efetuadas na LDB, através das emendas na Constituição e Lei no Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto – Seção I – Da Educação no texto constitucional focalizando na educação de jovens e adultos (EJA) e a educação profissional demonstrando pontos e contrapontos, fazendo uma releitura política e sua legalidade. Passados pouco menos de seis meses, o Decreto nº 2.208 de 17 de abril de 1997 (BRASIL, 1997A) regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei nº 9.394/96, trazendo uma nova visão à educação profissional as reformulações para ensino nível técnico e colocou em pauta a formação profissional e a educação profissional. É preciso esclarecer a distinção entre os termos formação profissional e educação profissional. ... apesar das variações no entendimento e na definição dos níveis escolares e modalidades de ensino direcionados ao mundo do trabalho, formação profissional designava, a maneira geral, o conjunto de iniciativas não escolares, informais, não submetidas à normalização legal, destinada à transmissão de conhecimentos específicos ao exercício profissional e desenvolvidas por instituições de estatutos diversos: públicos, privados, ONGs, empresas e associações empresariais, organizações sindicais, etc., para trabalhadores empregados e desempregados, bem como para jovens em busca do primeiro emprego. Conveniou-se incluir entre essas iniciativas não integradas ao sistema nacional de educação as ações filantrópicas assistencialistas, dirigidas à população desescolarizada onde baixa escolaridade, como substitutivas do ensino regular (MORAES et al., 1999, p.16) Decreto 2.208/97 complementando a LDB (Lei 9.394/96) definiu a Educação profissional em três níveis: Básico – destinado à qualificação e requalificação e reprofissionalização de trabalhadores, independentemente de escolarização prévia; Técnico – destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino médio; e Tecnológico: corresponde a cursos de nível superior na área tecnológica, destinada a egressos do ensino médio e técnico. O decreto também marcou uma grande mudança: a desconexão entre ensino médio e a educação profissional: os cursos com currículo integrado foram extintos podendo ser 76 oferecidos na forma concomitante ou sequencial (Decreto 2.208/97, art. 5º) Com nível básico, a formação profissional adquire status de educação profissional, segundo Moraes, et al., (1999, p.17) alerta que: “incorporação da formação a categoria educação profissional” estava associada à ideia de ajustar a Educação Profissional às demandas impostas pelo mercado de trabalho. Ainda no bojo do Decreto nº 2.208 de 17 de abril de 1997 (BRASIL, 1997A), apresentam-se as definições dos níveis da educação profissional e o modo de oferta para esse tipo de ensino do qual se extraíram os pontos de relevância conforme adiante: A educação profissional de nível básico é modalidade de educação não-formal e duração variável, destinada a proporcionar ao cidadão trabalhador conhecimentos que lhe permitam reprofissionalizar-se, qualificar-se e atualizar-se para o exercício de funções demandadas pelo mundo do trabalho, compatíveis com a complexidade tecnológica do trabalho, o seu grau de conhecimento técnico e o nível de escolaridade do aluno, não estando sujeita à regulamentação curricular. As instituições federais e as instituições públicas e privadas sem fins lucrativos, apoiadas financeiramente pelo Poder Público, que ministram educação profissional deverão, obrigatoriamente, oferecer cursos profissionais de nível básico em sua programação, abertos a alunos das redes públicas e privadas de educação básica, assim como a trabalhadores com qualquer nível de escolaridade. Aos que concluírem os cursos de educação profissional de nível básico será conferido certificado de qualificação profissional. A educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou sequencial a este. Os cursos de nível superior, correspondentes à educação profissional de nível tecnológico, deverão ser estruturados para atender aos diversos setores da economia, abrangendo áreas especializadas, e conferirão diploma de Tecnólogo. As disciplinas de caráter profissionalizante, cursadas na parte diversificada do ensino médio, até o limite de 25% do total da carga horária mínima deste nível de ensino, poderão ser aproveitadas no currículo de habilitação profissional, que eventualmente venha a ser cursada, independente de exames específicos. O mesmo Decreto cria ainda diferentes formas operativas e uma nova organização curricular para o ensino profissional técnico de nível médio e para a educação profissional de nível superior de onde se destacam as principais mudanças conforme exposto adiante: 77 A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou em modalidades que contemplem estratégias de educação continuada, podendo ser realizada em escolas do ensino regular, em instituições especializadas ou nos ambientes de trabalho. A educação profissional compreende os seguintes níveis: I - básico: destinado à qualificação, requalificação e reprofissionalização de trabalhadores, independente de escolaridade prévia; II - técnico: destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino médio, devendo ser ministrado na forma estabelecida por este Decreto; III - tecnológico: correspondente a cursos de nível superior na área tecnológica, destinados a egressos do ensino médio e técnico. Resta demonstrado que o Decreto 2.208/97 foi revogado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva fundamentado na antonímia e retrocesso na educação porque os currículos plenos dos cursos técnicos estavam em desacordo com PARECER CNE/CEB Nº16/99 dispõe sobre as diretrizes curriculares nacionais para Educação Profissional de Nível Técnico. O Conselho Nacional de Educação (CNE), em seu Parecer 17/97 aprovado em 8 de dezembro de 1997 (BRASIL, 1997B), e homologado em 14 de janeiro de 1998, contraria o que estabelece o Decreto nº 2.208/97 e formula a resolução de que somente seria oferecida certificação de técnico aos egressos desses cursos que também tivessem concluído o ensino médio, tanto anteriormente ou simultaneamente ao curso técnico. Desta maneira, não seria oferecida certificação aos alunos que só concluíssem os módulos de uma especialidade técnica, eliminando a possibilidade de certificação independente do ensino médio. Em 8 de dezembro de 1999, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional da Educação, por meio da Resolução nº CEB/CNE 4/99 (BRASIL, 1999), instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico e definiu as vinte áreas profissionais do ensino profissional técnico, que poderiam ser modificadas com a inclusão ou exclusão de áreas. Tal processo de permanente atualização conta com a participação de representantes da área da educação, empregadores e trabalhadores. As áreas profissionais definidas em 1.999 estão mostradas no Quadro 3 adiante. 78 Área Profissional Agropecuária Artes Comércio Comunicação Construção Civil Design Geomática Gestão Imagem pessoal Indústria Informática Lazer e desenvolvimento social Meio ambiente Mineração Química Recursos pesqueiros Saúde Telecomunicações Transportes Turismo e hospitalidade Carga Horária Mínima de cada Habilitação 1.200 800 800 800 1.200 800 1.000 800 800 1.200 1.000 800 800 1.200 1.200 1.000 1.200 1.200 800 800 Quadro 3 – Áreas Profissionais e Cargas Horárias Mínimas Fonte: Conselho Nacional de Educação – Resolução CNE/CEB 4/99 Importante mudança na educação profissional técnica de nível médio ocorreu no ano de 2004, adaptando suas finalidades às necessidades do sistema produtivo e da sociedade, ao ser promulgado o Decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004 (BRASIL, 2004), que estabelece e regulamenta o ensino profissional com alterações o § 2º do art. 36 e os arts. 39 ao 41 da Lei nº 9.394/96, e cria uma nova relação para a Educação Profissional no Brasil. Estas alterações ocorreram no período entre o segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso e o primeiro mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva há recrudescimento da discussão acerca de um projeto societário para o país (MOURA, 2010). Com o Governo de Fernando Henrique Cardoso, percebeu-se um sério distanciamento entre as políticas implementadas para a educação profissional e os contextos teóricos e do próprio mundo do trabalho relacionados a essa modalidade de ensino, como bem critica Ramos (2002, p. 402-403): [...] Apesar de compor as tendências globalizantes de normas e padrões culturais e políticos, transposições desagregadas de certas teorias para realidade brasileira causam sérias consequências: [...] no âmbito educacional, as apropriações apressadas e limitadas desta noção podem reduzir a educação profissional a práticas voltadas para formações restritas, num triste recuo a princípios educacionais considerados superados pelo debate educacional crítico das últimas décadas. 79 É assim que, ao final de seu primeiro mandato, Fernando Henrique Cardoso outorga o Decreto de n.º 2.208/97 no qual, segundo as análises de Manfredi (2002, p. 129), apresenta as seguintes finalidades: a) Formar técnicos de nível médio e tecnológico de nível superior para os diferentes setores da economia; b) Especializar e aperfeiçoar (o trabalhador em seus conhecimentos tecnológicos); c) Qualificar, requalificar e treinar jovens e adultos com qualquer nível de escolaridade, para a sua inserção e melhor desempenho no exercício do trabalho. Ao ensino profissional previa-se a possibilidade legal de ser desenvolvido em três níveis, a saber: • Nível básico: livre a todos os trabalhadores, não exigindo qualquer nível de escolaridade e com direito à certificação; • Nível técnico: a estudantes ou a egressos do ensino médio, com currículo distinto deste, com a flexibilidade de poder ocorrer concomitante ou sequencialmente ao ensino médio, porém a diplomação só se daria com a conclusão deste; • Nível tecnológico: referente a todo curso superior da área tecnológica, e voltado a quem concluísse o ensino médio e/ou técnico. (Idem) Diante desse fato, Manfredi (2002) levanta sérias críticas a esse modelo de educação profissional afirmando que este fragmenta a formação dos trabalhadores ao separar o ensino médio do ensino profissional, e: Além disso, o desdobramento dos dois tipos de ensino recriará, necessariamente, a coexistência de redes de ensino separadas, que funcionarão com base em premissas distintas; o sistema regular com uma perspectiva de preparação para a continuidade dos estudos em nível universitário, e o sistema profissional ancorado à lógica do mercado [...]. (Idem, p. 135) Frigotto, Ciavatta e Ramos, (2005a); Silva; Fernandes; Moura et al., (2006) apontam que uma solução transitória e viável é um tipo de Ensino Médio que garanta a integralidade da educação básica e, também, objetivos de formação profissional numa perspectiva da integração dessas dimensões. Essa solução transitória, é fundamental que se avance na direção em que os jovens das classes populares possam optar por uma profissão após os 18 anos (MOURA, 2010). Igualmente, é viável porque “o ensino médio integrado ao ensino técnico, sob uma base unitária de formação geral, é uma condição necessária para se fazer a “travessia” para uma nova realidade” (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2010, p.43). 80 O fato era que a reformulação da LDB, no que se refere à educação profissional foi de vital importância para a sociedade e “o novo decreto seria um dispositivo transitório que, enquanto garantisse a pluralidade de ações a sistemas e instituições de ensino, mobilizasse a Sociedade Civil em torno do assunto” (FRIGOTTO et al., 2005a, p.4). As diversas discussões, debates e estudos resultaram no Decreto nº 5.154/04, que: [...] além de manter as ofertas dos cursos técnicos concomitantes e subsequentes trazidas pelo Decreto nº 2.208/97, possibilita a integração do ensino médio aos cursos técnicos, numa perspectiva que não se confunde totalmente com a educação tecnológica, mas que aponta em sua direção por conter os princípios de sua construção (MOURA, 2010, p.11). E o anúncio do Ministério da Educação sobre a educação profissional – reconstrução da política pública – fundamenta as transformações na política educacional com foco na profissionalização: [...] corrigir distorções de conceitos e de práticas decorrentes de medidas adotadas pelo governo anterior, que de maneira explícita dissociaram a educação profissional da educação básica, aligeiraram a formação técnica em módulos dissociados e estanques, dando um cunho de treinamento superficial à formação profissional e tecnológica de jovens e adultos trabalhadores (BRASIL, 2005, p.2). As relações de trabalho, segundo Frigotto (2001), se fundamentavam em “harmonizar e humanizar as relações do homem com a natureza, com a ciência, com a cultura e com a técnica”. Um outro fato a ser elencado é o trabalho como princípio educativo (ARROYO, 1998, p.152) que é vínculo entre a vida produtiva e cultura, com o humanismo, constituição histórica do ser humano, de sua formação intelectual e moral, sua autonomia e liberdade individual e coletiva, sua emancipação. Portanto, princípio educativo, situa-se no campo de preocupações com os vínculos entre a vida produtiva e a cultura, com humanismo, formação intelectual e moral. Este princípio é a base re(construção) do ensino profissionalizante porque não se restringe ao “aprender trabalhando” ou ao “trabalhar aprendendo”, mas à busca de uma unidade teórica e prática que contribua para a superação da divisão capital/trabalho que, segundo Baracho (2007, p.28) é “uma utopia necessária”. O objetivo da formação integral dos educandos é, antes de tudo, romper com a fragmentação que historicamente tem sido imposta aos estudantes oriundos da classe trabalhadora. Com o Governo de Luís Inácio Lula da Silva, algumas alterações já se apresentam em termos de documentos de regulamentação da educação profissional, tem-se a substituição do Decreto de n. º 2.028/97 pelo de n.º 5.154/04, sob a alegação de que o primeiro estava cheio de ilegalidade, como afirmam Frigotto, Ciavatta e Ramos (2004, p. 1): 81 [...] O Decreto n. 2.028/97 era ilegal ao determinar a separação entre o ensino médio e a educação profissional [...], em confronto com a LDB: "O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas" [...] e "A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular (...)". Diante das demandas contemporâneas do mundo do trabalho, é necessário conceber a integração do currículo a partir da articulação ensino/pesquisa, a qual contribui para formar a autonomia dos indivíduos. O Decreto 5.154/04 vem de encontro com a perspectiva Freireana (2002), o estudante deixa de ser um depósito de conhecimentos produzidos e transmitidos e passa a construir, desconstruir e reconstruir suas próprias percepções a respeito dos conteúdos, da ciência, da tecnologia, do mundo e da própria vida. Sabendo das limitações impostas à educação profissionalizante pelo capitalismo, é preciso encontrar seu sentido em face das mudanças ocorridas no mundo do trabalho, produtoras de crescente exclusão; entre o autoritarismo fundamentalista e o individualismo neoliberal, uma saída possível é: [...] desenvolver um projeto político-pedagógico que, sistemática e intencionalmente, conduza à compreensão das relações entre universal e particular, sujeitos e sociedade, ciência e trabalho, razão e emoção, conteúdo e método, produto e processo, produtor e proprietário” (KUENZER, 2000, p.35). Porém, esse Decreto torna possível a integração do ensino médio com o técnico de nível médio e tenta restabelecer um modelo de educação já previsto anteriormente pela LDB. Entretanto, não consegue resolver os problemas da educação profissional, tendo em vista que mantêm vários aspectos do decreto 2.208/97, como por exemplo, a modularização do ensino e as certificações intermediárias. Em suma, a realização humana implica a apropriação ativa e o domínio da cultura, da ciência, da arte. Isso significa uma aposta num novo critério de educação profissionalizante que contribua para a construção da identidade social e a integração da cidadania, e através da concretização da política educacional o Conselho Nacional de Educação declarou e o ministro da Educação ratificou a vigência das novas diretrizes - Parecer nº 39/2004 - da Câmara de Educação Básica, do Conselho Nacional de Educação, e a Resolução nº 01/2005, que atualizaram as Diretrizes Curriculares Nacionais vigentes (BRASIL, CNE, 1998 e 1999) às disposições do Decreto nº 5154/2004. Com o advento da educação à distância e a necessidade de se ofertar formação profissional em regiões onde não há oferta de cursos na modalidade presencial, foi criado, através do Decreto nº 6.301 de 12 de dezembro de 2007 (BRASIL, 2007), o Sistema Escola Técnica Aberta do Brasil, o qual estabelece a possibilidade do desenvolvimento da educação 82 profissional na modalidade de educação à distância, gratuita, democratizando o acesso aos cursos técnicos de nível médio para regiões onde não há ofertas desses cursos na modalidade presencial. Em junho de 2008, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2008) reestrutura por meio do Parecer nº CNE/CEB nº 11/2008 as áreas profissionais, transformando-as em doze eixos tecnológicos, conforme Quadro 3, são definidos como eixos temáticos do Catálogo Nacional de Cursos Técnico de Nível Médio (BRASIL, 2009). Tal modificação ainda sem ser transformado em Lei ou Decreto foi referendada pelo Ministério da Educação através da Portaria nº 870, de 16 de julho de 2008. Eixos Tecnológicos Mínima Máxima 01. Ambiente, Saúde e Segurança 800 1.200 02. Apoio Educacional 800 1.200 03. Controle e Processos Industriais 1.200 04. Gestão e Negócios 800 05. Hospitalidade e Lazer 800 06. Informação e Comunicação 07. Infraestrutura 1.000 1.200 800 1.200 08. Militar* 09. Produção Alimentícia 1.200 800 10. Produção Cultural e Design 800 11. Produção Industrial 12. Recursos Naturais 1.200 1.200 1.000 1.200 Quadro 4 – Resumo do Catálogo Nacional de Cursos Técnico de Nível Médio por Eixos Tecnológicos conforme CNE/CEB nº 11/2008 Fonte: Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação e Portaria nº 870, de 16 de julho de 2008. (*) A formação no Eixo Tecnológico – Militar será ministrada única e exclusivamente pelas Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), vedada a possibilidade de os cursos deste eixo tecnológico serem ministrados por outras instituições de ensino. O Quadro 4 mostra os eixos tecnológicos definidos e adotados pela Portaria nº 870 de 16 de julho de 2008, do Ministério da Educação como guia para os cursos de formação profissional de nível médio no país. A Lei 11.741 de julho de 2008 será amplamente discutida sobre o enfoque – trajetória histórica da legislação do PROEJA – Decreto 5.840, de julho de 2006. O próximo item abordará a formação do ensino profissional técnico de nível médio. 83 2.2 O ENSINO PROFISSIONAL TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO – FORMAÇÃO - PROEJA Neste item é apresentado o desenvolvimento do Ensino Profissionalizante Técnico de Nível Médio do Brasil e, simultaneamente, foram analisadas as legislações educacionais para nível escolar estudado de acordo com o tema Formação – PROEJA. 2.2.1 Legislação da Formação A educação figura na natureza social mais significativa no sentido de transformação e melhoria de vida dos cidadãos. Nesse contexto, a educação alcança o patamar de direito fundamental13 dentro do sistema jurídico brasileiro, pois concretiza a ideia construção do bem comum14 e de uma sociedade justa15. A Constituição Federal de 1988 tem fundamental importância porque consolida esse bem jurídico tutelado – a educação – aos brasileiros (natos e naturalizados16) e sua aplicabilidade no processo educacional, cumprindo a função primordial no que tange a proteção jurídica17 desse bem comum. 13 Os direitos fundamentais são também conhecidos como direitos humanos, direitos subjetivos públicos, direitos do homem, direitos individuais, liberdades fundamentais ou liberdades públicas. A própria Constituição da República de 1988 apresenta diversidade terminológica na abordagem dos direitos fundamentais, utilizando expressões como direitos humanos (artigo 4º, inciso II), direitos e garantias fundamentais (Título II e artigo 5º, parágrafo 1º), direitos e liberdades constitucionais (artigo 5º, inciso LXXI) e direitos e garantias individuais (artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV). Optamos, dessa forma, por adotar a terminologia “Direitos Fundamentais”, pois esse termo abrange todas as demais espécies de direitos. Neste obstante, “a expressão direitos fundamentais é a mais precisa”. Os direitos fundamentais surgiram com a necessidade de proteger o homem do poder estatal, a partir dos ideais advindos do Iluminismo dos séculos XVII e XVIII, mais particularmente com as concepções das constituições escritas. 14 Bem Comum: para distinguir bem comum de bem particular, Johannes Messner – jurista e político austríaco – associa os conceitos de “ser” e “valor”. “O bem comum– afirma – “é uma realidade social com categoria supraindividual de ser e valor, em virtude da pluralidade dos membros da sociedade que dela dependem no seu ser humanamente perfeito; o bem particular é uma realidade com categoria de ser e valor suprassocial, própria da pessoa humana”. 15 Sociedade Justa: a própria Constituição nos responde. É uma sociedade sem preconceitos e discriminação de raça, sexo, cor ou idade; uma sociedade livre, solidária, sem pobreza e desigualdades sociais, na qual a cidadania e a dignidade da pessoa humana estão no topo da pirâmide jurídica. 16 Art. 12 CF/88. São brasileiros: I – Natos a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (Redação da EC 54/2007) II - Naturalizados 84 Assim, a educação se faz presente em todos os atos do ser humano, podendo ser avaliada como uma necessidade básica para que se construa uma sociedade justa e igualitária possibilitando uma melhoria intelectual e social. Oportuno se faz destacar que a educação e ensino têm acepções diferentes, como dispõe Roberto Moreira, 1988, p.156: [...] os conceitos de educação e ensino diferem quanto à sua amplitude e abrangência. Assim, o conceito de educação envolve todas as influências que o indivíduo recebe em sua vida, em diferentes instituições e circunstâncias variadas. O conceito ensino é mais restrito, é a educação escolar, que se desenvolve em instituições próprias, ou seja, as escolas. Nestes termos, todo ensino é educação, mas nem toda educação é ensino ou educação escolar (MOREIRA, 1988, p.156) (Grifos nossos) Necessário se faz conceituar o sistema educacional e sistema de ensino, pois, não são coincidentes. O sistema educacional envolve a educação formal (desenvolvida nas escolas) e a educação não formal (desenvolvida em outras instituições e circunstâncias diversas). E o sistema de ensino (foca apenas à educação escolar ou processo escolarização). Para que os atos normativos sejam vistos em suas peculiaridades, neste momento, o enfoque é a educação institucional que promove a formação do indivíduo com objetivo de desenvolver os saberes. Pierre Toussaint Roy dispõe que a educação: É um direito exigível, inalienável18, indispensável, independente, indivisível e integral. Pois é um direito do cidadão e um dever do Estado, reconhecido tanto pelas constituições de quase todos os países da América Latina como por diversos pactos e convenções internacionais. (ROY, 2006, p.30) (Grifos nossos) Para Carlos Zarco: “a educação é um direito humano, um bem público, e a primeira responsabilidade do Estado é garantir esse direito a todos” (ZARCO, 2006, p.13). Reafirma o direito a educação segundo Richard Hartill: A educação é um direito universal e não um serviço. A educação que buscamos é de qualidade, possibilita inclusão, permite o pleno desenvolvimento da potencialidade de cada pessoa, constrói o respeito à diferença, promove a equidade e a paz (HARTILL, 2006, p.56) (Grifo nosso) a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. (Redação da EC de Revisão 03/1994) 17 18 Proteção Jurídica: Proteção advinda dos operadores do direito, não divindade. Inalienável: do latim inalienabĭlis, inalienável é aquilo que não se pode alienar (ou seja, cujo domínio não pode ser passado ou transmitido a alguém). Portanto, à luz da lei, o que é inalienável não pode ser vendido nem cedido. 85 Sob o prisma jurídico Maria Cristina de Brito Lima corrobora, “[...] o direito à educação básica é uma norma constitucional especial, um direito público subjetivo, que ostenta aplicabilidade imediata” demonstrando que a exigibilidade desse direito de grande relevância para que se possa garantir a sua efetivação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – Lei nº 9.394/96 em seus artigos 1º, 2º e 3º: Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. § 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extraescolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. Resta demonstrado que a formação profissional se encontra na agenda política dos formuladores da LDB, da atualidade, já que passa por diversas transformações para adequar aos fatos sociais vigentes. Segundo dados do IBGE, 2013: Tabela 1 - Número de Matrículas de Educação Básica por Etapas e Modalidade de Ensino, segundo a Dependência Administrativa - Brasil 2007 - 2013 Fonte: IBGE, 2013 86 Nos 190.706 estabelecimentos de educação básica do País, estão matriculados 50.042.448 alunos, sendo 41.432.416 (82,8%) em escolas públicas e 8.610.032 (17,2%) em escolas da rede privada. As redes municipais são responsáveis por quase metade das matrículas (46,4%), o equivalente a 23.215.052 alunos, seguida pela rede estadual, que atende a 35,8% do total, 17.926.568 alunos. A rede federal, com 290.796 matrículas, participa com 0,6% do total. Gráfico 1 – Distribuição Percentual da Matrícula por Etapa de Ensino e Dependência Administrativa – Brasil 2013 Fonte: IBGE, 2013 Em relação ao ensino médio profissionalizante, instituído na rede federal em parceria com os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, CEFET de Minas Gerais e Rio de Janeiro, consta apenas 0,5% do total e que as política públicas deverão avançar com escopo de ampliar para que mais jovens possam ingressar elevando o nível de profissionalização para o mercado de trabalho, mas também resgatar sua cidadania, já que o programa PROEJA foi articulado nos Fóruns Eneja com parcela dos pensadores e articulador dos Institutos Federais de Ciência e Tecnologia (IFs), devido a influência de Gramsci “educação unitária” e Paulo Freire, no qual, resgata a importância do ensino aprendizagem como instâncias de produção dialógica coletiva e de negociação cultural (FREIRE, 1985; RIGAL, 1991). Para tanto, é promovida uma reforma institucional que procura alcançar simultaneamente dois objetivos estratégicos: a formação da cidadania moderna e a competitividade internacional dos países. Acrescentam que, para alcançar esse último objetivo, [...] é preciso estabelecer um novo tipo de relação entre a educação e a produção. A pergunta é como ressituar a educação frente ao trabalho, e este frente àquela, reconhecendo que ambos os espaços (o formativo e o laboral) estão cada vez mais 87 próximos e entrecruzam-se de numerosas e diversas maneiras (CEPAL – UNESCO, 1992). No Brasil, a obrigatoriedade era apenas do ensino fundamental, por força da Emenda Constitucional nº 59/2009, o ensino médio tornar-se-á a partir de 2016 embora essa emenda constitucional não explique se o ensino profissional técnico esteja incluso nesta obrigatoriedade. Fazendo uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, onde a Magna Carta dispõe o “princípio (artigo 208, II, CF/88 modificado pelo art. 2º I, II da EC 14/96” ampliando o direito da universalização oferta gratuita a todos os que não tiveram acesso na idade própria. Embora não esteja expresso gramaticalmente na EC59/2009 mas está implícito na interpretação legal pautado princípio constitucional hierarquia das leis. EC nº 59/2009 As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º Os incisos I e VII do art. 208 da Constituição Federal, passam a vigorar com as seguintes alterações: "Art. 208. ................................................................................. I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (NR) VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde." (NR) Art. 6º O disposto no inciso I do art. 208 da Constituição Federal deverá ser implementado progressivamente, até 2016, nos termos do Plano Nacional de Educação, com apoio técnico e financeiro da União. Art. 7º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação. Brasília, em 11 de novembro de 2009. Vale ressaltar segundo dados OCDE – 2012/07: Nas últimas décadas, quase todos os países da OCDE têm observado um aumento expressivo no nível educacional de uma geração para a outra. Em média, 74% das pessoas de 25 a 64 anos de idade chegaram pelo menos ao ensino médio; e 82% das pessoas de 25 a 34 anos de idade concluíram o ensino médio. A diferença média entre as gerações de 25 a 34 anos e as gerações de 55 a 64 anos, na OCDE, foi de 20 pontos percentuais. No entanto, em países como Chile, Grécia, Irlanda, Itália, Coreia, Portugal e Espanha a diferença foi de 30 pontos percentuais ou mais. Essas medidas protetoras OCDE – 2012 para os estudantes que deixam a escola antes de terminar o ensino médio, pois, tendem a enfrentar dificuldades maiores para entrar – e permanecer – no mercado. Alguns países, como Portugal ou Comunidade Flamenga da Bélgica, estão aumentando as oportunidades de se adquirir uma qualificação de nível médio posterior, por meio de programas de “segunda chance”. Outros, como Holanda, introduziram 88 mudanças na legislação de auxílio às famílias que acrescentam à escolaridade compulsória a obrigação de se obter nível de qualificação. E a legislação brasileira através da Emenda nº 59/2009 acrescenta ao §3º artigo 7319 do Ato Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual de desvinculação das Receitas da União incidindo sobre recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o artigo 212 da CF/8820. Constitui um avanço em direção ao Princípio da Dignidade Humana e de encontro com as mudanças legislativas (OCDE/2012) em prol dos cidadãos que não completaram o ensino médio. E o sistema educacional brasileiro, compreendendo, desde o ensino fundamental até o ensino superior, dispõe escolas gratuitas para todos os níveis nas escolas públicas. Há, também, as escolas particulares que são responsabilidade das empresas privadas e das manutenções destas pais ou responsáveis. No Brasil existem 18.508 escolas públicas e 7.415 particulares que oferecem o ensino médio e desse total 3.535 (13,64%) oferecem o ensino médio profissional e dessas 1.173 (33,18%) são escolas públicas, que oferecem o ensino médio profissional gratuito. (MEC/INEP, 2009). Sendo que a permanência dos alunos no Brasil perfaz nove anos de duração para ensino fundamental e o ensino (propedêutico ou profissional) três anos, totalizando doze anos entre o início da formação escolar até o fim do ensino médio. Conforme artigo 21 da LDB: “Art. 21. A educação escolar compõe-se de: I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; II - educação superior”. E a estrutura ensino profissional três anos sequenciais, o aluno brasileiro pode fazer o primeiro ano formação geral e optar por fazer os dois anos restantes em uma das especialidades do Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos. De acordo com a legislação vigente e conforme dados do portal do MEC (BRASIL, 2011), os cursos do PROEJA podem ser ofertados nas seguintes modalidades: 19 Art. 73. § 3° Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do art. 40. 20 Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. 89 1- Educação profissional técnica integrada ao ensino médio na modalidade de educação de jovens e adultos. 2- Educação profissional técnica concomitante ao ensino médio na modalidade de educação de jovens e adultos. 3- Formação inicial e continuada ou qualificação profissional integrada ao ensino fundamental na modalidade de educação de jovens e adultos. 4- Formação inicial e continuada ou qualificação profissional concomitante ao ensino fundamental na modalidade de educação de jovens e adultos. 5- Formação inicial e continuada ou qualificação profissional integrada ao ensino médio na modalidade de educação de jovens e adultos. 6- Formação inicial e continuada ou qualificação profissional concomitante ao ensino médio na modalidade de educação de jovens e adultos. Importante notar que as mudanças devem ser acompanhadas de autonomia escolar, em que se exige um currículo flexível e contextualizado. Outro detalhe são as discussões e avaliações das propostas pedagógicas, por parte dos estudantes que precisam ter potencial para compreender o processo educativo e nele interagir, para poder criticar e propor mudanças para a qualidade. Se tais mudanças acontecem de forma fragmentada, seu efeito coletivo não atinge uma transformação substancial nas práticas educativas tradicionais, voltadas para o mero conteudismo e avaliação quantitativa. As perspectivas de uma educação um pouco mais condensada, objetivando o acesso ao Ensino Superior, ou de obtenção de conhecimentos formativos e profissionalizantes orientados pela meta de qualificação para o mercado de trabalho, voltam-se para características do ensino médio integrado aos saberes técnicos e profissionais. Simbolizam, assim, certos significados atribuídos pelos próprios alunos que voltam às aulas e se formam nessa modalidade de ensino: PROEJA. Atualmente, com a Lei 11.741 de 16 de julho de 2008, no qual altera dispositivos da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação profissional técnica de nível médio, da educação de jovens e adultos e da educação profissional e tecnológica. Art. 36-C. A educação profissional técnica de nível médio articulada, prevista no inciso I do caput do art. 36-B desta Lei, será desenvolvida de forma: I - integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, efetuando-se matrícula única para cada aluno; 90 II - concomitante, oferecida a quem ingresse no ensino médio ou já o esteja cursando, efetuando-se matrículas distintas para cada curso, e podendo ocorrer: a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; c) em instituições de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade, visando ao planejamento e ao desenvolvimento de projeto pedagógico unificado. Segundo dados do IBGE (2010), os números da educação profissional apontam para a manutenção de sua expansão, com crescimento de 7,4%, ultrapassando 900 mil matrículas em 2010. Considerando o médio integrado, os números indicam um contingente de 1,14 milhão de alunos atendidos. A educação profissional subsequente – oferecida aos alunos que já concluíram o ensino médio – aumentou 27% no número de matrículas e tem uma participação de 62% no total de matrículas da educação profissional. Por outro lado, na rede federal a educação profissional concomitante ou integrada ao ensino médio tem uma participação de 61,8% do total de matrículas nesta rede. Nos últimos 8 anos, a rede federal mais que dobrou a oferta de matrícula de educação profissional, com um crescimento de 114% no período. Nota-se um crescimento na educação profissionalizante modificando a Lei Federal nº 9.394, atual LDB, resultando alterações do texto aprovado em 20 de dezembro de 1996, sancionada pelos Presidentes da República sem nenhum veto, fato inusitado no histórico da legislação educacional brasileira, pois a educação é um bem comum universal. CF/88 LDB/1996 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Inciso com redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; Quadro 5 – CF/88 / LDB / EC 59/2009 Fonte: própria Emenda Constitucional EC 59/2009 Art. 1º Os incisos I e VII do art. 208 da Constituição Federal, passam a vigorar com as seguintes alterações: "Art. 208. I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (NR) 91 A partir do Quadro 5 infere que o legislador resgata a inclusão de todos os brasileiros que por qualquer momento histórico não puderam frequentar a escola na busca de coroar o princípio da dignidade humana. Ademais, Santos (2006), analisando as heterogeneidades pessoais que se encontram nas salas de aula das instituições que oferecem a Educação de Jovens e Adultos integrada ao Ensino Profissional, esclarece que: O aluno/a aluna da EJA foi expulso(a) da escola regular ou a ela não chegou. Esta fora da idade considerada “certa”; na maioria das vezes e um aluno/uma aluna que trabalha, ou está a procura de trabalho, não tendo tempo disponível, principalmente no que os professores consideram como tempo ideal para aprofundar seus estudos. Nessa linha de pensamento, esses cidadãos que buscam na EJA uma forma de se inserir no mercado de trabalho, buscando conhecimentos gerais e profissionais, são, normalmente, os egressos jubilados do ensino regular que refletem o fracasso de ações pedagógicas tradicionais tanto no ensino público, quanto no privado. Nos estudos de Moura (2006) sobre a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica e com base na designação dessa modalidade de ensino – Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) – tem por objetivo ofertar oportunidades educacionais que agreguem em uma única etapa da Educação Básica, a cultura geral e a formação profissional. CF/88 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: II progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Inciso com redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996) LDB/1996 Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. § 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. § 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si. Quadro 6 – CF/88 / LDB / EC14/1996 Fonte: própria Emenda Constitucional EC 14/1966 Art. 2º É dada nova redação aos incisos I e II do art. 208 da Constituição Federal: "I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; " 92 Esta alteração constitucional através da Emenda 14/1966 tem como objetivo garantir aos jovens e adultos a gratuidade a todos; já que anteriormente, apenas garantia do direito à educação ao ensino fundamental e médio que é concretização universalização do ensino médio gratuito. Cabe lembrar que a educação é um direito de todos, dever do Estado e da família, de um lado, há a pessoa humana portadora do direito a educação e, do outro lado, a obrigação estatal prestá-la. E no artigo 20621 CF/88, aborda os princípios constitucionais que norteiam o caminhar dos aplicadores da lei. Linhares (2005, p.156) afirma que “o direito a educação deverá ser exigido não somente como direito social, mas como direito a vida e, portanto, sob a proteção de uma norma eficácia plena e de aplicabilidade imediata”. (Grifos nossos) CF/88 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta 21 LDB/1996 Lei Art. 39. A educação Lei 11.741/2008 profissional, integrada às Altera dispositivos da Lei diferentes formas de no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que educação, ao trabalho, à estabelece as diretrizes e ciência e à tecnologia, bases da educação nacional, conduz ao permanente para redimensionar, desenvolvimento de aptidões institucionalizar e integrar para a vida produtiva. as ações da educação Parágrafo único. O aluno matriculado ou profissional técnica de egresso do ensino nível médio, da educação fundamental, médio e de jovens e adultos e da superior, bem como o educação profissional e trabalhador em geral, jovem tecnológica. Promulgada/ Sancionada/ Publicada Presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva Ministro da Educação: Fernando Haddad Em: 16 / julho / 2008 Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. 93 gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Inciso com redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) II progressiva universalização do ensino médio gratuito; ( VI oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. ou adulto, contará com a Os arts. 37, 39, 41 e 42 da possibilidade de acesso à Lei no 9.394, de 20 de educação profissional. dezembro de 1996, passam Art. 41. O a vigorar com outra redação conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos. Parágrafo único. Os diplomas de cursos de educação profissional de nível médio, quando registrados terão validade nacional. Art. 42. As escolas técnicas e profissionais, além dos seus cursos regulares, oferecerão cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não necessariamente ao nível de escolaridade. Quadro 7 – Comparativo CF/88 / LDB / Lei 11.741/2008 Fonte: própria Nota-se que a preocupação do legislador é articulação da Educação Jovem e Adultos – EJA, com a educação profissional. No ensino profissionalizante na Rede Federal de Ensino, em suas dimensões jurídicas, integrar a formação geral e profissional, em uma única modalidade de ensino, significa dar visibilidade a uma estrutura capaz de implantar, desenvolver, controlar e avaliar políticas que, no final, volta-se para a inclusão de um segmento educacional que se encontra em situação de risco e vulnerabilidade social, ou seja, um fragmento numeroso de trabalhadores brasileiros. Do mesmo modo, a visão jurídica do governo federal é a ruptura de 94 uma sucessão de desigualdades socioeconômicas, uma vez que determina amplas mudanças na educação, porém não assegura a interdisciplinaridade, pois as disciplinas de formação geral, nem sempre estão em diálogo ou sequer complementam os conteúdos específicos da formação técnica. Legalmente, a concepção do PROEJA proposta no documento base (BRASIL, 2006), está inserido no marco da elaboração de uma política que construa uma sociedade mais solidária e economicamente mais justa. Essa mesma visão se apoia em eixos norteadores das diretrizes educacionais profissionais, atualmente vigentes, voltada para a expansão da oferta pública de vagas, embora ainda existam processos de seleção em diversos institutos e centros federais de educação, pois a oferta de vagas chega a ser irrisória diante da procura (MOURA, 2006). Ainda no que se refere à dimensão educacional, o documento base do PROEJA (BRASIL, 2007), afirma que este programa educacional deixa de abranger apenas o Ensino Médio e passa a envolver toda a Educação Básica, ou seja, inclui no percurso rumo ao Ensino Profissionalizante, o Ensino Fundamental. Gráfico 2 – Distribuição do número de matrículas na Educação Profissional por Dependência Administrativa – Brasil 2013 Fonte: IBGE, 2013 A partir dos dados levantados IBGE/2013, a leitura dos dados informa que a forma subsequente foi a mais requerida pelos jovens e adultos e um rápido crescimento no ensino médio integrado. Segundo Jamil Cury: “ [...] a função dessa nova educação profissional é de preparar as pessoas para o exercício da cidadania e para o trabalho, em condições de influenciar o mundo do trabalho e de modificá-lo pelo exercício de um trabalho profissional competente”. E para Arroyo (1997, p.62): [...] durante mais de um século, o conjunto de lutas da classe trabalhadora levou a conscientização de que o trabalhador não tem que se aperfeiçoar só para produzir 95 mais, ou para rebaixar os custos e ser mais eficiente, mas, sobretudo, porque é gente, ser humano, e como tal, tem direito à qualificação. Neste momento, a preocupação dos formuladores de política (legislador) é criar condições favoráveis para que os jovens e adultos completem a escolaridade não iniciada na idade própria ou interrompida, por diversos motivos e que o Brasil caminhe rumo a alfabetização e cumpra as metas do Pacto Internacional da Declaração de Hamburgo (1997). Diante das diversas fragmentações na LDB com escopo de alavancar a inclusão de jovens e adultos no seio da educação e sua profissionalização, pois nos últimos 8 anos, a rede federal mais que dobrou a oferta de matrícula de educação profissional, com um crescimento de 114% no período (IBGE/2010). Onde atuam na educação um conjunto de estabelecimentos públicos e privados, que se caracterizam como escolas técnicas, agrotécnicas, centros de formação profissional, associações/escolas, dentre outros. O Censo Escolar 2010 revela que a participação da rede pública tem crescido anualmente e já representa 52% das matrículas. Tabela 2 - Número de matriculas da Educação Profissional por Dependência Administrativa - Brasil 2007 - 2013 Fonte: MEC/Inep Diante dos dados expostos, a Lei 11.741 de 16 de julho de 2008 que altera a lei 9.394/96, que estabelece a educação nacional, para redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação da educação profissional técnica de nível médio, da educação de jovens e adultos e da educação profissional e tecnológica, apelidada de “PAC da Educação”, tendo como Relator o Deputado Pedro Wilsom (PT-GO). O artigo 36C da Lei 11.741/2008 dispõe sobre a forma de ingresso nos cursos profissionalizantes outorgando aos jovens e adultos a escolher da melhor forma para sua capacitação profissional: Art. 36-C. A educação profissional técnica de nível médio articulada, prevista no inciso I do caput do art. 36-B desta Lei, será desenvolvida de forma: 96 I - integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, efetuando-se matrícula única para cada aluno; II - concomitante, oferecida a quem ingresse no ensino médio ou já o esteja cursando, efetuando-se matrículas distintas para cada curso, e podendo ocorrer: a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; c) em instituições de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade, visando ao planejamento e ao desenvolvimento de projeto pedagógico unificado. Considerando-se que a natureza e história da cultura escolar brasileira ainda se encontra carregada pela diretriz de compensação entre ensino de jovens e adultos fundamentado no ensino supletivo, uma vez que se volta para a reposição e recuperação do “tempo” perdido pelos estudantes (LOPES; VALENTIN, 2007). Nessa perspectiva, a integração entre formação geral e formação profissional está associada a um projeto políticopedagógico, apropriado às particularidades dos métodos de aprendizagem direcionados aos jovens e adultos, exigindo ações e estratégias educativas concebidas como elo entre formação, trabalho e cidadania Ação Educacional Níveis Educacionais Infantil, Fundamental, Médio e Educação Superior Abrangência • Educação infantil e fundamental obrigatórias, Ensino médio e superior • A educação deve vincular-se ao mercado de trabalho • Na estruturação para Educação Profissional, estabelece formação aos alunos mesmo que não tenham concluído formação anterior formal. Experiência profissional anterior na área que atua pode ser objeto de avaliação Ampliar o Ensino Fundamental para nove anos de duração, com a matrícula da criança de seis anos de idade e estabelece prazo implantação, até 2010 Gratuidade de Ensino Educação infantil, fundamental e média Universalização do ensino médio gratuito Acrescenta parágrafos e incisos, dá nova redação aos incisos, parágrafos da Constituição Federal Brasileira no que tange a desvinculação de receitas para a educação e prevê a Lei / Decreto Data LDB nº 9.394 20/12/1996 LDB nº 9.394 20/12/1996 Lei 11.274 06/02/2006 LDB nº 9.394 Lei 12.061 Emenda Constitucional nº 59 20/12/1996 27/10/2009 11/11/2009 97 obrigatoriedade do ensino básico dos quatro aos dezessete anos e amplia a abrangência dos programas suplementares para todas etapas da educação básica. Não explicita se a educação profissional estará incluída na obrigatoriedade. Idades Limites Não há idade para o acesso a qualquer um dos níveis educacionais previsto na legislação. Na formação profissional é dada oportunidade para quem tenha uma base (leitura e escrita), independentemente de ter concluído ou ser aprovado em níveis básicos Desenvolvimento da Educação Profissional de Nível Médio Tipos: • Formação inicial e continuada ou de qualificação profissional • Educação profissional técnica nível médio • Educação profissional tecnológica de graduação e pós graduação Educação profissional de nível médio será desenvolvida da seguinte forma: - Articulada com ensino médio nas formas: Integrada: para concluintes do ensino fundamental e conduzido a habilitação profissional na mesma instituição Concomitante: para quem ingressa ou já estejam cursando o ensino médio na mesma instituição ou instituição distintas Áreas de Atuação da Educação Profissional Alteração de denominação e estruturação das áreas profissionais para doze “eixos tecnológicos” Reduzir de 2800 denominações de cursos técnicos para 185 Implantação de Catálogo Nacional de Cursos Técnicos baseado na estruturação do Parecer CEB/CNE 11/2008 MEC referendou através de portaria a estruturação prevista. Ainda não há lei ou decreto promulgado sobre o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos. Recomenda utilização para padronizar denominações das especialidades e para os novos cursos. LDB nº 9.394 20/12/1996 LDB nº 9.394 20/12/1996 LDB nº 9.394 Decreto nº 5.478 Decreto nº 5.840 20/12/1996 25/06/2005 23/07/2006 Lei nº 11.741 16/07/2008 Parecer CEB/CNE 11/2008 12/06/2008 Portaria nº 840 16/06/2008 Quadro 8 – Desenvolvimento da Educação Formal do Brasil 1990 até 2010 Fonte: própria No próximo capítulo será observado a trajetória histórica do PROEJA. 98 3 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO PROEJA As políticas públicas têm, cada vez mais, se convertido em objeto de análise que atraem a atenção de diversos grupos que se pautam sobre as diversas formas assumidas pela relação Estado-Sociedade, apropriando do conceito Lasswell (1950) a análise de política campo de forte caráter contextual (preocupado com especificidade de cada contexto), multidisciplinar e multimetódico e orientado por problemas. Wildwsky (1970) conceitua a análise de política “um campo cuja fronteiras (internas e externas) de investigações não obedecem a limites rígidos, sendo estabelecidas de acordo com a natureza do problema a ser analisado”. Sendo que o processo de elaboração da política pública – o instrumental de Análise de Política diferencia três dimensões da política: A dimensão “policy” que se refere às instituições políticas e ao sistema político. Outra dimensão é a processual, o processo político, denominado de “politcs”. E a terceira dimensão é a material, a “policy” que se refere às políticas públicas em si. Estas estão entrelaçadas e se influenciam mutuamente. (FREY, 2000, p.217) Considerando que políticas públicas é um campo de conhecimento que tem sua origem na ciência política, a presente análise tem por objetivo retomar algumas das vertentes teóricas, marcos conceituais, teoria tridimensionalidade de Reale tendo como escopo demonstrar o impacto do PROEJA e da Lei 11.741/06 na Constituição Federal, LDB e na vida em sociedade-Escola. Embora a literatura sobre políticas públicas tenha se expandido no Brasil, observa-se que os estudos são recentes, este fato é corroborado por Farah (2012): A literatura acadêmica fora do Brasil diferencia os estudos de políticas públicas da análise de políticas públicas. Segundo esta literatura, os primeiros consistem em estudos de políticas públicas, enquanto a análise de políticas públicas se refere a estudos para políticas públicas (DOBUZINSKIS, HOWLETT e LAYCOCK, 2007). Os estudos de políticas públicas são desenvolvidos predominantemente por acadêmicos e procuram explicar a ação do Estado. A análise de políticas públicas, por sua vez, é a expressão utilizada para se referir à pesquisa aplicada de base científica desenvolvida com o objetivo de subsidiar a formulação, a implementação e a avaliação de políticas públicas, como afirma Dobuzinskis, Howlett e Laycock (2007: 3-4). No Brasil, não se estruturou um campo claramente delimitado de formação, de pesquisa e de atuação profissional voltado à elaboração de alternativas de políticas públicas (análise de políticas públicas). Tampouco houve, na literatura sobre políticas públicas, uma diferenciação entre estudos de políticas públicas e análise de políticas públicas. O campo de políticas públicas lato sensu que começara a se estruturar no final dos anos 60 (FARAH, 2011 e FARIA e MARQUES, no prelo), após sofrer uma solução de continuidade com a ditadura, está ainda em processo de (re) constituição no Brasil (FARAH, 2012: 2). Além disto, a teoria básica do institucionalismo no qual se concentra sua análise na gestão dos espaços institucionais. O campo teórico e prático é o saber engendrado pelo 99 aparato do Estado, das instituições, da estrutura, das regras, normas, que garantem a ação e desenvolvimentos das políticas, foco da tese – PROEJA (currículo). Na perspectiva neoinstitucionalista afirma que as instituições, responsáveis pela elaboração das políticas públicas, afetam o comportamento dos indivíduos, definem e determinam as políticas públicas educacionais. Ocorre que nesta perspectiva de análise do PROEJA e da Lei 11.741/06 predomina a organização da instituição – Ministério de Educação com suas articulações internas, regras, definições, partido político do presidente ou ministro dentre outras questões determinantes. Além deste fator, há a necessidade de se fundamentar que as políticas públicas são o resultado da própria atividade política de recursos e na provisão de demandas, logo, não podemos deixar que as políticas públicas educacionais, têm e devem ter sua origem no Estado, ente responsável pela solução dos problemas (RUA, 1998, p.231) As sociedades modernas têm, como principal característica, a diferenciação social. Isto significa que seus membros não apenas possuem atributos diferenciados (idade, sexo, religião, estado civil, escolaridade, renda, setor de atuação profissional, etc.), como também possuem ideias, valores, interesses e aspirações diferentes e desempenham papéis diferentes no decorrer da sua existência. Tudo isso faz com que a vida em sociedade seja complexa e frequentemente envolva conflito: de opinião, de interesses, de valores, etc. Entretanto, para que a sociedade possa sobreviver e progredir, o conflito deve ser mantido dentro de limites administráveis. Para isto, existem apenas dois meios: a coerção pura e simples e a política. O problema com o uso da coerção é que, quanto mais é utilizada, mais reduzido se torna o seu impacto e mais elevado se torna o seu custo. Resta, então, a política. Esta envolve coerção - principalmente como possibilidade mas que não se limita a ela. Cabe indagar, então, o que é a política. Uma definição bastante simples é oferecida por Schmitter: política é a resolução pacífica de conflitos. Entretanto, este conceito é demasiado amplo, restringe pouco. É possível delimitar um pouco mais e estabelecer que a política consiste no conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução pacífica dos conflitos quanto a bens públicos (RUA, 1998: 231). É a partir de 2002, no governo do presidente Lula, que houve um intenso número de políticas e de programas governamentais, que ingressam no cenário nacional, assim, aumenta demanda para a investigação e análise de PPs. E ampliando o entendimento com a crítica de Lindblom (1959) no qual incorpora diferentes variáveis à análise inicial PPs. E ampliando o entendimento com a crítica de Lindblom (1959) no qual incorpora variáveis à análise inicial de PPs: [...]avançou um passo adiante da simples racionalidade partidária, sendo assim, traz para a análise diferentes elementos tais como: as burocracias, o papel dos atores destas burocracias, os grupos de interesse determinantes dentro de um governo e os arranjos institucionais (LINDBLOM, 1959, p.40) 100 E o segundo aspecto de análise é diante da historicidade dos atos normativos, da agenda política Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, partido político dos trabalhadores (PT), dados informados pelo IBGE, PNAD dentre outros com base na tridimensionalidade de Reale (fato, valor, norma) e processo legislativo figuram o PROEJA e Lei 11.741/06 e análise do discurso segundo Bernstein, 1996. Tendo que à norma o objeto central do Direito, não há como se abandonar, para sua real interpretação e aplicação, as questões fático-valorativas que antecedem a sua produção. Diz textualmente o jurista Miguel Reale que: O direito é uma realidade trivalente, digamos assim, trivalente, ou, por outras palavras, tridimensional. Ela tem três sabores que não podem ser separados um dos outros. O direito é sempre fato, valor e norma, para quem quer que o estude, havendo apenas variação no ângulo ou prisma de pesquisa. A diferença é, pois, de ordem metodológica, segundo o alvo que se tenha em vista atingir, (...) de tal modo que o discurso do jurista vai do fato ao valor e culmina na norma. REALE, 2003 Portanto, para adequada percepção da Ciência Jurídica, cujo objeto é o Direito, deve o pesquisador analisar, não apenas o direito posto, mas sim os fatos e os valores sociais que geram a criação da norma, a fim de se estabelecer sua perfeita interpretação e aplicação. Além disso, prática discursiva, pois nenhuma produção dos sentidos ocorre fora do discurso e para permitir fluxo das diferenças “para diferir, para subverter o sentido, tem que haver um sentido” (BURITY, 2008, p.50) Partindo das premissas expostas, a conquista do direito à EJA, inserida no processo de redemocratização do sistema político nas décadas de 1980 e 1990, forte presença da sociedade civil na reivindicação de direitos e pressão por participação nos rumos da gestão pública1. Outro fator a ser elencado, estrutura da educação básica superior manteve-se basicamente a mesma desde a instituição da LDB, em 1996, a Educação Profissional passou por quatro mudanças estruturais que são dignas de nota: a trazida pelo Decreto 2.208 de 1997; Decreto 5.154 de 2004; Lei 11.741 de 2008 e a Lei 11.892 de 2008; permeando nestas alheações da LDB encontra-se o PROEJA – 5.840 de 13 de junho de 2006. Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2010, p. 29) em análise do percurso da edição do Decreto 5.154/2004, afirmam que foi feita a opção por um Decreto2, ao invés de um 1 Sobre o tema, ver Avritzer & Costa (2004), Dagnino (1994), Telles (1994a, 1994b). Decreto: Um decreto é uma ordem emanada de uma autoridade superior ou órgão (civil, militar, leigo ou eclesiástico) que determina o cumprimento de uma resolução. No sistema jurídico brasileiro, os decretos são atos administrativos da competência dos chefes dos poderes executivos (presidente, governadores e prefeitos). 2 101 projeto de lei3 que alterasse a LDB, haja vista que houve um consenso entre governo, segmentos da intelectualidade e movimentos sociais de que havia urgência de demonstrar uma mudança na política educacional e o fato de que “o trâmite de um projeto como esse no Congresso Nacional certamente seria longo, em função tanto do embate entre as forças que o compõem quanto da agenda de votações”. No ano de 2005, ocorre o lançamento por parte do MEC da chamada Fase 1 da Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, quando foram criadas as Unidades de Ensino Descentralizadas (UNEDs) dos Centros Federais de Educação Tecnológica. No ano de 2008, ocorre o edital de chamada pública para a Fase 2 da expansão. A partir de então, as escolas da rede federal de EPT (CEFET’s, Escolas Agrotécnicas Federais, Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais e Escola Técnica Federal de Palmas) passaram a ter autonomia para implantar cursos nos diferentes níveis de educação profissional e permite-se a integração entre ensino médio e a educação profissional de nível técnico (decreto 5.154/2004), conforme Oliveira, apesar do Decreto nº 5.154/2004 abrir novas possibilidades, ele não significou o abandono aos princípios do decreto 2.208/97, uma vez que, “permitiu tanto a organização de cursos integrando ensino médio e técnico quanto à estruturação de cursos completamente separados” (OLIVEIRA, 2005, p.91). Neste momento cabe reflexão sobre a articulação e integração proposta com foco no currículo. Ainda neste período, como expressão do compromisso do governo Lula em destinar investimentos para a Educação profissional no Brasil, inicia-se a partir de 2006, um processo de expansão e reordenamento dessa modalidade de ensino no país. Como parte do processo, o governo federal propõe um conjunto de programas destinados a estimular a oferta do ensino médio integrado à educação profissional, como é o caso do Programa Brasil Profissionalizador, do Programa Ensino Médio Inovador e do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Criado em 2007, pelo governo federal, o programa Brasil Profissionalizado objetiva modernizar e expandir a rede pública de ensino médio integrado à educação profissional – meta expressa no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Um decreto é usualmente usado pelo chefe do poder executivo para fazer nomeações e regulamentações de leis (como para lhes dar cumprimento efetivo, por exemplo), entre outras coisas. 3 Projeto de lei: é um tipo de proposta normativa submetida à deliberação de um órgão legislativo, com o objetivo de produzir uma lei. Normalmente, um projeto de lei depende ainda da aprovação ou veto pelo Poder Executivo antes de entrar em vigor. 102 Todo este processo, entretanto, não transcorre livre de contradições, pois em 2006 há uma reorganização da estrutura no Ministério da Educação que cria a Secretaria da Educação Profissional e Tecnológica e a Secretaria da Educação Básica em substituição às antigas Secretaria do Ensino Fundamental e Secretaria da Educação Média e Tecnológica, separando a gestão profissional da básica4. Neste próximo item será abordado a EJA integrada à Educação Profissional e sua localização na estrutura educacional brasileira e análise da Lei 11.741/2008. 3.1 ANÁLISE DO PROEJA - EJA INTEGRADA À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ESTRUTURA EDUCACIONAL BRASILEIRA Seguindo princípios contidos na Constituição Federal de 1988, promulga-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96, em 20 de dezembro de 1996. A legislação complementar à lei 9.394/96, em particular, a Portaria/MEC 646/97, determinou a separação entre o ensino médio e profissional, gerando sistemas e redes distintas, o que impôs a perspectiva de uma especialização profissional como etapa que ocorreria após a conclusão de uma escola básica unitária. Em seu artigo 39, a LDB 9394/96 indica que “a educação profissional, integradas às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente 4 Publicada nova estrutura regimental do MEC: A nova estrutura regimental do Ministério da Educação foi publicada no dia 29/07, no Diário Oficial da União. Pelo documento, o MEC passa a ter seis secretarias em substituição às sete existentes. As novas secretarias também mudam seus focos de atuação, com o objetivo de dar maior amplitude e agilidade aos programas executados pela pasta. Ao anunciar a reestruturação do MEC, em março passado, o ministro Tarso Genro explicou que ""essas mudanças visam concentrar, priorizar e hierarquizar as ações do ministério"". Mudanças – A Secretaria de Educação Infantil e Fundamental (Seif) ganhou nova nomenclatura e nova atuação. Ao receber da Secretaria de Educação Média e Tecnológica a administração da educação média, transformou-se na Secretaria de Educação Básica (SEB). A alteração tem por objetivo qualificar a educação básica como direito social. Caberá a ela promover, em articulação com os sistemas de ensino e com os movimentos sociais organizados, a democratização da gestão e do acesso e a garantia da permanência de crianças, jovens e adultos nas escolas brasileiras. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) será implementado, visando à ampliação do atendimento a todos os níveis da educação básica. Também será preciso estimular os sistemas de ensino para a formação dos profissionais da educação, por meio da Rede Nacional de Formação Continuada, por ações voltadas à formação inicial, e pela criação de condições de ampliação do ensino fundamental para nove anos, garantindo o ingresso de crianças de 6 anos de idade nesse nível de ensino. Outra mudança nominal e estrutural ocorreu na Secretaria de Educação Média e Tecnológica (Semtec), que passou a se chamar Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec). A missão da nova secretaria é elevar o nível de qualificação e escolaridade de jovens, adultos e trabalhadores. Serão instituídos mecanismos de controle social voltados à gestão democrática, transparente e eficaz no âmbito da política pública de educação profissional e tecnológica. A Setec vai promover a articulação com outros ministérios e instituições para otimizar recursos do governo federal para a área. Uma das prioridades da secretaria são os projetos destinados a promover a inclusão social e formar mão-de-obra qualificada, de acordo com as necessidades apontadas em programas de desenvolvimento regional. A missão da nova secretaria é expandir a educação profissional de maneira a atender às necessidades de formação do trabalhador e ampliar o acesso às novas tecnologias. 103 desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva”. A finalidade desse dispositivo legal foi propor os objetivos da educação profissional, considerando-se as novas demandas e modos de produção ocupacional, referendadas pelo conhecimento científico e tecnológico tanto dos gestores, quanto dos trabalhadores (RODRIGUES, 2009). E outro elemento a ser analisado é que Educação Profissional Técnica de Nível Médio e a Educação de Jovens e Adultos são consideradas modalidades na Educação Básica. Torna-se necessário re(significação) o termo modalidade nos parâmetros legais (parecer CNE/CEB 11/2000) referendado pelo Conselheiro Jamil Cury: O termo modalidade é diminutivo latino de modus (modo, maneira) e expressa uma medida dentro de uma forma própria de ser. Ela tem, assim, um perfil próprio, uma feição especial diante de um processo considerado como medida de referência. Trata-se, pois, de um modo de existir com característica própria. (BRASIL, 2000, p.26) Assim, podemos afirmar que uma modalidade é uma referência onde se insere, especificamente, na Educação Básica – Ensino Fundamental e o Ensino Médio. E o parecer CNE/CEB 11/2000 explica a relação à educação de jovens e adultos, por analogia, aplica-se a todas as modalidades inclusive à Educação Profissional Técnica de Nível Médio: Ora, sendo a EJA uma modalidade da educação básica no interior das etapas fundamental e média, é lógico que deve se pautar pelos mesmos princípios postos na LDB. E no que se refere aos componentes curriculares dos seus cursos, ela toma para si as diretrizes curriculares nacionais destas mesmas etapas exaradas pela CEB/CNE. Valem, pois, para a EJA as diretrizes do ensino fundamental e médio. A elaboração de outras diretrizes poderia se configurar na criação de uma nova dualidade. (BRASIL, 2000, p.61) Essa modalidade de ensino se converte em um processo de educação permanente, pois deve conduzir ao permanente processo de aptidões para a vida produtiva. Nessa nova legislação há uma abertura aos trabalhadores que não dispondo de diploma de conclusão do ensino médio regular, terão a oportunidade de realizar cursos em escolas técnicas ou em centros diversos de formação profissional (SOUZA; SILVA, 1997). De acordo com o disposto no artigo 40 da LDB a educação profissional não mais seria integrada, obrigatoriamente, ao ensino regular (fundamental e médio), embora com ele deva-se articular quando ministrado em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho (em serviço). Conforme Kuenzer (1997), a educação básica tem por finalidades: desenvolver o aluno, garantir sua formação plena, indispensável para o desenvolvimento da cidadania e fornecer-lhes meios para prosperar no trabalho tanto a nível superior quanto na educação profissional em caráter permanente. 104 Ademais, ao materializar os princípios educacionais constitucionais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96, segundo Hamze (2010), muda a nomenclatura de Ensino Supletivo para Educação de Jovens e Adultos (EJA). Com o Parecer CEB/CNE 11/2000, o qual fundamentou a Resolução do CNE de Diretrizes Curriculares para a EJA, são politicamente ressaltadas as alterações da terminologia de ensino supletivo para EJA: o direito público subjetivo dos cidadãos à educação; as dimensões de resgate; de igualdade e de formação pessoal, como ainda diferenciam a EJA da aceleração de estudos. Importante destacar que na visão educacional brasileira vigente, orienta-se para a necessidade de contextualização do currículo e dos processos pedagógicos e recomendase, para tanto, a formação continuada e permanente de educadores. Além disso, segundo Machado (2008), a interdisciplinaridade é um dos pressupostos capaz de assegurar um diálogo frequente entre a formação geral (conhecimentos científico e cultural) e a formação profissional (conhecimento técnico e prático). Essa decisão revelou-se mais amiúde do que a proposta pelo Conselho Federal de Educação, a qual possibilitava a opção do trabalhador em aprofundar nos estudos gerais, ou por concorrer a uma habilitação profissional, no ensino técnico. No entanto, quais razões teriam levado à adoção de aparatos políticos e legais que instruam a dualidade entre formação geral e formação técnica, criando instituições federais de ensino profissionalizante, propondo ora a integração ora a articulação entre os diferentes saberes na formação do trabalhador brasileiro? A percepção do PROEJA, fundamentada nas políticas educacionais de base, está inserida no marco da formalização de um projeto indispensável de sociedade mais igualitária e motiva-se nas diretrizes norteadoras das políticas de educação profissional, atualmente em vigor: a ampliação da oferta pública de educação, assim como o desenvolvimento de táticas de financiamento público que viabilizam a alocação de recursos para uma EJA de qualidade. (MOURA, 2007) Do mesmo modo, pode-se citar a oferta de educação profissional na perspectiva da formação integral do cidadão – Ensino Médio Integrado à Educação Profissional Técnica – formação que coadune, na sua práxis e nos seus preceitos científicos, históricos e sociais, a sintonia com o mundo do trabalho, a ciência e a cultura – e a missão imprescindível da educação profissional com relação à formalização e aplicação das políticas públicas de integração social (MOURA, 2007). 105 No período entre 2003 e 2006, relativo ao primeiro mandato do Governo Lula, a política educacional proporciona ao EJA um maior destaque do que o realizado nos governos anteriores pós-redemocratização. No entanto, se existe um discurso que apregoa sua valorização, que não se faz acompanhar de realizações palpáveis para a superação da estrutura formalizada na década de 1990 (RUMMERT; VENTURA, 2007). Ao instituir tais políticas para educação de jovens e adultos, o governo e educadores necessitam se fundamentar na visão de conjunto, por práticas pedagógicas coletivamente aplicáveis ao ser humano em sua integralidade, por enfoques que questionem a dinâmica do mundo do Trabalho; uma formação voltada para a multidisciplinaridade, a contextualização e a conexão dos conteúdos, pela motivação à criatividade e pela importância social e ética (MACHADO, 2006). Ventura (2011, p.84-85) dispõe que as ações da Educação de Jovens e Adultos são deficitárias do ponto de vista de sua institucionalidade. Já que a proposta de uma institucionalidade que contribua para uma sociedade menos desigual, que esteja “comprometida com o todo social, com algo que funde a igualdade na diversidade”, sugere que essa política (PROEJA) se oriente para a busca de unidade entre a formação geral e a profissional – podendo aproximar da ideia da escola unitária, tal qual Gramsci (2000), que ofereça oportunidades iguais de formação a todos os sujeitos. De acordo com Soares (2000, p.410) “quando Gramsci propõe a “escola unitária” como reação ao dualismo escolar, o adjetivo “unitária” está relacionado a um princípio mais amplo, parâmetro de toda análise sobre a organização da cultura. Trata-se do princípio da igualdade” ou “princípio unitário” diretriz para superar os conflitos sociais. Frigotto (2009, p.73) apesar da retórica do governo Lula sinalizar um compromisso com reorganização do sistema educacional como foco e superação da desigualdade social presentes no Brasil, não há reformas estruturais na educação, portanto, jamais se colocou de fato o projeto de uma escolaridade básica e formação técnicoprofissional como direito social subjetivo para a maioria dos trabalhadores. (Ibid, p.73) para o referido autor, essa é uma questão presente no Governo Fernando Henrique Cardoso e que persiste “caminho desviante” do governo Lula. Ferreira (2009, p.265) dispõe que a política educacional na gestão Lula “sofre os limites das políticas anteriores porque fragmentadas e não alcança a educação escolar em sua totalidade”. Sobre esse aspecto, Moura (2007, p. 28) afirmou que: 106 É fundamental assumir que no atual momento histórico, umas das formas de construir um sentido para o ensino médio é buscando sua integração com a educação profissional técnica de nível médio10. Para isso, é fundamental a sua ampliação gradativa de forma gratuita, laica e com qualidade nos sistemas públicos de educação. Entretanto, apesar dessa necessária ampliação, há que se cuidar para que o processo ocorra de forma planejada e coordenada entre as distintas esferas de governo. Em princípio, conforme Blum e Zanardini (2010) este programa seria ofertado apenas nas Instituições Federais. Entretanto, por meio do Decreto 5.840 de 13 de julho de 2006, anula-se o anterior, e a EJA integrada à Educação Profissional passa a ter a possibilidade de ser ofertado além das Instituições Federais de Educação Profissional, também nas instituições públicas estaduais, municipais e privadas. O PROEJA se torna, assim, em um programa em âmbito nacional, alterando sua denominação para Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Deve ser, pois, uma política pública do Estado brasileiro, com oferta educativa de qualidade, autêntica e transformadora, tanto para a inserção do jovem ou adulto, quanto criar condições para que este venha concluir os níveis de ensino almejados. Nas palavras de VIRIATO; GOTARDO (2009, p.219): Tomar como reflexão a legislação que se relaciona com o PROEJA, permitiu mostrar as contradições e as incoerências a serem enfrentadas para que possamos construir e implementar um currículo que efetivamente expresse os conhecimentos necessários à classe trabalhadora para a sua emancipação. Segundo a legislação vigente e conforme dados do portal do MEC (BRASIL, 2011), os cursos do PROEJA podem ser ofertados nas seguintes modalidades: 1- Educação profissional técnica integrada ao ensino médio na modalidade de educação de jovens e adultos. 2- Educação profissional técnica concomitante ao ensino médio na modalidade de educação de jovens e adultos. 3- Formação inicial e continuada ou qualificação profissional integrada ao ensino fundamental na modalidade de educação de jovens e adultos. 4- Formação inicial e continuada ou qualificação profissional concomitante ao ensino fundamental na modalidade de educação de jovens e adultos. 5- Formação inicial e continuada ou qualificação profissional integrada ao ensino médio na modalidade de educação de jovens e adultos. 6- Formação inicial e continuada ou qualificação profissional concomitante ao ensino médio na modalidade de educação de jovens e adultos. Sintetizando, o Ensino Médio Integrado ao Técnico na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos é a modalidade na forma integrada à Educação Profissional Técnica de Nível Médio, o PROEJA, um programa que objetiva estimular a implementação da Educação Profissional integrada à Educação Básica na modalidade EJA, foi instituído o 107 Decreto 5.478/2005, revogado pelo Decreto 5.840/2006. Este determina a adoção da modalidade por parte das Instituições Federais de Educação Profissional, com percentual mínimo de 10% do total das vagas ofertadas e progressivo aumento, sendo facultado a oferta a escolas da rede estadual, municipal e do Sistema S, e estabelece normas e cargas horárias mínimas dispostas nas diretrizes curriculares da educação profissional – programa PROEJA, porém, as metas propostas não foram alcançadas em sua totalidade conforme dados do PNAD/2009 e PPPA 2016-2019 abaixo dispostos. De acordo com a formulação do PNE 2001-2010, a preocupação maior era com os altos índices de analfabetismo e com a institucionalização da EJA, visando ampliar os níveis de escolaridade da população que ainda não havia concluído a educação básica. As metas vinculam-se à erradicação do analfabetismo, ampliação da oferta, produção de dados estatísticos, de modo a subsidiar o planejamento de políticas e programas educacionais. Tabela 3 - Evolução da Taxa de Analfabetismo entre a população de 15 anos ou mais Brasil – Ano 2000 e 2009 Fonte: Censo Demográfico 2000 e PNAD/IBGE 2005, 2009. Os grandes números do analfabetismo brasileiro parecem ser pouco sensíveis ao esforço da União, em associação a outras iniciativas dos poderes públicos estaduais e municipais e de organizações não governamentais, para alfabetizar em grande escala. CASTRO (2009) constata que “a taxa de analfabetismo dentro de uma mesma geração é pouco sensível a mudanças com o passar dos anos” e que “a queda do analfabetismo está ocorrendo pela escolarização da população mais nova e pela própria dinâmica populacional com a “saída” dos idosos analfabetos (morte) ”. De fato, mantida a redução média dos últimos dez anos, cerca de 0,4 pontos percentuais ao ano, serão necessárias pelo menos mais duas décadas para vencer o analfabetismo. Em 2009, um estudo realizado pelo IPEA acerca da evolução do analfabetismo no Brasil concluiu que a redução lenta deve-se, em grande medida, à “incipiente inserção nos 108 programas de alfabetização de jovens e adultos, assim como à sua baixa efetividade”. (IPEA, 2010b) Para Ciavatta e Frigotto (2005) que fragmentação da política pública EJA a e consequentemente PROEJA que se concretiza que as políticas educacionais no governo Lula e compromete sua eficácia e eficiência. Tabela 4 - Sumário da avaliação de adequação das Metas do PPPA 2016-2019 com o PNE 2014-2024 Metas PNE 1 - Educação Infantil 2 - Ensino Fundamental 3 - Ensino Médio 4 - Educação Especial 5 - Alfabetização Infantil 6 - Educação integral 7 - IDEB e Aprendizado Adequado 8 - Escolaridade Média 9 - Alfabetização de Jovens e Adultos 10 - EJA Integrada à Educação Profissional 11 - Educação Profissional: Indicadores Crianças de 4 e 5 anos matriculadas: 2013: 81,4%. Meta 2016:100% Crianças de 0 a 3 anos matriculadas: 2013: 23,2%. Meta 2024: 50% Crianças de 6 a 14 anos matriculadas: 2013: 98,4%. Meta 2024: 100% Jovens de 16 anos que concluíram o ensino fundamental: 2013: 66,7%. Meta 2024: 95% Porcentagem de jovens de 15 a 17 anos na escola: 2013: 84,3%. Meta 2016: 100% Porcentagem de jovens de 15 a 17 anos no ensino médio: 2013: 55,3%. Meta 2024: 85% Taxa de inclusão de alunos de 4 a 17 anos: 2014: 86,93%. Meta 2024:100% Crianças do 3º ano alfabetizadas: 2012: 98,1% Meta 2024: 100% Escolas públicas com matrículas em tempo integral: 2014: 42%. Meta 2024: 50% Matrículas na rede pública em tempo integral: 2014: 15,7%. Meta 2024: 25% IDEB do ensino médio: 2013: 3,70. Metas: 2015: 4,3; 2017: 4,7; 2019: 5; 2021: 5,2. IDEB dos anos finais do ensino fundamental: 2013: 4,20. Metas: 2015: 4,7; 2017: 5; 2019: 5,2; 2021: 5,5. IDEB dos anos iniciais do ensino fundamental: 2013: 5,20. Metas: 2015: 5,2; 2017: 5,5; 2019: 5,7; 2021: 6 Escolaridade média da população de 18 a 29 anos: residente em área rural: 2013: 7,8 anos. Meta 2024: 12 anos região de menor escolaridade do país: 2013: 9,0 anos. Meta 2024: 12 anos 25% mais pobres: 2013: 7,9 anos. Meta 2024: 12 anos população negra: 2013: 9,18 anos. Meta 2024: igualar à população não negra Taxa de alfabetização da população (15 anos ou mais): 2013: 91,5%. Metas: 2015: 93,5%; 2024: 100% Taxa de analfabetismo funcional (15 anos ou mais): 2013: 18,1%; Meta 2024: 9,05% Matrículas de EJA articulada à educação profissional: 2014: 2,8%. Meta 2024: 25% Matrículas de educação profissional técnica: 2014: 1.741.528. Meta 2024: 5.224.584 Matrículas de Adequação do PPPA INADEQUADO INADEQUADO INADEQUADO ADEQUADO NÃO PREVISTO INADEQUADO INADEQUADO INADEQUADO INADEQUADO ADEQUADO INADEQUADO 109 educação profissional pública: 2014: 784.763 Meta 2024: 2.526.291 Taxa bruta de matrícula na educação superior: 2013: 30,30%. Meta 2024: 50% Matrículas da população de 18 a 24 anos na educação superior: 12 - Educação Superior 2013: 20,2%. Meta 2024: 33% Novas matrículas no segmento público: Meta 2024: 40% das novas matrículas Percentual de mestres ou doutores: 13 - Titulação de 2013: 72,61%. Meta 2024: 75% Porcentagem de Professores da Educação doutores: Superior 2013: 33%. Meta 2024: 35% Número de mestres titulados: 2013: 50.141. Meta 2024: 60.000 Número de doutores 14 - Pós-graduação titulados: 2013: 15.287. Meta 2024: 25.000 Porcentagem de professores com curso superior: 15 - Formação de 2013: 74,8%. Meta 2024: 100% Com licenciatura na Profissionais da Educação área (anos finais do ensino fundamental): Básica 2013: 32,8 %. Meta 2024: 100% Com licenciatura na área (ensino médio): 2013: 48,3%. Meta 2024: 100% 16 - Pós-graduação e Professores da educação básica com pós-graduação: Formação Continuada 2013: 30,2%. Meta: 2024: 50% Razão entre salários de professores e demais 17: Valorização de profissionais: Professores 2013: 76,5% . Meta 2024: 100% Planos de carreira dos profissionais da educação básica 18 - Planos de Carreira e superior: Meta: implementação em 2016 Gestão democrática da educação: 19 - Gestão Democrática Meta: efetivação em 2016 Investimento público em educação em relação ao PIB: 20 - Financiamento da 2013: direto: 5,2%; total: 6,2%. Meta 2019: 7%. Meta Educação 2024: 10% Fonte: PPPA 2016-2019, PNE 2014-2024, IBGE, INEP INADEQUADO NÃO PREVISTO ADEQUADO ADEQUADO INADEQUADO ADEQUADO ADEQUADO NÃO PREVISTO INADEQUADO Evidencia-se que as metas PNE (alfabetização de jovens e adultos e Educação Profissional) foram inadequadas de acordo com a PPPA 2016 – 2019; PNE 2014-2024 – (IBGE, INEP) através da Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara dos Deputados. Apenas alcançou a meta EJA integrada à Educação Profissional ficando dentro dos indicadores, concretizando as análises dos autores Ferreira e Frigotto, nas políticas públicas educacionais fragmentação não leva sua institucionalidade. No próximo item a ser abordado é a análise da Lei 11.741 de julho de 2006 e seus impactos na Constituição Federal de 1988 e na Lei 9.394/96 – LDB. 110 3.1.1 Análise da Lei 11.741/2006 e seus impactos na Constituição Federal de 1988 e na Lei 9.394/1996 - LDB Para compreender e interpretar a Lei 11.741/2006 torna necessário retroceder no tempo buscando na historicidade fatos que justificam a alteração dos dispositivos da Lei 9.394/1996 no qual estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação técnica de nível médio, da educação de jovens e adultos e da educação profissional e tecnológica. Necessário se faz conceituar redimensionar, institucionalizar e integrar pois estes comandos estão dispostos no preâmbulo da lei 11.741/06, pois segundo Barroso (1999, p.134135) dispõe que: Na tradição constitucional brasileira sempre se afastou o preâmbulo5 do corpo normativo, propriamente dito, da Constituição. O sistema está ordenado de forma que as disposições textuais ocupem espaços definidos dentro de sistema mais amplo que o envolve. É a percepção do lugar do texto no conjunto, sobressaindo a preocupação de determinação formal-textual. Como método de análise – método exegético – para o preâmbulo da lei, já que é um importante documento porque revela a vontade do legislador, sendo um problema formal e não material (BORGES; ALVES, 2011, p.128). E partindo deste pressuposto, a análise linguística do termo, segundo Houaiss, redimensionar mudança do ângulo de uma pesquisa ou estudo; institucionalizar é o processo de assemelhação ou de transformação de alguma coisa em uma instituição, entendendo esta como uma associação ou organização de caráter social, filantrópico e integrar, por sua vez, dar forma institucional, passar a fazer parte de um grupo ou coletividade, sentir-se parte de alguma coisa. Em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/96 – alterou todo o ordenamento educacional, e a formação politécnica com base na compreensão teórica e prática dos fundamentos científicos das múltiplas técnicas utilizadas no processo produtivo como princípio organizador do ensino médio, deferida por educadores organizados por meio do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e constante na primeira versão do Projeto de Lei de LDBEN. 5 Bonavides, 1998, 70-71, na redação de Constituições modernas, consagra a divisão (não necessariamente nesta ordem) formas de organização: I - preâmbulo; II - a parte introdutória com as definições fundamentais do regime político, forma de governo e organização do Estado; III - a parte dogmática com as declarações de Direitos; IV -a parte orgânica com a definição de órgãos e competências estatais; V - a parte de disposições gerais ou finais 111 Encaminhada ao Congresso de 1988, não se efetuou o texto final, que pelo seu caráter minimalista, permitiu que o governo, alinhado com uma nova concepção de capital humano, regulasse a separação formal entre o ensino médio e a educação profissional por meio do Decreto 2.208/97 que definiu três níveis para a educação profissional: básico, técnico e tecnológico. Este Decreto alterou a estrutura da educação profissional que “a educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou sequencial a este”. A educação profissional passa a ser caracterizada como complementar e o ensino médio retorna, legalmente, um sentido puramente propedêutico. A educação profissional constitui-se em sistema paralelo retornando à estrutura dualista e segmentada e mais uma vez rompe-se com o conceito de equivalência, permitindo apenas a articulação entre a educação profissional e a educação básica. Este modelo de organização da educação profissional já estava sendo articulado, anteriormente, à aprovação LDBN, por meio do Projeto de Lei 1.603/96, contestado pelos movimentos educacionais. Este projeto de lei foi abandonado pelo governo, a partir do entendimento que o texto da LBBEN permita a regulamentação por meio de decreto, evitando o embate para aprovação no Congresso Nacional. Na sequência, o CNE emitiu pareceres com o objetivo de aplicação do decreto. As diretrizes curriculares nacionais para ensino médio foram implantadas pela Resolução CNE/CEB 3/1998 e da educação profissional de nível médio no Parecer CNE/CEB 16/1999 revogando o Parecer 45/1972. Estes dispositivos definiram a organização dos cursos técnicos sob a lógica de organização setores produtivos: “Os cursos deviam ser organizados por áreas profissionais estruturadas por competências profissionais e com possibilidade de serem organizadas em módulos, com certificações intermediárias” (CNE/CEB 16/1999). Frigotto (2010) dispõe que a sociedade em construção no país não necessitava da universalização da escola básica e reproduzia uma escola dual que que tem marcado a história no Brasil; construindo uma educação profissional restrita para a formação de um cidadão produtivo. Novos processos de constituição hegemônica resultam na eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, os movimentos educacionais reorganizam-se na tentativa de restabelecer os princípios defendidos em 1988 pelo projeto de LDBEN defendido pelo Fórum Nacional de Defesa da Escola Pública. (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005). 112 Assim, em 2004 foi promulgado o Decreto 5.154/2004 regulamenta §2º do artigo 36 e os artigos 39 a 41 da LDB. E a concepção de educação defendida pelas centrais sindicais e pelos sindicatos dos trabalhadores, formação integral, sob a forma de educação profissional entrelaçada ao ensino fundamental e ao ensino médio (CUT, 1998; LIMA, 1999, 2005). Decreto 5.154/2004 Análise da LDB – 9.394/96 Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes: § 2º O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas. Art. 39. A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia. Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho. Art. 41. O conhecimento adquirido na educação profissional e tecnológica, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos Quadro 9 - Análise da LDB – 9.394/96 Fonte: LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996. No Decreto 2.208/97 dispunha sobre o ensino profissionalizante na forma subsequente e concomitante, porém, desvinculava a forma integrada, pois, este era antinômico, passando a vigorar do decreto 5.154/2004, já na gestão do Partido dos Trabalhadores – Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E a portaria ministerial nº 2.080/2005 no qual determina às diretrizes para oferta da educação profissional, na forma integrada aos cursos de ensino, na modalidade de jovens e adultos, EJA na rede federal de educação tecnológica; fundamentado na escola politécnica, compreendendo-a como uma educação unitária e universal destinada à superação da dualidade entre cultura geral e cultura técnica. E as transformações foram ocorrendo baseando na LDB e os parâmetros constitucionais, promulgado decreto nº 5.478/2005 – nasce o PROEJA no âmbito federal sob o comando federal. Já que o ensino médio integrado ao ensino técnico, sob uma base unitária de formação geral é a condição necessária para fazer a “travessia” para uma nova realidade (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p.43). 113 Decreto 5.478/2005 EC 26/2000 EC 64/2010 Análise Decreto Instituiu, no âmbito das instituições de educação tecnológica o Programa de Integração da Educação de Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA Projeto Programa Nacional de inclusão de jovens: Educação, Qualificação e Ação Continuada – PROJOVEM – Secretaria Geral Presidência da República, 2005. As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3o do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1o O art. 6o da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição." (NR) As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º O art. 6º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição." (NR) Quadro 10 - Análise Decreto Fonte: própria Segue as normatizações em busca dar a sociedade respostas de ações sociais educacionais eficazes na inclusão de jovens e adultos no fulero trabalho com cidadania. Desenvolve sob a tutela dos Partidos dos Trabalhadores, tendo como base os sindicatos trabalhistas. Decreto 5.840/2008 PROEJA EC 65/2010 Análise Decreto Instituiu, no âmbito federal, o Programa de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º O Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal passa a denominar-se "Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso". Art. 2º O art. 227 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: § 3º III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; 114 VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins. § 8º A lei estabelecerá: I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas." (NR) Quadro 11- Análise Decreto Fonte: própria da autora. Em, 16 de julho de 2008, nasce da Lei nº 11.741 amparado no processo legislativo pautado princípio democrático, faz alterações estruturais na LDB – 9.394/96, estabelece as diretrizes e bases da educação nacional tendo como defensor Chico Lopes (PCdoB/CE). 3.1.2 Projeto de Lei 919 de 2007 A concretização deste ato normativo, dessa convergência mínima entre os envolvidos na discussão que se edificaram as bases que deram origem ao Decreto 5.154/04, e posteriormente, permitiram a incorporação na LDB pela lei 11.741/2008. Neste momento, torna-se preponderante questionar porque as grandes mudanças no cenário da educação profissional concretizam nos decretos (2.208/1997; 5.154/2004; 5.478/2005; 5.840/2006) e a Lei 11.741/2008. Deve-se observar processo legislativo, entraves políticos e o caráter de urgência para regular uma situação de risco ou trazer o equilíbrio social, armazenando as desigualdades sociais. Segundo Alexandre de Moraes, 2004, p.544: O termo processo legislativo pode ser compreendido num duplo sentido, jurídico e sociológico. Juridicamente, consiste no conjunto coordenado de disposições que disciplinam o procedimento a ser obedecido pelos órgãos competentes na produção das leis e atos normativos que derivam diretamente da própria Constituição, enquanto sociologicamente podemos defini-lo como o conjunto de fatores reais que impulsionam e direcionam os legisladores a exercitarem suas tarefas. (MORAES, 2004, p. 544) A Constituição Federal estabelece como espécie normativa: emenda à constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e as resoluções. “Art. 59. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis”. Nota-se que a LDB vem sendo modificada através das Emendas Constitucionais, que o constituinte de 1988, ao prever a possibilidade de alteração das normas constitucionais através de um processo legislativo especial; define a Constituição Federal como rígida, 115 fixando a supremacia da ordem constitucional. Maria Helena Diniz corrobora com seguinte entendimento: O fato do preceito constitucional submeter-se a determinadas formalidades de produção e alteração é importante para a fixação de sua eficácia, pois se pudesse ser modificada sem que houvesse processo especial, comprometida ficaria a produção concreta de seus efeitos jurídicos (DINIZ, p.141). A Emenda à Constituição Federal enquanto proposta é um ato infraconstitucional sem qualquer normatividade, só ingressando no ordenamento jurídico, após a aprovação pelo Congresso Nacional, passando então a ser um preceito constitucional, de mesma hierarquia das normas constitucionais originárias. Outro elemento agregador é a diferença entre decreto-legislativo e decreto-lei e medida provisória para análise. O Decreto legislativo é uma espécie normativa destinada a veicular as matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional, não haverá sanção do Presidente da República por se tratar de matéria competência do Poder Legislativo (MORAES, 2004, p.590) Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...] X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta; XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes; E a diferença entre Decreto-Lei e a medida provisória. O Decreto-Lei tem legitimidade jurídica em caráter de urgência ou interesse público relevante e ao passo a medida provisória em caso de relevância e urgência, ambos têm que ser submetidos à aprovação no Congresso Nacional. Estes atos são exclusivos do Presidente da República. Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. [...] § 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. § 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional. § 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais. § 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. § 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. 116 § 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. § 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. § 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto. E em relação às leis, faz necessário um projeto de lei, sendo submetido ao Congresso Nacional para sua aprovação, emenda ou rejeição. É um processo, onde há confrontos políticos, ideológicos – agenda política se concretizando em lei. Art. 67. A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional. ” Sendo assim, a justificativa para que as alterações na LDB ocorreram em sua grande maioria por decretos (maior agilidade no processo) enquanto a lei (processo é burocrático e os conflitos de ideologia partidária). A Lei 11.741/2008 ao alterar a LDB, localiza a educação profissional técnica de nível médio como Seção IV do Capítulo II – Da Educação Básica. Essa disposição no texto legal procura ressaltar a concepção de que esses cursos são da Educação Básica e encontra-se no âmbito políticas públicas educacionais, além disso, trata educação jovens e adultos na Seção V.A inclusão da Seção IV-A, demonstra a compreensão de que a Educação Profissional Técnica de Nível Médio é uma das possibilidades de desenvolvimento do ensino médio e não uma modalidade educacional. A concepção de modalidade educacional é assumida por EPT em geral e passa a compor o Capítulo III. O artigo 39 disposto EPT desenvolverá: Cumprimento dos objetivos da educação nacional: - Pleno desenvolvimento do educando; - Seu preparo para a cidadania; - Sua qualificação para o trabalho O § 1º do artigo 39 traz a possibilidade de EPT organizar-se a partir da metodologia eixos tecnológicos permitindo diferentes itinerários formativos. Porém, a atual regulamentação da EPT se faz através dos Estágios Nacionais dos Cursos Técnicos6. 6 Instituído pela Portaria Ministerial 870/08, aprovados pela Resolução CNE/CEB 3/2008 com base no Parecer CNE/CEB 11/2008 117 O artigo 39 § 2º estabelece os tipos de cursos possíveis para EPT: • Formação inicial e continuada ou qualificação profissional; • Educação profissional e Técnica Nível Médio; • Educação Profissional tecnológica de graduação e pós graduação Os artigos 36 ao 42 explicita a não vinculação dos cursos, formação inicial e continuada a qualquer dos níveis de ensino; porém, disposto artigo 40 “será desenvolvida em articulação com ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada” (Grifos nossos). Esta expressão em articulação com poderá compreendida da seguinte maneira que a oferta de EPT ambiguidade, que poderá ou não fazer parte do ensino regular ocasionando uma certa pois o termo articular, neste contexto, a noção/possibilidade de desenvolvimento no curso regular quanto fora dele. Os artigos 41 e 42 não traduzem novidade ao texto legal, porém, o artigo 41 vale para todos os cursos de EPT elencados no § 2º do artigo 39 da LDB. Conclui-se que o ensino no Brasil historicamente foi se estabelecendo a dualidade estrutural: de um lado um sistema diferenciado com uma finalidade específica de preparar para atuar no sistema produtivo, nas funções técnicas, e de outro o ensino propedêutico destinado à elite dirigente. Entre os autores que entendem desta maneira, destacamos o que diz Batistoli: A educação brasileira especificamente e a sociedade em geral têm instalado culturalmente uma visão dicotômica entre educação profissional e formação geral. Construção histórica marcada por um aprofundamento da dualidade entre a escola que reserva o conhecimento a uma elite, aos dirigentes, e aquela que promove a instrução de ofícios para a maioria da população (BATISTOLI, E. C. 2010, p.202). Esta estratificação social se reflete nos sistemas escolares paralelos que historicamente se formou no Brasil. Isto é, a desigualdade social sistêmica do capitalismo está presente na desigualdade educacional. Resulta daí uma educação a ser oferecida aos filhos da classe dirigente e outra destinada à conformação da classe trabalhadora. Os documentos do governo manifestam sua preocupação com uma educação de caráter mais abrangente em relação à dualidade presente no nosso sistema educacional. Esta ideia de apresentar a formação dos sujeitos de maneira totalizante está presente no modelo pedagógico do PROEJA e é seu diferencial na comparação com outros projetos de ensino profissional. Tivemos algumas tentativas de romper com a dualidade: o movimento escolanovista, nas décadas de 1920/1930; a educação popular a partir dos anos 1950/1960; a LDB de 1971; a experiência do Integrar da CNM/CUT no período de 1980/2000; os cursos de 118 nível médio integrado a formação profissional, incluídos na estrutura da educação nacional, a partir do Decreto 5.145/2004 e programas daí derivados como o PROEJA e o PROJOVEM. Tais experiências buscaram uma integração pedagógica e foram oferecidas à classe trabalhadora sem atingir a sociedade como um todo. Portanto, até hoje não se conhece experiências de escola unitária e politécnica efetivadas para toda a sociedade, no sistema social capitalista. Outro fator é que governar com base em programas e projetos, em lugar de políticas de Estado, é uma forma mais flexível de repassar recursos públicos para a esfera privada (GRABOWSKI, 2010). O uso de verba pública para empreendimentos particulares é legal pela LDB/1996 que prevê em seu Art. 77- Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas. Segundo Santos, L. (2003, p.23), para Bernstein, as distorções existentes no sistema escolar são: [...] decorrentes da forma como este sistema opera na distribuição de conhecimento, de recursos, de acesso e nas condições necessárias para que a aprendizagem ocorra. As desigualdades na distribuição desses elementos afetam os direitos ao desenvolvimento pessoal, à inclusão e à participação. [...] De acordo com Santos, L. (2003, p.24), Bernstein trabalha com o pressuposto de que é grande a probabilidade de os alunos não usufruírem esses direitos na escola, terem origem em grupos sociais que não os usufruem na sociedade. Para ele, “[...] a classe social permanece como maior regulador na distribuição dos estudantes no que diz respeito ao sucesso e ao fracasso escolar [...]”. No entanto, Bernstein defende que o desempenho dos alunos não está somente relacionado à estrutura social, mas, fundamentalmente, à forma como a escola lida com as hierarquias externas – de valores de classe e de outras diferenças – e ainda com as questões de ordem social. Apesar dos pesos e contrapesos, a educação de jovens e adultos integrada a educação profissional cresceu em atos normativos, sua executoriedade e eficácia/eficiência, segundo os dados já analisados na tese de acordo com o artigo 2277 da Constituição Federal de 1988. 7 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de 119 Assim, a educação está submetida a princípios de legalidade, obrigatoriedade, compulsoriedade, coercitividade e executoriedade. educação Significa que a tem previsão legal (legalidade); a educação é obrigatória por lei (obrigatoriedade); ao Ministério Público é creditado o poder de polícia para compelir órgãos públicos manterem devidamente matriculados jovens e adultos (compulsoriedade); contra os que se negarem ou falta regular do EJA há meios para coagi-los a fazê-lo (coercitividade); e forma para cobrar a negligência para com a educação (executoriedade) (QUINTINO, 2008 apud VILA, 2009). (Grifos nossos) 3.2 PROEJA: VISÃO FORMAL E POLÍTICA Equívocos que marcaram a gênese do PROEJA e ajustes no processo político para sua institucionalidade enquanto política pública educacional; vale ressaltar a importância da formalização conceitual de dois termos: políticas públicas e programa. Isto é importante para circunstanciar os limites dos campos de ação dentro do ciclo de políticas – formulação e no contexto jurídico. A política pública é na definição de Saravia (2006): deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. § 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. § 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204. § 8º A lei estabelecerá: I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas. 120 [...] uma perspectiva mais operacional, poderíamos dizer que ela [a política pública] é um sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da definição de objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos. (SARAVIA, 2006, p.29). Além disto, Villanueva (2006) corrobora que: As decisões que conformam tal política pública – distributiva, redistributiva ou regulatória, universal ou focalizada – assumem diferentes formatos: podem ser enunciados de diretrizes estratégicas de governo, leis e decretos normativos, que especificam de forma mais clara e operacional tais diretrizes, criação de organizações ou programas que vão conferir operacionalidade às diretrizes, leis e normas. (VILLANUEVA, 2006). Já o programa é assim definido por Rossi et al. (2004): O programa público é, pois, um dos instrumentos operacionais das políticas públicas. Mais especificamente, trata-se de um conjunto sistêmico de ações programadas e articuladas entre si, com objetivo de atender uma demanda pública específica, encampada na agenda de prioridades de políticas públicas do Estado ou governo. Assim, um programa social é um conjunto de atividades direcionadas para solucionar um problema vivenciado pela sociedade, no seu todo ou por grupos. (ROSSI et al., 2004). Podemos depreender que a análise de políticas públicas é uma atividade muito mais ampla que análise de um programa e o PROEJA é um programa que nasce de um decreto do poder executivo sob a tutela do presidente Luiz Inácio Lula da Silva/PT. Oportuno registrar que: a agenda política corresponde ao conjunto de assuntos e problemas que os gestores públicos e a comunidade política entendem como mais relevantes em dado momento e, não necessariamente, à lista de preocupações da sociedade ou destaques da imprensa (JANN; WEGRICH, 2007). Afinal, o reconhecimento de uma questão social como problema de governo ou Estado não é um processo simples e imediato, que responde automaticamente às estatísticas disponíveis. Abaixo está disposto o ciclo do programa: 121 Figura 6 - O Ciclo de Políticas e Programas Públicos Fonte: Estudo Técnico nº 07/2013 Delimitando o objeto de estudo PROEJA, com base na educação básica de jovens e adultos, no Brasil, pode-se afirmar que predominam iniciativas individuais ou de grupos isolados, acarretando descontinuidades, contradições e descaso dos órgãos responsáveis (MOURA, 2005). Por outro lado, a cada dia, aumenta a demanda social por políticas públicas perenes nessa esfera. Tais políticas devem pautar o desenvolvimento de ações baseadas em princípios epistemológicos que resultem em um corpo teórico bem estabelecido e que respeite as dimensões sociais, econômicas, culturais, cognitivas e afetivas do jovem e do adulto em situação de aprendizagem escolar (CABELLO, 1998). Paralelamente, as instituições federais de educação profissional e tecnológica (EPT)8, convocadas a implantar o PROEJA, atuam no ensino médio integrado aos cursos técnicos tendo como grupos destinatários os adolescentes recém concluintes do ensino fundamental, mas, historicamente, a grande maioria dessas instituições não havia atuado na modalidade EJA, até o surgimento do PROEJA. Enquanto isso, nas redes estaduais, também convidados a participar no PROEJA, há atuação na EJA e na EPT, mas não de forma integrada. Segundo os documentos oficiais (BRASIL, 2006a), o PROEJA surge, então, com uma dupla finalidade. A primeira é enfrentar as descontinuidades e o voluntarismo que 8 Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, formada pelos centros federais de educação tecnológica (CEFETs), escolas técnicas federais (ETFs), escolas agrotécnicas federais (EAFs) e escolas técnicas vinculadas às universidades federais. 122 marcam a modalidade EJA no Brasil, e, a segunda, integrar à educação básica uma formação profissional que contribua para a integração socioeconômica de qualidade do coletivo de jovens e adultos. Fica evidente que o Programa PROEJA tem grandes desafios que é integrar três campos da educação: o ensino médio, a formação técnica profissional de nível médio e a educação de jovens e adultos. Nesse contexto, as instituições federais de educação, incluindo a Rede Federal de Educação Profissional de Tecnológica, têm papel relevante. Algumas características dessa Rede Federal de EPT potencializam a função que as instituições a ela vinculadas podem assumir nesse processo. Em primeiro lugar, estão presentes em quase todos os estados da federação. Em segundo, mas não com menor importância, está a experiência e a qualidade com que reconhecidamente atuam no ensino médio e na educação profissional técnica de nível médio. Essa Rede ainda é formada por instituições que não aderiram aos Institutos Federais, mas também oferecem educação profissional em todos os níveis. São dois Cefets, 25 escolas vinculadas a Universidades, o Colégio Pedro II e uma Universidade Tecnológica. Instituições: • Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia • Centros Federais de Educação Tecnológica • Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais • Universidade Tecnológica Federal Gráfico 3 – Cenário da Rede Federal Fonte: http://redefederal.mec.gov.br/images/M_images/Img_2015/cenrio_rede_federal_2014_3-0102.png 123 Veja a Rede Federal no Estado de Minas Gerais: Figura 7 – Rede Federal por Estado Fonte: http://redefederal.mec.gov.br/ 124 Sendo que a institucionalidade dos Institutos Federais se deu a partir do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, concretamente fez presente através da logomarca “a marca do IF possui duas cores. O pensamento forte, expresso e com energia, é representado com o uso da cor vermelha. Como na ecologia, o verde expressa a harmonia e integração na rede” (MEC/2015). A partir da vigência da Lei Nº 3.552/1959, as instituições que deram origem aos atuais institutos federais passaram a oferecer cursos na última etapa da educação básica – atual Ensino Médio – e cursos técnicos de nível médio. Em alguns momentos históricos, essa oferta ocorreu de forma integrada, ainda que essa integração não tenha acontecido em toda a plenitude de seu significado. Em outros momentos, ela ocorreu de forma separada, ou seja, ensino médio por um lado e cursos técnicos de nível médio por outro. De qualquer maneira, nas últimas quatro ou cinco décadas, essas ofertas educacionais estiveram presentes no âmbito da Rede Federal de EPT. Essa experiência associada à reconhecida qualidade dos cursos oferecidos em todo o país a qualifica como locus importante na fase inicial de implantação do PROEJA. Já no aspecto das formalidades do processo legislativo e a hierarquia dos atos normativos, o PROEJA, marca sua gênese com equívocos e ajustes no processo para dar licitude ao processo em curso – institucionalizar o PROEJA como uma política pública da inclusão de jovens e adultos na escolarização profissional. Segundo (BRASIL, 2004), as intenções políticas expostas no Programa PROEJA são justas (inclusão dos jovens e adultos no mundo da escola profissionalizante) definida pelo Governo Federal, portanto há legitimidade e prosseguimento no processo – pré projeto – para trazer e constituir o Programa PROEJA com fulcro arte cultural, com a educação básica e com o mundo do trabalho, além disso, interagir com outras políticas públicas, com o escopo de garantir o direito de acesso à educação básica. Outro fator, reconhecido para que um ato normativo tenha legitimidade e executoriedade, a fim de garantir a hierarquia legal, é observar o princípio constitucional da hierarquia das leis. Antes de verificar a existência de hierarquia, necessário se torna definir o que vem a ser hierarquia em direito. Segundo Temer (apud BASTOS, 1999, p.17): [...] hierarquia, para o direito, é a circunstância de uma norma encontrar sua nascente, sua fonte geradora, seu ser, seu engate lógico, seu fundamento de validade numa norma superior. A lei é hierarquicamente inferior à Constituição porque encontra nesta o seu fundamento de validade. [...] se hierarquia assim se conceitua, é preciso indagar: lei ordinária por acaso encontra seu fundamento de validade, seu 125 engate lógico, sua razão de ser, sua fonte geradora na lei complementar? Absolutamente não! Bastos (1999, p.17) leciona que, [...] extrair o seu fundamento de validade significa conferir condições de possibilidade jurídica. A norma hierarquicamente inferior materialmente caminha nos limites legais impostos pela norma superior. Isso significa que a lei superior dispõe sobre certas matérias que condicionam a atividade regulamentadora da inferior. E o artigo 59 da Constituição Federal de 1988 dispõe: Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. E no processo de constituição da educação profissional – PROEJA – ocorreram alguns equívocos na gênese dessa iniciativa governamental. Em primeiro lugar, tem-se a instituição da Portaria nº. 2.080/2005-MEC, de junho de 2005, que deu materialidade ao tema. Esse dispositivo determinava que todas as instituições federais de EPT oferecessem, a partir de 2006, cursos técnicos integrados ao ensino médio na modalidade EJA, estipulando, inclusive, um percentual mínimo de vagas que deveriam ser destinadas à nova oferta. Entretanto, legalmente uma portaria não pode ferir um decreto, que tem maior hierarquia e havia o Decreto nº. 5.224/2004, que dispõe sobre a organização dos CEFETs9, o qual estabelece em seu artigo primeiro, que: [...] os centros federais de educação tecnológica – CEFETs –, criados mediante transformação das escolas técnicas federais e escolas agrotécnicas federais, [...] constituem-se em autarquias federais, vinculadas ao Ministério da Educação, detentoras de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didáticopedagógica e disciplinar. (BRASIL, 2004a, p. 1, grifo dos autores). A Portaria nº 2.080/2005 – MEC carecia de legitimidade, devido ao princípio constitucional da hierarquia das leis10 ferir o decreto 5.224/2004, pois sendo a portaria espécie normativa de hierarquia inferior não é permitido restringir o alcance de um decreto. 9 À época deste estudo, os CEFETs ainda não haviam se transformado em institutos federais. Todas as fontes descritas no art. 59 da CF/88, denominadas fontes primárias, encontram-se, pois, com sua área de atuação definida, cada uma operando em um campo próprio. Por inexistência de subordinação e supremacia, as Leis Ordinárias, as Leis Complementares, as Leis Delegadas, as Medidas Provisórias, as Emendas 10 126 Observando a figura 8, a hierarquia das leis, em obediência ao princípio constitucional da hierarquia das leis, para assegurar o equilíbrio entre os atos normativos (art.59, CF/88). Figura 8: Hierarquia das Leis Fonte: Meirelles, 1995. Apesar das críticas a portaria nº 2.080/2005 – MEC, o conteúdo foi ratificado, quase integralmente pelo Decreto nº 5.478/2005, que instituiu, no âmbito da Rede Federal o Decreto nº 5.478/2005 no qual instituiu na rede federal de educação, profissional e tecnológica o PROEJA, numa tentativa de resolver o princípio constitucional da hierarquia das leis, ou seja, hierarquia das normas, mas o objetivo não logrou êxito, pois o Decreto nº 5.244/2004 é mais antigo e permanece com executoriedade na sociedade brasileira. Outro fato a ser destacado, é que alguns institutos federais (à época CEFETs) oriundos de EAFs reduziram substancialmente o quadro docente do ensino médio nos últimos anos. Em algumas dessas instituições, em função do Decreto Nº. 2.208/1997 que, conforme explicitado, separou a oferta do ensino médio dos cursos técnicos, optou-se por extinguir a Constitucionais, os Decretos Legislativos, e também as Resoluções não possuem qualquer grau hierárquico entre si. Todas encontram-se apenas subordinadas à Constituição. (MEIRELLES, 1995, p.160) Seguindo a ordem escalonada, abaixo dessas fontes primárias antes referidas, logo abaixo da Constituição, têmse na estrutura piramidal as fontes secundárias que são os decretos regulamentares, portarias, instruções normativas, convênios, enfim, atos da administração pública, editados para complementar aquelas, as primárias. As fontes formais secundárias são aquelas que contêm um comando geral do Executivo, visando à correta aplicação da lei. Como lembra Hely Lopes Meirelles, o objetivo imediato de tais atos é explicitar a norma legal a ser observada pela administração e pelos administrados, expressando em minúcia o mandamento abstrato da lei. Não são leis em sentido formal, mas tão só no material, já que proveniente do executivo. (MEIRELLES, 1995, p.160) 127 oferta do ensino médio. Dessa forma, o respectivo quadro de professores foi gradativamente sendo reduzido. Evidentemente, nessas instituições, simplesmente, não havia corpo docente suficiente sequer para oferecer cursos técnicos integrados ao ensino médio para os adolescentes egressos do ensino fundamental. Diante desse panorama, não seria razoável exigir que a Rede passasse a reservar, obrigatoriamente, para os cursos do PROEJA, 10% de todas as vagas anuais destinadas aos cursos técnicos e cursos superiores de tecnologia, conforme estabelecido no Decreto Nº 5.478/2005. Portanto, não é preciso grande esforço de análise dos fatos para constatar que essa matéria deveria ter sido estudada, aprofundada, discutida e avaliada em espaços mais amplos antes de vir à tona, sob pena de má utilização de recursos públicos e da não consecução dos objetivos explicitados. Caso isso tivesse ocorrido, se concluiria que, para que o PROEJA não fosse apenas uma ação isolada e, desse modo, pudesse contribuir para a construção de uma política educacional efetivamente comprometida com a melhoria das ofertas educacionais do campo da EJA, não poderia ser implementado apenas no âmbito da Rede Federal de EPT, posto que sua capacidade de oferta de vagas é minúscula diante da demanda nacional. É evidente que a concepção inicial deveria ter contemplado a participação das redes públicas estaduais e municipais de educação constitucionalmente consagrados à universalização do ensino fundamental e à contínua ampliação da oferta do ensino médio. Estas questões foram amplamente discutidas por Moura (2005); Frigotto, Ciavatta & Ramos (2005). O primeiro passo, nessa nova fase, foi a constituição de um grupo de trabalho plural11 que teve a função de elaborar um Documento Base (BRASIL, 2006a) de concepções e princípios do Programa, até então inexistente, e cujo resultado aponta na direção de transformar esse Programa em política pública educacional. Posteriormente, a partir das diretrizes apontadas nesse documento base – Decreto nº 5.478/2005 – foi revogado pelo Decreto nº 5.840/2006 (BRASIL, 2006b) atual PROEJA, 11 Grupo de Trabalho Plural: Especialistas em EJA das universidades brasileiras, representantes da SETEC, da SECAD, dos fóruns de EJA, dos institutos federais (então CEFETs), das EAFs e das escolas técnicas vinculadas às universidades federais. No Documento Base do PROEJA, consta uma retrospectiva histórica sobre a educação de jovens e adultos no Brasil; uma análise dos problemas de acesso, permanência e qualidade da educação básica no País, tanto para o público denominado “regular” como na EJA. A partir daí, apresentam-se e discutem-se as concepções e os princípios do Programa. 128 trazendo mudanças estruturais – ampliação da carga horária12, espaços culturais13 e da abrangência do Programa14. Outro panorama a ser acrescentado – a visão do PT, em relação a educação profissional segundo o programa Brasil que Queremos, p.70, reafirma que: Alfabetização de Jovens e Adultos (EJA) No âmbito das determinações do Decreto 6093, que prevê o estabelecimento do Plano Plurianual de Alfabetização como condição do apoio técnico e financeiro da União a Estados, Municípios e Distrito Federal, é relevante que se destaque a integração entre EJA, certificação de conhecimentos e saberes, qualificação social e profissional e geração de emprego e renda. Trata-se de ampliar a formação de jovens e adultos e contribuir para a superação das condições de exclusão, tal qual indicado no programa de governo A EJA não pode ser exclusivamente voltada para a alfabetização, mas deve ser direcionada também para o ensino fundamental (1º e 2 º segmentos) e ensino médio, com ênfase nos currículos integrados (educação básica e qualificação social e profissional). Também não pode ser exclusivamente voltada para o domínio da leitura, escrita e da aritmética, sendo fundamental as abordagens do contexto social e territorial, além da história das comunidades onde se inserem os educandos contribuindo para o fortalecimento das suas identidades sociais e fornecendo-lhes o instrumental para uma leitura do mundo na perspectiva emancipatória. Nesse mesmo sentido o Programa Pró-Jovem deverá, necessariamente, estar articulado com as ações de educação de jovens e adultos dos municípios e estados. Visando aperfeiçoar essa formação dos alunos, é importante que nos estados e municípios seja favorecido o acesso e o contato com a produção cultural da forma mais ampla possível. (Grifos nossos) Neste programa Brasil que Queremos corrobora que o PROEJA – política educacional de jovens e adultos e que haja expansão da educação profissional de nível técnico e tecnológico deve ser acompanhada por medidas que superem a concepção produtivista e mercadológica, voltada exclusivamente para a empregabilidade, ainda hegemônica no país. Currículos integrados (a exemplo do PROEJA, Saberes da Terra, PROJOVEM e Trabalho Doméstico Cidadão), formação de educadores de educação profissional. 3.2.1 A construção do conhecimento na pesquisa ênfase as entrevistas Segundo Gaskell, 2008, p.247 a análise de discurso há quatro temas principais: uma preocupação com o discurso em si mesmo, uma visão linguagem construtiva (criadora) e 12 A ampliação das cargas horárias dos cursos (o Decreto Nº 5.478/2005 estabelecia cargas horárias máximas para os cursos e, contrariamente, o Decreto Nº 5.840/2006 fixou limites mínimos, deixando a definição da carga horária a ser adotada em cada curso para o âmbito da autonomia da instituição ofertante) 13 A ampliação dos espaços educacionais em que o PROEJA pode ser oferecido (o Decreto Nº 5.478/2005 limitava a oferta à Rede Federal de EPT, ao passo que o Decreto Nº 5.840/2006 incluiu as instituições públicas estaduais e municipais de educação também como espaço para as ofertas do PROEJA) 14 A ampliação da abrangência do Programa (o Decreto Nº 5.478/2005 limitava o PROEJA ao ensino médio, enquanto o Decreto Nº 5.840/2006 incluiu o ensino fundamental), englobando toda a educação básica 129 construída; uma ênfase no discurso como forma de ação e uma convicção na organização retórica do discurso. Necessário se faz conceituar o termo “discurso” sendo empregado para se referir a todas as formas de fala e textos, ou seja, quando há conversações (material de entrevistas ou textos escritos de todo o tipo). E conforme problematização na introdução da tese e as inquietações que geraram a pesquisa com foco na formulação do PROEJA, tendo como interesse a análise do integrar e/ou articular dentro de um contexto curricular, surgiram com as premissas aproximações no campo de pesquisa, que se deram, com a análise e acompanhamento do projeto pedagógico da Agroindústria e contabilidade no Campus Uberaba, no Instituto Federal Educação Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro/IFTM, ano 2010 a 2012. Neste momento aproprio da pesquisa exploratória através dos procedimentos técnicos de pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e as entrevistas semi estruturadas, para trazer as vivências da agenda política no olhar dos construtores deste Programa dentro do MEC – Conselho Nacional da Educação. A coleta de dados, optamos pela pesquisa bibliográfica (livros, periódicos e impressos diversos) e a pesquisa documental, ou seja, documentos de primeira mão sendo aqueles que não receberam tratamento analítico (regulamentos, ofícios, leis, decretos, portaria, diretrizes curriculares, matriz de referência, matrizes curriculares, planos de curso) e documentos que já foram analisados (relatórios de pesquisa, dissertações, teses, tabelas estatísticas). Foram atualizados, então, na pesquisa exploratória a seguinte técnica e instrumento para coleta de dados: entrevista E1 e E2. A utilização desse procedimento, além de favorecer um contato maior com o objeto a ser estudado, possibilita a articulação entre os pressupostos teóricos e os dados da realidade. Além de pesquisa bibliográfica em material já publicado sobre temas afins ao objeto da pesquisa, em especial políticas educacionais, políticas curriculares e currículo, adotou-se os seguintes procedimentos: a) Pesquisa na documentação oficial: - No âmbito do MEC: em Leis e Decretos e documentos produzidos para tentar controlar os sentidos das políticas, bem como em Resoluções e Pareceres do CNE, nas diretrizes curriculares nacionais, nos catálogos nacionais dos cursos superiores de tecnologia e técnico, entre outros; 130 - No âmbito institucional: estatuto, regimento, regimentos internos dos campi, plano de desenvolvimento institucional, projeto pedagógico institucional, projetos pedagógicos de cursos, regulamentos e normas internas, relatórios de gestão, atas e resoluções do Conselho Superior e relatórios internos, entre outros. b) Entrevistas com analistas políticos, assim considerados envolvidos na construção curricular. (Diretrizes Curriculares Nacionais) Como suporte teórico-metodológico são utilizados o ciclo de políticas de Villanueva, descrito na seção 2.2, o qual orientou a pesquisa de campo, e a Teoria do Discurso (TD) de Basil Bernstein, descrita na seção 2.4, cujos conceitos orientaram todo o processo de construção da análise. Ao adotar a perspectiva discursiva na abordagem na pesquisa, procurou-se destacar os processos de fixação e deslocamentos de sentidos na construção da política curricular na instituição. Assume-se, de antemão, em todas as escolhas realizadas, o pressuposto, como em qualquer processo social, da parcialidade do processo investigativo. Entretanto, ainda que sem pretensão de totalidade ou de representatividade, a diretriz que orientou a observação ao campo empírico foi a de investigar diferentes processos institucionais. Assumindo que a “realidade” é construída discursivamente, este trabalho não tem a perspectiva de descortinar nenhuma verdade absoluta, constituindo-se também ele em uma fixação parcial de sentidos num campo de luta, como qualquer outro processo de fixação. A Figura 9 apresenta o esquema de técnicas instrumentais que foram utilizadas para coleta de dados. Campus Uberaba Campus Avançado Uberaba Parque Tecnológico Entrevista Entrevistas Análise Documental IFTM Figura 9 – Técnicas instrumentais utilizadas. Fonte: Entrevistas No MEC o foco de estudo foi a Secretaria de Educação e Profissional e Tecnológica (SETEC) por ser a secretaria que trata das políticas para EPT. Por meio do sítio oficial, em 131 participação em reuniões que envolviam assuntos de gestão do IFTM, em contatos com pessoas que transitavam na SETEC/MEC, buscou-se acompanhar o processo de construção das políticas para EPT ao longo da pesquisa e coletar documentos. É importante destacar que os IFs possuem um órgão representativo que busca articular as políticas para a rede e criar um canal de comunicação oficial com o governo: o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (CONIF). Este conselho é dividido em câmaras temáticas (administração, desenvolvimento institucional, gestão de pessoas, ensino, extensão, educação do campo, pesquisa e inovação e relações internacionais), as quais possuem como órgãos de assessoramentos os respectivos fóruns, compostos por um representante de cada instituto federal responsável pelas ações sistêmicas vinculadas ao tema, que se reúnem ordinariamente duas vezes ao ano. Este Conselho substituiu órgão existente anteriormente, o Conselho de Dirigentes dos Centros Federais de Educação Tecnológica (CONCEFET), que por sua vez havia substituído o órgão representante das antigas Escolas Técnicas Federais, o que demonstra uma longa tradição de um espaço de articulação política entre as instituições da rede federal. Assim, na construção dos institutos, processos de articulação ocorrem entre a rede, por meio do CONCEFET/CONIF e o MEC / SETEC e a produção de documentos regulatórios envolveu um árduo processo de negociações e lutas. Os “documentos oficiais do MEC” são basicamente de duas categorias: os documentos legais que tratam da criação e estruturação dos institutos e documentos que “interpretam” a política, publicados durante o processo de constituição dos IFs, os quais buscam consolidar determinados sentidos. Neste último grupo têm-se documentos publicados com assinatura da SETEC, em geral assinados pelo secretário ou por membros de sua equipe e documentos publicados em revistas, assinados por professores / gestores da rede. A Tabela 5 apresenta, com uma breve descrição, os documentos oficiais do MEC, todos disponíveis na internet, que serão considerados na pesquisa para acessar o discurso oficial do Ministério para os institutos federais. 132 Tabela 5 - Documentos oficiais do MEC utilizados na análise documental Fonte: Entrevistas Em relação à documentação do IFTM deve-se ressaltar que alguns documentos foram construídos após a transformação em instituto, tais como o Estatuto, o Regimento Geral e os Regimentos Interno dos campi, entretanto outros são documentos previamente construídos que tiveram apenas correções textuais, dentre os quais se cita o projeto pedagógico institucional, aprovado pelo Conselho Diretor em 2008. A mesma situação ocorre em relação à documentação dos cursos: existem projetos que foram (re)construídos após a transformação em Instituto (em especial nos campi novos) e projetos que não foram alterados nos últimos anos15. A Tabela 6 apresenta os documentos oficiais do IFTM que serão considerados na análise documental. 15 O fato de o documento formal permanecer o mesmo não permite inferir que não houve alteração no currículo: em geral o processo educacional supera o que está registrado no documento oficial. 133 Tabela 6 - Documentos oficiais do IFTM utilizados na análise documental. Documento Estatuto Regimento Regimento interno dos campi Descrição Estabelece a constituição do IFTM. Detalha a estrutura do IFTM. Detalha a estrutura de cada campus. Estabelece os procedimentos didáticoOrganização didática pedagógico administrativos, relativos ao processo educacional. Estabelece princípios, fundamentos e concepções que balizam as diretrizes administrativas e educacionais, para todas as modalidades e níveis de ensino. Projeto pedagógico institucional Foram removidos do texto original os dados dos cursos (nome, perfil, campo de atuação, forma/modalidade e carga horária). Proposta de adesão aos Formaliza proposta institucional de Institutos Federais adesão ao modelo de institutos federais. Estabelece o planejamento institucional para um período de 5 anos. Existem dois Planos de desenvolvimento PDIs: um como CEFET (2007-2011) e Institucional * outro como IFTM (2009-2014). A revisão é anual. Relatório de Gestão que são apresentados aos órgãos de controle Relatórios de gestão* interno e externo como prestação de contas ordinária anual. Atas e resoluções do Conselho Atas e resoluções de reuniões ordinárias Superior * e extraordinárias do Conselho Superior. Regulamentos aprovados pelos órgãos Regulamentos * competentes que regulam aspectos não contemplados nos regimentos. Arquivo IFTM_estatuto IFTM_regimento RI_[nome do campus] IFTM_OD IFTM_PPI IFTM_adesao PDI_[ano] PDI_rev_[ano] Rel_Gestão_[ano] * Estes documentos foram utilizados para interpretações de contexto e não integram o corpus digital que será analisado posteriormente. Fonte: Entrevistas A tabela 7 apresenta, com breve descrição, os documentos oficiais do MEC, todos disponíveis na internet, que serão considerados na pesquisa para acessar o discurso oficial, ponto de análise de política – PROEJA. 134 Tabela 7 – Legislação de Educação Profissional Constituição Federal 1988 Lei 9394/1996 Lei 11741/2008 Decreto 2208/1997 Decreto 5154/2004 Decreto 5478/2005 Decreto 5840/2006 Decreto 6095/2007 Portaria 646/1997 Portaria Interministerial 1018/1997 Portaria SETEC 30/2000 Portaria SETEC 80/2000 Portaria MEC 2080/2005 Resolução 04/1999 CEB Resolução 01/2005 CEB Capítulo Educação Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Altera dispositivos da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação profissional técnica de nível médio, da educação de jovens e adultos e da educação profissional e tecnológica. Regulamenta o § 2 º do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências. Institui, no âmbito das instituições federais de educação tecnológica, o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA Institui, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, e dá outras providências Estabelece diretrizes para o processo de integração de instituições federais de educação tecnológica, para fins de constituição dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia - IFET, no âmbito da Rede Federal de Educação Tecnológica. Regulamenta a implantação do disposto nos artigos 39 a 42 da Lei Federal Nº 9.394/96 e no Decreto Federal Nº 2.208/97 e dá outras providências (trata da Rede Federal de Educação Tecnológica). Criar o Conselho Diretor do Programa de Reforma da Educação Profissional - PROEP Reformulação da oferta de cursos de nível técnico e os respectivos currículos para implantação no ano 2001, atendendo aos princípios e critérios estabelecidos na Resolução nº 04/99 do CNE/CEB. Prorroga o prazo, constante da Portaria SEMTEC/MEC nº 30/00, para a conclusão dos Planos de Cursos de nível técnico, pelas instituições de educação profissional integrantes do sistema federal de ensino Estabelecer, no âmbito dos Centros Federais de Educação Tecnológica, Escolas Técnicas Federais, Escolas Agrotécnicas Federais e Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais, as diretrizes para a oferta de cursos de educação profissional de forma integrada aos cursos de ensino médio, na modalidade de educação de jovens e adultos - EJA. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico. Atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação para o Ensino Médio e para a Educação Profissional Técnica de nível médio às disposições do Decreto nº 5.154/2004. 135 Resolução 02/2005 CEB Parecer 16/1999 CEB Parecer 10/2000 CEB Parecer 33/2000 CEB Parecer 39/2004 CEB Modifica a redação do § 3º do artigo 5º da Resolução CNE/CEB nº 1/2004, até nova manifestação sobre estágio supervisionado pelo Conselho Nacional de Educação Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico Providências do CNE/CEB para orientar os Conselhos Estaduais de Educação sobre procedimentos para implantar a Educação Profissional de Nível Técnico Novo prazo final para o período de transição para a implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico Aplicação do Decreto nº 5.154/2004 na Educação Profissional Técnica de nível médio e no Ensino Médio. Estes documentos fazem parte da análise da tese Fonte: própria da autora. Foram realizadas 02 entrevistas semiestruturadas no mês de outubro de 2014, totalizando aproximadamente 10,5 horas de gravação. Elas foram sendo realizadas conforme disponibilidade do entrevistado e oportunidade para entrevista, com objetivo de compor um conjunto de textos que permitisse transitar por discursos de diferentes. As entrevistas, em consonância com a função do entrevistado, estão divididas em dois grandes grupos: um com o foco política profissionalizante e o currículo. A informação de gênero será desconsiderada, a fim de não identificar os entrevistados. Ao longo de todo o processo de entrevistas, cada entrevistado recebeu previamente, por e-mail, o resumo da pesquisa. Todas as entrevistas foram realizadas pelo pesquisador, ocorreram em conformidade com a disponibilidade do entrevistado e foram realizadas em local escolhido por ele, geralmente seu ambiente de trabalho. No início da entrevista era apresentada a pesquisa, o estágio em que ela se encontrava, a pesquisa. A primeira questão dos diferentes instrumentos tinha por objetivo propiciar um momento de reflexão de cunho pessoal ao entrevistado a fim de estabelecer um processo de empatia com a pesquisa e o entrevistador, contribuindo para criar um clima de tranquilidade para a entrevista. Em geral as entrevistas se caracterizaram por um bate papo entre entrevistador e entrevistado sobre os diferentes temas contemplados nos instrumentos e, algumas vezes, outros de natureza institucional / educacional. Deste modo, os entrevistados contaram histórias, citaram exemplos e nominaram colegas reforçando suas falas sobre diferentes temas. Estes elementos não foram incluídos na transcrição, à íntegra da entrevista, mas foram rigorosamente realizadas no sentido de manter sem alterações a fala do entrevistado nas questões de interesse da pesquisa. Todos os arquivos 136 de transcrição das entrevistas possuem marcadores de tempo, em geral de 5 em 5 min com o objetivo de permitir o fácil acesso a partes da gravação, sempre que necessário. A fim de investigar como tem sido a construção de sentidos para as políticas curriculares para analistas políticos, optou-se por aprofundar a investigação em relação ao Conselho Nacional de Educação. O objetivo não é traçar comparação entre eles e sim investigar os sentidos e deslocamentos em contextos diferentes. A fim de preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa, adotou-se um padrão de designação dos sujeitos e dos arquivos que, ao facilitar a análise, não possibilite qualquer forma de identificação das entrevistadas. A Tabela 8 apresenta o formato de identificação dos entrevistados, o qual foi mantido para identificação dos arquivos. Tabela 8 - Formato de identificação dos entrevistados Atividade Forma de Intervenção 01 – Entrevista (E1) analista político / analista político / educador Pessoalmente 02 – Entrevista (E2) filósofo político / analista político / educador Pessoalmente e internet 03 – Dados virtual IFTM Internet Duração 13h30min às 18h30min 8h30min às 14h00min 14h00min Período de Coleta Local 12/05/2014 PUC Pós Graduação BH 14/05/2014 Escritório SP Todo o período IFTM Uberaba/MG Fonte: própria da autora A pesquisa exploratória nos possibilitou compreender o poder de uma agenda política para a criação do PROEJA, as coligações partidárias, enfim, como está política se inscreve perante a sociedade. Consideramos as seguintes categorias gerais da pesquisa: educação profissional, educação de jovens e adultos, currículo (integrar e/ou articular). Com base nestas categorias utilizamos – análise do discurso segundo Potter B Wetherell (1987) mostram que a metáfora “construção” realça três facetas do enfoque. Primeiro ela chama a atenção para o fato de que o discurso é construído, ou manufaturado, a partir dos recursos linguísticos. Segundo lugar, montagem de um conjunto implica em escolha. Finalmente, o uso construtivo da linguagem é um aspecto da vida social aceito sem discussão. Importa destacar que o nosso objetivo inicial de pesquisa no projeto de tese era análise de política – PROEJA e sua relação com integrar e/ou articular no currículo / educação profissional. Com base na análise dos dados da pesquisa exploratória – análise do discurso (E1) passamos a discorrer alguns pontos fortes para a pesquisa (E1) na sua integralidade: 137 1 - A integração é uma modalidade da articulação na qual estes dois polos se aproximam de tal modo, embora distintos eles fazem parte de um mesmo corpo. Isso é muito claro na educação profissional, quando o decreto 5.514 refez e retornou a articulação através da integração (ensino médio e educação profissional). Havia três espécies (articulação, concomitância, subsequente) do mesmo conceito de articulação - é como se fosse um gênero. Fazendo correlação com o Direito, a norma é o "guarda-chuva" (Constituição Federal de 1988) e debaixo desta norma teremos as leis complementares, as leis ordinárias, que são as espécies do gênero. A articulação é um gênero (guarda chuva) e debaixo a integração (uma espécie). 2 - Os Institutos Federais é uma agenda política de programa de Governo no qual o foco é profissionalizar. A LDB vem sendo fragmentada e deixando lacunas profundas. Há a necessidade de ver os dois lados, há alterações no corpo da LDB e também nas leis paralelas. A função do Conselho Nacional é normatizar para que haja aplicação da Lei. Há aproximadamente 102 intervenções na LDB, isto é desfiguração, o que traz a necessidade de observar quais são as alterações a favor da EJA e quais as oportunistas. 3 - Na LDB, esta questão de qualificação para o trabalho no capítulo da educação profissional de forma integrada - educação, ciência, tecnologia - tem que considerar que os desenvolvimentos científicos e tecnológicos alteram significativamente o mundo do trabalho. O Decreto 2.208 que enfatizou a separação entre as formações geral e profissionalizante, fez com que o CNE pensasse em sua revogação, que bastava orientar as diretrizes curriculares para a LDB, conforme transformações da própria sociedade. O Decreto 5.154/04, no Governo Lula, revogando o 2.208 do ponto de vista das diretrizes curriculares, fez com que no Conselho Nacional de Educação (CNE) tratasse as alterações mais formais do que objetivas. 4 - O ensino médio que é o escopo da cidadania aberto a todos e a partir da Emenda 59, obrigatório para os jovens de 15 a 17 anos - obrigatoriedade plena em 2016, tornou-se muito novo que é estender a obrigatoriedade para todos, considerando-se que quem tem acima de 18 anos não perde esse direito, pois tem a titularidade, ou seja, poderá exigir uma vaga no ensino médio. A realidade na qual vivemos hoje, a profissionalização seja um objetivo de muitos grupos sociais, e isto a LDB captou ao colocar a educação profissional como uma modalidade ligada à Educação Básica. 138 5 - A integração foi um ganho para a educação profissional, PRONATEC é uma ideia muito boa mas tornou-se populista. Se o projeto do PRONATEC tivesse sido feito consulta por outras pessoas (consultas nos IF, ao Conselheiro Francisco Cordão) teria saído um projeto mais consistente. Hoje, jovens estão querendo a educação profissionalizante, apenas o Ensino Médio não o satisfaz, pois eles querem o ensino médio e o profissionalizante. Este crescimento dos ensinos profissionalizantes, sem controle, está pondo em risco a ideia (crescimento profissionalizante), uma EAD sem controle. Inferimos, a partir da entrevista E1, que os processos da integração curricular possam garantir que a EJA atenda às necessidades dos jovens e adultos trabalhadores, com formação humana e profissional, uma vez implantadas a linha de atuação (políticas e programas), cabe à equipe pedagógica fazer com que as diretrizes do governo sejam efetivamente desenvolvidas. Não basta recorrer à dimensão política da educação, pois a promoção integral dos jovens e adultos será uma referência profissional, uma maneira de analisar e aperfeiçoar a forma como a educação irá se articular com a sociedade, a tecnologia e o trabalho. A entrevista E2 tendo os mesmos parâmetros, passamos a discorrer os pontos fortes da pesquisa: 1 - Pela primeira vez utilizam o termo integrado na LDB. A educação profissional, porém, não se confunde com o ensino médio, pois este é a etapa de consolidação da Educação Básica, mas é integrada às diferentes formas de educação, sendo integrada com educação, trabalho, ciência, tecnologia. Nesse momento, dá dimensão ao "integrada", o que significa integrada com a educação. Ela se assenta sólida na Educação Básica, quanto melhor for a formação básica melhor será a profissional. 2 - As diretrizes curriculares estavam dizendo "o ensino médio é etapa de preparação básica para o mundo do trabalho, o ensino médio não conduz necessariamente a uma habilitação profissional". A habilitação profissional é livre; a escola não está obrigada a fornecer habilitação profissional. Mas se oferecer não deve ser baseada nos moldes da Lei 5.692/71, pois o que era habilitação profissional nessa lei, conduzia a uma integração entre educação geral e educação profissional. 139 3 - Não dá para separar educação profissional da educação básica. Tenho que ter conhecimento dos códigos de linguagem, ser alfabetizado, conhecimento de matemática. Tudo que acontece no mundo da educação é essencial para o mundo do trabalho. Anteriormente havia dois mundos (trabalho e educação). Tínhamos o Conselho Federal de Educação que tratava as questões relacionadas ao mundo da Educação. O Conselho Federal de Mão de Obra era responsável pelo mundo do trabalho. As instituições do sistema S (SENAI, SENAC, SESC, etc.) era responsabilidade do Ministério do Trabalho. Assim não havia integração, mas ênfases diferentes, ou seja, instituições vinculadas á educação e outras vinculadas ao Ministério do Trabalho. 4 - A Educação Profissional, a qual inclui a Educação de Jovens e Adultos (EJA), sendo que esta é uma modalidade integrada, atualmente, ao Ensino Fundamental, ao Ensino Médio e á formação profissional, que pode ainda ser cursada concomitante, ou seja, o aluno tem a opção de realizar o ensino médio em uma escola e o ensino profissionalizante em outra instituição de concomitantemente. 5 – Não houve resposta em relação PRONATEC – EJA – PROEJA A partir da análise do discurso E2 concluímos que ao se focar na formação profissional, o que se encontra respaldo na dimensão política da EJA são os processos de integralidade na promoção educativa, cujos normativos e programas podem ser utilizados de forma aprimorada e com domínio das exigências sociais, o que envolve um estudo criterioso e aprofundado do currículo em relação aos modos de produção atuais. Outro ponto marcante é que nas “entrelinhas” dispõe que a dimensão educacional estabelece um sistema de linhas de atuação coerentes com demandas do mundo do trabalho, para que todas as unidades escolares possam alcançar os objetivos da integração entre educação básica e educação profissional. Ambos os entrevistados fazem a correlação entre integrar e/ou articular no currículo, porém, não expõem claramente sobre a interdisciplinariedade e a transdisciplinaridade, elementos essenciais para construção de um currículo integrador. Outro elemento, constante em ambas entrevistas, é a falta de continuidade nos programas educacionais e que a educação deve constituir-se em uma política pública, faz referência EC 59, para que haja crescimento na área educacional. 140 Diante do exposto, partindo do referencial teórico da TD adotada neste trabalho, não se assume que esta diversidade de documentos, de diferentes origens, seja representativa da totalidade discursiva sobre a temática em estudo ou que através deles se desvendará alguma realidade dada a priori, mas sim que permitem acessar uma parte campo da discursividade vigente sobre os Institutos Federais e sobre o IFTM e os seus processos educacionais. 141 4 A CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS CURRICULARES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA Trabalhando-se com a concepção de política curricular como discurso e, portanto, pratica significação, de produção de sentidos, ela está no presente em todo o texto da tese, quando se discute os embates políticos, quando apresenta sua estrutura e organização, cultura institucional, composição dos Institutos Federais. O que se fará é analisar um conjunto de documentos coletados em diferentes espaços institucionais com o escopo de aprofundar a discussão sobre a construção dos processos educacionais e a política curricular dentro do PROEJA no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro – IFTM – Campus Uberaba e Campus Avançado Uberaba Parque Tecnológico. Assumindo o conceito de discurso, ultrapassando as fronteiras do texto escrito segundo Basil Bernstein e dialogando com Villanueva (2003), na perspectiva de política como texto e sua interpretação textual e a importância central de diferentes portadores textuais para o estudo das políticas curriculares, além disso, examinar a educação jovens e adultos integrada à educação profissional, à luz da literatura, às tendências de organização da educação profissional no Brasil. Recorreu da história não para ilustrar e servir de “pano de fundo” mas para situar o problema e “vasculhar zonas de sombra” (WARDE, 1984, citada por Soares, 2003) com objetivo de identificar as tendências que orientam as políticas de educação profissional e compreender para onde se dirige o PROEJA na sociedade educacional brasileira. A justaposição dos discursos de diferentes fontes e atores sociais não estabelece como verdade absoluta. A análise do discurso enfatiza a movimentação de sentidos, falta conexão lógica, existência de vazios e das hegemonias, conforme já discutido no ciclo de políticas (VILLANUEVA, 2003) e com aportes teóricos (BERNSTEIN, 1991). Outro dado, as escolas técnicas industriais retratam função propedêutica. Outro fator a ser acrescentado é a análise do PROEJA, à luz da Teoria da Tridimensionalidade de Reale (fato, valor e norma) dentro do sistema hierárquico das leis segundo princípios constitucionais vigentes. 142 4.1 CONSTRUÇÕES TEÓRICAS: CICLO DE POLÍTICAS, TEORIA DO DISCURSO DE BASIL BERNSTEIN, TRIDIMENSIONALIDADE DE MIGUEL REALE E A POLÍTICA CURRICULAR PARA EPT Este capítulo tem por objetivo apresentar o campo conceitual sobre o qual este trabalho está construído. Inicialmente justifica-se a opção de não simplificação das análises políticas discutindo, posteriormente, com os aportes teóricos que o ciclo de políticas de Villanueva e a Teoria do Discurso de Basil Bernstein, a complexa construção política de sentidos sociais, neste aporte Miguel Reale na interpretação do programa PROEJA fundamentado na Teoria Tridimensional de Reale. Na sequência o capítulo irá abordar as políticas curriculares para EPT. Neste processo, começa refletindo sobre os deslocamentos de sentidos para currículo, assumindo, com Alice Lopes e Elizabeth Macedo, a perspectiva de currículo e política curricular como prática discursiva, no campo de lutas por produção de sentidos para o social. Posteriormente, ao examinar políticas curriculares para EP na rede federal tendo por base a legislação, destaca os embates que vem ocorrendo em torno deste campo educacional, concluindo-o como ainda não hegemonizado, não estabilizado e, portanto, ainda suscetível a constantes deslocamentos, aparentemente contraditórios Esta seção termina com a apresentação da complexidade de um processo de construção curricular, atravessado por múltiplas produções de sentidos, de diferentes origens. Ao final do capítulo destacam-se as opções conceituais que orientam as análises realizadas nesta tese. 4.1.1 A complexidade – Análise de política curricular na visão de Villanueva, Basil Bernstein, Alice Lopes e Elizabeth Macedo Os estudos epistemológicos – políticas educacionais – avançam configurando um campo distinto de investigação, os indicadores deste crescimento são: aumento das pesquisas, publicações, grupos da linha de pesquisa, fóruns e eventos (congressos, simpósios) sobre políticas públicas educacionais com escopo visualizar na política os indicadores positivos e negativos na vida do cidadão brasileiro. Como esta política se institucionaliza no ceio da sociedade e de que modo ela é vista pela comunidade social. Segundo Ball, Mainardes, 2011, p.12 dispõe que 143 Nas pesquisas e publicações brasileiras sobre políticas educacionais, observa-se a existência de dois grupos distintos: a) estudos de natureza teórica sobre questões mais amplas do processo de formulação de políticas, abrangendo discussões mais amplas do processo de formulação de políticas, abordagens históricas das políticas educacionais brasileiras (geralmente vinculadas à análise de contextos socioeconômico e político, entre outros aspectos; e b) análise e avaliação de programas e políticas educacionais específicas. (BALL; MAINARDES, 2011, p.12) Consequentemente, os estudos no campo do currículo se ampliam em diferentes olhares, isto é, concretizando no meio educacional já que crescem as referências teóricas para o campo curricular. Segundo Elizabeth Macedo, 2006, p.99 “desde os anos 80, a produção em torno da temática do currículo ampliou-se consideravelmente no Brasil”. Porém, segundo Moreira (2001), não há por parte dos estudiosos do currículo, uma delimitação dos temas prioritários de suas investigações. Macedo et al. (2005 apud Macedo, 2006) ao analisarem 453 teses e dissertações produzidas no país, no período de 1996 a 2002, concluem que, na medida em que se amplia a preocupação com a temática ocorre uma dispersão no que se entende por currículo. Ao tomarmos o currículo como cerne de análise, não pretendemos debruçar sobre o hibridismo (formal e prático), tão pouco temos pretensão de construir novas teorias sobre o mesmo. A tese em foco preocupa em tecer algumas reflexões sobre as relações que podem se estabelecer entre currículo, conhecimento e poder na construção de hegemonias, partindo do pressuposto de que ele é práxis resultante dos embates que se travam por grupos / instituições no campo político e educacional. E as teorias críticas, a partir da década de 1970, ajudaram-nos a compreender que o currículo não é um corpo neutro, inocente e desinteressado de conhecimento: o conhecimento selecionado no currículo é um conhecimento particular, resultado de um processo que reflete os interesses particulares de classes e grupos sociais. (SILVA, 2007, p.45 e seguintes). Assim, não é possível dissociar o estudo do currículo e das políticas de currículo do estudo de políticas educacionais e políticas em geral, tanto no contexto local, quanto no contexto global. Assim que, nesta próxima seção se apresentará alguns elementos para uma compreensão de questões envolvidas na política curricular da educação profissional. 144 4.1.2 Currículo e sua trajetória no contexto educacional A primeira dificuldade é conceituar currículo. Gimeno Sacristán (2000) começa seu livro O currículo: uma reflexão sobre a prática apontando que os principais dicionários de língua espanhola não tratam o conceito na sua acepção pedagógica. Relata o autor no primeiro parágrafo do livro Nossa cultura pedagógica tratou o problema dos programas escolares, o trabalho escolar, etc. como capítulos didáticos, mas sem a amplitude nem ordenação de significados que quer sistematizar o tratamento sobre currículo. A prática a que se refere o currículo, no entanto, é uma realidade prévia muito bem estabelecida através de comportamentos didáticos, políticos, administrativos, econômicos, etc., atrás dos quais se encobrem muitos pressupostos, teorias parciais, esquemas de racionalidade, crenças de valores, etc., que condicionam a teorização sobre currículo. (SACRISTÁN, 2000, p.13) Lopes e Macedo (2011) também trabalham com a premissa de que não é possível responder “o que é currículo” apontando para algo que lhe é intrinsecamente característico, mas apenas para acordos sobre os sentidos de tal termo, sempre parciais e localizados historicamente. Cada “nova definição” [...] se posiciona, seja radicalmente contra, seja explicitando suas insuficiências, em relação às definições anteriores, mantendo-se ou não, no mesmo horizonte delas”. (LOPES; MACEDO, 2011a, p.19-20) E independentemente do lugar conceitual de onde se fale em currículo, em comum existir a ideia de organização, experiência e situações de aprendizagem a fim de dar conta de um processo educativo. É importante ressaltar que não existe neutralidade no currículo, constitui um veículo de ideologia. É justamente na construção ou na elaboração das propostas curriculares que se define que tipo de sociedade e cidadão se quer construir. Sendo que na constituição ou definição das propostas que serão selecionados os conteúdos que ajudará a interagir e compreender o meio em que está inserido. E as teorias críticas denunciavam o papel do poder, da ideologia, da estrutura econômica para que as pessoas “sejam convencidas” da desejabilidade e da legitimidade dos arranjos sociais existentes, as teorias pós-críticas/pós-estruturais, a partir do final dos anos 1980 – anos 1990 no Brasil – vão deslocar a discussão das questões de ideologia, poder e resistência para as conexões entre significação, identidade e poder: o currículo está, irremediavelmente, envolvido na formação de sentidos, nos processos pelos quais nos tornamos o que somos. É importante conceituar o currículo para que haja a delimitação do objeto de análise como também demonstrar o poder da política curricular na construção de uma educação e que reflete dos interesses de classes e grupos sociais. Para Sacristán (2000): 145 O currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias das crianças e dos jovens, que tampouco se esgota na parte explicita do projeto de socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão, da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente chamamos de ensino. O currículo é uma prática na qual se estabelece diálogo, por assim dizer, entre agentes sociais, elementos técnicos, alunos que reagem frente a ele, professores que o modelam. (SACRISTÁN, 2000, p.15-16) Porém, na avaliação de Elizabeth Macedo, 2006, o conceito de currículo, utilizados nas pesquisas sobre o currículo parece bipartido. Para ela “essa distinção contribui para hierarquização do poder, no qual dificulta a possibilidade de pensar o currículo para além da prescrição” (MACEDO, 2006p.99) Partindo do entendimento que o currículo se faz no tempo e espaço escola estruturado como um repertório para o percurso educativo, construído pelas experiências, atividades, conteúdos, métodos, forma e meios empregados para cumprir as diretrizes curriculares nacionais, fins que são definidos (implícita ou explicitamente) pelos interesses dos grupos hegemônicos. Neste sentido, o currículo é um campo político pedagógico no qual as diversas relações entre sujeitos, conhecimento e realidade constroem saberes e reconstroem os já institucionalizados. Neste processo dinâmico e dialético, a realidade é um elemento constituinte do processo pedagógico. Assim, considerando que a linguagem ao invés de representar o mundo, o constrói, a atribuição do significado de um significante torna-se um processo cultural uma vez que “seu sentido somente poderá ser definido dentro de uma formação discursiva histórica e socialmente contingente” (LOPES; MACEDO, 2011a, p.40) o que descoloca a discussão de currículo para o campo da política, da política curricular: Currículo, bem como os demais significantes a ele associados – conteúdos, conhecimento, cultura, avaliação, professor, aluno, dentre muitos outros – são significados de determinada maneira por estarem inseridos em uma formação discursiva decorrente de lutas políticas pela significação. [...] São, portanto, construções discursivas de sujeitos descentrados em sociedades sem fundamentos fixos, soluções negociadas, precárias e provisórias, mesmo quando essa provisoriedade nos parece de tão longa duração que nos iludimos julgandoa eterna. (LOPES, 2012, p.9) Outro elemento é que há um elevado número de trabalhos foco (prática curricular) e uma pequena parte trata de forma mais integrada à prática e às propostas, além disso, está em sua grande parte buscar entender as formas de apreensão das propostas oficiais. Elizabeth Macedo (2006) dispõe: 146 ainda assim, esse número correspondeu quase que exclusivamente a estudos que buscaram entender as múltiplas formas de apreensão das propostas oficiais pelos professores em sala de aula ou propor maneiras de fazê-lo. (MACEDO, 2006, p. 99) Villanueva (1992, p.219-220) afirma que: La elaboración de políticas es un proceso de aproximaciones sucesivas a algunos objetivos deseados que van también cambiando a la luz de nuevas consideraciones. La adopción de decisiones de política es en el mejor de los casos un proceso difícil. Ni los científicos sociales, ni los políticos ni los administradores públicos saben todavía lo suficiente acerca del mundo social para evitar los errores que cometen una y otra vez en sus pronósticos sobre las consecuencias de las políticas. Unpolicymaker sabio espera, por consiguiente, que sus políticas logren sólo en parte lo que espera y que, al mismo tiempo, produzcan consecuencias imprevistas e indeseadas. Por consiguiente, al decidir a través de una sucesión de cambios incrementales, evita de diversas maneras errores serios. Assim, ao mesmo tempo em que uma política está sendo construída está sendo contestada e alterada: os “elaboradores” não conseguem controlar o significado de uma determinada política, uma vez que elas serão interpretadas pelos agentes das diferentes arenas/níveis, criando novos significados, num processo que Bernstein denomina recontextualização (BERNSTEIN, 1996; 2003). Para o referencial teórico do discurso a Teoria do Dispositivo Pedagógico “a estrutura do discurso pedagógico” e a “Pegagogia, control simbólico e identidad” (BERNSTEIN, 1998) tendo por base esta teoria no qual foi elaborada para analisar o processo pelo qual um campo específico de conhecimento é transformado para constituir o conhecimento escola, o currículo, conteúdos e relações a serem transmitidas. Além disso Singh (2002) afirma que: Por meio da Teoria Dispositivo Pedagógica, Bernstein procurou explicar as regras geradoras de estabilidade e uniformidade dos sistemas nacionais de educação. Além disso, criou um modelo de como a mudança nos princípios de ordenação e desordenação da pedagogização do conhecimento podem ser investigadas. (SINGH, 2002, p.81) (Tradução nossa). E as regras do dispositivo pedagógico estão sujeitas a ideologias sendo que segundo Bernstein (1998, p.68) “o dispositivo pedagógico actua como regular simbólico de la consciência”. Assim discurso pedagógico se estabelece dentro do discurso instrumental1 e o discurso regulador2. Este, segundo Bernstein (1998) pode ter um caráter de discurso dominante. 1 Discurso Instrumental (DI) – refere-se aos conhecimentos mais específicos (o que e como transmiti-los) 147 Para o referencial teórico da teoria do discurso de Bernstein, política é a própria razão de ser da existência do social pois “aponta para estabelecer uma ordem, organizar a coexistência humana em condições sempre conflitivas” ligadas “ao antagonismo que se manifesta na diversidade das relações sociais” (MOUFFE, 1999, p.14) e, como será visto, Villanueva considera hegemonia o conceito chave para se pensar a política. E política segundo Stephan Ball (1994): “política é (...) um conjunto de tecnologias e práticas as quais são realizadas e disputadas em nível local. Política é ambos, texto e ação, palavras e fatos, é tanto o que é intencionado como o que é realizado. (BALL, 1994, p.10, tradução nossa) ”. Segundo Macedo (2006b, p.106) é necessário desconstituir os conceitos de currículo formal e currículo emoção, sendo uma etapa fundamentar para que o currículo seja visto como espaço/tempo de produção cultural, ou seja, menos linear, vertical e hierárquico. Ferreira (2005) afirma que as comunidades disciplinares são constituídas por grupos que se apropriam de certos padrões curriculares socialmente produzidos e legitimados pelos sistemas educacionais. Esses padrões possuem “valor como moeda no mercado identidade social” (GOODSON, 1997, p.27). As comunidades disciplinares atuam, assim, como arenas nas quais ocorrem embates em torno de variadas tradições disciplinares (VILLANUEVA, 2005, p.101). Visto que as comunidades disciplinares contribuem para recontextualização de discursos que associam a determinados padrões e se tornam contingencialmente hegemônicos, seus subgrupos operam nos contextos do “ciclo produtor de políticas de currículo”. Estes subgrupos desenvolvem no interior uma série de conflitos, apresenta-se com menor poder nas lutas institucionais (BALL, 1997 apud LOPES & MACEDO, 2011). Goodson (1997) dispõe que quanto maior a capacidade de uma retórica em associar interesses idealistas, materiais e morais, mais estabilizados e naturalizados estarão os discursos e as práticas curriculares, podendo conferir o estabelecimento da comunidade disciplinar frente às outras. Lopes (2006) infere sobre as políticas curriculares e sua força hegemônica diante de comunidades epistêmicas: No caso específico das políticas de currículo, defendo que os discursos hegemônicos são disseminados por comunidades epistêmicas com capacidade de influência nos Estados-nação, muitas vezes perpassando distintas sociedades 2 Discurso regulador (DR) – possui um cunho ideológico (discurso moral e de transmissão de valores, identidades) e que DI está sempre integrado a DR. 148 políticas. As comunidades epistêmicas são compostas por grupos de especialistas que compartilham concepções, valores e regimes de verdade comuns entre si e que operam nas políticas pela posição que ocupam frente ao conhecimento, em relações de saber–poder [...] Pela ação de comunidades epistêmicas nas políticas de currículo, sejam elas específicas do campo educacional, das áreas de ensino de disciplinas específicas ou do campo da economia e da administração, é possível investigar alguns dos instrumentos de homogeneização [...]. As comunidades epistêmicas produzem tais instrumentos de homogeneização, na medida em que fazem circular diagnósticos sobre a situação educacional e organizam modelos de solução para os problemas identificados, valorizando seu próprio conhecimento como fonte dessas soluções. (LOPES, 2006, p.40-41) A autora investiga como as comunidades epistêmicas agem de forma conjunta com as comunidades disciplinares3. Em nosso grupo de pesquisa temos operado com as comunidades epistêmicas procurando entender tanto a forma como contribuem para a produção e difusão de discursos do contexto de influência quanto para projetar determinadas identidades nas práticas e introduzir determinados discursos nos textos das políticas. [...] procuramos investigar como as comunidades disciplinares atuam localmente como comunidades epistêmicas (LOPES; MACEDO, 2011, p.272273) Tais teorizações alertam-nos para a complexidade da análise política. Antônio Flávio Moreira (2007) também destaca a necessidade que “se as políticas são conjuntos de tecnologias e práticas que se desenrolam, em meio a lutas, em cenários locais, não faz sentido se ficar restrito às deliberações oficiais” (p.267). Tal propositiva revela “[...] o quanto a educação está inserida no mundo real das relações de poder cambiantes e desiguais. E as teorias, políticas e práticas envolvidas, na educação não são técnicas; são inerentemente éticas e políticas [...]” (APPLE, 2006, p.22) Nesse sentido, o currículo se constitui como: [...] expressão da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno de uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente chamada de ensino (SACRISTÁN, 2002, p.15-16). E a política não é implementada de forma linear e hierárquica (VILLANUEVA, 2003). Em outro texto ele chama a atenção para o fato de que “nem todas as organizações incorporam as mudanças com igual boa vontade e entusiasmo” (BALL, 2006, p.16) e, logo, a “análise política necessita ser acompanhada por cuidadosa pesquisa regional, local e organizacional se nos propusermos a entender o grau de ‘aplicação’ e de 3 Comunidades disciplinares são constituídas por atores sociais envolvidos na constituição de cada disciplina professores da educação básica, pesquisadores e especialistas de disciplinas específicas (GOODSON,1997) 149 ‘espaço de manobra’, envolvido na tradução das políticas nas práticas” (BALL, 2006, p.16). Diante desta complexidade, apontada por autores de diferentes linhas teóricas, conclui-se que não faz sentido trabalhar com binarismos, tais como política oficial versus não oficial, escrita versus não escrita, legítima versus ilegítima. As políticas serão sempre produto de acordos em vários estágios, sendo fruto de múltiplas influências. Sempre que forem consideradas apenas algumas dessas influências e, por consequência, certas políticas como legítimas, outras serão marginalizadas. Não é possível predizer, determinar a priori, quais serão os resultados de uma determinada política quando estiver deslocada em outros contextos e submetidas a releituras / reinterpretações de outros atores. E as divisões que conformam a política pública – distributiva, redistributiva ou regulatória, universal ou focalizada – assumem diferentes formatos: podem ser enunciados de diferentes estratégias de governo, leis e decretos normativos que especificam de forma mais clara e operacional tais diretrizes, criação de organizações ou programas que vão conferir operacionalidade às diretrizes, leis e normas (VILLANUEVA, 2006). Além disso, Rossi et al., 2004 informa que o programa público é, pois, um dos instrumentos operacionais das políticas públicas. Mais especificamente, trata de um conjunto de ações programadas e articuladas entre si, com o objetivo de atender a demanda pública específica, encampada na agenda de prioridades de políticas públicas do Estado ou Governo, neste foco insere o PROEJA. Moreira (2006), a partir de seu interesse em compreender o conceito de transferência educacional, tendo por base outros referenciais teóricos, ao estudar o estabelecimento do campo do currículo no Brasil até meados da década de 80, também se depara com estas questões: Tendências curriculares não podem ser concebidas como um conjunto homogêneo de temas, metodologias e propósitos. Em outra escala, o mesmo pode ser dito de teorias curriculares que refletem a influência de tendências diversas e combinam diferentes princípios e interesses, não apresentando, consequentemente, um caracter monolítico. [...] será viável considerarmos que o campo brasileiro [do currículo] emergiu exclusivamente dominado pelo tecnicismo? Independente das mediações que inevitável ocorreram, o próprio material transferido [dos EUA] não era, como procuramos demonstrar, pura e exclusivamente tecnicista. Mesmo Tyler e Taba, visto por Domingues 4 como típicos autores tecnicistas, apresentam forte influência de ideias progressivistas. (MOREIRA, 2006, p.79) 4 DOMINGUES, J. L. O Cotidiano da escola de 1º grau: o sonho e a realidade. 1985. Tese (Doutorado). Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. 150 Neste trabalho, compartilha-se com Lopes e Macedo, o conceito de currículo/política curricular como prática discursiva, em consonância com os conceitos da teoria do discurso apresentada em seção anterior: ele [o currículo] é uma prática de poder, mas também uma prática de significação, de atribuição de sentidos. Ele constrói a realidade, nos governa, constrange nosso comportamento, projeta nossa identidade, tudo isto produzindo sentidos. Trata-se, portanto, de um discurso produzido na interseção entre diferentes discursos sociais e culturais que, ao mesmo tempo, reitera sentidos postos por tais discursos e os recria. [...] qualquer manifestação do currículo, qualquer episódio curricular, é a mesma coisa: produção de sentido. (LOPES; MACEDO, 2011a, p.41-42) Neste próximo item será analisada a política curricular na educação profissional na rede federal. 4.1.3 A política curricular para educação profissionalizante na rede federal Nesta seção, com foco na rede federal, serão apresentadas e discutidas as políticas curriculares para educação profissional em andamento no país. Para tentar entendê-las de uma forma mais ampla e menos hierárquica, far-se-á um movimento mais longo no tempo, buscando focalizar nos entraves destas políticas na arena Federal. Para discutir a educação para o trabalho no Brasil no objeto política pública profissionalizante foram elencados para compor esta seção Demerval Saviani, Gaudêncio Frigotto, Jamil Cury, Maria Ciavatta, Francisco Cordão, especialmente, a obra de Luís Antônio Cunha a obra O ensino profissionalizante na Irradiação do Industrialismo, 2000. Vale ressaltar que os autores supracitados pautam na perspectiva marxista, centralizados no poder do Estado e na estrutura econômica como pilastras nas políticas públicas profissionalizadas, porém, há a necessidade de questionar outras influências que compõem nos processos de construção hegemônica que compõem o programa PROEJA. Há que se procurar a fonte desta regra jurídica, diz Montoro apud Du Pasquier, 1995, p.300 significa investigar o ponto em que ela saiu das profundezas da vida social para aparecer na superfície do direito. Necessário se faz conceituar fonte formal e fonte material. Segundo André Franco Montoro em sua obra Introdução à Ciência do Direito. Fontes formais, isto é, os fatos dão a uma regra o caráter direito positivo e obrigatório (legislação, costume jurídico, jurisprudência, doutrina) Fontes Materiais representadas pelos elementos que concorrem para a formação do conteúdo ou matéria da norma jurídica, isto é, realidade social, valores que o direito procura realizar e fundamentos da justiça. MONTORO apud DU PASQUIER, 1995, p.323) (Grifo nosso) 151 Necessário se faz investigar o início do processo escolar institucionalizado e suas marcas de governo (re)empoderamento alguns atores políticos, os processos hegemônicos no qual possibilita a educação profissional é apoderar-se das fontes materiais que dará ao formador de política propor dentro da agenda partidária dados para transformar em fontes formais, ou seja, legislação. Saviani (2007, p.9-19) corrobora que a origem das instituições educativas remonta ao momento da ruptura do modo de produção comunal (o comunismo primitivo) que determinou o advento das sociedades de classe, surgimento da escola. Manacorda retoma o “poder da oratória sendo que é uma arte política do comando”, neste ponto, trabalha o poder das fontes materiais na formulação das políticas. A separação entre instrução e trabalho, a discriminação entre a instrução para os poucos e o aprendizado do trabalho para os muitos, e a definição da instrução "institucionalizada" como institutio oratoria, isto é, como formação do governante para a arte da palavra entendida como arte de governar (o "dizer", ao qual se associa a arte das armas, que é o "fazer" dos dominantes); trata-se, também, da exclusão dessa arte de todo indivíduo das classes dominadas, considerado um "charlatão demagogo", um meduti. A consciência da separação entre as duas formações do homem tem a sua expressão literária nas chamadas "sátiras dos ofícios". Logo esse processo de inculturação se transforma numa instrução que cada vez mais define o seu lugar como uma "escola", destinada à transmissão de uma cultura livresca codificada, numa áspera e sádica relação pedagógica. (MANACORDA, 1989, p.356) O Estado estabelece tempo e espaço para disputa, sua matéria – o(s) motivo(s) e as regras do jogo; embora existam outras relações de poder nos espaços locais que serão desafiados pelas políticas oficiais dentro da sua prática cotidiana. (BALL, 1994) E com base nas contribuições da teoria do discurso de Laclau (2011): [...] não uma ruptura radical, mas uma nova modulação de seus temas; não o abandono de seus princípios básicos, mas sua hegemonização a partir de uma perspectiva diferente [...] um alargamento do campo da indecidibilidade estrutural que abre caminho para um aumento do campo da decisão política. (LACLAU, 2011, p.134) Outro panorama a ser acrescentado é que qualquer teoria geral relacionada com social, que rejeita o discurso tecnicista da gestão social, no qual alarga o campo da política; traduz a hegemonia e Estratégia Socialista (MOUFFE, LACLAU, 1987, p.318) Afirmação de um “fundamento” que somente vive de negar seu caráter fundamental; de uma “ordem” que só existe como limitação parcial da desordem; de um “sentido” que só se constrói como excesso e particular frente ao sem sentido – em outros termos, o campo da política como espaço de jogo que não é nunca “soma-zero”, por que as regras e os jogadores não chegam jamais a ser plenamente explícitos. Este jogo, que escapa ao conceito, tem ao menos um nome: hegemonia. (MOUFFE; LACLAU, 1987, p.318, tradução nossa) (grifo nosso) 152 E assim, com base na obra “O Ensino Profissional na irradiação do industrialismo, bem como as legislações, pretende contrapor a centralidade do Estado e na economia – premissas marxistas – dando ênfase na construção das políticas educacionais como processos hegemônicos, tencionam a sociedade e que justificam a própria instabilidade destas políticas e da legislação no contexto brasileiro. Assim, esta seção será referenciada os autores citados para trazer a história da educação como reconstrução cognitiva do processo de desenvolvimento da educação. Já que a realidade humana de cada indivíduo se constrói em relação com os outros e se desenvolve no tempo, a memória configura como uma faculdade específica e essencialmente humana sendo expressão memória histórica (SAVIANI, 2008) Esta é importante para compreender o movimento da política educacional, suas perspectivas e seus avanços e retrocessos na construção da sociedade. No Brasil, a origem das instituições escolares (1949) com a chegada dos jesuítas “a primeira escola brasileira” (MATTOS, 1958, p.37). Este é o ponto de partida da história das instituições escolares brasileiras. Saviani, 2005, p.12 esboça a historiografia, como fonte de aprofundar nas raízes históricas para compreender a política educacional e curricular das legislações atuais. Segundo ilustre professor Saviani corrobora que: O primeiro período (1549-1759) é dominado pelos colégios jesuítas; o segundo (1759-1827) está representado pelas “Aulas Régias” instituídas pela reforma pombalina, como uma primeira tentativa de se instaurar uma escola pública estatal inspirada nas ideias iluministas segundo a estratégia do despotismo esclarecido; o terceiro período (1827-1890) consiste nas primeiras intermitentes, de se organizar a educação tentativas, descontínuas e como responsabilidade do poder público representado pelo governo imperial e pelos governos das províncias; o quarto período (1890-1931) é marcado pela criação das escolas primárias nos estados na forma de grupos escolares, impulsionada pelo ideário do iluminismo republicano. (SAVIANI, 2005, p.12) A partir da década de 1930, a base do desenvolvimento brasileiro teve por objetivo a industrialização, num modelo denominado “substituição das importações”. Saviani destaca que este processo foi capaz de unir “os empresários nacionais e internacionais, as classes médias, os operários e as forças da esquerda [...] [entretanto] as razões que os moveram eram divergentes. Enquanto para a burguesia e as classes médias a industrialização era um fim em si mesmo, para o operariado e as forças de esquerda, as razões que os moveram na mesma direção eram divergentes” (SAVIANI, 2008, p.362) 153 Apesar do entusiasmo do período republicano com a criação dos grupos escolares, o ensino escolar permanece estagnado, de devido a fragmentação da política educacional e curricular pois não basta as edificações são necessárias mudanças curriculares. Saviani, revela que: O país não atingiu as finalidades pretendidas, pois durante os 43 anos do regime republicano no Brasil o sistema esteve desarticulado e fragmentado pela dissociação entre as reformas econômicas e as educacionais, o que não permitiu a instituição de um sistema educacional capaz de atender as necessidades modernas do país. (SAVIANI, 2007) Torna necessário, ampliar o número de cidadãos alfabetizados para trabalhar nas indústrias, devido ao processo de aceleração na industrialização no Brasil, cabe observar que, ao longo de quase quatro séculos, a educação ficava restrita a pequenos grupos. Ela a burguesia busca consolidar sua posição, as forças de esquerda retomam bandeiras representativas da ideologia do nacionalismo desenvolvimentista que as motivava, em conflito com o modelo econômico vigente, de caráter desnacionalizante, muito favorável às empresas estrangeiras9. Estabelecem-se então novos movimentos de luta para estabelecimento de novas hegemonias as quais, ao extremo, desencadeiam a instabilidade política da década de 1960 e golpe militar de 1964. Outro ponto a ser observado é que durante o regime militar predomina-se a concepção produtivista na educação tendo como substrato a teoria capital humano que tem como ponto crucial que a incorporação na legislação, os princípios da racionalidade, eficiência e produtividade, como corolários do “máximo resultado com o mínimo dispêndio” e “não duplicação de meios para fins idênticos” (SAVIANI, 2008, p.365). E a lei 5.692/71 estrutura-se em uma tendência produtivista a todo ensino básico do país, convertendo a pedagogia tecnicista10 em pedagogia oficial. (SAVIANI, 2008, p.366). A Lei 5692/71, que tornava compulsório a profissionalização no segundo grau, dividia o currículo em três partes: o núcleo comum – obrigatório em âmbito nacional –, uma parte diversificada – com finalidade de atender as peculiaridades locais – e a parte 9 “Em função da implantação das indústrias de bens duráveis exigir altos investimentos, a implantação de um parque industrial deste tipo foi viabilizado com o estímulo a implantação de empresas internacionais. As forças de esquerda vão levantar bandeiras do tipo nacionalização das empresas estrangeiras, controle da remessa de lucros, dividendos e royalties e reformas de base - tributária, financeira, bancária, agrária, educacional, etc.” (SAVIANI, 2008) 10 “Com base no pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, a pedagogia tecnicista advoga a reordenação do processo educativo de maneira que o torne objetivo e operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pretende-se a objetivação do trabalho pedagógico. [...] Para a pedagogia tecnicista o que importa é aprender a fazer”. (SAVIANI, 2008, p.381383) 154 específica – onde ocorria a formação profissional. A lei definia ainda a obrigatoriedade de Educação Moral e Cívica, Educação Artística e Programas de Saúde. Na sequência o Conselho Federal de Educação, emitiu pareceres e resoluções, definindo a constituição do núcleo comum do ensino de segundo grau e o currículo mínimo para cada habilitação profissional por intermédio do Parecer 45/72, que estruturou a Educação Profissional até 1998, quando foi aprovado um novo ordenamento legal. Ciavatta, 2012 corrobora que Com o fim do “Milagre econômico” em meados dos anos 1970 e fortes pressões sobre o regime militar, planos e programas foram implementados junto às populações das áreas mais pobres.11 Ainda no final dessa década, a profissionalização universal e compulsória empreendida pela lei n. 5.692/71 é flexibilizada pelo Parecer do CFE n. 75/76 e consolidada pela lei n. 7.044/82 com as seguintes alterações: a) substituição de “qualificação para o trabalho” por “preparação para o trabalho” (caput do art. 1o); b) absorção de “preparação para o trabalho” como elemento da “formação integral do aluno” em caráter obrigatório no ensino de 1o e 2o graus (art. 4o, parágrafo 1o); e c) conversão da habilitação profissional em opção dos estabelecimentos de ensino (art. 4o, parágrafo 2o). (CIAVATTA, 2012) Na década de 1970, por meio de pareceres do CFE que reinterpretaram a Lei 5692/71, desobrigando a transformação de todas as escolas em técnicas a divisão a parte geral e específica, o que representava a possibilidade de acréscimo de carga horária da parte geral e redução da parte específica. Posteriormente, com a aprovação da Lei 7044/82 eliminou a obrigatoriedade da profissionalização no segundo grau e o CFE expediu a Resolução 06/86 que reestruturou o núcleo comum, separando a Matemática e acrescentado a obrigatoriedade de Literatura em Português. Exigia ainda que Língua Portuguesa, Literatura – preferencialmente a brasileira -, Matemática, Física, Química, Biologia, Língua Estrangeira e Filosofia – quando houvesse – fossem tratadas como disciplinas no segundo grau, sendo que Matemática e Português deviam ser ofertadas em todos os períodos letivos. Ponto ápice da política educacional profissionalizante, diferentes motivações e origens esta política se vê fragilizada e requer mudanças estruturais, produzindo deslocamentos na política e possibilitando novos processos hegemônicos. Cunha, 2000 dispõe que: “ A mais ambiciosa medida de política educacional de toda a história do Brasil foi, sem dúvida, a profissionalização universal e compulsória no ensino de 2° grau. Ela representou, certamente, o maior fracasso”. (CUNHA, 2000, p.181) Além disso, Cunha, estudando o processo de implantação desta reforma, identifica a função contenedora do ensino de 2° grau com terminalidade: mesmo sem conhecimento da real demanda por técnicos de nível médio, os administradores educacionais da época “acreditavam que ela fosse grande o suficiente para canalizar a frustração dos 155 concluintes do ensino médio que não ingressassem no ensino superior”. (CUNHA, 2000, p.188) A Resolução do CFE 8/71 definiu que o núcleo comum abrangeria as matérias de Comunicação e Expressão, Estudos Sociais e Ciências. Em Comunicação e Expressão, a Língua Portuguesa foi definida como conteúdo obrigatório e recomendava-se a inclusão de uma Língua Estrangeira Moderna; em Estudos Sociais foram definidos como obrigatórios conteúdos de Geografia, História e Organização Social da Política Brasileira e em Ciências Matemática, Ciências Físicas e Biológicas. Estes conteúdos deviam ser organizados preferencialmente na forma de disciplinas, dosadas segundo as habilitações profissionais. Por sua vez, a Resolução 2/72, anexa ao Parecer 45/72, fixou os mínimos a serem exigidos para cada habilitação profissional. O anexo C desta Resolução definia as habilitações, as matérias obrigatórias para cada Habilitação – 52 habilitações de nível técnico – e as cargas horárias das matérias de cada habilitação. A Tabela 9 apresenta um exemplo de currículo mínimo para um determinado curso e apresenta a distribuição de carga horária entre as matérias do núcleo comum. Tabela 9 – Distribuição de matérias e cargas horárias de um curso técnico. Fonte: Parecer CFE 45/72 Hora-aula (h/a): 55min – ano com 30 semanas 156 Gráfico 4 - Distribuição de Carga Horária do núcleo comum definida pelo Parecer CFE 45/72. Ao final da década de 1980, o processo de redemocratização das relações institucionais, somado às mudanças no mundo do trabalho e à elaboração de uma nova LDB. Existiu uma mobilização em torno da reformulação curricular no interior das instituições federais pela implantação de um currículo comum da educação tecnológica baseada na conexão entre ensino e trabalho, excluindo a oposição entre cultura e profissão. A aprovação da LDB em 1996 significou, na verdade, somente o início de um movimento de reformas na educação brasileira, que tomou corpo mediante as regulamentações posteriores realizadas na estrutura educacional – no caso da educação profissional, o decreto n. 2.208/97 – e outras no campo conceitual, objetivadas, no âmbito da educação básica, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, sejam do ensino fundamental, do ensino médio ou da educação profissional de nível técnico. A elaboração dessas diretrizes ficou a cargo da União – com a colaboração do Conselho Nacional de Educação – considerando sua função de estabelecer, em colaboração com os estados, o Distrito Federal e os municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum. (Brasil, 1996, art. 9º, inciso IV). (CIAVATTA, 2012, p.21) Em 1996 a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – a Lei 9394/96 – alterou todo o ordenamento educativo. O artigo 26 define que os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. (Lei 9394/96, Art. 26) 157 A oferta deve abranger obrigatoriamente “o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil”. Definiu o ensino da arte, da língua estrangeira e a educação física como componentes curriculares obrigatórios. Posteriormente, foram incluídas também, como obrigatórios, o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena, o conteúdo de música e as disciplinas de Filosofia e Sociologia em todas as séries do ensino médio. Tendo por base na compreensão teórica e prática dos fundamentos científicos das múltiplas técnicas utilizadas no processo produtivo – como princípio organizador do ensino médio, defendida por educadores organizados por meio do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e constante na primeira versão do PL de LDBEN13 encaminhado ao Congresso em 1988, não se efetivou no texto final, que, pelo seu caráter minimalista14, permitiu que o governo, alinhado com uma nova concepção de capital humano, regulasse a separação formal entre o ensino médio e a educação profissional por meio do Decreto 2208/97. O decreto 2.208/97 altera a estrutura da educação profissional estabelecendo no seu artigo 5º que “a educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou sequencial a este”, introduzindo uma profunda alteração na organização curricular vigente nos cursos técnicos de segundo grau, nos quais a formação técnica era realizada conjuntamente ao ensino médio. Vale ressaltar que o termo conjuntamente significa no decreto 2.208/97: A expressão “conjuntamente” foi utilizada para referenciar esta forma de organização daquele contexto uma vez que a expressão “integrado” irá aparecer na documentação legal apenas na legislação atual, para caracterizar a forma de organização curricular em que o curso será “planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, efetuando-se matrícula única para cada aluno” (Lei 9394/96, Art. 36-C, Inciso I). Evita-se desta forma o uso corrente das expressões “integrado antigo” para referir-se a cursos regidos pelo parecer CFE 45/72 e “integrado novo” para cursos regidos pela atual LDBEN. A educação profissional de nível médio passa a ser caracterizada como complementar e o ensino médio retoma, legalmente, um sentido puramente propedêutico, enquanto etapa final da educação básica. Esse decreto definia que o ensino técnico poderia ser cursado na forma concomitante ou subsequente ao ensino médio. Assim, a educação profissional constitui-se, novamente, em um sistema paralelo retornando à estrutura dualista e 13 LDBEN: Leis de Diretrizes Básicas da Educação Nacional estruturou a educação. Caráter minimalista: compatível com Estado mínimo, ideia reconhecidamente central na orientação política dominante. SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. 5 ed. Campinas (SP): Autores Associados, 1999 14 158 segmentada e mais uma vez rompe-se o conceito de equivalência, permitindo apenas a articulação entre educação profissional e educação básica. Este novo modelo de organização da educação profissional já estava sendo articulado anteriormente à aprovação da LDBEN, por meio do PL 1.603/96, duramente contestado pelos movimentos educacionais. Este PL foi abandonado pelo governo, a partir do entendimento que o texto da LDBEN permitia a regulação por meio de um decreto, evitando o embate para aprovação de uma lei no Congresso Nacional. Na sequência, o CNE emitiu pareceres e resoluções com objetivo de regular a aplicação deste decreto. As diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio foram implantadas pela Resolução CNE/CEB 3/98. Já a definição das diretrizes curriculares nacionais para a educação profissional de nível médio foi feita por intermédio da Resolução CNE/CEB 04/99, baseada no Parecer CNE/CEB 16/99, revogando o Parecer 45/72. Estes dispositivos definiram a organização dos cursos técnicos sob a lógica de organização dos setores produtivos: os cursos deviam ser organizados por áreas profissionais estruturadas por competências profissionais e com a possibilidade de serem organizados em módulos, com certificações intermediárias. Shiroma, Moraes e Evangelista (2003, p.11), tratando das políticas educacionais, destacam como nos anos do governo FHC as decisões fecharam-se, distante “dos fóruns democráticos e do debate”, “do rico consenso que educadores brasileiros construíram sobre pontos básicos da educação brasileira, na luta pela democratização do país”. Mais uma vez, no final do governo Lula da Silva e nos primeiros meses do governo Dilma Rousseff, somos surpreendidos com a ressuscitação das Diretrizes Curriculares Nacionais. Emanadas do CNE em 1998 para orientar a implantação do decreto n. 2.208/97, foram maquiadas e reiteradas em 2004, após a revogação do mesmo decreto e a exaração do decreto n. 5.154/04. Novamente em 2010, o relator da Câmara de Educação Básica, Professor Cordão, ignorou a particularidade da introdução da alternativa formação integrada ao lado das formas concomitante e subsequente de articulação entre ensino médio e educação profissional (CIAVATTA, 2012). O documento veio a lume no primeiro semestre de 2010, e o primeiro documento alternativo de um Grupo de Trabalho, promovido pelo Ministério da Educação, reunindo movimentos sociais, entidades científicas e setores do próprio Ministério, começou a ser elaborado em meados do mesmo ano (Brasil, 2010). Em reunião convocada pelo Ministério da Educação e Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (MEC/SETEC), realizada em 23 de maio de 2011, os participantes elaboraram um documento que subsidiou a carta encaminhada ao Presidente da Câmara de Educação Básica do CNG, divulgada neste número 159 da Revista Brasileira da Educação na seção Documentos, expondo suas divergências com o Parecer Cordão (Brasil. CNE/CEB, 2011) e apresentando os pressupostos básicos do documento alternativo que, neste texto, servirá de base para a análise crítica de alguns aspectos mais gerais, fundantes do mesmo Parecer15. A proposta do Parecer Cordão, relativo à atualização das DCNEP, inicia-se com um histórico da educação profissional técnica de nível médio a partir da LDB de 1996, destacando o conjunto de regulamentações provocadas pelo decreto n. 2.208/97. Curiosamente, ressalta que essas permaneceram plenamente compatíveis com o decreto n. 5.154/2004, o que teria exigido do Conselho somente sua atualização promovida pelo Parecer CNE/CEB n. 39/2004. Nesse momento, a finalidade de um novo parecer seria principalmente explicitar orientações complementares em relação a eventuais pontos de divergência, considerando, inclusive, as alterações introduzidas pela lei n. 11.741/2008. Um novo modelo de educação profissional, centrado no desenvolvimento de competências profissionais, organizadas por área profissional. A Resolução CNE/CEB 4/99 define que as competências requeridas pela educação profissional, considerada a natureza do trabalho, são as: I - competências básicas, constituídas no ensino fundamental e médio; II - competências profissionais gerais, comuns aos técnicos de cada área; III competências profissionais específicas de cada qualificação ou habilitação. (Resolução CNE/CEB 4/99, p.2). As competências profissionais gerais de cada uma das vinte áreas foram explicitadas no anexo da resolução. Porém, [...] os perfis profissionais de conclusão de qualificação, de habilitação e de especialização profissional de nível técnico serão estabelecidos pela escola. [...] A organização curricular, consubstanciada no plano de curso, é prerrogativa e responsabilidade de cada escola (Resolução CNE/CEB 4/99, p.2). Outro fato que indica alterações primordiais na LDB pela Lei n. 11.741/2008, relativas à educação profissional e tecnológica, incluindo a educação de jovens e adultos. Reiteramos que tais alterações não exigiriam muito mais do que esclarecimentos e aprofundamentos de alguns princípios e orientações. O relator reconhece que a educação profissional se situa na confluência de dois direitos fundamentais do cidadão: o direito à educação e o direito ao trabalho. Reafirma Cordão que 15 Em janeiro de 2011, o Relator, Professor Aparecido José Cordão, apresentou ao CNE/CEB a nova versão de seu Parecer (Brasil. CNE/CEB, 2011), incorporando expressões próximas ao conteúdo do documento alternativo do Grupo de Trabalho, mas mantendo as ideias centrais de sua proposta. 160 Se não há discordâncias a esse respeito, nem quanto à necessidade de superação das qualificações profissionais restritas aos postos de trabalho, também afirmada pelo parecer, o mesmo não se pode afirmar sobre a suposição de que isto “determina a emergência de um novo modelo de educação profissional centrado no desenvolvimento de competências profissionais por eixo tecnológico” (BRASIL, CNE/CEB, 2011, p. 17). Outro fator é que o Parecer, após ratificar os princípios axiológicos definidos pela DCNEM de 1998, com base nos quatro pilares da educação da UNESCO, aqui comentados, dedica dez páginas para expor os fundamentos de sua proposta curricular baseada na “CHAVE” para o entendimento do compromisso da educação profissional e tecnológica com o desenvolvimento de competências profissionais” (Brasil, CNE/CEB, 2011, p. 20). E que a palavra “CHAVE” sigla reúne os componentes da competência (conhecimento, habilidade, atitude, valores e emoção) sendo eixo do argumento do parecer. Trata-se de uma metáfora retificadora do poder econômico e social da educação tão difundido na Teoria Capital Humano nas décadas 1950 a 1970. (CIAVATTA, 2012, p.21). Este embate entre diferentes concepções de educacional profissional de nível médio se acirrou no processo de construção das novas DCNs para EPT de nível médio: depois de um longo processo de negociação, em setembro de 2012 foi aprovada a Resolução CNE/CEB 6/2012 que estabelece as novas DCNs – obrigatórias a partir do início do ano de 2013 –, revogando definitivamente a Resolução CNE/CEB nº 4/99 e da Resolução CNE/CEB nº 1/2005. Cunha (2000) detalha as dificuldades materiais e políticas da aplicação da legislação profissional [...] falta de recursos humanos e materiais, especialmente das escolas públicas; expansão da oferta dos cursos de menor custo; sobrecarga das escolas industriais da rede federal – usadas como paradigma desta reforma –; insatisfação dos profissionais de educação, tanto os das disciplinas da parte geral – que viam sua importância diminuída –, como os da parte especial – que temiam a desvalorização da profissão de técnico industrial com a expansão da oferta –; rejeição dos estudantes pela diminuição da carga horária das disciplinas que interessavam para o exame vestibular; críticas da iniciativa privada em educação pelo custo elevado da formação profissional, etc. (CUNHA, 2000, p.50). Diante dos fatos e fundamentos supracitados resta demonstrado que a política da educação, dos trabalhadores e sua regulamentação curricular expressam as marcas do Estado que constrói na consolidação do capitalismo comprometido com interesses burgueses. E as regulamentações sempre cumpriram a finalidade de obtenção de consentimento dos governados, seja pela coerção, ou revestida hegemonial. Assim, a política curricular constrói e reconstrói para adequar a realidade social vigente. E nas últimas décadas têm crescido este processo conflituoso, gerando, para os formadores de política novos olhares para a educação 161 que resgate o princípio constitucional da dignidade humana. Já que, na construção de hegemonia pelos trabalhadores, o conhecimento torna-se mediação de uma relação pedagógica entre os grupos sociais. Na próxima seção será abordado a educação profissional – PROEJA – política curricular no IFTM. 4.2 PROEJA - POLÍTICA CURRICULAR NA REDE FEDERAL Antes de passar a uma explicação mais detalhada sobre a política curricular no PROEJA, vale formalizar dois termos – políticas públicas e programas públicos. Isso é importante para circunstanciar os limites do campo do diálogo estabelecido no texto, já que formulação de política pública e formação de programas públicos são termos muito imbricados, mas referem-se a contextos diferentes (em amplitude) da análise de intervenção estatal. As decisões que formam política pública – distributiva – redistributiva ou regulatória – assumem diferentes formatos: podem ser enunciados de diretrizes estratégicas de governo, leis e decretos normativos, que especificam de forma mais clara e operacional tais diretrizes, criação de organizações ou programas que vão conferir operacionalidade às diretrizes, leis, normas (VILLANUEVA, 2006). O programa público é, pois, um dos instrumentos operacionais das políticas públicas. Mais especificamente, trata-se de um conjunto sistêmico de ações programadas e articuladas entre si com objetivo de atender uma demanda específica, encampada na agenda de prioridades de políticas públicas do Estado ou governo. Assim, um programa social é um conjunto de atividades direcionadas para solucionar um problema vivenciado pela sociedade, no seu todo ou por grupo (ROSSI et al., 2004). Segundo Owen (2007) na análise de política trata do contexto político-social do surgimento da política, dos atores participantes. Volta-se mais ao exclusivamento de seu processo de construção do que da recomendação prática de como aprimorá-lo, constituindo, na realidade, um campo de investigação mais acadêmico que a perspectiva técnica – profissional em que se realiza a avaliação em que se realiza a avaliação de programa. No limiar dos sete anos da Lei 11.892/2008 compreender o significado da Rede Federal ainda constitui algo desafiador. Na perspectiva da ampliação social do seu significado, busca compreender a Rede Federal enquanto espaço de formação para o trabalho e a melhoria da qualidade de ensino na educação básica. Assim, a Rede Federal configura-se 162 numa estrutura planejada para oportunizar educação profissionalizante de maneira abrangente, voltada às conquistas científicas e tecnológicas com vistas ao desenvolvimento regional e local e ampliação ao acesso qualificação ao mundo do trabalho. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei no 9.394/1996 (BRASIL, 1996), a educação brasileira é organizada em dois níveis – educação básica e educação superior – e respectivas etapas de ensino. A educação profissional e tecnológica, por sua vez, está prevista como modalidade educacional que se integra aos diferentes níveis e etapas de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia. Assim, os cursos de educação profissional e tecnológica se articulam com a educação básica e com a educação superior e, ainda, com as modalidades de educação de jovens e adultos e de educação a distância. Nessa perspectiva, a oferta educacional das instituições que integram a Rede Federal abrange tanto a educação básica quanto a educação superior e, transversalmente, como modalidade, a educação profissional e tecnológica (Figura 8). Figura 8 – Organização dos níveis e etapas da educação brasileira em articulação com a educação profissional e tecnológica Fonte: Equipe de sistematização do documento orientador (2014) Os cursos ofertados pela Rede Federal incluem cursos de: • formação inicial e continuada ou de qualificação profissional, ministrados de forma livre ou articulados com o ensino fundamental ou com o ensino médio; 163 • educação profissional técnica de nível médio (cursos técnicos); • educação superior de graduação (licenciaturas, cursos superiores de tecnologia ou bacharelados); e • educação superior de pós-graduação lato (especialização) e stricto sensu (mestrado e doutorado). Pelo gráfico 5, pode-se observar que os cursos técnicos e os FIC, juntos, concentram aproximadamente 55% da oferta educacional da Rede Federal. Dada a importância, as características relativas a essas ofertas são detalhadas, à sequência. Gráfico 5 – Distribuição de matrículas em cursos ofertados pela Rede Federal de 2009 a 2013. Fonte: SISTEC/MEC, extração em dezembro de 2013. Os cursos de educação profissional técnica de nível médio (cursos técnicos) têm por finalidade proporcionar ao estudante conhecimentos, saberes e competências profissionais necessários ao exercício profissional e da cidadania, com base nos fundamentos científicotecnológicos, sociohistóricos e culturais (BRASIL, 2012), cuja conclusão enseja a emissão de diploma de técnico de nível médio. Tais cursos são desenvolvidos nas seguintes formas: a) articulada integrada, ofertada somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, com matrícula única na mesma instituição, promovendo habilitação profissional técnica de nível médio do estudante e conclusão da última etapa da educação básica. b) articulada concomitante, ofertada a quem ingresse no ensino médio ou já o estejam cursando, efetuando-se matrículas distintas para cada curso, e podendo ocorrer: • na mesma instituição de ensino; 164 • em instituições de ensino distintas; e • em instituições de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade, visando ao planejamento e ao desenvolvimento de projeto pedagógico unificado. c) subsequente, ofertada a quem já tenha concluído o ensino médio. Os cursos técnicos podem ser também desenvolvidos na modalidade de educação de jovens e adultos19. Cabe ressaltar que, com objetivo de ampliar as oportunidades de acesso à educação profissional e tecnológica para jovens e adultos, foi instituído, por meio do Decreto nº 5.840, de 2006, técnicos nas formas articulada integrada ou articulada concomitante ao ensino médio com projeto pedagógico unificado (PROEJA Técnico). O Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), por meio do qual são desenvolvidos, entre outros, cursos técnicos nas formas articulada integrada ou articulada concomitante ao ensino médio com projeto pedagógico unificado (PROEJA Técnico). Porém, estas metas de ampliar o espectro de ação na área educacional com foco na profissionalização foram consolidadas devido à política pública da expansão da Rede Federal da Educação Profissional. A rede federal passa por uma grande expansão pautada por motivações de naturezas distintas. Por um lado, o crescimento do País pressionou a demanda por mão de obra qualificada. Por outro lado, viu-se uma oportunidade quanto à convergência espacial da expansão da rede com outras políticas públicas voltadas para o desenvolvimento regional. A esses dois vetores somou-se o entendimento de que a interiorização das escolas técnicas, reinstitucionalizadas em Institutos Federais, poderia contribuir para o desenvolvimento das microrregiões menos desenvolvidas. Segundo as metas de expansão divulgadas pelo Governo Federal, a Rede Federal de Educação Profissional passará de 140 escolas, em 2003, para um total de 562, em 2014. Essa expansão está se dando de forma sucessiva e continua, e pode ser dividida em três fases, cada uma informada por um conjunto de critérios que define a localização dos novos campi, conforme mostrado na tabela a seguir. 19 A educação de jovens e adultos é destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria, conforme previsto no art. 37 da LDB. 165 Tabela 10 – Critérios de escolha dos lugares dos novos campi por fase da expansão. Fase da Expansão Fase I (2003 a 2010) Fase II (2011/2012) Fase III (2013/2014) Critérios a) Proximidade da escola aos arranjos produtivos instalados em níveis local e regional; b) Importância do município para a microrregião da qual faz parte; c) Valores assumidos pelos indicadores educacionais e de desenvolvimento socioeconômico; d) Existência de potenciais parcerias para a implantação da futura unidade; e) Atender a pelo menos uma das três seguintes diretrizes: e.1) estar localizada em uma Unidade da Federação que ainda não possui instituições federais de educação profissional e tecnológica instaladas em seu território; e.2) estar localizada em alguma das regiões mais distantes dos principais centros de formação de mão de obra especializada; e.3) nos casos em que o município selecionado pertencer a uma região metropolitana, a escola deverá estar situada nas áreas de periferia. a) Distribuição equilibrada das novas unidades (distância mínima de 50 km entre os novos campi); b) Cobertura do maior número possível de mesorregiões; c) Sintonia com os arranjos produtivos locais; d) Aproveitamento de infraestrutura física existente; e) Identificação de potenciais parcerias. a) População dos Estados em relação à população total do Brasil; b) Presença das redes federal e estadual de educação profissional e tecnológica nos Estados (esta última apoiada pelo Programa Brasil Profissionalizado); c) Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de cada Estado; d) Jovens de 15 a 24 anos cursando os últimos anos do ensino fundamental (6º ao 9º ano) em relação à população jovem do Estado; e) Número de mesorregiões e municípios presentes em cada unidade da Federação. Fonte: Setec/MEC. Interiorização da rede. Outro dado reforça essa constatação: 176 campi estão em municípios com menos de 50.000 habitantes e, destes, 45 estão em municípios com menos de 20.000 habitantes. Tabela 11 – Quantitativo de campi da Rede Federal de Ensino Profissionalizante, por Região e fase de expansão. Pré-existentes 2003-2010 2011-2012 2013-2014 Total Norte Nordeste 13 18 8 14 53 49 68 25 52 194 Centrooeste 11 21 18 14 64 Sudeste Sul Total 39 66 18 23 146 28 41 19 17 105 140 214 88 120 562 Fonte: Elaboração própria a partir de dados extraídos do Sistec. A análise dos critérios presentes na tabela 10 revela um conjunto de motivações de naturezas distintas. Por um lado, o crescimento do País pressionou a demanda por mão 166 de obra qualificada. Por outro lado, a interiorização das escolas técnicas, reinstitucionalizadas em Institutos Federais de Educação Profissional, poderia contribuir para o desenvolvimento das microrregiões menos desenvolvidas. Assim, a expansão teve duas direções: a) a ampliação do número de vagas e infraestrutura das escolas pré-existentes com a construção de novos campi nas regiões metropolitanas, de modo a fazer frente ao dinamismo econômico dessas regiões; b) a interiorização dos institutos, visando ocupar os lugares de maior carência socioeconômica. Figura 9 – Expansão da Rede Federal de Ensino Profissionalizante Fonte: Elaboração própria a partir de dados extraídos do Sistec e do IBGE. A Tabela 11 apresenta a expansão segmentada por Região. Como se pode inferir, o Nordeste conterá aproximadamente 35% das escolas/campi instalados em 2014. Essa concentração é consequência dos critérios de implantação utilizados nas diferentes fases da expansão, que sistematicamente aprofundaram o vetor de redução das desigualdades regionais. Cabe observar que 85% das escolas/campi estarão fora das capitais estaduais, o que reforça a preocupação com a interiorização dos IF’s. Nesse contexto, destaca-se a importância de retomar a história da educação profissional e tecnológica, salientando que a ênfase seja deslocada para a questão social quando postulam que “é no enlace dessa trajetória centenária com o futuro que já se faz 167 presente que os Institutos Federais assumem seu verdadeiro papel social, contribuindo para uma sociedade menos desigual, mais autônoma e solidária” (BRASIL, MEC/SETEC, 2008, p.10). A proposta de uma institucionalidade aos IF’s que contribua para uma sociedade menos desigual, que esteja “comprometida com o todo social, como algo que funda a igualdade na diversidade”. Esta é a bandeira da rede federal de educação. Contudo, o exame dessa política defendida pelo governo Lula e que se mantém no atual governo requer atenção aos enfoques e práticas presentes no processo de organização dos Institutos Federais. Apesar da retórica do governo Lula sinalizar um compromisso com a reorganização do sistema educacional tendo como perspectiva a superação das desigualdades sociais presentes na realidade brasileira, Frigotto adverte que a burguesia brasileira impediu “a construção de um projeto nacional de desenvolvimento, mediante reformas estruturais que permitissem reduzir a desigualdade social” (FRIGOTTO, 2009, p.73). Portanto, jamais “se colocou de fato o projeto de uma escolaridade básica e formação técnico-profissional como direito social e subjetivo, para a maioria dos trabalhadores, apesar dos dados apresentados mostrar um crescimento vertiginoso dos Institutos Federais, porém, a política educacional profissionalizante entraves porque os formulários da política vê a educação como política de governo e não política de Estado, consequentemente, há fragmentação na educação profissional e os programas resultam em descontinuidade, interrupção e resultados pífios, em desperdício de recursos públicos (MOURA, 2005; FRIGOTTO; CIAVATTA, 2005). 4.2.1 PROEJA dimensão curricular Rede Federal – Evasão e Repelência Na realidade, a formulação de políticas configura-se como um processo que envolve a interação de muitos agentes, com diferentes interesses. É marcada por apoios entusiasmados de alguns, resistências legítimas ou não de outros. Está repleta de avanços e retrocessos, com desdobramentos não necessariamente sequenciais e não plenamente antecipáveis. Como observam Jann & Wegrich (2007): Policy process rarely features clear-cut beginnings and endings. At the same time, policies have always been constantly reviewed, controlled, modified and sometimes even terminated; policies are perpetually reformulated, implemented, evaluated and adapted…. Moreover, policies do not develop in a vacuum, but are adopted in a crowded policy space that leaves little space for innovation[…] (JANN; WEGRICH, 2007, p.44-45) 168 Contudo, na visão de Howlett & Ramesh (2003), esse modelo de representação tem a grande virtude de facilitar o entendimento do processo complexo de interação de diversos agentes, nos múltiplos estágios por que passa a formulação de políticas públicas, oferecendo um marco metodológico geral para análises isoladas de cada etapa do processo ou das relações de cada uma com as demais, à frente ou à jusante. E a construção de indicadores de monitoramento da ação governamental é tão ou mais antiga que a própria avaliação de programas públicos, se forem consideradas as medidas de performance mais geral do setor público baseadas na entrega de obras e produtos e na computação de indicadores de custos de serviços, a partir da execução orçamentária. Como registram Mcdavid e Hawthorn (2006) em livro que procura oferecer uma visão integrada entre avaliação de programas e medição do desempenho governamental: While we have tended to situate the beginnings of performance measures in the United States, in the 1960s, with the development of performance management systems such as programmed planned budgeting systems (PPBS)[…] there is good evidence that performance measurement and reporting was well-developed in some American local governments early in the 20th century. (MCDAVID; HAWTHORN, 2006, p.283). Figura 10: Integração de informações de diferentes fontes na estruturação de um Sistema de Indicadores de Monitoramento Fonte: Estudo Técnico n.º 07/2013 Para um e para outro gestor, os indicadores devem ser os pertinentes à sua esfera de decisão, ajustados à referência temporal e territorial que lhes compete e interessa. 169 Neste momento se faz avaliar o nível de evasão e retenção do Programa PROEJA, nível federal como um indicador de análise da política curricular do PROEJA disposta na Diretrizes Curriculares Nacionais e sua estrutura no Projeto Pedagógico vivenciado no PROEJA Agroindústria no Campus Uberaba. 4.2.1.1 Evasão dos Institutos Federais Segundo dados do Tribunal de Contas da União (2013): A evasão representa problema que alcança diferentes modalidades de ensino em maior ou menor medida. No Brasil, a educação profissional não foge a essa regra, sendo um importante vazamento que impede que boa parte dos alunos concluam seus respectivos cursos. A meta de 90% para a taxa de conclusão prevista no Projeto de Lei do Plano Nacional de Educação 2011-2020, ou mesmo da taxa de 80% para todas as modalidades de cursos ofertados pelos institutos prevista no Termo de Acordo de Metas, aparentemente, ainda é um ideal de longo-prazo. Quando se analisam as taxas de conclusão em nível nacional se situam em 46,8% para o médio integrado, 37,5% para o Proeja, 25,4% para a Licenciatura, 27,5% para o Bacharelado e 42,8% para os cursos de tecnólogo. Em termos de estratégias de combate à evasão, será observado que muitas vezes a atuação dos campi, de determinado Instituto Federal, dá-se de forma isolada em relação aos demais. Constatou-se também oportunidade de aperfeiçoar os instrumentos voltados ao acompanhamento periódico da elevação gradual da taxa de conclusão dos cursos. Diante da relevância desse tema, o presente capítulo discorre sobre a caracterização da evasão nos principais cursos ofertados pelos Institutos Federais. Adicionalmente, demonstra que é oportuno o acompanhamento, de modo conjugado, de três tipos de indicadores – de evasão, retenção e conclusão – para corretamente monitorar essa evasão. Foram escolhidos três cursos de nível médio (Proeja Médio, Subsequente Médio e Integrado Médio) e três cursos de nível superior (Licenciatura, Bacharelado e Tecnólogo) para ilustrar a aplicação dos indicadores. (TCU – 2013) E este critério para escolha desses cursos foi a exigência legal, presente no art. 8º da Lei 11.892/2008, de que 50% das vagas ofertadas pelos Institutos Federais fossem garantidas para alunos de ensino médio, prioritariamente na modalidade integrado. E que 20% fossem ofertados para cursos de licenciatura. Os demais cursos foram escolhidos por apresentarem quantidade considerável de cursos e alunos. (TCU – 2013) 170 Já que o Projeto de Lei do Plano Nacional de Educação (2011–2020) estipula, no item 11.10, que trata do aumento da oferta de educação profissional técnica de nível médio, a elevação gradual da taxa de conclusão para 90%. Deve ser destacado que a mesma meta para o ensino superior, presente no item 12.3, restringiu-se às Universidades Públicas, não tendo sido estendida aos Institutos Federais. Também é mencionado, o dever de se preservar à qualidade da educação ao realizar o aumento da participação dos alunos no nível médio. A importância do princípio de preservação da qualidade produz reflexos nas estratégias de combate à evasão. Ou seja, a evasão não deve ser combatida por meio da diminuição da qualidade do ensino ministrado nem por meio de políticas que, de forma artificial, façam com que os alunos, sem a devida qualificação, passem de ano ou não repitam mesmo sem ter nível para aceder a séries mais elevadas. (TCU – 2013) Pontual aponta, que os Institutos Federais ofertam cursos para públicos bastante heterogêneos. Por exemplo, nos cursos de nível médio integrado, os alunos não apresentam retenções substanciais em seus históricos escolares, sendo compostos, na sua maioria, por estudantes adolescentes. Já nos cursos de nível médio do Proeja os alunos são jovens ou adultos que, em sua maioria, apresentam histórico de retenções escolares e que há algum tempo não frequentavam a escola. O SISTEC, diferentemente do Censo Escolar, tem a vantagem de registrar efetivamente a vida do estudante ou de um conjunto de estudantes (ciclo de matrículas) na instituição, desde seu ingresso até sua saída, e as mudanças que ocorrem durante esse período. Isso permite o acompanhamento dos indicadores de conclusão, evasão e retenção dentro de um mesmo ciclo. A Figura 11, a seguir, apresenta esquematicamente a organização do ciclo de matrícula no SISTEC e a Figura 12 descreve as possibilidades de situação (status) de matrícula dos estudantes em um ciclo. 171 Figura 11 – Organização do ciclo de matrícula no SISTEC. Fonte: Equipe de sistematização do documento orientador (2014) Figura 12 – Possibilidades de situação (status) de matrícula dos estudantes no SISTEC em um ciclo. Fonte: Equipe de sistematização do documento orientador (2014) Com base nos dados extraídos do Sistec, é possível calcular as taxas de Alunos Evadidos, Alunos em Curso e Alunos Concluintes, conforme observado na Tabela 12. Ao se calcular a Taxa de Alunos Evadidos, os cursos com pior situação, ou seja, com maiores taxas de evasão, são os de nível médio: principalmente cursos de Proeja (24%) e cursos Médios Subsequentes (19%). Pontuando, neste dado TCU, necessário se faz a releitura da política curricular do PROEJA, para elencar os entraves, conforme tabela abaixo: 172 Tabela 12 - Alunos Evadidos, Em Curso e Concluintes, por tipos de cursos, de ciclos de matrícula iniciados a partir de 2004 e encerrados até dezembro de 2011. Indicador / Tipo de curso Quantidade de Ciclos de Matrícula* Quantidade de alunos dos cursos Percentual de Evadidos Percentual de Alunos em Curso Percentual de Concluintes Proeja Médio Nível Médio Subsequent e Médio Integrado Médio Licenciatu ra Nível Superior Bacharela Tecnólogo do 287 1.544 483 163 107 739 5.836 59.871 16.066 3.084 2.538 21.762 24,0% 18,9% 6,4% 8,7% 4,0% 5,8% 37,9% 49,3% 44,4% 64,5% 68,1% 50,8% 37,5% 31,4% 46,8% 25,4% 27,5% 42,7% Fonte: Elaboração própria a partir de dados brutos extraídos do Sistec. Obs: Os dados referem-se a ciclo de matrículas que terminaram até o primeiro semestre de 2011. * Ciclos de Matrícula representa uma agregação de cursos: por exemplo, o ciclo de matrícula do curso médio integrado de química de determinado campus abrange todos os cursos (diurnos, noturnos, integrais e a distância) médios integrados de química ministrado nesse campus. Apesar de o ensino médio apresentar maiores taxas de evasão, essa situação pode vir a se modificar no futuro, momento em que se terá convicção sobre o destino dos alunos na situação ‘em curso’. Assim, observa-se que para a avaliação da evasão faz-se necessário acompanhar não somente indicadores de evasão, mas também indicadores de retenção (atraso relativo de alunos ‘em curso’) e de conclusão (taxa de conclusão dos alunos). O grande número de alunos “em curso” sugere que devem ser analisados os padrões de retenção ou atraso estudantil vivenciado pelos alunos. A premissa é que alunos com maior nível de atraso são mais propensos a evadir. Observa-se na Tabela 13, que, para todos os cursos, a maior parte dos alunos apresenta retenção moderada, de até um ano. Os cursos de nível médio apresentam menor quantidade de retenção do que os de nível superior. Para cursos como Licenciatura, Bacharelado e Tecnólogo temos que 43%, 44% e 37% respectivamente dos alunos apresentam retenção superior a um ano. Esses percentuais são muito menores para os cursos médios (22% para o Proeja, 35% para o Subsequente e 17% para o Integrado). (TCU – 2013) 173 Tabela 13 - Alunos em retenção por diferentes prazos e diferentes cursos, de ciclos de matrícula encerrados até dezembro de 2011. Indicador / Tipo de curso Quantidade de alunos com retenção Quantidade de alunos com retenção de até 1 ano Quantidade de alunos com retenção entre 1 e 2 anos Quantidade de alunos com retenção entre 2 e 3 anos Quantidade de alunos com retenção de mais de 3 anos Proeja Médio Nível Médio Subsequent e Médio Integrado Médio Nível Superior Bacharelad Licenciatura Tecnólogo o 2.217 29.541 7.137 1.990 1.728 11.060 1.723 (77,8%) 19.445 (65,8%) 5.894 (82,6%) 1.133 (56,9%) 957 (55,4%) 6.922 (62,6%) 400 (18,0%) 8.915 (30,2%) 986 (13,8%) 583 (29,3%) 450 (26,0%) 2.643 (23,9%) 94 (4,2%) 781 (2,6%) 230 (3,2%) 121 (6,1%) 295 (17,1%) 942 (8,5%) 0 (0%) 400 (1,4%) 27 (0,4%) 153 (7,7%) 26 (1,5%) 553 (5,0%) Fonte: Elaboração própria a partir de dados brutos extraídos do Sistec. Para exemplificar a necessidade de acompanhar a evasão, por meio dos três tipos de indicadores propostos, tem-se na Tabela 14 que a Taxa de Evasão estimada para determinado momento do tempo pode ser considerada o mínimo desse indicador em determinado período. Por sua vez, o máximo da taxa de evasão é obtido pela fórmula (100% - Taxa de Conclusão (%)). A evasão final somente poderá ser computada no futuro, contudo, pode-se estimar a probabilidade da taxa de evasão se situar mais próxima do mínimo ou do máximo pela quantidade de alunos com atrasos significativos ou com retenção alta. Tabela 14 – Conjugação de indicadores para acompanhamento da Evasão. Mínimo de Evasão Taxa de Evasão PROEJA Médio Taxa de Evasão = 24,0% Licenciatura Taxa de Evasão = 8,7% Aumento na Probabilidade de Evasão Quantidade de Alunos com Prazo de Retenção Alto Aumenta Exemplos Máximo de Evasão (100% – Taxa de Conclusão) Taxa de Retenção – Mais de um ano Taxa de Retenção = 21,8% (100% – Taxa de Conclusão) (100% – 37,5%) = 62,5% Taxa de Retenção – Mais de um ano Taxa de Retenção = 43,0% (100% – Taxa de Conclusão) (100% – 25,4%) = 74,6% Fonte: Elaboração própria a partir de dados brutos extraídos do Sistec. Observa-se da Tabela 14 que o curso de Proeja apresenta um mínimo de evasão três vezes maior que o mínimo da Licenciatura. Contudo, a Licenciatura possui um máximo potencial superior ao do Proeja e também possui maior quantidade de alunos com prazo de retenção alto, o que leva a uma maior probabilidade da taxa de evasão aumentar mais do que no caso do Proeja. 174 Partindo dos dados expostos pelo Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, art. 1º, I, lei 8.443, de 16 de julho 1992: “[...] julgar as contas de qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos [...] (grifo nosso) ”. Necessário se faz analisar a política curricular e os parâmetros de sua eficácia e eficiência, já que, são vidas em curso, são ideias de luta, são horizontes a serem construídos. E o direito a educação é a base das pilastras de uma sociedade mais justa. Segundo Miguel Reale (2003) a justiça não é o mesmo que liberdade, nem coincide com a igualdade, a ordem ou a segurança. A justiça é a “condição primeira de todos eles, a condição transcendental de sua possibilidade com atualização histórica. E a mais fundamental de todas as finalidades humanas, vez que se encontra vinculada às raízes da essência humana. Para analisar a política pública curricular, necessário se faz análise do discurso para focalizar os atos normativos no contexto social. Bernstein (1996) dispõe que as práticas pedagógicas contêm possibilidades de mudança e serem importantes para a transformação cultural, Morais, Neves e Pires (2004), em seus estudos sobre Bernstein, realizam pesquisas sobre as características sociológicas da prática pedagógica e suas relações com o desenvolvimento científico dos alunos para identificar as características da prática pedagógica que mais contribuem para o melhor aproveitamento científico dos alunos – sucesso dos alunos. [...] a análise sugere que quando a prática pedagógica é pobre ao nível do que é caracterizada, ao nível do como, por um fraco enquadramento nos critérios de avaliação, por uma forte classificação entre o espaço da professora e o espaço dos alunos e também por uma forte classificação nas relações intradisciplinares e por um forte enquadramento nas regras hirárquicas alunoaluno, há um baixo nível de aprendizagem científica e um aproveitamento diferencial elevado entre os alunos. Ao contrário, quando há uma boa prática pedagógica ao nível do que e, ao nível de como, a prática é caracterizada por um forte enquadramento quanto aos critérios de avaliação, por uma fraca classificação nas relações intra-disciplinares e por um fraco enquadramento nas regras hirerárquicas aluno-aluno, há um elevado nível de aprendizagem científica e um aproveitamento diferencial baixo entre os alunos (MORAIS; NEVES; PIRES, 2004, p. 15-16). As autoras concluem em suas pesquisas que o efeito da prática pedagógica pode sobrepor-se ao efeito do nível socioeconômico familiar dos alunos, no sentido da aprendizagem e do desenvolvimento, inclusive das competências cognitivas complexas, não necessitando, portanto, baixar o nível de exigência conceitual para o sucesso de todos os alunos. [...] o efeito da prática pedagógica se pode sobrepor ao efeito do nível socioeconômico familiar dos alunos, mesmo quando o aproveitamento dos alunos se refere ao desenvolvimento de competências cognitivas complexas. Este é um 175 resultado de extrema importância se considerarmos que é ao nível do desenvolvimento das competências cognitivas complexas que os alunos, particularmente os mais desfavorecidos, tendem a revelar maiores dificuldades. O facto de a prática pedagógica poder esbater diferenças a este nível, entre alunos sociologicamente diferenciados, mostra que não há necessidade de baixar o nível de exigência conceptual no processo de ensino-aprendizagem para que todas as crianças sejam bem sucedidas na escola. Pelo contrário, se a prática pedagógica possuir características favoráveis à aprendizagem de todas as crianças, elevar o nível de exigência conceptual constitui um passo crucial para que todas tenham acesso a um elevado nível de literacia científica e, consequentemente, tenham acesso ao texto científico mais valorizado, quer pela comunidade científica, quer pela sociedade em geral. (MORAIS; NEVES; PIRES, 2004, p. 20-21). O autor ainda explica que são os códigos que regulam as relações entre os contextos e no interior dos contextos, gerando as regras de reconhecimento e regras de realização. [...] As regras de reconhecimento criam os meios que possibilitam efetuar distinções entre os contextos e, assim, reconhecer a peculariedade daquele contexto. As regras de realização regulam a criação e produção de relações especializadas internas àquele contexto. Ao nível do sujeito, diferenças no código implicam diferenças nas regras de reconhecimento e nas regras de realização. [...] (BERNSTEIN, 1996, p. 30). As regras de reconhecimento podem ser inapropriadas e, consequentemente, as regras de realização também inapropriadas; ou as regras de reconhecimento podem ser apropriadas, porém as regras de realização, inapropriadas (BERNSTEIN, 1996, p. 85). De acordo com Nascimento (2006, p.04), os docentes podem dominar as regras de reconhecimento de um discurso considerado pelos seus idealizadores como inovador, por reconhecerem as principais aplicações dessas mudanças práticas. E, no entanto, podem não dominar as regras de realização desse discurso. Portanto, as intenções explícitas no PROEJA são coerentes com as políticas públicas para educação profissional e tecnológica, porém, os dados evasão, retenção e repetência (TCU- 2003) revelam que o currículo integrador tendo suas pilastras na interdisciplinariedade há fraturas na aplicação do programa que deverão ser analisadas na implementação desta política pública devido os dados apresentados pelo SETEC, TCU/2013, demonstram que as metas de alfabetização propostas não foram alcançadas e que há falhas no processo de ensino aprendizagem devido o nível de evasão e repetência no PROEJA, considerado alto. Assim, as propostas como aparecem no texto legal precisam externalizar o cuidado de não vender falsas promessas. O documento assinala que o PROEJA não é garantia de emprego e de melhoria material, mas acena a possibilidade de os alunos alcançarem esses objetivos (BRASIL, 2007, p.36). 176 4.2.2 PROEJA: análise política curricular no IFTM Apresentamos as matrizes curriculares de referência para os cursos técnicos do Programa de Integração da Educação Profissional /PROEJA. O PROEJA Agroindústria iniciou 2007 a primeira turma modalidade integrada e a segunda turma em 2008 na modalidade concomitante com parceria com a Escola Estadual Santa Terezinha. Art. 1. § 1o O PROEJA abrangerá os seguintes cursos e programas de educação profissional: I - formação inicial e continuada de trabalhadores; e II - educação profissional técnica de nível médio. § 2o Os cursos e programas do PROEJA deverão considerar as características dos jovens e adultos atendidos, e poderão ser articulados: I - ao ensino fundamental ou ao ensino médio, objetivando a elevação do nível de escolaridade do trabalhador, no caso da formação inicial e continuada de trabalhadores, nos termos do art. 3o, § 2o, do Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004; e 55 II - ao ensino médio, de forma integrada ou concomitante, nos termos do art. 4o, § 1o, incisos I e II, do Decreto nº 5.154, de 2004. (BRASIL, 2007, p. 55) [...] Art. 4º: Os cursos de educação profissional técnica de nível médio do PROEJA deverão contar com carga horária mínima de duas mil e quatrocentas horas, assegurando-se cumulativamente: I - a destinação de, no mínimo, mil e duzentas horas para a formação geral; II - a carga horária mínima estabelecida para a respectiva habilitação profissional técnica; (BRASIL, 2007, p. 56-57). Em relação à carga horária as matrizes foram pensadas de modo a cumprir as 2.400 horas propostas pela lei; portanto, cada curso deverá observar suas peculiaridades e fazer as adequações necessárias. A matriz elaborada foi organizada da seguinte forma: 1ª turma ofertou o PROEJA e forma integrada e a 2ª (turma) na concomitante. Nesse sentido, a proposta aqui apresentada aplica-se ao que prevê a Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010, no art. 32, I, II. Art. 32. A Educação Profissional Técnica de nível médio é desenvolvida nas seguintes formas: I - articulada com o Ensino Médio, sob duas formas: a) integrada, na mesma instituição; ou b) concomitante, na mesma ou em distintas instituições; II - subsequente, em cursos destinados a quem já tenha concluído o Ensino Médio. 177 Esta proposta de Matriz Curricular é uma referência, e cada instituição tem autonomia para a organização dos seus projetos político-pedagógicos para o sistema e-Tec Brasil, observando uma margem de até 20% para atender as conformidades de sua realidade socioeconômica, preservando a articulação entre o ensino médio e a educação profissional técnica de nível médio, considerando sempre a articulação com o previsto no § 4º do artigo 1 do Decreto 5.840/2006, e ainda o § 2º do artigo 32 da Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010, ao propor que: § 2º Os cursos técnicos articulados com o Ensino Médio, ofertados na forma concomitante, com dupla matrícula e dupla certificação, podem ocorrer: I - na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; II - em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; III - em instituições de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade, com planejamento e desenvolvimento de projeto pedagógico unificado. (BRASIL, 2010b, p.11). Em todas as direções é preciso considerar as indicações dos documentos normativos para a incorporação ao projeto pedagógico interinstitucional único, priorizando as concepções, princípios e diretrizes estabelecidas para a oferta integrada. Ao fazer esse movimento, a instituição deverá propor a reorganização das dimensões conceituais, das bases conceituais/tecnológicas e suas ementas, observando a integração com os respectivos componentes já presentes nesse documento, levando em consideração que um dos princípios do PROEJA é a integração entre os saberes. Seguindo a orientação (BRASIL, 2007, p.11) os documentos a seguir não apresentam uma organização separada em relação às dimensões conceituais e teórico-práticas por disciplinas, mas o que se pretende é que tais dimensões possam indicar uma coerência em relação aos saberes da formação geral e da habilitação profissional técnica, bem como a valorização e o aprofundamento daqueles adquiridos nas vivências cotidianas e de trabalho de jovens e adultos, possibilitando-lhes o prosseguimento de estudos em uma concepção de educação ao longo da vida. Nesse sentido, entende-se que boa parte dessas dimensões dialogam com as bases conceituais, as quais poderão ser desenvolvidas de forma interdisciplinar, pois nas matrizes buscou-se articular conceitos interdisciplinarmente nas áreas de: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e Ciências Humanas e suas Tecnologias. No IFTM, no desenvolvimento da proposta pedagógica estabeleceu um debate coletivo entre os docentes para efetivar diálogo constante entre as disciplinas, ou seja, 178 estabelecendo uma organização do trabalho entre os professores para efetivar a integração curricular, de forma a não sobrepor conteúdo. Também é importante ressaltar que bases conceituais e tecnológicas importantes para a formação profissional foram integradas às disciplinas da base nacional comum, para garantir coerência com a proposta do PROEJA. Assim, por exemplo, conceitos de estatística e matemática financeira foram integrados à disciplina de Matemática. As bases conceituais da Redação Técnica foram integradas à Língua Portuguesa e elementos de ética profissional foram incorporados à disciplina de Filosofia. As áreas do conhecimento foram indicadas aqui de forma que atendessem, de modo geral, a todos os cursos, mas podem ser alteradas segundo as necessidades de cada instituição. Ainda é preciso observar o que estabelece a Resolução nº. 3, de 15 de junho de 2010, que institui as Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos aspectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para ingresso nos cursos de EJA; idade mínima e certificação nos exames de EJA e Educação de Jovens e Adultos desenvolvida por meio da Educação a Distância. Nesse documento destacamos quatro questões em particular: a) A do direito dos jovens e adultos à garantia do aproveitamento de estudos a ser prevista na organização curricular, conforme a própria LDBEN e no artigo 11 dessa resolução. b) A questão de que o ensino regular sequencial deve ser inserido em uma concepção de escola unitária e politécnica, conforme prevê o artigo 12 dessa mesma resolução, o que devemos almejar nas propostas pedagógicas dos cursos. Art. 12. A Educação de Jovens e Adultos e o ensino regular sequencial para os adolescentes com defasagem idade-série devem estar inseridos na concepção de escola unitária e politécnica, garantindo a integração dessas facetas educacionais em todo seu percurso escolar, como consignado nos artigos 39 e 40 da Lei nº 9.394/96 e na Lei nº 11.741/2008, com a ampliação de experiências tais como os programas PROEJA e PROJOVEM e com o incentivo institucional para a adoção de novas experiências pedagógicas, promovendo tanto a Educação Profissional quanto a elevação dos níveis de escolaridade dos trabalhadores.(BRASIL, 2010a, grifo nosso). É nesse sentido que se propõe, fundamentalmente, ao visualizar nessa resolução uma concepção de escola unitária e politécnica, possibilitar ao estudante “a compreensão das relações sociais de produção e do processo histórico e contraditório de desenvolvimento das forças produtivas” (RAMOS, 2010, p.67). 179 Nas matrizes deste caderno buscou-se indicar uma integração entre os saberes de formação geral e os de formação profissional, o que vai ficar mais evidente em algumas áreas do conhecimento em função da especificidade do eixo tecnológico em que se inserem os próprios cursos. Como exemplo, poderemos perceber maior ênfase na articulação de conceitos entre o núcleo comum e a formação profissional nas áreas de biologia, química e física, nos cursos dos eixos tecnológicos de recursos naturais e de produção alimentação, o que para outros cursos o enfoque já será outro. Embora no núcleo comum as matrizes tenham várias semelhanças e elementos partilhados, elas trazem as singularidades marcadas pelas especificidades das áreas dos cursos sem comprometer o aprofundamento científico da compreensão de um conceito da sua respectiva área. Procurou-se na proposta delinear uma organização de integração entre trabalho, ciência e cultura, pois: A respeito da organização curricular, considera-se que a Educação de Jovens e Adultos abre possibilidades de superação de modelos curriculares tradicionais, disciplinares e rígidos. A desconstrução e construção de modelos curriculares e metodológicos, observando as necessidades de contextualização frente à realidade do educando, promovem a ressignificação de seu cotidiano. Essa concepção permite a abordagem de conteúdos e práticas inter e transdisciplinares, a utilização de metodologias dinâmicas, promovendo a valorização dos saberes adquiridos em espaços de educação não-formal, além do respeito à diversidade. (BRASIL, 2007, p. 48). E a Portaria 179 de 31 de outubro de 2006 dispõe sobre a comissão encarregada do Projeto do PROEJA – Agroindústria – Campus Uberaba (IFTM). O PROEJA foi ofertado para a comunidade uberabense na modalidade integrada concomitante. Esta ocorreu com a parceria Escola Estadual Santa Terezinha. Tendo uma carga horária de 120 horas de estágio, com duração de 06 semestres. Os conteúdos de natureza teórica poderão ser ministrados de forma presencial ou semi presencial dentro de todas as unidades curriculares em até 20% da carga horária. Conforme figura 13: 180 MÓDULO BÁSICO Controle de Qualidade Agroindustrial Tecnologia de Transformação do Leite Tecnologia de Transformação da Carne Tecnologia de Transformação de Produtos de Origem Vegetal ESTÁGIO Diplomação 120horas Figura 13 – Fluxograma A matriz curricular do curso PROEJA Agroindústria desenvolvida pelos docentes convocados pela Portaria 179 de 2006 (parte profissionalizante) e o ensino médio foi ministrado pelos professores estaduais da Escola Estadual Santa Terezinha. O PROEJA teve início em 2008 (1ª turma) e 2009 (2ª turma) somente, após o PROEJA iniciou o PRONATEC. Tabela 15 – Dados do PROEJA Agroindústria e PROEJA Contabilidade Ano Turma Matriculados Evasão 2008 Agroindústria 1ª (noturno) 30 06 2009 Agroindústria 2ª (noturno) 30 19 2008 Contabilidade 1ª (noturno) 30 29 Fonte: própria Evidencia-se que a forma integrada, 1ª turma PROEJA Agroindústria assumiu a proposta vanguardista, assumindo uma postura crítica que redefiniu o olhar sobre o currículo integrado. Já que a vinculação entre educação e trabalho, torna-se, assim, uma referência primordial. No que diz respeito à educação profissional e a LDBEN esclarece que: “A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à 181 tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva” (BRASIL, 1996, Art. 39). A grade curricular do PROEJA Agroindústria concomitante: Gráfico 6 – Distribuição da carga horária das disciplinas. Assim, para que tal política tenha a possibilidade de êxito, reafirma-se a necessidade de interação entre as redes públicas de educação federal, estaduais e municipais, no sentido de buscar a integração entre o ensino básico, a educação profissional técnica de nível médio e a EJA com vistas à construção de um novo campo educacional que terá elementos desses três, mas que não será apenas sua somatória. Dito de outra maneira, essa esfera educacional deve ter identidade própria, constituindo-se em um novo objeto de estudo que demandará métodos específicos, material didático específico, adequação dos horários ao grupo a que se destina, formação dos agentes educacionais envolvidos (professores, pedagogos e gestores). Isso implica em clareza teórica, na vontade política e no compromisso ético com a cidadania conscientizada e emancipada dos grupos destinatários (FREIRE, 2005). Finalmente, cabe ressaltar o significativo alcance socioeconômico que pode ter o PROEJA, caso seja transformado em política pública a ser implementada nas redes públicas 182 da União, dos Estados, dos munícipios e do Distrito Federal por meio de processos participativos, planejados e que integrem essas distintas esferas educacionais. No próximo item será abordado o currículo formador no PROEJA. 4.2.3 Currículo formador no PROEJA A mudança na política curricular fez com que a comunidade acadêmica e a sociedade em geral questionassem sobre o currículo integrador proposto pelo PROEJA. De acordo com relatos de Ciavatta & Ramos (2009) é que [...] matérias publicadas em jornais, no ano de 2009, sobre o ensino médio integrado à educação profissional, partiu do pressuposto que as notícias reproduzem não só o pensamento hegemônico do governo e dos empresários, como também o senso comum da sociedade, que enfatiza a importância da educação profissional para as necessidades do mercado e dos alunos. Ramos (2011, p.771) relata que a integração da educação “o principal gargalo do sistema educacional brasileiro”, um “nó” que o governo federal tenta resolver; e cita uma frase emblemática do secretário de educação tecnológica do MEC, Eliezer Pacheco, reconduzido ao cargo no novo governo: “a maioria [dos alunos] não consegue relacionar a permanência na escola com o futuro profissional”. No lastro dessa constatação, a integração da educação profissional ao ensino médio tem, na maioria das vezes, simplesmente transformado o ensino médio em profissionalizante, visando à preparação de jovens para um possível ingresso imediato no mercado de trabalho como alternativa ao prosseguimento de estudos no nível superior. De modo particular, o currículo escolar tem ficado indiferente às formas pelas quais a cultura popular20 (televisão, música, videogames, revistas, cotidiano) vem construindo uma parte central e importante da vida das crianças e jovens (SILVA, 1996, p.94). Segue o autor: [...] o fato das novas tecnologias e a informática ilustrarem as profundas transformações que estão se dando na esfera da produção do conhecimento técnico/administrativo, transformações que têm implicações tanto para o conteúdo do conhecimento quanto para sua forma de transmissão. A não incorporação desse fenômeno à teorização curricular crítica, implica em entregar a direção de sua incorporação à educação e ao currículo nas mãos de forças que os utilizarão fundamentalmente para seus objetivos mercadológicos e de preparação de uma mão de obra adequada aos fins da acumulação e legitimação. 20 Neste início de 2011, temos presenciado na mídia uma cobertura injusta e desqualificada sobre o livro de EJA que o MEC patrocinou. Trata-se de ensinar aos alunos que há vários dialetos na Língua Portuguesa, assim como em outras, e que a forma escrita e falada é distinta em muitos aspectos. A forma culta é uma das possibilidades e deve ser aprendida. Contudo, não pode haver desprezo por outras formas de expressão dialetais. Há boa sustentação linguística no livro, contudo a mídia, aparentemente desconhecendo o livro como um todo, retira uma ou duas frases do contexto e afirma que o MEC está patrocinando o ensino da Língua Portuguesa com erros. 183 O conhecimento disciplinar refere-se a um conjunto de estruturas abstratas e as leis intrínsecas que permitem classificações particulares de conceitos, problemas, dados e procedimentos de verificação, de acordo com modelos de coerência assumidos historicamente e posicionados em termos de classe e poder. As disciplinas constituem-se referências a partir das quais o pensamento, a percepção da realidade e a ação humana são organizados, criados e transformados por intermédio da linguagem e de métodos específicos (SANTOMÉ, 1998). Analisando essa mesma problemática, Bernstein (1996) estabelece uma classificação para o currículo disciplinar, em que deve ser considerado o grau de isolamento entre as categorias, a intensidade do isolamento e o espaço em que uma categoria pode se tornar especifica. Para ele, “quanto mais forte o isolamento entre categorias, mais forte será a fronteira entre uma categoria e outra e mais definido o espaço que qualquer categoria ocupa e em relação ao qual ela é especializada” (BERNSTEIN, 1996, p.42). Para Bernstein, um forte isolamento entre categorias significa uma forte classificação e um fraco isolamento entre categorias significa uma classificação fraca. Com o objetivo de traçar um novo rumo para a Educação de Jovens e Adultos, PauloFreire,apesar não ter desenvolvido uma teoria curricular propriamente dita, certamente tem sido uma das principais referências em estudos nessa área, ao conceber a educação como um ato político e propor uma nova metodologia de ensino para adultos. Apesar de seus estudos terem sido voltados para a alfabetização de adultos, suas reflexões abarcam a educação de modo geral, propondo uma educação libertadora e um novo olhar para os processos de ensino-aprendizagem e para as discussões acerca do currículo. Mesmo não tendo elaborado uma teoria curricular, Freire exerce forte influência nas reflexões sobre currículo e em algumas propostas curriculares, já que buscava uma forma de ensino que suprisse lacunas e necessidades da educação de adultos. O maior entrave é romper um currículo baseado em disciplinar para currículo integrador fundamentado na interdisciplinariedade. Ciavatta (2005, p.84) corrobora que Remetemos o termo [integrar] ao seu sentido de completude, de compreensão das partes no seu todo ou da unidade no diverso, de tratar a educação como uma totalidade social, isto é, nas múltiplas mediações históricas que concretizam os processos educativos [...]. Significa que buscamos enfocar o trabalho como princípio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho manual/intelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos (CIAVATTA, 2005, p.84). 184 Na concepção de Santomé (1998), a opção pedagógica pelo currículo integrado funda-se na conjunção de três grupos de argumentos: i) epistemológicos e metodológicos, relacionados com a estrutura substantiva e sintática da ciência, que defendem que o ensino de uma ciência integrada serve para que alunos e alunas analisem os problemas, não só da perspectiva de uma única disciplina, mas também do ponto de vista de outras áreas do conhecimento; ii) com base em razões psicológicas, que podem ser agrupados em três subgrupos – argumentos sobre a idiossincrasia da psicologia infantil, sobre razões derivadas do papel da experiência na aprendizagem e sobre a importância dos processos de aprendizagem; e iii) sociológicos, que são abundantes para um currículo integrado. Contudo, a partir das perspectivas sociológicas, Santomé afirma que: [...] a integração é defendida como uma forma de educação que propicia visões da realidade nas quais as pessoas aparecem como sujeitos da história, como as peçaschave para entender o mundo; consequentemente, como uma boa estratégia para estimular o compromisso de alunos e alunas com sua realidade e para obrigar-se a uma participação mais ativa, responsável, crítica e eficiente na mesma (SANTOMÉ, 1998, p. 118). A integração curricular pode significar a criação das condições necessárias para uma maior motivação para a aprendizagem, por intermédio de uma maior liberdade de seleção das questões de estudo e pesquisa, a partir de critérios, assuntos e problemas mais interessantes e mais familiares para os estudantes. Os alunos e as alunas podem perceber que as atividades diárias da sala de aula, o uso de metodologias científicas e estruturas conceituais, bem como as suas experiências, podem servir para ajudar a solucionar problemas na vida real. O conhecimento escolar deixa de ser algo unicamente válido para as situações construídas nas salas de aula, como ocorre nos modelos curriculares mais tradicionais e disciplinares. Portanto, o currículo integrado é entendido como uma possibilidade de inovação pedagógica para o ensino médio, em resposta às expectativas dos diferentes sujeitos sociais para os quais se destina, por meio de uma concepção que considera o mundo do trabalho e os diversos saberes produzidos em diferentes espaços sociais. Diante dos fatos apresentados, o desafio foi a construção de um projeto político pedagógico que tenha um propósito curricular integrado que agregue conteúdos necessários para instrumentalizar os jovens e adultos a exercerem o poder político participando ativamente da sociedade. Para tanto, precisamos “[...] entender a favor de quem o currículo trabalha e como fazê-lo trabalhar a favor dos grupos e classes dos oprimidos” (MOREIRA & SILVA, 1994, p.16). 185 Necessário se faz saber a origem do termo interdisciplinariedade, e como se apropriou deste a política curricular. Inicia-se a interdisciplinariedade na política curricular através de reivindicações dos movimentos estudantis querendo um ensino mais específico para o campo do saber, ou seja, tenha aplicabilidade no mundo do trabalho. Fazenda (1999, p.19) dispõe que: [...] oposição a alienação da Academia as questões da cotidianeidade, as organizações curriculares que evidenciam a excessiva especialização e a toda e qualquer proposta de conhecimento que incitava o olhar do aluno em uma única, restrita e limitada direção [...] (FAZENDA, 1999, p. 19). Como destaca Fazenda (2008), para superar as barreiras do pensamento cartesiano não é suficiente pensar a interdisciplinaridade como uma simples interação entre duas ou mais disciplinas. Para além dessa ideia, a concepção de interdisciplinaridade com a qual trabalha a autora pressupõe a organização de um modelo diferente de ciência. Esse modelo sugere a religação de saberes ora desconectados, pois convida pesquisadores a trabalharem em conjunto e a viverem o desapego das falsas seguranças geradas pelas ideias de redução e fragmentação do conhecimento (MORIN, 2001 apud FAZENDA, 2008). Assim como Fazenda (2008), Luck (2010) também destaca as potencialidades da interdisciplinaridade, tanto para o campo da ciência quanto para o ensino. Discorrendo primeiramente sobre o âmbito da ciência, a autora afirma que o movimento interdisciplinar tem o potencial de “[...] contribuir para superar a dissociação do conhecimento produzido e para orientar a produção de uma nova ordem de conhecimento” (LUCK, 2010, p. 52). Para Luck (2010), esse processo de integração e engajamento modifica o objetivo maior da educação, que se volta para a formação integral de alunos e alunas, de modo que sejam capazes de articular os conhecimentos disciplinares para analisar e resolver os problemas globais que se apresentam cotidianamente. Sob a ótica de Luck, portanto, esses problemas passam a ser estudados na escola e as disciplinas tradicionais não perdem sua importância, pois estabelecem entre si uma relação de interdependência cujo objetivo e “[...] produzir coerência entre os múltiplos fragmentos que estão postos no acervo de conhecimentos da humanidade” (LUCK, 2010, p. 43). Neste universo se insere o PROEJA, como um programa integrador de educação de jovens e adultos como o ensino profissionalizante. Fazenda (2008) relata que uma das contribuições da interdisciplinaridade no campo da ciência refere-se a superação da dissociação do conhecimento, em seus aspectos metodológicos. Outra contribuição, segundo Luck (2010), é a possibilidade que a visão interdisciplinar oferece para a produção de novos 186 conhecimentos, o que acarreta uma compreensão diferente da realidade, em seus aspectos epistemológicos. Como afirma Luck (2010), ao centrar esforços na reprodução do conhecimento, a escola pode acabar descuidando da apropriação inteligente e da produção de novos conhecimentos. Isso ocorre quando o ambiente escolar, na tentativa de levar alunos e alunas a aprender, o faz de maneira a apenas [...] dar importância ao conteúdo em si e não a sua interligação com a situação da qual emerge, gerando a já clássica dissociação entre teoria e pratica: “o que se aprende na escola não tem nada a ver com a realidade” [...] (LUCK, 2010, p. 14). Para Luck (2010), um dos riscos desse tipo de ensino e desconsiderar as ligações entre os saberes e deixar de lado o exercício da cidadania e o aprendizado da participação na sociedade, já que alunos e alunas ficam impossibilitados de interligar os estudos disciplinares realizados na escola aos problemas que vivem em sua realidade social. Necessário se faz conceituar o termo “interdisciplinariedade” no contexto da política curricular do PROEJA – Decreto nº 5.840/2006. Já que no art. 4º, III “observância das diretrizes curriculares e demais atos normativos do Conselho Nacional de Educação para educação profissional técnica de nível médio” (Grifos nossos). Fazenda, 2002, p.53 – interdisciplinariedade aplicada à ciência visa a interligação estre saberes para dar origem a novas compreensões da realidade. Outro dado a ser acrescentado, Fazenda (2002, p.54) – ensino interdisciplinar pressupõe um trabalho em conjunto e sincronizado entre professores, gestores e outros profissionais da escola, tendo vista mudanças não só na sala de aula, como também de outros espaços associados a ela. Além disso, Araújo (2003) – interdisciplinariedade é a contextualização e articulação dos objetos de conhecimento presente nas diferentes disciplinas escolares. Neste momento, torna-se necessário conceituar a “interdisciplinariedade” na visão jurídica; no qual corresponde ao termo “articular” que é a comunicação entre os campos dos saberes e visualiza a construção do conhecimento abrangente e articulado com a realidade. João Ribeiro (2003, p.5) afirma que O Direito, portanto, relaciona-se interdisciplinarmente com o conjunto dos problemas universais da própria vida humana, diante de valores e conceitos comuns às mais variadas disciplinas, dentre eles a liberdade, a moralidade, a justiça, a segurança, a equidade, e ecologia, e assim por diante, na busca de uma concepção total do mundo e da vida (JUNIOR, 2003) 187 Com a interdisciplinaridade interligando os conteúdos, é possível atingir uma visão mais ampla da realidade e da totalidade do conhecimento. É, portanto, uma nova concepção de ensino e de currículo, baseada na interdependência entre os diversos ramos do conhecimento, buscando a integração do conhecimento num todo harmônico. Esta interdependência contribui para a formação do estudante e do cidadão, preparando-o para receber informações interligadas e globalizadas, possibilitando reflexão acerca destas, propiciando a construção do conhecimento. Interdisciplinaridade é a interligação de duas ou mais disciplinas, na pesquisa ou educação, proporcionando novos conhecimentos que não seriam possíveis se não fosse esta integração. É a transferência dos métodos de uma disciplina à outra. Já a transdisciplinaridade está ligada à revolução epistemológica desencadeada pela física, no começo do século XX. Este vocábulo transdisciplinaridade foi enunciado por Jean Peaget, colóquio de 1970. Segundo Weil, 1993, p.32 disse que a transdisciplinaridade não é uma visão tão nova “[...] o desenvolvimento da ciência ocidental, desde o século XVII, não foi somente um desenvolvimento disciplinar, mas também transdisciplinar [...]”. Para Morin: “ Uma nova transdisciplinaridade com um paradigma que permita ao mesmo tempo, a distinção, separação, ou mesmo a oposição, isto é, a disjunção desses domínios científicos mas que possa fazê-los comunicar sem operar a redução” (MORIN apud WEIL, 1993, p.33). Essa ideia de separação e associação simultânea exclui a possibilidade de restringir o conhecimento. Além disso, a transdisciplinaridade é a atitude de abertura ao diálogo e ao compartilhamento de ideias, pensamentos, opiniões, emoções e sentimentos, “ela tem como fundamento a complexidade, a lógica primária e a multidimensionalidade do mundo” (NICOLESCU apud ANTONIO, 2002). Outro fato a ser acrescentado é que a transdisciplinaridade significa transgredir a lógica da não contradição, articulando os contrários, sujeito e objeto, subjetividade e objetividade, matéria e consciência, simplicidade e complexidade, unidade e diversidade. Ao articular esses pares binários, por meio da lógica do terceiro termo incluído, a compreensão da realidade ascende outro nível, tomando um significado mais abrangente e sempre aberto para novos processos (NICOLESCU, 1999, p.29). Os parâmetros curriculares nacionais (PCNs) (BRASIL, 2006) os temas transversais recorrem a esta lógica quando articulam os conhecimentos das diversas disciplinas. 188 Além disso, os temas transversais, tendo em vista um tema social, transgride as fronteiras epistemológicas de cada disciplina, possibilitando uma visão mais significativa do conhecimento e da vida, e exige postura democrática cognitiva (todos os saberes são igualmente importantes), superando o preconceito pela hierarquização dos saberes (ARAGÃO, 1993). Na transdisciplinaridade os alunos constroem conhecimentos, como diz Paulo Freire (1997) trabalhar a educação com tal visão supera a mesmice do padrão educativo, encanta o aprender e resgata o prazer de aventurar-se no mundo das ideias. Miguel Reale, teoria tridimensional, infere que o “direito é sempre tridimensional” quer no estudo sociológico, filosófico ou científico positivo. A diferença está na análise de discurso, pois todos são tridimensionais. Noberto Bobbio (2004) “propugnava por uma concepção tridimensional genérica do fenômeno jurídico e não tridimensional específica, de base dialética”. Assim, tomando a norma jurídica como objeto de estudo a partir de três critérios de valoração possível (justiça, validade e eficácia). Assim, a visão transdisciplinar traz uma nova perspectiva à vida humana, extirpando a fragmentação do conhecimento (ANTONIO, 2002) a necessidade de uma nova “escrita poética”, a transdisciplinaridade é como um emaranhado de múltiplas interações que sempre está começando e recomeçando, transpondo os limites antes impostos, chegando verdadeiramente ao que é conhecimento, um vasto infinito. Para a área jurídica, a transdisciplinaridade equivale ao integrar, pois é gênero onde a espécie e o articular que constitui a interdisciplinariedade. Já que estes termos, na legislação educacional, constantemente e dispostos nos atos jurídicos. Por meio da teoria tridimensional do Direito desvendam-se os alicerces e fundamentos das análises do discurso jurídico. No qual será discutido no próximo item – o PROEJA nesta visão. 4.2.4 PROEJA – Na visão da tridimensionalidade de Miguel Reale “Nenhum outro interesse público exigirá forma tão especial do Estado quanto a Educação” (TEIXEIRA, 1986, p.171). O direito à Educação, previsto na Constituição Federal nos Títulos II (Dos direitos e garantias fundamentais) e VIII (Da ordem social) estes conjuntos de artigos com escopo proteção a este direito e as alterações propostas principalmente na educação de jovens e adultos, profissionalizante tem por meta ampliar a proteção e a promoção do direito. E os 189 princípios e regras constitucionais – verdadeira política pública de custo médio e longo prazo, que se desdobra em direitos e deveres, vínculos e limites, Jorge Miranda denominou-os de “Constituição da Educação21”. Uma das peculiaridades do direito à Educação é que os titulares e os sujeitos passivos do direito à educação são, simultaneamente, uma coisa e outra. Já que os titulares são os indivíduos ou grupo de indivíduos; e seu sujeito passivo é o Estado, responsável pelas ações e intervenções que conferem efetividade, mas o Estado também é beneficiário do direito, assim como a sociedade em face do princípio democrático e do republicano (RANIERE, 2013, p.88). Outros elementos a serem abordados são: o princípio republicano designa a supremacia do bem comum sobre os interesses individuais, o que implica moralidade e responsabilidades públicas, além da igualdade de todos e a valorização da dignidade humana. E princípio democrático designa de modo geral, a supremacia da vontade popular e implica a preservação da liberdade e igualdade de direitos, assim como, os demais direitos fundamentais. Logo, do ângulo da formação da pessoa (criança, adolescente) a Educação é direito e dever de absoluta prioridade (art. 227) na CF22. Por essa razão, o acesso ao ensino obrigatório e gratuito e qualificado como direito subjetivo (art. 208 § 1º)23, assegurada a sua universalização, inclusive para a ele não tiveram acesso na idade própria e a responsabilidade das autoridades no caso de não oferecimento ou oferta irregular (art. 208 § 2º)24. Dando continuidade à política, a Constituição exige progressiva universalização do Ensino Médio sob a égide da equidade (art. 206)25 dentre os princípios que orientam a atividade educacional. 21 Expressão empregada por Jorge Miranda em prefácio à obra de Monica Sifuentes, Direito Fundamental à Educação a aplicabilidade dos dispositivos constitucionais. Porto Alegre. Núria. Fabris, 2009, p.11 22 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 23 Art. 208 § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. 24 Art. 208 § 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. 25 Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; 190 E as normas constitucionais desdobram-se nas Constituições e leis ordinárias estaduais nas leis orgânicas e ordinárias municipais e em diversas leis federais que conferem ao conjunto das disposições referentes à exigibilidade do Direito à Educação abaixo disposto: • Plano Nacional de Educação – Lei 10.172/2001 • Estatuto da Criança e do Adolescente (ELA) – Lei 8.069, de 13/07/1990 • Lei de Diretrizes Básicas da Educação Federal (LBD) – Lei 9.394 de 20/12/1996. • Entre outras Segundo Ranieri (2013, p.69), é inegável, no caso brasileiro, o dirigismo constitucional em matéria de direito à Educação. O amplo conteúdo normativo incorporado à Constituição Federal se, por um lado, assegurou a realização da política pública, de outro reduziu o espaço de controvérsia própria ao confronto político e pode resultar na exclusão de proposta e programas alternativos de realização do direito, a despeito da competência concorrente dos Estados nesta matéria CF, art. 24, IX26. Andrade (2001, p.138) corrobora que não se pode negar, de nenhum modo, a relevância conferida à normativa constitucional do regime de proteção do direito à Educação, que se destaca pela densidade de suas dimensões, também denominada de “mais valia jurídica”. Na sua dimensão subjetiva, o direito à educação é demonstrado sob o ângulo dos titulares posições jurídicas individuais ou coletivas perante o Estado e entre si, em dimensão III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. 26 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação 191 objetiva, proteção que se rende sob ângulo das garantias institucionais, funcionais em relação aos deveres. Para circunstanciar a educação na arena jurídica, faz necessário conceituá-la. Delimitar o conceito jurídico de educação na constituição da educação, não é, portanto, uma questão semântica, mas um problema conceitual para exigência no Direito e para a interpretação hermenêutica. Segundo Ranieri, grande maioria dos julgados do Supremo Tribunal Federal, nos quais a educação é tomada por suas finalidades, conforme artigo 205 da Constituição Federal. “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. O conceito de educação como “direitos de todos” neutraliza a variedade de sentidos e de concepções que oferecem história, filosofia, educação pedagógica, ciências sociais e políticas. Já na Constituição Federal, o substantivo “educação” ao ser empregado isoladamente indica ação de educar (isto é, desvinculado da expressão “direito à educação”, sendo inclusive usado como sinônimo de ensino). É o que se conforma em face quando dispõe o art. 1º LDB: Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Porém, o conceito constitucional da Educação é um direito e um dever do indivíduo, do Estado, da família e da sociedade, na definição legal a Educação é especificada como direito que abrange os diversos processos formativos necessários ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para cidadania e sua qualificação para o trabalho. No texto constitucional, o ensino como processo formativo escolar é, em consequência espécie do gênero “Educação”, conforme artigo 210 §2º CF/8827. A definição de ensino como Educação escola encontra-se, na Convenção contra a Discriminação na Escola de 1960, art. 1º, n.2 (BRASIL, Decreto 63.22328 de 06/09/1968). 27 Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 2º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. 28 Decreto 63.223/68: Promulga a convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino. 192 Portanto a palavra “Educação”, no direito brasileiro, refere-se a todos os processos formativos, formais e informais, públicos e privados voltados a propiciar o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para cidadania e sua qualificação do trabalho. E a natureza jurídica do direito à Educação constitucionalmente é composta de diferentes espécies de direitos fundamentais, diferentes características em relação ao objeto e à titularidade, assim, expõe Alexy: é um “direito fundamental completo”, isto é, “um feixe de posições de direitos fundamentais” de caráter dinâmico. (ALEXY, 2008, p.248) Assegurar por normas de direitos fundamentais contidas, nas disposições dos arts. 629, 20530, 20631 e 20832 da Constituição Federal de 1988 é direito subjetivo a prestação, fálica 29 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 30 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 31 Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. 32 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. 193 ou normativa, por parte do Estado, de titularidade individual difusa ou coletiva (RANIERI, 2013, p.75). Sendo que a natureza jurídica de direito fundamental é cláusula pétrea exige quóruns qualificados para sua deliberação e modificação constitucional. Assim, a educação é uma categoria de direito fundamental subjetivo que tem por finalidade assegurar interesses e necessidades vitais e, por isso, fundamentais. Já que o direito subjetivo é o direito exigir; conceito técnico-jurídico que exprime a faculdade de ação reconhecida aos titulares do direito para realização de interesses que lhes são próprios e que deriva de uma norma constitucional (ANDRADE, 2001, p.113-114). O direito à educação não é ideologicamente neutro, em vários dispositivos a Constituição Federal assiná-la sua finalidade, o que denota um forte juízo de valor. Conforme se depreende da visão global do sistema constitucional, a difusão dos princípios republicano e democrático, como fundamento do Estado brasileiro (art. 1º CF/88) são o seu conteúdo político nuclear, assim disposto: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Diante do exposto, a educação é problema político, tomada de decisões coletivas, à legitimação e ao exercício do poder nas sociedades contemporâneas. Este pensamento é corroborado por Anísio Teixeira, 1977, p.149: “A forma democrática de vida funda-se no pressuposto de que ninguém é tão desprovido de inteligência que não tenha contribuição a fazer às instituições e a sociedade a que pertence”. E o regime jurídico do direito à Educação é extraído da Constituição Federal, caracteriza por ser um regime de prestações estatais como é típico dos direitos fundamentais sociais, submetido ao direito público em razão de seu objeto: a proteção, pelo Estado, de um bem individual e coletivo de interesse público do qual decorre sua superioridade em relação aos particulares. E a educação é colocada no rol dos direitos sociais, art. 6º CF/88, e ser composto de ações estatais que promovem, protegem ou garantem sua realização, sendo que o § 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola. 194 regime jurídico da educação extrai diretamente do texto constitucional, é uma determinação de conteúdo e densidade proteção na CF/88. Além disso, no regime jurídico do direito à Educação é o fato de que a obrigação pública não se esgota com atendimento material e administrativo das exigências constitucionais (universalização do Ensino Fundamental gratuito, garantia das condições de acesso e permanência (material escolar, alimentação, saúde)), formação de professores, porquanto há deveres impostos ao legislativo (art. 22, XXIV33; art. 24, VIII34) e também ao Ministério Público (art. 129, III35). Além disso, os bens protegidos pelo direito à educação – os processos formativos, formais e informais públicos e privados, voltados a propiciar o pleno desenvolvimento da pessoa humana, sua qualificação para o trabalho e seu preparo para cidadania, assim como os demais direitos de liberdade, igualdade e eles inerentes têm justificativa imediata. Um dado a ser acrescentado é que a dificuldade de efetivação do direito à educação, como problema do direito positivo, não deriva da força jurídica de suas normas definidoras, mas de sua eficácia e aplicabilidade como norma que dependem de complementos, quer por dependerem de reserva econômica, por razões discricionariedade estatal. Sendo prevista aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais prevista no art. 5º § 1º da CF/8836, pode não operar os efeitos desejados pelo legislador constituinte. Em relação à tutela judicial do direito à Educação cabe ao indivíduo, os pais e responsável, grupos ou categorias, as associações, as entidades de classe, organismos sindicais ou os entes estatais personalizados, como é caso Ministério Público, são titularidades de direito de ação para tutela das prerrogativas ao direito à Educação. E a tutela judicial poderá ser solicitada do ponto de vista interesse individual, coletivo ou público por intermédio dos mecanismos previstos na Constituição Federal, na Lei Diretrizes e Bases da Educação e no Estatuto da Criança e Adolescente. 33 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: XXIV - diretrizes e bases da educação nacional 34 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico 35 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos 36 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. 195 E esta tutela não se esgota no judiciário. Os Conselhos de Educação (órgãos normativos do sistema de ensino) e os Tribunais de Contas Federal, estaduais e municipais asseguram, em esferas distintas, outras formas de tutela do direito à Educação. Para circunstanciar no campo do direito há necessidade de conceituar “trabalho” como forma de delimitar o objeto de estudo, pois, na educação profissionalizante proposta o trabalho e educação se interligam no objeto de construção do cidadão brasileiro. Portanto, a definição de trabalho “qualquer atividade física ou intelectual, realizada por ser humano, cujo objetivo é fazer, transformar ou obter algo, portanto, é uma relação entre empregado e empregador” (art. 442, CLT). E o trabalho sempre fez parte dos seres humanos. Sendo através dele que as civilizações conseguiram se desenvolver e alcançar o nível atual. O trabalho gera conhecimento, riquezas materiais, satisfação pessoal e desenvolvimento econômico. Por isso ele é e sempre foi valorizado em todas as sociedades. Mas qual é a diferença entre trabalho e emprego, o primeiro envolve a atividade executada em si, o segundo refere-se ao cargo ou ocupação de um indivíduo numa empresa ou órgão público, assim, relação de trabalho (gênero) e a relação de emprego (espécie), conforme tabela 16. Tabela 16 – Relação de trabalho e relação de emprego 1 2 3 Relação de trabalho Gênero Trabalho autônomo, eventual, avulso, subordinado, etc. Não é protegido pelo art. 3º CLT37 Relação de emprego Espécie Trabalho subordinado do empregado em relação empregador Relação contratual art. 3º CLT Fonte: própria Nesta etapa o enfoque será o trabalho como princípio educativo na educação profissional. Os atos jurídicos se cristalizam na visão de Marx diante do trabalho como princípio educativo, Gramsci vai se aproximando do conceito de escola unitária durante a sucessão de sua vida. É a escola unitária do trabalho, que, para Gramsci, é a escola unitária, desinteressada, do trabalho industrial. Isso significa que essa escola pertence ao trabalho, mas não a qualquer um, ao industrial. É a escola cujo eixo curricular principal, a disciplinar 37 Art. 3º CLT - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual. 196 formativa constante, é a questão da produção e reprodução da vida humana. Não é uma escola necessariamente para trabalhar, mas que possibilita entender o trabalho, refletir sobre ela (NOSELLA, 2004). Além disso, a obra de Gramsci revela uma coerência, busca da superação de uma educação em dualidade com o trabalho, possível pela compenetração com hegemonia da educação (NOSELLA, 2004). Saviani (2007), dispõe que o trabalho como princípio educativo é o significado de politecnia, confirma que Manacorda (1989) optou em suas conclusões pela expressão “educação tecnológica” para a educação do trabalhador, ainda que identificando haver similitude nos textos de Marx, daquela com o termo “politécnico”. Acentuado que a questão é conceitual, não terminológica, explica que as suas concepções e as de Nosella (2007) para a educação atual não são excludentes, mas enriquecedoras e que, se necessário, abre mão “[...] do termo politecnia, sem prejuízo algum para a concepção pedagógica que venho procurando elaborar” (SAVIANI, 2007, p.165) Consequentemente, a concepção de educação politécnica aqui adotada como referência, diz respeito ao “domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho moderno (...) resgatando o princípio da formação humana em sua totalidade” (SAVIANI, 1989, p.17 apud CIAVATTA et al., 2005a, p.85). A escola única por sua vez é proposta por Gramsci. Focalizando no universo do trabalho Ciavatta (2005, p.1) infere que o “trabalho como atividade fundamental da vida humana existirá enquanto existirmos”. O trabalho, assim visto, é categoria ontológica de práxis humana em que o ser passa qualitativamente de ser biológico a ser biológico e social pela ação intencional. Vale inferir que o trabalho pode ser educativo não só para crianças e adolescentes, mas também, para os adultos se for compreendido como a base estruturante de um novo tipo de ser, e a consciência moldada por esse agir prático, teórico, poético ou político; e que não seja entendido como emprego. Portanto, o trabalho como desenvolvimento físico, material, cultural, social, político, estético, assim, trabalho como manifestação de vida. Nesta etapa será enfocado a Teoria Tridimensional de Miguel Reale buscando o cerne do PROEJA educação, jovens e adultos, profissionalização e projeto político pedagógico integrador, ou seja, política curricular integradora. Saviani (2005) dispõe que desde o final dos anos 1980, o debate sobre a educação profissionalizante acirrou em torno de um projeto educacional para os trabalhadores na educação profissional com desenrolar das legislações pós-LDB de 1996. Nos anos 2000, a 197 forma integrada de educação profissional passa a representar, ainda que não plenamente, um projeto educacional mais alinhado ao princípio da politecnia, possibilidade então de materialização de uma concepção pedagógica. O princípio que rege o discurso pedagógico é o princípio recontextualizador que, Seletivamente, apropria, reloca, refocaliza e relaciona outros discursos, para constituir sua própria ordem e seus próprios ordenamentos. Neste sentido, o discurso pedagógico não pode ser identificado com quaisquer dos discursos que ele recontextualiza. Ele não tem qualquer discurso próprio que não seja um discurso recontextualizador (BERNSTEIN, 1996, p.259) Bernstein define os campos recontextualizadores como sendo o campo e o subconjunto estruturados. Afirma que as principais atividades dos campos recontextualizadores são criar, manter, mudar e legitimar: o discurso, a transmissão e as práticas organizacionais que regulam os ordenamentos internos do discurso pedagógico. O Campo Recontextualizador Oficial (CRO) é aquele dominado pelo Estado e seus agentes, política e administrativamente; e o Campo Recontextualizador Pedagógico (CRP) é constituído pelos educadores, departamentos de educação nas universidades, pelos periódicos especializados e fundações de pesquisa (MAINARDES, 2007; SANTOS, L., 2003). Na mesma lógica, Bernstein (1996, p.272) divide o discurso pedagógico em: Discurso Pedagógico Oficial (DPO) – “as regras oficiais que regulam a produção, a distribuição, a reprodução, a inter-relação e a mudança dos textos pedagógicos legítimos (discurso), suas relações sociais de transmissão e aquisição (prática) e a organização de seus contextos (organização)”; e Discurso Pedagógico Local (DPL) – “regula o processo de reprodução cultural ao nível da contextualização inicial da cultura, essencialmente na família e nas relações entre grupos de colegas”. Segundo Kickert et al., 1997, redes políticas são formações institucionais que são formadas em torno de programas ou problemas políticos específicos. Elas reúnem uma variedade de pessoas em parceria e, teoricamente, um indivíduo sozinho não tem o poder suficiente para determinar as ações estratégicas da rede. Rhodes e Marsh (1992) consideram que uma rede de política é o resultado de uma cooperação mais ou menos estável e hierárquica entre organizações que negociam, trocam recursos e podem compartilhar normas e interesses num ambiente complexo. Por conseguinte, à medida que as redes políticas vão traçando as articulações que resultam numa maior aproximação entre a Educação Profissional e a EJA, os discursos que têm como foco principal o grande contingente “cidadãos que foram cerceados do direito de concluir a educação básica e de ter acesso a uma formação profissional de qualidade” 198 (BRASIL, 2007, p.11). A partir deste pressuposto, nasce o PROEJA, como um programa que tem por objeto o resgate do princípio constitucional da dignidade humana e o princípio democrático. A análise funcional do preâmbulo constitucional com a utilização pelos métodos tradicionais de interpretação constitucional no PROEJA. O método literal-gramatical dá ao intérprete a responsabilidade de encontrar o sentido unívoco da lei consagrado no texto. Obviamente o método literal-gramatical esforçase na concentração de recursos interpretativos nos padrões de língua culta e no dogma de sistema jurídico completo, coerente e regulador pleno das condutas humanas (COELHO, 1979, 74-75). A preferência do método literal-gramatical é pela interpretação das palavras do texto tomando-as isoladamente, e não dentro da sua participação no período. Com isto, o método literal-gramatical pretende evitar a invasão do intérprete na substância do texto. Quer manter o intérprete no limite daquilo que é denominado literalidade do texto normativo. O método exegético nasceu como elemento pós revolucionário, na transição do ordenamento jurídico do antigo regime (monárquico e absolutista) ao regime burguês, e super valorizando a figura do legislador. A valorização do legislador deveu-se ao momento em que se creditavam aos legisladores - e ao legislativo - o papel primordial na definição de condutas a serem seguidas, justamente por serem os legisladores, os lídimos representantes do povo. Para evitar abusos interpretativos por julgadores servos do antigo passado absolutista, a escola exegética alçou ao primeiro plano a vontade do legislador (WARAT, 1994, 69). A diferença do método exegético na comparação com o método literal-gramatical está na inserção da variável vontade do legislador. Sob este aspecto, o método exegético é passo adiante à interpretação do teor literal, estrito, utilizado pelo método gramatical, pois está implícito, ao buscar a vontade do legislador, que tal tarefa só tem razão de ser porque o texto não apresenta a clareza e univocidade instantânea, como pretendia o literalismo do método literal-gramatical. O esclarecimento também permite verificar que o método exegético supera o literal-gramatical sem rejeitá-lo, apenas rompe com uma posição, entendida como ingênua, de acreditar na disposição textual estritamente (FRANÇA, 1997, 14-15). Já a hermenêutica engloba não somente os textos escritos, mas também tudo o que há no processo interpretativo. Isso inclui as formas verbais e não verbais de comunicação assim como aspectos que afetam a comunicação. Nesse sentido, Jean Grodim frisa que “a hermenêutica, como a arte de entender corretamente o discurso alheio, sobretudo escrito, 199 participa da busca ideológica do saber” (GRODIM, 1999, p.133). Portanto, a hermenêutica, com efeito, serve para determinar os processos e conceitos à atividade de sistemática. O processo de análise com enfoque na teoria tridimensional de Miguel Reale, utiliza da interpretação hermenêutica como princípio de valoração dos fatos e consequentemente da norma, na busca da “verdade real”, ou seja, da justiça. Reale, 2003, p.18 corrobora que O tridimensionalismo não serve só para o Direito, mas para qualquer atividade cultural. Assim é que o artista, inspirado ante certa realidade factual, projeta a sua preferência valorativa, impressionista ou expressionista, por exemplo, e esta se concretiza numa forma expressa por uma pintura ou u m a escultura. O que é u m a obra de arte senão a expressão formal de uma vivência axiológica do fato vivido pelo artista? Ora, o que é forma para o artista é norma para o jurista. A norma é a forma que o jurista usa para expressar o que deve ou não deve ser feito para a realização de u m valor ou impedir a ocorrência de um desvalor. (REALE, 2003, p.18) Coelho (1974, p.61) afirma que, para Reale, não se pode separar o fato da conduta, tampouco o valor (finalidade) com o qual a conduta se relaciona. Ademais, também não se pode separar a norma que incide sobre a conduta, visto que o Direito é tridimensional é fato, valor e norma, portanto, “[...] não pode haver direito, nem estudo do direito que não seja necessariamente tridimensional” (REALE, p.372) O fato, para Miguel Reale [...] não é um dado externo indiscutível e puramente empírico. A correlação funcional sujeito/objeto realça a contribuição do objeto. Esta contribuição resulta de uma atitude crítica, da qual provém uma concepção funcional do fato em movimento [...] Por outro lado, na perspectiva do valor, cabe dizer que o ato de conhecimento para Miguel Reale, não é puramente lógico-formal, mas também um potencial axiológico da própria estrutura do conhecimento. Os valores deste potencial são históricos, tendo uma objetividade proveniente da totalidade do processo histórico que se põe em movimento. São características dos valores, para Miguel Reale, sua realizabilidade na história e sua inexauribilidade da abertura, a cada momento histórico particular, ao pluralismo das possibilidades de expressão da atividade humana. Finalmente, quanto à norma, esta é apreciada lato sensu como uma expressão dialética que integra, em cada situação histórica, de maneira mais ou menos duradoura, mas nunca definitiva, fato e valor. Essa integração envolve uma escolha de opção por um caminho dentre múltiplos caminhos possíveis. Tal escolha, que resulta da necessidade de um ato hierárquico de gestão, se dá através da interferência decisória do poder (LAFER, 1981, p.163-164). Segundo Reale, os três polos do Direito – fato, valor e norma – entram em conexão mediante uma dialética cultural peculiar; por ele denominada de dialética da implicaçãopolaridade. E a noção de direito, para Reale, corresponde a três aspectos básicos, os quais discerníveis em todos os momentos da atividade jurídica, são eles: a) Aspecto normativo: o Direito enquanto um ordenamento e sua ciência; b) Aspecto fática: o Direito como fato, em sua efetividade social e histórica, e; c) Aspecto axiológico: o Direito como valor da justiça (REALE, 2002c, p.64-65) 200 Portanto, onde que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica, etc.); um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos no outro: o fato ou valor. Estes elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta, mais ainda, esses elementos ou fatores não só se exigem reciprocamente, mas atuam como elo no processo (REALE, 2002c, p.65). O fato que levou a construção do decreto 5.840/2006 (PNAD/IBGE) em 2002, o Brasil possuía 23.098.462 de jovens com idade entre 18 e 24 anos. A situação de trabalho desses jovens no mercado formal é preocupante. De acordo com o Registro Anual de Informações Sociais (RAIS/TEM, 2002), apenas 5.388.869 cerca de 23,3% dos jovens dessa faixa etária tinham emprego no mercado de trabalho formal no mesmo ano. É necessário garantir o acesso à alfabetização, ao ensino fundamental e à educação profissional a 62 milhões de jovens e adultos (IBGE, PNAD, 2003) que não tiveram condições de completar a educação básica nos tempos de infância e da adolescência que deveriam anteceder, na lógica própria da cultura moderna, o tempo do trabalho. Este foi o legado que o Presidente Lula recebeu na posse do seu primeiro mandato – posse em 2003. Diante deste fato social, ou seja, massa de excluídos do direito à escolaridade, as pressões internas através dos Fóruns EJA e ENCEJA e todos os segmentos sociais, como também, as pressões externas constituem o 1º elemento da tridimensionalidade Reale (fato) e este aliado às ideologias de Gramsci e de Paulo Freire (valor) culminado no elemento normativo (Decreto 5.840/06 - PROEJA), contempla-se assim o amparo jurídico pretendido pelos cidadãos brasileiros. Diante dos fatos apresentados, o ser humano, é visto na visão da teoria tridimensional como um ser cultural antes de ser um ser histórico, já que a história assinala a autoconsciência do “[...] processo cultural, pressuposto da capacidade de selecionar valores, a fim de se determinar o que deve ser reconhecido como um bem a ser preservado na memória coletiva” (REALE, 2004, p.3). Nesse sentido é que o Direito nasce enquanto expressão da cultura e, por isso mesmo, linguística do ser humano. E a partir de uma análise fenomenológica da experiência jurídica, confirmada por dados históricos. Miguel Reale afirma a estrutura do Direito é tridimensional. Por isso, pressupõe uma situação de fato, referida a determinados valores, sendo tridimensional porque é composto da tríade (fato, valor e a norma). 201 CONSIDERAÇÕES FINAIS “ (...) o direito à educação representa a indivisibilidade e interdependência de todos os direitos humanos” (Comissão de Direitos Econômicos e Sociais das Nações Unidas – 1999) Empreendemos uma pesquisa para compreendermos o contexto educacional que gerou a formulação do Programa de Integração de Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, tendo por objeto de estudo a análise do “integrar” e/ou “articular” no PROEJA em sua relação política, jurídica e pedagógica no currículo, tendo como categoria teórica - o currículo. Assim, o propósito de fazer uma análise da formulação do PROEJA fundamentado no ciclo de políticas (VILLANUEVA, 2003), análise de discurso (BERNSTEIN, 2006) e finalmente, a Teoria da Tridimensionalidade (REALE, 2003). Chegamos a um momento conclusivo de nossa pesquisa, porém, considerando que o conhecimento está recorrentemente em reconstrução. Expressamos o nosso sentimento de luta e entraves propostos no caminhar de uma tese que tem como fonte a justiça pela qualidade em educação de jovens e adultos e através das escolhas certas, no que se refere ao referencial teórico-metodológico adotado para os fins a que nos propusemos. Esperamos que a tese venha contribuir, somar com outras pesquisas e oferecer subsídios para as reflexões em diversos contextos da política educacional e na política curricular profissionalizante de jovens e adultos. Não estamos dando “fórmulas” mas proporcionar elementos para discussões, reflexões e debates nos quais os sujeitos possam ter seus próprios caminhos. Nesse sentido, fundamentados no referencial teórico adotado e a incursão no processo da formulação do Decreto 5.840/2006 e a institucionalidade este no Campus Uberaba e Campus Avançado Uberaba Parque Tecnológico passamos circunstanciar o elemento normativo possibilitaram confirmar a hipótese da pesquisa “ como os gestores educacionais estão recontextualizando a política PROEJA sob a influência do currículo partindo da análise “integrar” e/ou “articular” e esta recontextualização está conduzindo os processos de inclusão”. Vários foram os pontos que nos permitiram refletir e a questionar, a hipótese, sobre a recontextualização do currículo na visão de inclusão no contexto da formulação: No que se refere ao aspecto da política educacional sendo concebida “poder do Estado – ou da sociedade política – em atuar, proibir, ordenar, planejar, legislar, intervir, com 202 efeitos vinculadores a um grupo social definido...” (SHIROMA, 2011, p.7). A partir desta definição podemos, em sentido macro, inferir como política propriamente dita a um programa educacional estabelecido pelo Estado, voltado a atender um público específico, desdobramento como uma política de governo ou de Estado. O PROEJA, um programa oficializado por meio texto normativo (decreto 5.840/2006) que confere legitimidade para dispor as normativas de sua aplicabilidade, sendo uma legislação específica para jovens e adultos. O olhar dialético nos ajuda a compreender importantes avanços no que tange aos interesses das classes dominantes no PROEJA, isto não invalida a representatividade que a lei assume em relação à classe dominante. Thompson, 1987, p.354 “[...] se a lei é manifestamente parcial, não vai mascarar nada, legitimar nada, contribuir em nada para hegemonia de classe alguma [...]”. O documento oficial do MEC defende um modelo de currículo integrado, proposto para o PROEJA, devemos olhar com desconfiança, já que a política e a legislação expressam no seu interior reflexos de uma tensão dialética de grupos de interesses distintos, já que, a lei não é apenas um instrumento de dominação, mas pode expressar lutas de classes. Isso ocorre porque ela impõe “restrições às ações dos dominantes”. O primeiro ponto da fragilidade do PROEJA é o envolvimento de instituições que, na maioria dos casos, nunca haviam trabalhado com EJA; mesmo as que haviam já trabalhado com essa modalidade de ensino, não o faziam perspectiva do currículo integrado. Tal fator, aliado à ausência de professores preparados para esse trabalho, fazia com que não fosse “razoável” obrigar as Escolas Técnicas da Rede Federal a destinarem 10% de suas vagas ao Programa. Outro aspecto se relaciona à questão da carga horária prevista para os cursos PROEJA, o texto falava em carga horária máxima e o “usual em Educação é a carga horária mínima” (SANTOS, 2008, p.2). Esta delimitação aponta um empobrecimento curricular (carga horária máxima) pois impede o atendimento especificidades regionais. O olhar específico para os Institutos Federais constitui autarquia federal com legitimidade para dispor resoluções (Conselho Superior) acerca do ensino, se vê sua autonomia ferida e não reconhecem, na proposta PROEJA, elementos que lhes possibilitassem assumir a curto prazo uma experiência nova em vários aspectos. E por outro lado EJA, gostaria de ver alinhada com aquilo que vinha conquistando historicamente nos fóruns de EJA, estes alunos, não se veem nesta proposta de política educacional. A síntese das discussões, a partir dos textos, demonstra que os professores manifestam resistência à proposta, sendo apontadas as seguintes causas dessa dificuldade: 203 • A forma impositiva como é apresentada; • A mentalidade conservadora dos padrões pedagógicos vigentes, assim como de posições políticas avessas ao discurso da formação integrada e da educação emancipatória com base na crítica à sociedade de mercado; • O desconhecimento conceitual; • A falta de condições materiais; • A carência de gestão e de participação democrática nas instituições; • A dificuldade de envolvimento dos professores temporários, com vínculos precários de trabalho e de compromisso com as instituições. (FRIGOTTO; CIAVATTA, RAMOS, 2010) E o discurso pedagógico do PROEJA, que é resultado do processo desmonte de identidades pedagógicas e da construção de novas identidades do período do capitalismo de transição, denotam um avanço das concepções nas políticas de Educação Profissional e de EJA. No entanto, as recontextualizações produzidas pelos professores tem se traduzido em prática pedagógica relacionada para instrumentalização para o mercado de trabalho, que já distancia de uma prática pedagógica intercultural (com foco interdisciplinariedade e transdisciplinaridade) porque demanda reconstrução das entidades dos docentes no sentido modelos de desempenho para os modelos de competências que considerem as relações sociais e sentido formativo da politecnia e da interculturalidade e diante dos dados quantitativos do Tribunal de Contas da União, IBGE, PNAD, SETEC que demonstram um índice elevado de evasão e retenção no PROEJA. Reafirmo que há necessidade de rever esta política em nível de implementação devido ao insucesso da política curricular no PROEJA, pois há fraturas nos níveis macro e micro ausência de uma prática pedagógica inclusiva intercultural e as questões políticas externas e internas articulados: implicações dos descaminhos do PROEJA é a ocorrência do insucesso dos alunos no interior do Instituto, isto é, apenas um dos fatores da fragilidade no PROEJA no contexto educacional e social. Diante do exposto, a efetivação do PROEJA, no IFTM – Campus Uberaba e Campus Uberaba Parque Tecnológico vem realizando um percurso contrário da inclusão, já que a maior parte dos alunos, com insucesso escolar, estão distantes de obter mudanças sociais. Se a educação responde, antes qualquer coisa, as necessidades individuais e políticas (art. 205, CF/88), o seu conceito, no Estado Democrático de Direito, não pode ser desvinculado dos objetivos fundamentais da República (art. 3º, CF/88). Tal finalidade, por sua vez, implica na 204 conservação de determinados valores, quais sejam a democracia, justiça social, liberdade e paz, sendo esta a razão determinada da sistemática constitucional de promoção, proteção e garantia do direito à Educação. A chegada de Jaqueline Moll à SETEC/MEC possibilitou a promoção de um diálogo entre os atores interessados tendo por desafio a junção EJA com a Educação Profissional na perspectiva integrada. Com representações da rede federal, sistema S (Serviço Nacional Aprendizagem Industrial), coordenadores estaduais do Ensino Médio e o Ministério do Trabalho, ocorreram elementos dialéticos para legitimidade do Programa. Outro fator, o caminho percorrido pelo PROEJA, depois do segundo momento, culminou na sua implantação, fato aponta um diferencial em relação a outros programas que, geralmente, são gestados em gabinetes. Finalizando, o PROEJA é uma exceção por conseguir, através das contradições e disputas, romper com uma imposição verticalizada e se construir, ou se reconstruir, em meio a intensos diálogos. E não há como desvincular o direito à Educação do próprio direito democrático como expresso no artigo 21, I e III da DUDH. Artigo 21 I) Todo o homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. [...] III) A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto. Diante do exposto, a política pública PROEJA enquanto na sua formalização logrou êxito, entrou na agenda do governo Lula e se fez presente através do ato normativo –decretoabraçou os anseios da sociedade brasileira e aos pactos internacionais em propor uma programa que tem seu ponto central um currículo inovador e integrador com foco na diminuir o índice de analfabetos no solo brasileiro, como também, melhor capacitação para o mercado de trabalho na sua construção do trabalhador cidadão reflexivo e construtor de sua história, porém, se esbarrou na política curricular que não logrou êxito porque a proposta vigente ,no decreto 5.840/2006, era currículo integrador tendo por fundamento Gramsci e nos pensamentos de Paulo Freire, porém, no solo federal do Triângulo Mineiro – IFTM – campus Uberaba, ocorreu um currículo propedêutico baseado em habilidades e competências e que não concretizou a interdisciplinaridade e se que iluminou na transdisciplinaridade , neste aspecto deverá ser revisto a implementação do decreto 5840/2006 – PROEJA, portando, não ocorreu a inclusão social almejada pelos formuladores e pela comunidade jovens e adultos que se viam , neste momento, histórico “gente que tem direitos e deveres” que leva o Brasil 205 que representa uma comunidade e não grupo , este desejo, está estampado na música de Toquinho de Vinícius de Moraes “(...) Numa folha qualquer, eu desenho um navio de partida, com alguns bons amigos, bebendo de bem com a vida, de uma América a outra, consigo passar num segundo, giro um simples compasso, e num círculo eu faço o mundo, um menino caminha, e caminhando chega num muro, e ali logo em frente, a esperar pela gente o futuro está (...)”Assim, encontramos num percurso em que há muitas vidas que ainda não degustaram do prazer da inclusão e ter seus direitos fundamentais concretizados, pois, não basta a Constituição Brasileira garanti-los, precisamos, urgentemente edificar estes para uma sociedade mais justa que é o coração do Direito “trazer justiça ao caso concreto” que são os jovens e adultos sem escolaridade e que a política educacional seja uma política de Estado e não de governo. 206 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AL-RAMAHI, N.; DAVIES, B. Changing primary education in Palestine: pulling in several directions at once. International Studies in Sociology of Education, v. 12, n. 1, p. 59-76, 2002. 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Este trabalho se encaixa nesta categoria e irá estudar o currículo não no sentido de não prescrição, - restrito a visão de uma lista de disciplinas – mas com a visão de currículo que abrange todo e qualquer fenômeno educacional, buscando capturar a trajetória da política, como propõe Villanueva, a fim de buscar elementos que permitam compreender o complexo processo envolvido na construção curricular. As questões serão investigadas com base em documentos institucionais e interação com sujeitos que estão vivenciando a realidade social em estudo em seu contexto natural, os quais atribuem sentido ao mundo com base nas suas subjetividades. Serão realizadas entrevistas para compreender como se (re)articulam as diferentes instâncias de recontextualização das políticas, na sua concepção em nível governamental. Todas as decisões de pesquisa levarão em consideração a preservação da identidade institucional, a fim de garantir a preservação da identidade dos sujeitos da pesquisa, os quais terão sempre sua identidade preservada. (DADOS DE IDENTIFICAÇÃO E ENDEREÇOS DE CONTATO REMOVIDOS) 213 APÊNDICE 2 - TERMO DE CONFIDENCIALIDADE (DADOS DE IDENTIFICAÇÃO E ENDEREÇOS DE CONTATO REMOVIDOS) O presente projeto de pesquisa tem como objetivo investigar como ocorre o processo de formulação do PROEJA e a sua recontextualização das políticas curriculares oficiais, até sua implantação em forma de currículo na Escola. Mais especificamente, pretende-se investigar como serão recontextualizadas nos Institutos Federais, as novas políticas curriculares descritas pelo MEC para a educação profissional e tecnológica. A metodologia do projeto prevê, entre outras atividades, a realização de entrevistas a Conselheiros do CNE/MEC diretamente envolvidos com normatizações que irão influenciar diretamente a dinâmica no ensino aprendizagem do IF’s. Os pesquisadores se comprometem a preservar a privacidade e o anonimato dos sujeitos da pesquisa cujos dados serão coletados por meio de gravação em áudio, vídeo, instrumentos escritos, etc. Esta garantia estende-se à coleta de dados realizadas por terceiros, no âmbito dste projeto. Todo o material coletado será utilizado exclusivamente com caráter científico, sendo acessado apenas pelos pesquisadores do projeto, sendo estes responsáveis por qualquer extravio ou vazamento das informações confidenciais. O entrevistado é livre para dsistir de participar da pesquisa a qualquer momento, sem que isto lhe cause quaisquer prejuízo morais, físicos ou financeiros. Os instrumentos de coleta de dados serão mantidos por um período de até cinco anos sob a responsabilidade dos pesquisadores e após este período, serão destruídos. __________________________ Profª Drª Débora Cristina Jeffrey Entrevistador: Entrevistador: _________________________ Profª Ana Keila Ennes Andrade 214 APÊNDICE 3 - ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA ANALISTAS POLÍTICOS Fala inicial explicando o projeto e os conceitos de política e currículo com o qual o projeto trabalha, a importância das entrevistas no contexto da pesquisa e ratificar a garantia de confidencialidade. Questões motivadoras: 1. Inicialmente eu gostaria que você destacasse coisas que você considera que são importantes na sua vida e que contribuem para o exercício de sua função (experiências, vivências, formação, etc.) 2. Na sua avaliação, o que se modifica na Educação Profissional com a criação dos Institutos (em relação ao que era antes como CEFET) e o que já mudou na Instituição com este processo de transformação? 3. Existe alguma correlação conceitual entre os termos articulação e integração da educação profissional e a educação de jovens e adultos? Como o Sr. a compreende? 4. Como essa proposição foi introduzida na legislação nacional (LDB, Plano Nacional de Educação), Resoluções do CNE? 5. Por que há dualidade no uso dos termos “articulação” e “integração” na legislação, a exemplo do que pode ser identificado no artigo 37 §3º (A educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a educação profissional, na forma do regulamento) e na Lei n. 11.741/2008, no Art. 39 (Educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia) e documentos base de Programas como PROEJA e PRONATEC? 6. Opinião do depoente sobre a trajetória da educação profissional e educação de jovens e adultos no Brasil, após a LDB n. 9.394/96 e as propostas de articulação e integração entre as duas modalidades de ensino. 215 7. O Direito trabalhista evoluiu nas garantias sociais e o direito educacional qual é a sua visão? Os pactos internacionais influenciaram de que modo? Como o governo do PT se posiciona? 8. Existem mecanismos de articulação (local / regional / nacional) em relação a educação profissional (oferta – metodologias – resultados)? Como se constroem as redes de colaboração? 9. Você gostaria de fazer alguma consideração que considere importante e que não foi contemplada nas questões apresentadas até aqui? 216 APÊNDICE 4 – ORGANOGRAMA INSTITUCIONAL 217 APÊNDICE 5 – ORGANOGRAMA PRÓ REITORIA DE ENSINO 218 APÊNDICE 6 – ORGANOGRAMA PRÓ REITORIA DE EXTENSÃO TECNOLÓGICA 219 APÊNDICE 7 – ORGANOGRAMA PRÓ REITORIA DE EXTENSÃO TECNOLÓGICA