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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
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O DIREITO E A OBRIGATORIEDADE À EDUCAÇÃO NA HISTÓRIA
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DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Fabiana Ferreira Pimentel Kloh
Petrópolis/RJ
2014
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
O DIREITO E A OBRIGATORIEDADE À EDUCAÇÃO NA HISTÓRIA
DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Fabiana Ferreira Pimentel Kloh
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada - Universidade Candido Mendes como
requisito
parcial
para
obtenção
do
especialista em Administração Escolar.
Orientador: Vilson Sérgio de Carvalho
Petrópolis/RJ
2014
grau
de
3
4
AGRADECIMENTOS
Não é possível começar ou terminar nada nessa vida se não for pela
vontade de Deus. Sendo assim, a Ele rendo meus maiores agradecimentos.
Por todas as vezes que me ouviu em oração não me deixando entrar em
desespero pelo medo do fracasso.
À Virgem Maria, meu melhor exemplo de mãe, por todas as vezes que
ouviu o pranto do meu coração e me ajudou a ter paciência pelos clamores do
meus filhos quando se viam preteridos pelo trabalho e pelo estudo.
Ao meu marido Adilson, parceiro de quase 18 anos de convivência, pelo
simples fato de existir em minha vida. Meu porto seguro, meu incentivo, minha
palavra certa quando mais preciso, meu ombro, meu maior bem.
Ao meu filho Conrado, tão apegado a essa mãe que tanto dele se
afastou nessa jornada que se prolongava e parecia que não terminaria.
À minha princesinha Ana Teresa que chegou em meio a esse turbilhão
de estudos, de trabalho e me deu muita serenidade para seguir e concluir.
Às minhas amigas-imãs que, muitas vezes sem saber, me deram o
incentivo que precisava para continuar. Clarissa, Andreza e Cris as palavras de
admiração que vinham de vocês foram, diversas vezes, o impulso que me
impediu de desistir.
Aos meus pais, Rogério e Maria da Conceição que, em sua simplicidade,
me ensinaram que somos senhores do nosso destino e que, se quisermos
algo, devemos nos esforçar sem medida para conseguir.
Às minhas irmãs Juliana e Laura que muitas vezes me substituiram na
função de mãe dos meus filhos cuidando deles para que eu pudesse estudar e
escrever.
Ao meu sogro Adilson que hoje já não está mais entre nós, pois habita o
reino dos anjos, mas por longo tempo esteve ao meu lado apoiando sem
5
medida e à minha sogra Maria Guadalupe com seu papel duplo de mãe ao
exercer essa função para seu filho e pra mim também.
Aos meus colegas de trabalho na Escola Municipal Bataillard e na
Escola Municipal João Kopke que serviram de exemplo profissional durante
toda a minha trajetória. Em especial à Sandra Luzia, Sandra Paula, Maria do
Rosário, Rosane Karl e Bianca Eckhardt que me iludiam sempre com um elogio
não merecido (eu acho), mas que me fazia impulso para continuar, além de
seus exemplos de dedicação e amor aos estudos e à educação.
À minha tutora, Dayana Trindade, que desde 2010 exerceu essa função
e cuidou das minhas atividades e estudos com muita rapidez, diferente de mim
que protelei demais o fim dessa etapa.
Ao meu Orientador, Vilson Sérgio de Carvalho que, mesmo assumindo
essa função somente no final da caminhada, nesse estranho mundo da EAD,
em que se admira quem não se vê, deu o seu melhor por mais essa aluna que
lhe passa pelas mãos, pelos olhos.
6
DEDICATÓRIA
Aos meus filhos Conrado e Ana Teresa,
meus dois presentes divinos que são o
que de melhor fiz na vida, porque em
cada
linha
dessa
pesquisa
há
um
momento perdido junto ao sorriso e ao
abraço deles. E ao meu marido Adilson
porque supriu com eles cada momento
perdido.
7
RESUMO
Essa pesquisa se propôs a analisar a evolução histórico-legislativa do direito à
educação, em especial nas Constituições do país e na legislação educacional.
Dessa forma, traçou-se um panorama legal da positivação do direito à
educação permitindo identificar os marcos históricos da conquista desse direito,
bem como do caminho percorrido para se efetivar a obrigatoriedade de
frequência à instituição escolar no Brasil. De posse de tais informações, fez-se
um paralelo entre o direito à educação, sua obrigatoriedade e o princípio da
gestão democrática enquanto fator determinante para efetivação da educação
de qualidade. O estudo percorreu fatos históricos da atividade legislativa
brasileira com base nas constituições e leis positivadas, bem como na análise
de outros estudos acadêmicos sobre o mesmo tema, constituindo-se,
metodologicamente, um estudo histórico-documental. Ao fim, pode-se constatar
que a trajetória da efetivação do direito à educação, da obrigatoriedade da
educação escolar e do princípio da gestão democrática na legislação brasileira
foi marcada por disputas políticas e embates sociais que, nem sempre, deram
respostas ao clamor verdadeiro da sociedade.
Palavras-chave: direito; educação; obrigatoriedade escolar; gestão democrática.
8
METODOLOGIA
Dentro de um campo abrangente de estudo como a educação, antes de
qualquer atitude, faz-se necessário estabelecer os limites da pesquisa. Sendo
assim, optei pela legislação brasileira positivada que trata do direito social à
educação desde o Brasil Império até os dias de hoje. Através de uma
compilação das leis que cuidam da positivação do direito social à educação,
chega-se à análise de sua obrigatoriedade no Brasil.
Do ponto de vista metodológico a pesquisa se desenvolveu a partir de
estudo histórico-documental e análise do processo de institucionalização da
legislação brasileira que tratou e trata do direito social à educação no âmbito
nacional. Documentos legislativos foram analisados de forma sistematica e
cronológica, com compilação dos diplomas legais referentes ao assunto.
Segundo Pimentel (2001), a primeira etapa de uma pesquisa documental
é encontrar as fontes e nelas os documentos necessários para o estudo. Nesse
sentido, a principal base de consulta foi o sítio na rede mundial de
computadores do Governo Federal que apresenta link específico para o
acompanhamento cronológico da legislação pátria, além de pesquisas
acadêmicas já concluídas sobre o assunto. Também integram o material de
consulta obras referentes aos direitos sociais e sua implementação histórica no
direito brasileiro.
Na medida em que pesquisar constitui um processo de criação, e não de
mera constatação, em que a “originalidade da pesquisa está na originalidade
do olhar” (VORRABER, 2002, p. 152 apud Bulhões (2008, p. 20), penso que o
que vivi profissionalmente nas áreas de Educação e de Direito permitirá uma
impressão própria, pessoal no desenvolvimento das constatações.
Nessa perspectiva, esse estudo constitui um olhar sobre a situação
histórico-legal do direito à educação e sua obrigatoriedade na legislação
brasileira.
9
Sendo assim, como todo pesquisa desse gênero, esta iniciou-se com um
apanhado, uma “garimpagem”1 de todo o material legislativo sobre o tema tais
como: as Constituições brasileiras e as leis sobre ensino já publicadas no
Brasil. Além desses documentos oficiais extraídos do sítio do governo federal
na rede mundial de computadores (internet), a pesquisa tem como referencial
teórico uma bibliografia a respeito do tema que, embora não constitua nenhum
estado da arte enquanto metodologia, serviu para mapear minimamente a
produção acadêmica nesse campo do conhecimento.
Com esse material em mãos iniciou-se a fase de análise das
informações que originaram os cinco capítulos dessa monografia, bem como
ensejaram subsídios para o capítulo conclusivo.
1
Termo usado pela pesquisadora Mitsuko Antunes em suas aulas no curso de pós-
graduação em Psicologia da PUC/SP e referido em PIMENTEL, Alessandra. O método de
análise documental: seu uso numa pesquisa historiográfica. Cadernos de Pesquisa. n.
224, p. 179-195, nov./2001.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 11
CAPÍTULO I
Os marcos históricos do direito à educação no Brasil .......................... 14
CAPÍTULO II
Constituições brasileiras e direito à educação .................................... 20
CAPÍTULO III
A educação na lei brasileira ................................................................ 36
CAPÍTULO IV
Obrigatoriedade legal da educação escolar .......................................
45
CAPÍTULO V
Direito à educação e gestão democrática ........................................... 57
CONCLUSÃO ....................................................................................
64
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................
65
WEBGRAFIA ..................................................................................... 00
11
INTRODUÇÃO
Em agosto de 2008, a revista VEJA dedicou sua capa para falar da
qualidade do “inssino” no “Brasiu”. Propositalmente, óbvio, grafou com erros
ortográficos as palavras ensino e Brasil como estratégia para chamar a atenção
do leitor para a péssima qualidade do nosso ensino. Ao iniciar a reportagem, as
jornalistas Monica Weinberg e Camila Pereira informam que “uma pesquisa
mostra que para os brasileiros tudo vai bem nas escolas. Mas a realidade é
bem menos rósea: o sistema é medíocre”. Ao ler essa reportagem, me deparei
com uma pegunta-constatação: se nosso sistema escolar é medíocre, por que
continuamos levando nossas crianças para a escola obrigatoriamente? Quando
e como surgiu a obrigatoriedade da educação escolar em nosso país? Não há
outra forma hoje, ao menos legal, no Brasil, para que nossas crianças
certifiquem sua educação, senão pela via da instituição escolar. Assim, penso
em observar o surgimento da obrigatoriedade da escola como única provedora
de educação e ensino em nosso país. Que caminho percorreu o direito à
educação para alcançar sua positivação, proteção e obrigatoriedade no seio
das leis brasileiras?
O maior propósito deste estudo encontra-se no fato de ele ser parte de
uma pesquisa de maior abrangência que está sendo desenvolvida nos meus
estudos do Mestrado em Educação para apresentação da dissertação final. O
estudo mais abrangente busca a compreensão da vedação do homeschooling
ou Educação Domiciliar no Brasil diante da interpretação que se faz acerca da
exigência legal da educação escolar obrigatória no país.
Sendo assim, pretende-se, com o estudo apresentado nesta monografia,
contribuir para a compreensão dessa vedação legal, partindo-se de um estudo
histórico da institucionalização legislativa do direito à educação no Brasil. No
entanto, com o fim de relacionar esta pesquisa com a formação do curso lato
sensu em Administração Escolar, apresenta-se, ao final, referências históricas
do processo de institucionalização do princípio da gestão democrática nesse
contexto da evolução legislativa do direito à educação.
12
Trata-se, portanto, de uma parte, de uma contribuição introdutória e
histórica ao trabalho que será aprofundado posteriormente na dissertação do
Mestrado em Educação que busca compreender os motivos para a vedação
legal e política do homeschooling em nosso país.
O objetivo geral desse estudo é traçar a evolução histórica do direito à
educação na legislação brasileira, enquanto os objetivos específicos são: i)
identificar os marcos históricos do direito à educação na legislação brasileira; ii)
analisar as Constituições brasileiras quanto à previsão do direito à educação;
iii) analisar a legislação educacional quanto à previsão do direito à educação;
iv) identificar o momento histórico em que o direito à educação gozou de
efetivação; v) identificar o momento histórico legal em que a obrigatoriedade da
educação escolar se tornou presente no Brasil; e vi) localizar o princípio da
gestão democrática dentro da evolução legislativa do direito à educação.
Embora muitos afirmem categoricamente que o direito à educação é um
direito social que está estreitamente vinculado à obrigatoriedade escolar, a
positivação desse direito na legislação brasileira não parece estar atrelada à
obrigatoriedade de frequência a uma instituição escolar, devendo ser
separados os conceitos de proteção ao direito social à educação e
obrigatoriedade de uma instituição de ensino formal para a efetivação e gozo
desse direito.
O estudo monográfico está dividido em cinco capítulos e cada um deles
buscará atingir, a partir da análise da legislação e de estudos e pesquisas
sobre o tema, cada um dos objetivos específicos traçados.
No capítulo I, baseada em pesquisas sobre o tema, indico os principais
marcos históricos do direito à educação na legislação brasileira desde o
“descobrimento” até o fim da Ditadura Militar e a retomada da democracia
nacional.
No capítulo II, faço uma exposição e pequena análise dos textos
constitucionais de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967/1969 e 1988 com
13
relação às previsões sobre educação enquanto direito e quanto à
obrigatoriedade desta tanto para o Estado quanto para os cidadãos.
No capítulo III, a pesquisa se debruça sobre as leis infraconstitucionais
que trataram de educação desde a Independência do Brasil em 1822 até o
Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 e a atual Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional de 1996.
No capítulo IV, retoma-se o tema da obrigatoriedade legal da educação
escolar traçando quanto a ele, especificamente, um caminho histórico, bem
como sua motivação.
No capítulo V, enfim, com o objetivo de relacionar todo o campo
histórico-legislativo do direito à educação, bem como sua obrigatoriedade
institucional, aborda-se o princípio da gestão democrática, situando-o dentro do
seu processo de institucionalização na Constituição de 1988, na medida em
que relaciona-se, estreitamente, com a educação escolar exposta na pesquisa.
14
CAPÍTULO I
Os marcos históricos do direito à educação no Brasil
A praia estava deserta. Não havia ninguém ao longo
da enseada e nem nas matas que a cercavam. A
areia, porém, se encontrava repleta de pegadas,
num sinal claro de que a terra era habitada. Tal
evidência não impediu que os marujos recémdesembarcados gravassem seus nomes e o de seus
navios nas árvores e nas rochas costeiras e, a
seguir, imprimissem o dia, o mês e o ano de seu
desembarque, tomando posse daquele território em
nome da Coroa de Castela. Era 26 de janeiro de
1500 e os homens chefiados pelo capitão Vicente
Yañes Pinzón tinham acabado de descobrir o Brasil
(BUENO, 2006).
O “descobrimento” do Brasil no século XVI é narrado acima pelo
jornalista Eduardo Bueno (2006, p. 11). Embora ele mesmo reconheça a
afirmação como polêmica, ainda que baseada em fontes primárias e pesquisas
confiáveis, certo é que, em algum dia, a História chegou ao Brasil. E é a partir
desse dia que a educação também chegou por aqui.
Segundo Ribeiro (1993), o período colonial brasileiro constituia-se numa
sociedade latifundiária, escravocrata e aristocrática, sustentada por uma
economia agrícola e rudimentar e, por isso, não necessitaria de pessoas
letradas e nem de muitos para governar, mas sim de uma massa iletrada e
submissa. Assim, só mesmo uma educação humanística voltada para o
espiritual poderia ser inserida, encargo que coube aos jesuítas.
Nesse primeiro marco histórico educacional brasileiro, “a educação
elementar foi inicialmente formada para os curumins, mais tarde estendeu-se
aos filhos dos colonos”. Já havia educação média, mas somente para os
15
homens da classe dominante, com exceção de mulheres e filhos primogênitos
e educação superior para os filhos dos aristocratas que quisessem a classe
sacerdotal, posto que os demais estudariam na Europa. (RIBEIRO, 1993).
Ainda segundo Ribeiro (1993), a educação levada a cabo pela
Companhia de Jesus excluía o povo e, por muito tempo, o Brasil permaneceu
com uma educação voltada para a formação da elite dirigente, sendo que “este
tipo de educação em muito se adequava ao momento e sobreviveu todo o
período colonial, imperial e republicano, sem sofrer modificações estruturais em
suas bases”.
Leite (1937; 1965) apud Ribeiro (1993) organiza e sistematiza
documentos históricos do período colonial, principalmente referentes à
Companhia de Jesus, em que destaca a ação dos jesuítas na criação de
escolas e no ensino sistematizado.
Em Portugal, por volta de meados do século XVIII, a administração cabia
ao Marquês de Pombal conhecido pelas reformas educacionais que promoveu
lá e, claro, repercutiram aqui. Ele é o responsável por tirar o poder educacional
da Igreja e colocar nas mãos do Estado. Em 1789 ocorre a expulsão dos
jesuítas e a instauração das aulas régias. Contudo, a situação permanecia a
mesma porque o ensino era “enciclopédico” e seus métodos pedagógicos
“autoritários e disciplinares”, o que fazia com que a criatividade individual fosse
abafada e se desenvolvesse uma submissão às autoridades e aos modelos
antigos. Tais reformas, denominadas pombalinas, causaram uma queda no
nível do ensino e os seus reflexos são sentidos até nossos dias, visto que
temos uma educação voltada para o Estado e seus interesses (RIBEIRO,
1993).
Ainda segundo Ribeiro (1993), com o desenvolvimento da mineração no
século XVIII, surge uma classe social ligada ao comércio e eminentemente
urbana, a burguesia, que, afirmando-se como classe reivindicadora, age sobre
a educação escolarizada.
16
Entretanto, a educação enquanto direito só passa a ser assim entendida
quando vinculada aos direitos sociais e ao Liberalismo que surge no século XIX
(ZICHIA, 2008).
É nesse início do século XIX, com a chegada de D. João VI e a família
real portuguesa no Brasil que se inicia a fase imperial da história brasileira. De
acordo com Ribeiro (1993), com a presença do monarca no Brasil durante mais
de uma década, verificaram-se mudanças no quadro das instituições
educacionais da época, com a criação de diversas entidades como a Academia
Real da Marinha, cursos médicos, Jardim Botânico, Museu Real, Biblioteca
Pública e a Imprensa Régia, mas que revelaram intenções aristocráticas de D.
João, tendo que vista que o ensino primário foi esquecido e a população em
geral continuou iletrada e sem acesso aos grandes centros do saber.
Com a primeira Constituição Brasileira em 1824, embora o debate na
Assembleia Constituinte tenha sido rico, o texto não trouxe grandes avanços,
mas as previsões dos textos constitucionais serão analisadas em capítulo
próprio, adiante, neste trabalho.
A pesquisa de Ribeiro (1993) aponta-nos outros marcos históricos
quanto à educação brasileira como, por exemplo as várias propostas
educacionais dos primeiros anos da República que visavam a inovação do
ensino, a denominada Reforma Benjamin Constant.
Outras reformas se seguiram como o Código Epitácio Pessoa (1901), a
Reforma Rivadávia (1911), a reforma de 1915 com Carlos Maximiliano e a
reforma de 1925 com Luiz Alves e Rocha Vaz (RIBEIRO, 1981, p.77).
Com o declínio das oligarquias na década de 20, há o fortalecimento da
classe burguesa que, unida às revoluções, ao Tenentismo2, às ideias do
2
Movimento que eclode no início da década de 20 que sintetiza a situação de
inconformismo da pequena burguesia apontando a corrupção dos cargos públicos da
administração do país, exigindo justiça e condenando o modo de escolha dos dirigentes.
17
Partido Comunista, a Semana de Arte Moderna, as linhas de pensamento
filosófico dos escolanovistas e dos católicos incorporam-se à educação e
influenciam toda a organização escolar neste período (RIBEIRO, 1993).
Nesse contexto, um marco histórico para a educação é o movimento da
Escola Nova, em que educadores denunciam o analfabetismo e outros
problemas da educação. Esse movimento defendeu uma busca pela
organização da escola como um “meio propriamente social para tirá-la das
abstrações e impregná-la da vida em todas as suas manifestações”. (...) Além
disso, defendiam os seguintes princípios: “função essencialmente pública da
educação, escola única, laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação”
(SAVIANI, 2010).
Os anos entre 1920 e 1929 apresentaram reformas educacionais
estaduais em nível primário: 1923 no Ceará, a de Lourenço Filho; 1925 na
Bahia, a de Anísio Teixeira; 1927 em Minas Gerais, a de Francisco Campos e
Mário Casassanta; 1928 no então Distrito Federal, a de Fernando Azevedo;
1928 em Pernambuco, a de Carneiro Leão. Todas essas reformas foram
influenciadas pelo liberalismo pragmático e pela Escola Nova (RIBEIRO, 1993).
Ribeiro (1993) continua contribuindo com sua pesquisa histórica quando
nos informa que o fim da República Velha e a tomada do poder por Getúlio
Vargas gera a queda do setor agrário-comercial-exportador e o fortalecimento
de um pensamento que se contrapõe aos escolanovistas. Trata-se do
pensamento conservador católico que procura impedir as inovações propostas
pelos pioneiros que estejam ligadas à burguesia em ascenção, embora a
ideologia católica, em alguns aspectos, se equipare à da Escola Nova.
A criação do Ministério da Educação e Saúde em 1930 constitui marco
importante para a educação nacional. O primeiro ministro a ocupar a pasta é
Francisco Campos. Em 1932, outro marco importante, o Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova mostra o descontentamento dos educadores
quanto a situação da demora de tomada de medidas no campo educacional
(RIBEIRO, 1993).
18
De 1931 a 1937 muitos seminários e conferências são realizados num
período denominado “Conflito de Ideias” num debate entre católicos e os
pioneiros escolanovistas.
As mudanças estruturais da sociedade com base na industrialização
começaram a exigir também mudanças na educação, já que mão de obra se
fazia necessária para as funções do novo mercado de trabalho. É nessa época
que se cria o SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial com o
objetivo de, paralelamente ao ensino oficial, formar mão de obra para a
indústria. Com o Estado Novo, as verbas para a Educação aumentaram e
houve tentativa de se traçar uma política educacional de âmbito nacional
(RIBEIRO, 1993).
Gustavo Capanema ocupou o ministério da Educação de 1934 a 1945 e
implementou a chamada Reforma Capanema, de cunho nazi-fascista cuja
ideologia era voltada para o patriotismo e o nacionalismo, difundindo disciplina
e ordem através dos cursos de moral e civismo e de educação militar para os
alunos do sexo masculino nas escolas secundárias. O ensino continuou a ter
caráter humanístico, enciclopédico e aristocrático. A Reforma Capanema
representou uma simples reafirmação de muitos pontos da reforma de
Francisco Campos e um recuo a alguns princípios proclamados pelo Manifesto
dos Pioneiros (RIBEIRO, 1993). Voltaremos a mensionar as leis da Reforma
Capanema no capítulo adiante que trata da legislação brasileira sobre
educação.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, também
merece ser mencionada neste retrospecto, tendo em vista que expõe que todo
cidadão tem direito à educação e que esta visa o pleno desenvolvimento do ser
humano (KREUTZ, 1996).
Já no governo de Gaspar Dutra, o ensino primário recebe atenção do
Governo Federal e sofre uma reestruturação através da Lei Orgânica do Ensino
Primário. O Ensino Normal também foi centralizado através da Lei Orgânica do
Ensino Normal.
19
A década de 60 volta-se para a educação popular com os Movimentos
de Educação Popular que propuseram levar ao povo elementos culturais, além
de alfabetização, fazendo com que a população adulta participasse ativamente
da vida política do país (RIBEIRO, 1993).
Após o golpe militar de 1964, a área educacional sente os problemas
políticos e econômicos que surgem desse fato.
Enfim, com a redemocratização da nação a partir da Constituição de
1988, novos rumos tomou a educação brasileira. Veremos o que a Carta
Magna de 88 e as leis posteriores designaram para a educação no capítulo
próprio.
20
CAPÍTULO II
Constituições brasileiras e direito à educação
Andrea Zichia, ao realizar estudo sobre as origens do direito à educação
no Período Imperial, constatou que debates sobre liberdade de ensino e
compulsoriedade do mesmo, estão presentes desde o Império (ZICHIA, 2008).
Segundo seus estudos, a Assembleia Constituinte debateu vários projetos
sobre o assunto, sendo que ela destaca o plano de Martim Francisco Ribeiro
de Andrada, em 1816, que previa como objetivo principal a promoção da
instrução pública como responsabilidade do Estado. Entretanto, também
destaca que os parlamentares eram favoráveis ao ensino livre, a fim de
promover melhoria da qualidade e ampliação do acesso à educação (Ibid.).
Dessa forma, esse capítulo será dedicado à apresentação dos
ordenamentos constitucionais brasileiros e suas previsões quanto ao direito à
educação. O que se refere à legislação educacional infraconstitucional será
esmiuçado em capítulo próprio.
A pesquisa de Zichia (2008) esclarece que “os constituintes de 1823
descreveram a situação da instrução popular no país como deplorável,
evidenciando os contrastes entre a realidade existente e a aspiração do ideário
liberal”.
Na inauguração e instalação dos trabalhos da Assembleia Constituinte,
em maio de 1823, o imperador D. Pedro I destacou a necessidade de uma
legislação especial sobre instrução pública. Apresentou-se, então, um projeto
para atender a essa necessidade estimulando-se com um prêmio a quem
apresentasse a melhor proposta para a educação brasileira (SAVIANI, 2010).
Durante esses debates, Martim Francisco Ribeiro d’Andrada Machado
reapresentou proposta que antes tinha indicado para a capitania de São Paulo.
Contudo, ainda que de grande qualidade o amplo e detalhado projeto que
estruturava a instrução pública no país, o mesmo foi deixado de lado.
21
A Constituição Imperial, outorgada em 25 de março de 1824 por D.
Pedro I, no tocante à educação, não falou o equivalente ao que se discutiu na
Assembleia Constituinte. Previu apenas dois incisos no art. 179 que tratava de
inviolabilidades e garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos
brasileiros: a gratuidade da instrução primária para os cidadãos (e não para
todos) e a existência de colégios e universidades para o ensino de “Ciências,
Belas Artes e Letras”.
Em 1834, um Ato Institucional descentralizou a responsabilidade
educacional, cabendo às províncias o direito de legislar e controlar o ensino
primário e médio, e ao poder central se reservou a exclusividade de promover e
regulamentar o ensino superior. Contudo, a falta de recursos e o falho sistema
de arrecadação tributária para fins educacionais, impossibilitaram as províncias
de cumprirem o papel que lhes fora dado. Com isso, deu-se um total abandono
destes níveis educacionais, abrindo caminho para que particulares assumissem
esse papel, contribuindo para a alta seletividade e elitismo educacional
(RIBEIRO, 1993).
Embora o debate tenha continuado, o liberalismo que servia de base
para a República recém proclamada impediu que o ensino obrigatório fosse
referido textualmente na Constituição de 1891. Eis o que ficou disposto no
primeiro texto constitucional republicano acerca da educação:
Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
Somente na Constituição de 1934 o Brasil garantiu um capítulo para a
educação como um direito de todos a ser ministrada pela família e pelos
poderes públicos, como disposto no art. 149, in verbis:
Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada,
pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes
proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de
modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da
Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da
solidariedade humana. (grifo nosso)
22
Percebe-se que a família tinha primazia sobre o Estado com relação à
educação de seus filhos. Embora se reconhecesse a importância da educação
e de se ministrar o ensino a todos, sendo este o cerne da obrigatoriedade,
ainda não se associa essa obrigatoriedade à educação exclusiva pela via da
instituição escolar.
Além desse dispositivo, a Constituição de 1934 trouxe várias outras
garantias referentes à educação, demonstrando um grande avanço com
relação à Constituição anterior no sentido de valorização da educação
nacional. Previu o plano nacional de educação que deveria, entre outras
normas, observar o ensinho primário integral gratuito e de frequência
obrigatória extensivo aos adultos e também a liberdade de ensino em todos os
graus e ramos, observadas as prescrições da legislação federal e estadual.
É na Constituição de 1934 que criam-se os Conselhos Nacional e
Estaduais de Educação e determina-se um mínimo de verbas a serem
aplicadas para o ensino. Uma análise do texto da Constituição de 1934 deixa
claro que há muitos pontos contraditórios, em que as diretrizes estabelecidas
"ficam no papel", já que diversas interpretações podem ser feitas de um
determinado artigo, devido à falta de clareza e objetividade (RIBEIRO, 1993).
Com essa Constituição, a União passava a ter a obrigação constitucional
de "traçar as diretrizes da educação nacional" e "fixar o plano nacional de
educação, compreensivo do ensino em todos os graus e ramos, comuns e
especializados" para "coordenar e fiscalizar a sua execução em todo o território
do país".
O que se pretendia com essa Carta, no início da década de 1930, era
garantir um plano nacional de educação para todas as unidades federativas, os
estados, sem com isso tirar-lhes a autonomia na organização e na implantação
de seus sistemas de ensino. Mas garantindo, claro, a obrigatoriedade da
escolaridade primária assegurada na Constituição de então, como demonstra
in verbis os artigos da Constituição de 1934 que trataram de educação:
23
Art 5º - Compete privativamente à União:
(...)
XIV - traçar as diretrizes da educação nacional;
(...)
Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela
família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a
brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que
possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e
desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade
humana.
Art 150 - Compete à União:
a) fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de
todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e
fiscalizar a sua execução, em todo o território do País;
b)
determinar
as
condições
de
reconhecimento
oficial
dos
estabelecimentos de ensino secundário e complementar deste e dos
institutos de ensino superior, exercendo sobre eles a necessária
fiscalização;
c)
organizar
e
manter,
nos
Territórios,
sistemas
educativos
apropriados aos mesmos;
d) manter no Distrito Federal ensino secundário e complementar
deste, superior e universitário;
e) exercer ação supletiva, onde se faça necessária, por deficiência de
iniciativa ou de recursos e estimular a obra educativa em todo o País,
por meio de estudos, inquéritos, demonstrações e subvenções.
Parágrafo único - O plano nacional de educação constante de lei
federal, nos termos dos arts. 5º, nº XIV, e 39, nº 8, letras a e e , só se
poderá renovar em prazos determinados, e obedecerá às seguintes
normas:
24
a) ensino primário integral gratuito e de freqüência obrigatória
extensivo aos adultos;
b) tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a
fim de o tornar mais acessível;
c) liberdade de ensino em todos os graus e ramos, observadas as
prescrições da legislação federal e da estadual;
d) ensino, nos estabelecimentos particulares, ministrado no idioma
pátrio, salvo o de línguas estrangeiras;
e) limitação da matrícula à capacidade didática do estabelecimento e
seleção por meio de provas de inteligência e aproveitamento, ou por
processos objetivos apropriados à finalidade do curso;
f) reconhecimento dos estabelecimentos particulares de ensino
somente quando assegurarem. a seus professores a estabilidade,
enquanto bem servirem, e uma remuneração condigna.
Art 151 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal organizar e
manter sistemas educativos nos territórios respectivos, respeitadas as
diretrizes estabelecidas pela União.
Art 152 - Compete precipuamente ao Conselho Nacional de
Educação, organizado na forma da lei, elaborar o plano nacional de
educação para ser aprovado pelo Poder Legislativo e sugerir ao
Governo as medidas que julgar necessárias para a melhor solução
dos problemas educativos bem como a distribuição adequada dos
fundos especiais.
Parágrafo único - Os Estados e o Distrito Federal, na forma das leis
respectivas e para o exercício da sua competência na matéria,
estabelecerão Conselhos de Educação com funções similares às do
Conselho Nacional de Educação e departamentos autônomos de
administração do ensino.
Art 153 - O ensino religioso será de freqüência facultativa e
ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do
aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria
25
dos
horários
nas
escolas
públicas
primárias,
secundárias,
profissionais e normais.
Art 154 - Os estabelecimentos particulares de educação, gratuita
primária ou profissional, oficialmente considerados idôneos, serão
isentos de qualquer tributo.
Art 155 - É garantida a liberdade de cátedra.
Art 156 - A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por
cento, e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por
cento, da renda resultante dos impostos na manutenção e no
desenvolvimento dos sistemas educativos.
Parágrafo único - Para a realização do ensino nas zonas rurais, a
União reservará no mínimo, vinte por cento das cotas destinadas à
educação no respectivo orçamento anual.
Art 157 - A União, os Estados e o Distrito Federal reservarão uma
parte dos seus patrimônios territoriais para a formação dos
respectivos fundos de educação.
§ 1º - As sobras das dotações orçamentárias acrescidas das
doações, percentagens sobre o produto de vendas de terras públicas,
taxas especiais e outros recursos financeiros, constituirão, na União,
nos Estados e nos Municípios, esses fundos especiais, que serão
aplicados exclusivamente em obras educativas, determinadas em lei.
§ 2º - Parte dos mesmos fundos se aplicará em auxílios a alunos
necessitados, mediante fornecimento gratuito de material escolar,
bolsas de estudo, assistência alimentar, dentária e médica, e para
vilegiaturas.
Art 158 - É vedada a dispensa do concurso de títulos e provas no
provimento dos cargos do magistério oficial, bem como, em qualquer
curso, a de provas escolares de habilitação, determinadas em lei ou
regulamento.
§ 1º - Podem, todavia, ser contratados, por tempo certo, professores
de nomeada, nacionais ou estrangeiros.
26
§ 2º - Aos professores nomeados por concurso para os institutos
oficiais cabem as garantias de vitaliciedade e de inamovibilidade nos
cargos, sem prejuízo do disposto no Título VII. Em casos de extinção
da cadeira, será o professor aproveitado na regência de outra, em
que se mostre habilitado.
Na Constituição de 1937 percebe-se mais acentuado ainda o poder que
se garantiu à família quanto à educação, tendo esta prioridade sobre o Estado
que funciona apenas como colaborador.
Art 125 - A educação integral da prole é o primeiro dever e o
direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse
dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para
facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da
educação particular.
Art 129 - À infância e à juventude, a que faltarem os recursos
necessários à educação em instituições particulares, é dever da
Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de
instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a
possibilidade de receber
uma educação
adequada
às
suas
faculdades, aptidões e tendências vocacionais.
O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes
menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de
Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos
de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos
Municípios
e
dos
indivíduos
ou
associações
particulares
e
profissionais.
É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na
esfera da sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos
filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o
cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado,
sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a
lhes serem concedidos pelo Poder Público.
Art 130 - O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade,
porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os
mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos
27
que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de
recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar.
(grifos nossos)
Na Constituição de 1946 vemos a continuidade da ideia de
obrigatoriedade com a garantia de que possa ser dada no lar e na escola.
Art 166 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na
escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana.
Art 167 - O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos
Poderes Públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis
que o regulem.
Art 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios:
I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua
nacional;
(...) (grifos nossos)
Na Constituição de 1946 “há muito das ideias e do espírito do Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Foi a partir desta percepção que o
Ministro da Educação de então, Francisco Mariani, oficializou comissão de
educadores
para
propor
uma
reforma
geral
da
educação
nacional”
(CARNEIRO, 2006).
A partir dessas ideias de reforma com base na Educação Nova, surge a
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDB 4024/61. Nela,
maior ainda a ênfase dada à família como principal responsável pela oferta da
educação. Melhores comentários sobre a LDB de 1961 serão tecidos no
capítulo próprio sobre a legislação educacional infraconstitucional.
A Constituição de 1967 surge da necessidade de um novo ordenamento
jurídico, já que o Golpe Militar de 1964 assim o exigia. Nesse texto, permanece
28
a responsabilidade pela educação conforme as constituições anteriores, mas
há ampliação da escolarização obrigatória para oito anos:
Art 168 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na
escola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no
princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de
solidariedade humana.
§ 1º - O ensino será ministrado nos diferentes graus pelos Poderes
Públicos.
§ 2º - Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à iniciativa
particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos
Poderes Públicos, inclusive bolsas de estudo.
§ 3º - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e
normas:
I - o ensino primário somente será ministrado na língua nacional;
II - o ensino dos sete aos quatorze anos é obrigatório para todos
e gratuito nos estabelecimentos primários oficiais;
III - o ensino oficial ulterior ao primário será, igualmente, gratuito para
quantos, demonstrando efetivo aproveitamento, provarem falta ou
insuficiência de recursos. Sempre que possível, o Poder Público
substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de
estudo, exigido o posterior reembolso no caso de ensino de grau
superior;
IV - o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina
dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio.
V - o provimento dos cargos iniciais e finais das carreiras do
magistério de grau médio e superior será feito, sempre, mediante
prova de habilitação, consistindo em concurso público de provas e
títulos quando se tratar de ensino oficial;
VI - é garantida a liberdade de cátedra.
Art. 169 - Os Estados e o Distrito Federal organizarão os seus
sistemas de ensino, e, a União, os dos Territórios, assim como o
29
sistema federal, o qual terá caráter supletivo e se estenderá a todo o
País, nos estritos limites das deficiências locais.
§ 1º - A União prestará assistência técnica e financeira para o
desenvolvimento dos sistemas estaduais e do Distrito Federal.
§ 2º - Cada sistema de ensino terá, obrigatoriamente, serviços de
assistência educacional que assegurem aos alunos necessitados
condições de eficiência escolar.
Art. 170 - As empresas comerciais, industriais e agrícolas são
obrigadas a manter, pela forma que a lei estabelecer, o ensino
primário gratuito de seus empregados e dos filhos destes.
Parágrafo único - As empresas comerciais e industriais são ainda
obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus
trabalhadores menores.
Art 171 - As ciências, as letras e as artes são livres.
Parágrafo único - O Poder Público incentivará a pesquisa científica e
tecnológica.
Art 172 - O amparo à cultura é dever do Estado. (grifos nossos)
(...)
Nova ordem constitucional desafia novas orientações também em
matéria educacional. Assim, com a Emenda Constitucional n.1, de 1969, além
de ser direito de todos, a educação passa a ser entendida, pela primeira vez no
país, como um dever do Estado.
Art. 176. A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e
nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e
dever do Estado, e será dada no lar e na escola.(grifos nossos)
Mas,
como
se
observa,
essa
Constituição
ainda
preserva
o
entendimento de que a educação dos filhos seja oferecida também no
ambiente doméstico, caso seja interesse dos pais. Segundo Barbosa (2009), o
30
Brasil teria sofrido uma forte influência das concepções católicas, fato que
resultou na precedência da família sobre o Estado.
Ocorre que, até 1988, a legislação brasileira não impôs que a educação
se desse forçosamente em instiuições escolares (CURY, 2006). Diante disso, a
Constituição de 1988 foi o grande marco para a educação no que diz respeito à
garantia desta para todos, bem como a primazia do Estado sobre a família
quanto à oferta da educação que passou a ocorrer, obrigatoriamente, em
instituições escolares.
É com a Constituição de 1988, também chamada de Constituição
Cidadã, que o direito à educação é elevado a patamares democráticos
estabelecendo, de vez, a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino fundamental
e, ainda, a progressiva implementação dos ensinos médio e superior (BASÍLIO,
2009, p. 45).
Com a Constituição de 1988 a família cedeu, forçosamente, seu lugar na
educação dos filhos ao Estado. Entretanto, a Educação mereceu destaque
nessa Constituição que, por exemplo, em seus dispositivos transitórios (ADCT
60 modificado pela Emenda Constitucional 14/1996) dava o prazo de dez anos
para a universalização do ensino e a erradicação do analfabetismo.
Os princípios democráticos e de liberdade estavam resguardados, bem
como uma vasta previsão constitucional com relação à educação. Segundo as
impressões de Basílio (2009) “a educação veio concebida não apenas como
um tópico dentro da Ordem Social (...), mas também espalhada em outros
capítulos; fora reconhecida como um direito social, juntamente a outros, como
saúde, trabalho, e segurança social (art. 6º.), e incluída no capítulo destinado à
criança e à família como um direito prioritário (art. 227)”.
Hoje, após algumas Emendas Constitucionais, o texto da Carta de 1988,
no que se refere à educação está assim:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da
31
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e
coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na
forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por
concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da
educação escolar pública, nos termos de lei federal.
Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores
considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de
prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira,
no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios.
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao
princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
§ 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e
cientistas estrangeiros, na forma da lei.
§ 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa
científica e tecnológica.
32
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante
a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17
(dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita
para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5
(cinco) anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da
criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do
educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação
básica,
por
meio
de
programas
suplementares
de
material
didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público
subjetivo.
§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público,
ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade
competente.
§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino
fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou
responsáveis, pela freqüência à escola.
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes
condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
33
Art. 210. Serão fixados
conteúdos
mínimos para o ensino
fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e
respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina
dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
§ 2º - O ensino fundamental regular será ministrado em língua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a
utilização de suas línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem.
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos
Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e
exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva,
de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e
padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica
e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e
na educação infantil.
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no
ensino fundamental e médio.
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de
colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino
obrigatório.
§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino
regular.
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no
mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a
proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do
ensino.
34
§ 1º - A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados
aos respectivos Municípios, não é considerada, para efeito do cálculo
previsto neste artigo, receita do governo que a transferir.
§ 2º - Para efeito do cumprimento do disposto no "caput" deste artigo,
serão considerados os sistemas de ensino federal, estadual e
municipal e os recursos aplicados na forma do art. 213.
§ 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao
atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se
refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade,
nos termos do plano nacional de educação.
§ 4º - Os programas suplementares de alimentação e assistência à
saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos
provenientes
de
contribuições
sociais
e
outros
recursos
orçamentários.
§ 5º A educação básica pública terá como fonte adicional de
financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida
pelas empresas na forma da lei.
§ 6º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição
social do salário-educação serão distribuídas proporcionalmente ao
número de alunos matriculados na educação básica nas respectivas
redes públicas de ensino.
Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas,
podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou
filantrópicas, definidas em lei, que:
I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes
financeiros em educação;
II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola
comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no
caso de encerramento de suas atividades.
§ 1º - Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a
bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei,
35
para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver
falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da
residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir
prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.
§ 2º - As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão
receber apoio financeiro do Poder Público.
Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração
decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação
em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e
estratégias de implementação para assegurar a manutenção e
desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e
modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das
diferentes esferas federativas que conduzam a:
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - melhoria da qualidade do ensino;
IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.
VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em
educação como proporção do produto interno bruto. (grifos nossos)
36
CAPÍTULO III
A educação na lei brasileira
A legislação infraconstitucional ocupou-se de tratar da temática da
educação mesmo antes que a primeira Constituição brasileira assim o fizesse.
Zichia (2008), por exemplo, indica o decreto de 30 de junho de 1821 segundo o
qual o ensino deveria ser livre a qualquer cidadão, assim como a abertura de
escolas de primeiras letras, desde que contasse com a gratuidade (...).
Segundo ela, “esse decreto é o único documento que se destaca no período e,
somente, com a Independência, agora proclamada, que se iniciou uma nova
política no campo da instrução, no Brasil”.
Em 15 de outubro de 1827 foi aprovada a primeira lei sobre o Ensino
Elementar. Essa lei vigoraria até 1946. Ela determinou a criação de "escolas de
primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugarejos" (artigo 1º) e "escolas de
meninas nas cidades e vilas mais populosas" (artigo XI). A lei fracassou por
várias causas econômicas, técnicas e políticas. O relatório Liberato Barroso
apontou que, em 1867, apenas 10% da população em idade escolar se
matriculara nas escolas elementares3.
Nesse período, Gustavo Capanema no Ministério da Educação,
promulgou várias leis orgânicas do ensino, conhecidas como Reforma
Capanema.
Com isso, embora por reformas parciais, toda a estrutura educacional
foi reorganizada. As reformas Capanema foram baixadas por meio de
oito decretos-leis:
a) Decreto-lei n. 4.048, de 22 de janeiro de 1942, que criou o SENAI;
3
Informação obtida no sítio < http://www.revistanativa.com.br/index.php/revistanativa/
article/view /43/html>. Acesso em 09 de janeiro de 2014.
37
b) Decreto-lei n. 4.073, de 30 de janeiro de 1942: Lei Orgânica do Ensino
Industrial;
c) Decreto-lei n. 4.244, de 9 de abril de 1942: Lei Orgânica do Ensino
Secundário;
d) Decreto-lei n. 6.141, de 28 de dezembro de 1943: Lei Orgânica do
Ensino Comercial;
e) Decreto-lei n. 8.529, de 2 de janeiro de 1946: Lei Orgânica do Ensino
Primário;
f) Decreto-lei n. 8.530, de 2 de janeiro de 1946: Lei Orgânica do Ensino
Normal;
g) Decreto-lei n. 8.621, de 10 de janeiro de 1946, que criou o SENAC;
h) Decreto-lei n. 9.613, de 20 de agosto de 1946: Lei Orgânica do Ensino
Agrícola”. (SAVIANI, 2010, p. 268-269)
Com o fim do Estado Novo, surge a Constituição de 1946 que trouxe
dispositivos dirigidos à educação, como a gratuidade para o ensino primário e a
manutenção da mesma na sequência dos estudos, para aqueles que
comprovassem falta de recursos. Em 1948, também surgiu a discussão para
uma Lei de Diretrizes Básicas, instrumento normativo considerado fundamental
na definição de um sistema nacional de educação, a partir da proposta do
deputado Clemente Mariani. Depois de treze anos de debates dos
escolanovistas e também de católicos tradicionalistas com forte influência do
padre Leonel Franca e de Alceu Amoroso Lima, além do "Manifesto dos
Educadores Mais uma Vez Convocados" (1959), assinado por Fernando de
Azevedo e mais 189 pessoas, foi aprovada a Lei nº 4.024/61, que instigou o
desencadeamento de vários debates acerca do tema.
De Ribeiro (1993) também extraímos os seguintes comentários a
respeito da tramitação e aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional:
38
Reformas profundas, no entanto, seriam levadas à frente por
intermédio de Clemente Mariani, Ministro da Educação que constitui
uma comissão de educadores que deveria propor um projeto para
uma reforma geral na Educação do país. Presidida por Lourenço
Filho, esta comissão apresenta, em 1948, um anteprojeto a ser
submetido à votação na Câmara e no Senado, sendo que, somente
em 1961 é transformado em lei.
A LDB 4024/61 surge em meio a uma contraposição de ideias entre
católicos e liberais e entre um conflito entre escola pública versus escola
particular. Enquanto os "católicos" defendiam a subvenção pública às escolas
particulares, o direito das famílias na formação integral de seus filhos e
baseavam-se na doutrina católica do papa Pio XII, além de considerarem os
defensores da escola pública como comunistas, e, portanto, inimigos de Deus,
da família e da Pátria, os defensores da escola pública fundamentavam suas
idéias na doutrina liberal-pragmática de educar para ajustar o indivíduo à
sociedade, tendo Florestan Fernandes como um de seus defensores.
Quando em 1961, no entanto, é aprovada a Lei 4024 das Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, ambas as tendências são beneficiadas pelo seu
conteúdo, que atende às reivindicações feitas tanto pelos católicos quanto
pelos liberais.
Importante registrar que, conforme artigo de Montalvão (2014), no
substitutivo do Deputado Carlos Lacerda, “o artigo 6º do Título III (“A liberdade
de ensino”) procurou fixar em lei os dispositivos capazes de assegurar os
direitos da família e dos particulares em receber e ofertar os préstimos
educativos”. Segundo ele, seria
vedado ao Estado exercer ou de qualquer modo favorecer o
monopólio do ensino, assegurado o direito paterno de prover, com
prioridade absoluta a educação dos filhos e o dos particulares
comunicarem aos outros os seus conhecimentos (MONTALVÃO,
2014).
39
Ainda com base no artigo de Montalvão (2014), pode-se afirmar que “o
pensamento educacional veiculado pelo substituto de Carlos Lacerda e Perilo
Teixeira entendia que a responsabilidade pela educação em uma sociedade
democrática não caberia ao Estado, e sim aos particulares, sendo a escola
uma
instância
complementar
à
educação
dada
pelas
famílias.
A
universalização do ensino e, consequentemente, o rompimento com o dualismo
totalitário, deveria ocorrer pelo apoio às famílias pobres, que poderiam optar
pela escola de seus filhos em um mercado aberto à iniciativa privada”.
Dessa forma, a lei 4024/61 foi aprovada e, quanto ao direito à educação,
sua obrigatoriedade e obervância do direito à família na educação dos filhos
assim dispôs:
Art. 2º - A educação é direito de todos e será dada no lar e na
escola.
Parágrafo único. À família cabe escolher o gênero de educação
que deve dar a seus filhos.
Art. 30 - Não poderá exercer função pública, nem ocupar emprego em
sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço
público o pai de família ou responsável por criança em idade escolar
sem fazer prova de matrícula desta, em estabelecimento de ensino,
ou de que lhe está sendo ministrada educação no lar. (grifos nossos)
A Lei 4024/61 previa também a obrigatoriedade do ensino primário,
apontando para o avanço em relação à declaração do direito à educação ao tal
nível de ensino como obrigatório.
Art. 27. O ensino primário é obrigatório a partir dos sete anos e
só será ministrado na língua nacional. Para os que o iniciarem depois
dessa idade poderão ser formadas classes especiais ou cursos
supletivos correspondentes ao seu nível de desenvolvimento. (grifo
nosso)
A fim de organizar o ensino de acordo com o novo quadro político
imposto pelo golpe miliar em 1964, faz-se necessário um ajuste na LDB
40
4024/61. Assim, sanciona-se a lei 5540/68 que reformou a estrutura do ensino
superior, somente. Por isso, foi chamada de lei da reforma universitária. A
seguir, para atender as demandas do ensino primário e médio, foi necessária
uma nova reforma, instituída pela lei 5692/71 que revogou e substituiu as
disposições relativas ao primário e ao ensino médio.
É nesse cenário de Ditadura Militar e de liberdades reprimidas que se
descortina a LDB 5692/71. Essa lei não chegou a romper completamente com
o texto anterior, mas incorporou os objetivos gerais do ensino expostos nos fins
da educação, a necessidade de proporcionar ao educando a formação
necessária para desenvolver suas potencialidades, principalmente quanto à
qualificação para o trabalho e o preparo para o exercício da cidadania
(BASÍLIO, 2009).
A principal preocupação da lei 5692/71 era com a profissionalização, de
modo que o ensino médio oferecesse uma terminalidade profissional para que
os estudantes não aprovados nos vestibulares não sofressem tanta pressão,
posto que já possuiriam meios de enfrentar o mercado de trabalho
(CERQUEIRA et tal, s.d).
Em 1982, a lei 5692/71 foi substancialmente alterada pela lei 7044, mas
sem nada especificamente direcionado à alteração do direito à educação e sua
obrigatoriedade. Permanecia a ideia do disposto no art. 176 da AI n. 5, de
1969:
Art. 176. A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e
nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e
dever do Estado, e será dada no lar e na escola.(grifos nossos)
Com a promulgação da Carta Magna de 1988, novo projeto fixando as
diretrizes e bases da educação nacional foi apresentado no Congresso
Nacional. Após muitas emendas e projetos anexados à proposta original, as
negociações se iniciaram formando defesa pela escola pública em um modelo
democrático, prevendo uma maior abrangência ao sistema público de
educação, dentre outras alterações substanciais. Em 17 de dezembro foi
41
aprovada e em 20 de dezembro de 1996 publicada a lei 9394, a nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional que está em vigor até hoje.
Segundo Flach (2011), tanto a Constituição Federal de 1988, como a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei 9394/96 prevêem a
obrigatoriedade e gratuidade da escola pública para o ensino fundamental.
Embora esses dispositivos legais não sejam garantia de mudança na realidade
existente, podem ser considerados como um avanço, ainda mais quando se
cria a possibilidade de que o ensino fundamental tenha maior duração.
Para a LDB 9394/96, embora a educação abranja “os processos
formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (art. 1º.), a lei
somente tratará da “educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias” (art. 1º § 1º).
Assim, afastou a possibilidade, literalmente garantida em leis anteriores,
da educação domiciliar e indicou como principal responsável pelo provimento
da educação, o Estado. A família tem o dever de encaminhar os filhos para que
o Estado se responsabilize pela educação.
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será
efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17
(dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma:
(...)
Na redação dada pela lei 12.796/2013, o art. 6º. da LDB 9396/94 passou
a determinar a matrícula a partir dos 4 anos de idade, vejamos:
42
o
Art. 6 É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das
crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de
idade.(grifo nosso)
A educação obrigatória prevista na LDB 9394/96 vem sendo interpretada
como envio a uma instituição escolar necessariamente, já que a possibilidade
de educação domiciliar, antes expressa, foi retirada do texto literal da
Constituição de 1988 e da LDB de 1996.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, lei 8069/90, também
reservou espaço para garantir a educação enquanto dever da família e do
Estado. Vejamos:
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação
dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a
obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
(...)
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando
ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício
da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - direito de ser respeitado por seus educadores;
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às
instâncias escolares superiores;
IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;
V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do
processo pedagógico, bem como participar da definição das
propostas educacionais.
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
43
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os
que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino
médio;
(...)
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público
subjetivo.
§ 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou
sua
oferta
irregular
importa
responsabilidade
da
autoridade
competente.
§ 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino
fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou
responsável, pela freqüência à escola.
Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular
seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.
Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental
comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de:
(...)
II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados
os recursos escolares;
(...) (grifos nossos)
O Código Penal, Decreto-lei 2848/40 também trata do assunto quando
fala dos crimes contra a assistência familiar e, no art. 246, classifica como
crime de abandono intelectual a falta injustificada de instrução primária ao filho
em idade escolar, in verbis:
Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de
filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
44
Mais uma vez, há a interpretação de que o provimento da instrução
somente se dará com o envio da criança a uma instituição de ensino. Caso
contrário, havendo a omissão, o crime está consumado.
Entretanto, por amor ao debate, encerro essa exposição com uma
indagação para provocar a reflexão: o pai que não envia seu filho a uma
instituição escolar, mas provê educação e instrução no lar, estaria realmente,
com dolo, deixando de cumprir seu dever de dar educação ao seu filho?
45
CAPÍTULO IV
Obrigatoriedade legal da educação escolar
Por que existem escolas? Para que servem as escolas?
Michael Young diz que, sem elas, cada geração teria que recomeçar do
zero ou, como as sociedades que existiram antes das escolas, permanecer
praticamente inalterada durante séculos. Para ele, as escolas são as
instituições com o propósito específico de promover a aquisição do
conhecimento. John White apud Young afirma que as escolas devem promover
a felicidade e o bem estar humano. Young encerra seu posicionamento
afirmando que as escolas “capacitam ou podem capacitar jovens a adquirir o
conhecimento que, para a maioria deles, não pode ser adquirido em casa ou
em sua comunidade, e para adultos, em seus locais de trabalho” (YOUNG,
2007).
Já Ivan Illich, ferrenho defensor de uma sociedade sem escolas, diz que
assim como “medicar-se a si próprio é considerado irresponsabilidade; o
aprender por si próprio é olhado com desconfiança”. Para ele, a escolarização
obrigatória é economicamente impraticável, além de polarizar inevitavelmente a
sociedade que a adota (ILLICH, 1973).
Há posições ainda mais radicais que dizem que a instrução obrigatória
era coisa de escravos na época de Platão, cujos espaços de estudos eram
livres e que as escolas como conhecemos hoje surgiram para controle das
massas e que escola não é sinônimo de educação4.
Diante desse explícito embate contra e a favor da escola enquanto
provedora da educação, este capítulo pretende expor e analisar os marcos
4
Opiniões retiradas do documentário “La Educación Prohibida” com quase 9 milhões
de vizualizações e disponível em http://www.youtube.com/watch?v=-1Y9OqSJKCc. Acesso em
15 de janeiro de 2014.
46
históricos da obrigatoridade da educação escolar no Brasil, reforçando o que já
foi exposto nos capítulos anteriores de forma a enfatizar a questão da
obrigatoriedade da educação.
Certa vez, Norberto Bobbio, perguntado se via algum sinal positivo para
a humanidade, diante de tantos acontecimentos que remetem à degradação do
homem e do seu meio, respondeu que sim, com base na crescente importância
atribuída ao “problema do reconhecimento dos direitos do homem” (BOBBIO,
2004). E ele segue dizendo que a difusão das doutrinas jusnaturalistas, as
Declarações dos Direitos do Homem e as Constituições dos Estados liberais
(id.) é que contribuem para esse reconhecimento e, consequentemente, para a
salvação da humanidade.
A doutrina jurídica costuma classificar os direitos fundamentais do
homem em gerações ou dimensões de direitos (LENZA, 2009) conforme foram
se consolidando na histórica luta pelo reconhecimento dos princípios de
liberdade, igualdade e solidariedade. O próprio Norberto Bobbio é apresentado
como o principal “pai” dessa denominação. Assim, como direitos de primeira
geração, temos os direitos que traduzem o valor de liberdade. Como direitos de
segunda geração, as garantias que privilegiam direitos sociais, culturais e
econômicos nomeados como direitos de igualdade. Os direitos de terceira
geração preocupam-se com questões coletivas e são nomeados como direitos
de solidariedade. Já os direitos de quarta geração, decorrentes de avanços no
campo genético, protegem a própria existência humana (id.).
A
educação
encaixa-se
nessa
segunda
geração
de
direitos
fundamentais do homem consistindo, portanto, em um direito social. Em sendo
um direito marcado com o adjetivo fundamental do homem, por óbvio que a
lesgislação brasileira sempre se preocupou em regulamentar o exercício e a
prestação de tal direito.
“A educação constituía-se como um direito, na medida em que passava
a ser entendida como um ordenamento normativo no Estado, na transição para
a consolidação dos direitos sociais” (ZICHIA, 2008, p. 12).
47
Andrea Zichia, ao realizar estudo sobre as origens do direito à educação
no Período Imperial, constatou que debates sobre liberdade de ensino e
compulsoriedade do mesmo, estão presentes desde o Império (2008).
O primeiro vestígio de obrigatoriedade, entretanto, só surge após 1845
com a discussão da necessidade de o ensino ser obrigatório, demonstrando a
preocupação com a instrução primária (Ibid.). Muitos projetos focados na
gratuidade, obrigatoriedade e liberdade de ensino foram apresentados nesse
período (Ibid.).
Segundo Horta (1998), a partir de 1854 o ensino obrigatório, embora
estivesse inscrito na reorganização do ensino, encontrava dificuldades para ser
aplicado na realidade, ainda que o Deputado João Alfredo, por exemplo,
defendesse o ensino obrigatório como o melhor meio de estender a todos o
benefício da instrução.
Contudo, esse debate sobre obrigatoriedade da educação não
significava necessariamente que essa educação devesse ser ministrada numa
escola, mas sim que deveria existir. Até porque, a educação domiciliar ou
educação em casa constituia práxis comum nas elites brasileiras do século XIX
(CURY, 2006).
A obrigatoriedade escolar voltou a ser objeto de intensos debates no fim
do Império (HORTA, 1998), mas embora o debate tenha continuado, o
liberalismo que servia de base para a República recém proclamada impediu
que o ensino obrigatório fosse referido textualmente na Constituição de 1891.
Somente na Constituição de 1934, o Brasil garantiu um capítulo para a
educação como um direito de todos a ser ministrada pela família e pelos
poderes públicos, como disposto no art. 149, in verbis:
Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada,
pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes
proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de
modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da
48
Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da
solidariedade humana. (grifo nosso)
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932 ajudou a
proclamar essa obrigatoriedade expressa na Carta de 1934, tendo em vista que
afirmava:
A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação são outros
tantos princípios em que assenta a escola unificada e que decorrem
tanto da subordinação à finalidade biológica da educação de todos os
fins particulares e parciais (de grupos, classes ou crenças), como do
reconhecimento do direito biológico que cada ser humano tem à
educação. (...) A obrigatoriedade que, por falta de escolas, ainda não
passou do papel, nem em relação ao ensino primário, e se deve
estender progressivamente até uma idade conciliável com o trabalho
produtor, isto é, até aos 18 anos, é mais necessária ainda “na
sociedade moderna em que o industrialismo e o desejo de exploração
humana sacrificam e violentam a criança e o jovem”, cuja educação é
frequentemente impedida ou mutilada pela ignorância dos pais ou
responsáveis e pelas contingências econômicas (MANIFESTO, p. 4849).
Na Constituição de 1937 percebe-se mais acentuado ainda o poder que
se garantiu à família quanto à educação, tendo esta prioridade sobre o Estado
que funciona apenas como colaborador. Mas percebe-se a obrigatoriedade do
ensino literalmente determinada.
Art 125 - A educação integral da prole é o primeiro dever e o
direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse
dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para
facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da
educação particular.
Art 130 - O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade,
porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os
mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos
que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de
recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar.
(grifos nossos)
49
O professor Rogério Fernandes, da Universidade de Lisboa, ao prefaciar
VASCONCELOS (2005, p. XI) afirma que “a escola pública se instituiu,
sobretudo a partir da II Guerra Mundial, como fator de desenvolvimento
econômico através da formação de recursos humanos. A atribuição dessa
função levou à sua categorização como obrigação do Estado-Providência e
como direito social individual”.
Na Constituição de 1946 vemos a continuidade da ideia de
obrigatoriedade com a garantia de que possa ser dada no lar e na escola.
Art 166 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na
escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana.
Art 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios:
I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua
nacional;
(...) (grifos nossos)
Na LDB 4024/61, maior ainda a ênfase dada à família como principal
responsável pela oferta da educação. O princípio da obrigatoriedade escolar
também foi incorporado nos seguintes termos:
Art. 2º - A educação é direito de todos e será dada no lar e na
escola.
Parágrafo único. À família cabe escolher o gênero de educação
que deve dar a seus filhos.
Art. 27 - O ensino primário é obrigatório a partir dos sete anos, e só
será ministrado na língua nacional. Para os que o iniciarem depois
dessa idade poderão ser formadas classes especiais ou cursos
supletivos correspondentes ao seu nível de desenvolvimento.
Art. 30 - Não poderá exercer função pública, nem ocupar emprego em
sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço
público o pai de família ou responsável por criança em idade escolar
50
sem fazer prova de matrícula desta, em estabelecimento de ensino,
ou de que lhe está sendo ministrada educação no lar. (grifos nossos)
Na Constituição de 1967 há ampliação da escolarização obrigatória para
oito anos, a fim de atender a compromissos internacionalmente assumidos pelo
Brasil.
Art 168 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na
escola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no
princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de
solidariedade humana.
(...)
§ 3º - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e
normas:
(...)
II - o ensino dos sete aos quatorze anos é obrigatório para todos
e gratuito nos estabelecimentos primários oficiais;
Com a Emenda Constitucional n.1, de 1969, além de ser direito de
todos, a educação passa a ser entendida, pela primeira vez no país, como um
dever do Estado.
Art. 176. A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e
nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e
dever do Estado, e será dada no lar e na escola.
(...)
3º. A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas:
(...)
II - O ensino primário é obrigatório para todos, dos sete aos
quatorze anos, e gratuito nos estabelecimentos oficiais. (grifos
nossos)
51
Mas,
como
se
observa,
essa
Constituição
ainda
preserva
o
entendimento de que a educação dos filhos seja oferecida também no
ambiente doméstico, caso seja interesse dos pais. Segundo Barbosa (s.d.), o
Brasil teria sofrido uma forte influência das concepções católicas, fato que
resultou na precedência da família sobre o Estado.
O caminho estava aberto para que a lei 5.692/71 estabelecesse
infraconstitucionalmente a regulamentação da obrigatoriedade escolar da
educação:
Art. 20 - O ensino de 1º. grau será obrigatório dos 7 aos 14 anos,
cabendo aos Municípios promover, anualmente, o levantamento da
população que alcance a idade escolar e proceder à sua chamada
para matrícula.
Parágrafo único - Nos Estados, no Distrito Federal, nos Territórios e
nos Municípios, deverá a administração do ensino fiscalizar o
cumprimento da obrigatoriedade escolar e incentivar a frequência dos
alunos.
Ocorre que, até 1988, a legislação brasileira não impôs que a educação
se desse forçosamente em instiuições escolares (CURY, 2006). Diante disso, a
Constituição de 1988 foi o grande marco para a educação no que diz respeito à
garantia desta para todos, bem como a primazia do Estado sobre a família
quanto à oferta da educação que passou a ocorrer, obrigatoriamente, em
instituições escolares.
A Constituição de 1988 foi a responsável por fechar o círculo
responsável pelo direito à educação e à obrigatoriedade escolar na legislação
educacional brasileira, recuperando o conceito de educação como um direito
público subjetivo (HORTA, 1998). Mas com isso, a Constituição de 1988
determinou que a família cedesse, forçosamente, seu lugar na educação dos
filhos ao Estado.
Estaria mesmo o direito à educação vinculado à obrigatoriedade
escolar?
52
Para Hubermann apud Horta (1998), diferentemente dos demais direitos
sociais, o direito à educação está estreitamente vinculado à obrigatoriedade
escolar:
A educação considerada como um direito fundamental difere dos
outros serviços que as sociedades tradicionalmente oferecem a seus
membros. O direito à educação não se reveste exatamente da
mesma dimensão que, por exemplo, o direito à assistência médica
gratuita, à alimentação mínima, à habitação decente ou ao socorro
em caso de catástrofe natural. Estes são serviços que a sociedade
porporciona àqueles que os solicitam. Em geral, os cidadãos podem
escolher entre utilizá-los ou prescindir deles e inclusive, adaptá-los,
via de regra, a seus interesses individuais. A educação, ao contrário,
é via de regra obrigatória, e as crianças não se encontram em
condições de negociar as formas segundo as quais a receberão.
Paradoxalmente, encontramo-nos assim diante de um direito que é,
ao mesmo tempo, uma obrigação. O direito de ser dispensado da
educaçao, se esta fosse a preferência de uma criança ou de seus
pais, não existe.
Apesar desse posicionamento, há o “outro lado da moeda”, de pessoas
que defendem com argumentos plausíveis o direito de os pais educarem seus
filhos em casa, já que a obrigatoriedade seria da educação e não da escola.
O saudoso jurista e ex ministro do STJ, Franciulli Netto posiciona-se
nessa perspectiva dizendo que se os pais se mostram capazes de garantir
educação de qualidade aos seus filhos, não há motivo ontológico e teleológico
suficiente para a interferência do Estado em detrimento do direito natural da
família. Ao Estado cabe um poder coordenador; não determinador ou impositor
(FRANCIULLI NETTO, 2005).
Em sua manifestação favorável ao direito de os pais não optarem,
obrigatoriamente, pela instituição escolar como única forma de prover
educação aos filhos, Franciulli Netto cita a Declaração Universal dos Direitos
do Homem no art. 26, verbis:
Art. 26 (Educação)
53
1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser
gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar
fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e
profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores
deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu
mérito.
2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade
humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades
fundamentais. E deve favorecer a compreensão, a tolerância e a
amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou
religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações
Unidas para a manutenção da paz.
3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero
de educação a dar aos filhos”.(grifos nossos) (FRANCIULLI
NETTO, 2005)
Encerrando seu posicionamento, o ministro afirma que “levada a
obrigatoriedade de imposição da vontade do Estado sobre a dos cidadãos e da
família, menos não fora do que copiar modelos fascistas, nazistas ou
totalitários” (FRANCIULLI NETO, 2005).
Com o escopo de encerrar didaticamente esse capítulo, apresento um
quadro com a trajetória histórica da obrigatoriedade da educação no marco
legal brasileiro:
Instrução primária e gratuita a todos
os cidadãos
do
Império de 1824
Ensino primário integral, gratuito e de
frequência
Constituição
obrigatória,
extensivo
Constituição de 1934
aos
adultos
Ensino primário obrigatório e gratuito
Constituição de 1937
Punição criminal para quem deixasse,
Código
sem justa causa, de prover a instrução
Penal,
54
primária de filho em idade escolar
Decreto-lei 2848/40
Ensino primário obrigatório e gratuito
Constituição de 1946
para todos e o ensino ulterior ao primário
para
aqueles
que
provarem
falta
ou
insuficiência de recursos
Obrigatoriedade de 4 anos no ensino
Lei 4024/61
primário
Progressiva
extensão
da
escola
PNE de 1962
primária para 6 anos
Ensino de 7 a 14 anos obrigatório para
todos
e
gratuito
nos
Constituição de 1967
estabelecimentos
primários oficiais
Ensino
primário
obrigatório
para
Ato Institucional n. 5,
todos dos 7 aos 14 anos e gratuito nos de 1969
estabelecimentos oficiais
Ensino de 1º. grau obrigatório dos 7
Lei 5692/71
aos 14 anos
Ensino
fundamental
obrigatório
e
Art.
208
gratuito, inclusive para os que a ele não Constituição de 1988
tiveram acesso na idade própria, com
progressiva extensão da obrigatoriedade e
gratuidade
do
ensino
médio.
Ensino
obrigatório e gratuito como direito público
subjetivo
Obrigatoriedade
responsáveis
em
para
matricular
pais
ou
filhos
ou
ECA - lei 8069/90
da
55
pupilos na rede regular de ensino
Ensio
fundamental
obrigatório
e
Emenda Constitucional
gratuito com oferta gratuita para os que a 14/1996
ele não tiveram acesso na idade própria,
além de progressiva universalização do
ensino médio
Ensino
fundamental
obrigatório
e
Lei 9394/96
gratuito, inclusive para quem não teve
acesso na idade própria, com progressiva
extensão da obrigatoriedade e gratuidade do
ensino
médio.
Acesso
ao
ensino
fundamental como direito público subjetivo.
Dever dos pais e responsáveis efetuar
matrícula dos menores a partir dos 7 anos
de idade no ensino fundamental
Dever dos pais e responsáveis efetuar
Lei 11.114/2005
matrícula dos menores a partir dos 6 anos
de idade no ensino funda-mental
Ensino fundamental obrigatório com
Lei 11.274/2006
duração de 9 anos gratuitamente na escola
pública com início aos 6 anos de idade
Universalização
do
ensino
médio
Lei 12.061/2009
gratuito
Educação básica obrigatória e gratuita
Emenda Constitucional
dos 4 aos 17 anos com oferta gratuita 59/2009
também para os que a ela não tiveram
acesso na idade própria
56
Dever
efetuar
a
dos
pais
matrícula
ou
das
responsáveis
crianças
na
educação básica a partir dos 4 anos de
idade
Lei 12.796/2013
57
CAPÍTULO V
Direito à educação e gestão democrática
Com o objetivo de relacionar o tema dessa pesquisa, qual seja, a
evolução histórica do direito à educação na legislação brasileira com o objeto
de estudo do curso de formação lato sensu em Administração Escolar, esse
capítulo se propõe a expor o processo de institucionalização do princípio da
gestão democrática no contexto da democratização do país, na medida em que
esse princípio tem estreita relação com a obrigatoriedade da educação escolar
debatida neste trabalho.
O objetivo desse capítulo será analisar e examinar a construção histórica
do subcampo da gestão democrática da educação no processo de
institucionalização como princípio constitucional no período de 1988-2010 com
base, principalmente, na tese de Doutorado de Ana Elizabeth Albuquerque,
tendo em vista que sua investigação passou por fundamentos históricos do
direito à educação, além da análise da Constituição Federal de 1988 e da LDB
9394/96. Considerando que a pesquisa de Albuquerque (2011) provou que nas
escolas e nos sistemas de ensino, embora haja a consideração do princípio da
gestão democrática, os sujeitos concretos, no cotidiano, confrontam a
dimensão normativa e recolocam as lutas acreditando ser possível avançar
num movimento contínuo para construir um conceito e uma prática de gestão
democrática, esse princípio ainda não se tornou prática comum nas insituições
escolares, fato que pode ser um dos geradores do questionamento da
obrigatoriedade da escola.
Parece ser consenso entre os estudiosos, o fato de que a gestão
democrática no Brasil foi implantada em um cenário de conquistas históricas,
no que diz respeito ao campo da educação (DIÓGENES, 2011).
E o princípio da gestão democrática, institucionalizado na Constituição
de 1988, tem estreita vinculação ao imperativo da universalização da
escolarização básica na medida em que a gestão da educação se relaciona
58
proximamente com as lógicas de exclusão, posto que a forma como a escola é
organizada pode assumir uma estrutura seletiva, reproduzir a hierarquia social
e, com isso, perpetuar taxas de reprovação e distorção idade-série.
Com a garantia do direito à educação, busca-se refletir o contrário desse
cenário de exclusão, de modo que o acesso universal ao ensino básico, aliado
a uma gestão participativa, contenham a perda do potencial que a escola pode
vir a ter na garantia dos direitos de cidadania, em especial o direito de
igualdade social.
Enraizada nos movimentos sociais da década de 1980, a gestão
democrática da educação se tornou um dos princípios da educação nacional
(art. 206 da CR) e está vinculada à garantia da escola básica para todos os
cidadãos, imprimindo uma referência para as políticas públicas que se
desenvolvem nas diversas instâncias do poder público, bem como as dos
sujeitos envolvidos na gestão da escola e dos sistemas de ensino. É nesse
sentido que a gestão democrática se relaciona intimamente com a
obrigatoriedade da instituição escolar.
No Brasil, tanto o direito à educação quanto a experiência da gestão
democrática são conquistas e resultado de lutas, disputas e da
capacidade
de
se
modificar
as
decisões
autoritárias
e
neopatrimoniais. O direito à educação pública é princípio constitutivo
da cidadania, sendo que a gestão democrática da educação é parte
do direito à educação e, ao mesmo tempo, elemento constitutivo
desse direito, o que implica compreender a democratização do
acesso e permanência a educação também com relações próximas à
democratização da gestão escolar. Faz-se necessário repensar as
estruturas de poder autoritário que permeiam as relações sociais e as
práticas educativas (ALBUQUERQUE, 2011).
Em Albuquerque (2011), temos que as origens da gestão democrática
estão relacionadas com o movimento de democratização da sociedade e com a
instituição da educação pública como um direito social do cidadão. Vimos
exaustivamente nessa pesquisa que Estado e Igreja católica disputavam quem
e como deveria prover a educação: família ou poder público?
59
Marshall apud Albuquerque (2011) confere centralidade à educação como
um direito que antecede, qualifica e garante a cidadania. Para ele (1967), há
uma relação direta da educação das crianças com a cidadania, “ a educação é
um pré-requisito necessário da liberdade civil” (1967, p.73). Contudo, o direito à
educação também sofreu influências da escola de administração clássica
confrontando-se numa relação tensa. As raízes da administração da escola
pública não são educacionais, mas se assentam na teoria organizacional dos
engenheiros Taylor e Fayol, além de conviverem com a herança patrimonialista
da administração portuguesa no Brasil e com os referenciais oriundos dos
movimentos sociais que afirmam a educação como direito social e a
democratização da gestão da educação (ALBUQUERQUE, 2011).
Considerando que na década de 30 a educação pública passou a ser
analisada como um direito social, ainda que lutas tenham sido travadas pela
universalização do ensino fundamental, as oportunidades educacionais não
foram ampliadas (AZEVEDO, 2001), mesmo com a importante contribuição do
Manifesto dos Pioneiros da Educação.
Cada escola, seja qual for o seu grau, dos jardins às universidades,
deve, pois, reunir em torno de si as famílias dos alunos, estimulando
e aproveitando as iniciativas dos pais em favor da educação;
construindo sociedades de ex-alunos que mantenham relação
constante com as escolas; utilizando em seu proveito, os valores e
múltiplos elementos materiais e espirituais da coletividade e
despertando e desenvolvendo o poder de iniciativa e o espírito de
cooperação social entre os pais, os professores, a imprensa e todas
as demais instituições, diretamente interessadas na obra da
educação. (O MANIFESTO ..., 2014).
Como já mencionado, na Era Vargas, a educação caracterizou-se pela
centralização e autoritarismo e, por ocasião da Constituição de 1946 e da LDB
de 1961, descortinou-se uma disputa entre escola particular e escola pública,
despontando lutas e embates.
educação
fica
subordinada
Na década de 1960, a administração da
às
metas
econômicas
e
sociais
do
desenvolvimento, dado o enfoque desenvolvimentista nacional. É na década de
60
1980
que
as
formulações
da
Constituição
Federal
de
1988
e
a
institucionalização da gestão democrática como política pública se tornam
marcos históricos. Os ares democráticos da década de 1980 também se
reportaram à educação no detalhamento do direito (social) à educação e na
institucionalização da gestão democrática como princípio constitutivo desse
direito. A Constituição da República e o ECA tratam da gestão democrática,
sendo que este considera a participação das famílias como um dos pilares da
gestão democrática (ALBUQUERQUE, 2011).
Dessa forma, a gestão democrática da educação torna-se um
objeto central no campo das políticas públicas de educação que se
desenvolvem nas diversas instâncias do poder público, pois, como princípio
constitucional, passa a imprimir referência para as ações sociais, de Estado,
dos sujeitos envolvidos na gestão da escola e dos sistemas de ensino públicos.
E qual a importância do princípio da gestão democrática na consolidação
do direito à educação, bem como da obrigatoriedade da escola?
A educação somente pode dar-se de forma democrática, posto que
sua suposição básica é de orientar-se para a formação dos sujeitos
históricos, que, como tais, só se fazem humanos determinados por
sua vontade, portanto, também só se educam (condição de sua
humanização) orientados livremente pela mesma vontade. Assim
sendo, o processo pedagógico só pode realizar-se plenamente
quando regido por um sistema pautado no diálogo entre vontades.
Esse sistema é o democrático, entendida a democracia em seu
sentido mais rigoroso de convivência pacífica e livre entre indivíduos
e grupos que se afirmam como sujeitos. Disso decorre a
inevitabilidade do caráter democrático da gestão da educação, por via
da necessidade de coerência entre os meios empregados e os fins
educativos a serem atingidos (BEZERRA, 2007).
A instituição da gestão democrática como princípio da educação
nacional se realiza na Constituição Federal de 1988 em meio a uma conjuntura
em que se presencia uma correlação das forças políticas favoráveis à
ampliação dos direitos sociais, políticos e civis, à construção de um regime
61
político democrático (ALBUQUERQUE, 2011). Além do texto constitucional,
vale registrar a LDB 9394/96 e o PNE de 2001 como produções fundamentais
ao estudo da gestão educacional.
Em que pese todos os esforços e a forte disputa entre os grupos em
conflito, no texto final da Constituição, o princípio da gestão democrática,
mesmo sem ser negado, sofreu restrições com referência ao seu alcance,
limitando-se ao ensino público. Além disso, sua exequibilidade foi adiada pelo
acréscimo da expressão “na forma da lei” que induz a necessidade de
legislação complementar.
Considerando que a regulamentação da gestão democrática do ensino
público instituída pela LDB foi insuficiente, posto que atribuiu aos sistemas de
ensino a sua normatização e a sua operacionalização foi delegada a
regulamentações posteriores e sua aplicabilidade, protelada, o Governo
Federal não implementou muitas medidas para viabilizar a implantação do
princípio nas escolas. Um dos poucos exemplos que podem ser citados
enquanto política pública de implementação da gestão democrática foi o Plano
de Desenvolvimento da Escola, o PDE-Escola no governo FHC e que tinha
orientação do Banco Mundial. Além desse, os conselhos escolares, a
transferência dos recursos financeiros diretamente para as escolas e a
construção do projeto político-pedagógico com participação da comunidade
escolar constituem outros meios que propiciam a efetivação da gestão
democrática e todos os benefícios decorrentes de um ambiente participativo.
As ações do Poder Executivo são essenciais para a conquista efetiva de
uma prática de gestão democrática nas escolas que, por sua vez, reflita na
qualidade que se espera na prestação desse direito, dada a obrigatoridade que
acompanha a educação nessas instituições. Assim,
durante o governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (20032010), ocorreram ações das autoridades públicas no seio da
sociedade que impulsionaram o princípio da gestão democrática da
educação no sentido da sua procedimentalização e concretização de
direito social conquistado. Foi criada uma coordenação específica,
62
Cafise
(Coordenação
Geral
de
Articulação
e
Fortalecimento
Institucional dos Sistema de Ensino), para a execução de vários
programas com objetivos de construir um referencial político no
processo de formação de gestores e de conselheiros escolares e
municipais de educação, que contemplasse a concepção do direito à
educação em seu caráter público, de qualidade social com bases nos
princípios da gestão democrática, e da escola numa perspectiva da
inclusão social e da emancipação humana (MEC, 2007). Para
subsidiar a gestão da escola e os conselhos escolares, foi organizado
o Programa Nacional Escola de Gestores da Educação Básica e o
Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, além
do
Programa
Pró-Conselho,
Programa
de
Apoio
para
o
Acompanhamento e Avaliação do Plano Nacional, Estadual e
Municipal de Educação, Programa de Fortalecimento Institucional das
Secretarias Municipais de Educação do Semi-Árido. Tais programas
conferem centralidade à gestão democrática (ALBUQUERQUE,
2011).
Com a expansão do princípio da gestão democrática da educação, este
passa a incluir a concepção de uma prática de gestão que garanta o direito à
tomada de decisão como constitutivo do direito à educação. Daí a relação
estreita entre a gestão democrática, o direito à educação e, consequentemente,
à obrigatoriedade da educação básica.
Pelo exposto, pode-se concluir que a gestão democrática potencializa o
direito à educação na educação pública e, historicamente, passou a ser
considerada como elemento constitutivo e necessário ao direito à educação.
Assim, se esse princípio não se materializa, de certo o direito à educação se
torna prejudicado por via reflexa.
Os estudos de Albuquerque (2011) provaram que nas escolas e nos
sistemas de ensino há a consideração do ordenamento institucional, mas há
também um movimento em seu cotidiano em que os sujeitos confrontam e
recolocam o instituído na Constituição Federal. Além disso, em todas as lutas
empreendidas, nunca se negou a democracia da gestão escolar ou sua
importância para a sociedade e para educação, contudo, em cada um dos
63
espaços de jogo examinados, foi a própria definição de gestão democrática que
foi posta em jogo (ALBUQUERQUE, 2011).
A gestão democrática se configura, portanto, como exercício de tomada
de decisão e a participação nos processos de tomada de decisão, de um direito
dos estudantes, dos profissionais da educação e da comunidade escolar
(ALBUQUERQUE, 2011)
64
CONCLUSÃO
A instituição escolar tende a ser considerada cada vez mais, tanto
pelas famílias quanto pelos próprios alunos, como um engodo, fonte
de imensa decepção coletiva: essa espécie de terra prometida,
semelhante ao horizonte, que recua na medida em que se avança em
sua direção (BOURDIEU, 2011).
Quando Pierre Bourdieu e Patrick Champagne, na obra “Os excluídos do
interior” referiram a instituição escolar como um engodo, talvez estivessem a
defender a ideia de que nem sempre ela é a melhor opção para fornecer
educação a alguém. Há outros caminhos. Há outras possibilidades.
Num Estado Democrático de Direito como o brasileiro, o fato de a
educação escolar ser obrigatória vem desnaturando a liberdade tão
proclamada pela Carta Cidadã de 1988. A educação é obrigatória. A escola
não deveria sê-lo.
Com a institucionalização do princípio da gestão democrática, pretendese conferir qualidade a essa escola, já que obrigatória. Entretanto, conforme
comprovou a pesquisa de Albuquerque (2011), embora haja a consideração do
princípio da gestão democrática, os sujeitos concretos, no cotidiano,
confrontam a dimensão normativa e recolocam as lutas acreditando ser
possível avançar num movimento contínuo para construir um conceito e uma
prática de gestão democrática. Esse princípio, portanto, ainda não se tornou
prática comum nas insituições escolares.
Enfim, isso é o que se tentou demonstrar nos escritos acima: a trajetória
da obrigatoriedade da educação escolar na legislação brasileira marcada por
disputas políticas e embates sociais que, nem sempre, deram respostas ao
clamor verdadeiro da sociedade.
65
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