Desafio Diagnóstico 03 Dor Cervical O paciente M.N.R. é portador de neoplasia maligna, cujos dados referentes à doença, ao estadiamento e ao prognóstico serão omitidos por serem irrelevantes ao caso. Fato é que se trata de paciente que necessita de tratamento quimioterápico. É prática cada vez mais comum, tendo em vista o aumento da segurança do tratamento quimioterápico, a colocação de cateter de quimioterapia em veia central para infusão das medicações. Figura 1. Ilustração de acesso jugular direito para implante de port-a-cath Figura 2. Ilustração esquemática de relação de órgãos e tecidos com o cateter e sua punção Outro motivo muito comum é a implantação do port-a-cath com a intenção de permitir ao paciente que seja realizado um tratamento em carácter ambulatorial. Este paciente que outrora deveria permanecer internado em dependências hospitalares apenas para receber infusão de quimioterápicos, pode agora ter seu cateter puncionado em uma clínica de quimioterapia e conectado a uma bomba infusora e em seguida voltar às suas atividades cotidianas conforme orientado. Porque existe risco com o uso inadequado do cateter totalmente implantável, é solicitado que ele seja utilizado apenas para fins de quimioterapia. Entretanto, sabemos que o mesmo pode ser utilizado para infusão de todos os tipos de medicamentos,nutrição parenteral, hemoderivados e inclusive para coleta de sangue para exames laboratoriais (principalmente novos modelos de port-acath que possuem saídas duplas e arquitetura que gerencia o fluxo de infusão e aspiração). Figura 3. Ilustração de novos diferentes modelos para situações especiais Para o paciente em questão, foi realizado colocação do cateter totalmente implantável pelo método mais comum atualmente utilizado, através da punção da VEIA SUBCLÁVIA DIREITA e posicionamento em VEIA CAVA SUPERIOR. Este método é extremamente seguro e o menos invasivo possível. Figura 4. Foto trabalhada de radioscopia com destaque para o posicionamento do cateter e da ogiva de implante subcutâneo em parede torácica à direita Figura 5. Foto trabalhada de radioscopia com destaque para traquéia e brônquios e com presença de cateter bem posicionado com contraste em seu interior O procedimento foi realizado em sala de cirurgia com verificação dinâmica do seu posicionamento através de radioscopia e uso de contraste para definir com exatidão a sua posição. Eis o vídeo de colocação do cateter com perda de resolução devido à manipulação para diagramação na revista. moises_mpeg4.mp4 O procedimento foi realizado no dia 11 de Novembro de 2208. Este paciente seguiu seu tratamento adequadamente, sem intercorrências. Fez também a manutenção adequada do cateter com o uso de heparina ao fim de cada uso e mensalmente após o término do tratamento. Em Maio de 2009, o paciente iniciou com quadro de dor cervical, unilateral, à direita. Ao exame físico não foram notados linfonodos aumentados, abaulamentos, massas ou quaisquer outras anomalias. O paciente não apresentava turgência jugular, rubor de face ou edemas, assim como não apresentava alterações relacionadas ao membro superior ipsilateral. O tratamento clínico não foi suficiente para o controle da dor e foi necessária investigação diagnóstica e tratamento adequado. Que possíveis diagnósticos estarão relacionados à dor do paciente, e quais exames complementares poderiam auxiliar no diagnóstico desta sintomatologia. As patologias mais comumente associadas à dor cervical são: artroses, distensões, luxações ou fraturas vertebrais, espondilite anquilosante, processos infecciosos e tumores. Na apresentação do caso, fica a grande dúvida em relação à acurácia do diagnóstico através das hipóteses acima propostas, haja visto que não houve melhora com o tratamento clínico adequado proposto. No contexto, a hipótese de um acometimento muscular direto ou indireto deve ser levado em conta, seja por invasão do músculo por doença ou por recivida cervical ou síndrome paraneoplásica. Entretanto, o texto logo no começo não faz questão de fazer referência à patologia de base, por crer que a informação é irrelevanteao caso, e portanto, por não tratar-se, neste caso, de patologia associada à doença de base. Se formos levar em conta os dados descritos, então, perceberemos que há de ser algo associado ao cateter de quimioterapia previamente implantado, apesar do diagnóstico não ser tão claro para quem presta o atendimento ao paciente no ato, e não em uma avaliação retrospectiva. Devemos levar em conta, também, que o paciente vem utilizando o cateter por um longo período e fazendo uso regular do mesmo, tendo surgido o sintoma apenas 7 meses após o implante do mesmo. É importante perceber que a intensidade da dor e o carácter agudo da mesma, leva a pensar em causas não insidiosas. A flebite venosa profunda, associada ou não à formação de trombo, seria uma hipótese muito viável. Em um primeiro momento, os sinais inflamatórios sobreporiam os sinais de trombose e a dor cervical seria a maior queixa. Como o objeto associado à inflamação certamente seria o cateter de quimioterapia, sem a retirada do mesmo, e apesar do tratamento adequado, seria explicável a persistência dos sintomas. Posteriormente, certamente seriam vistos os sinais associados à trombose do vaso, com edema de membro superior e rubor facial, além de turgência jugular. Desta forma, fica fácil propor que na investigação diagnóstica sejam utilizados exames que permitam diagnosticar tais patologias. A tomografia cervical certamente não seria o exame de primeira opção, apesar de ser capaz de chegar ao diagnóstico, mas certamente seria menos específico para tal e muito mais custoso, e não traria maiores informações. O ultrassom com doppler cervical poderia mostrar processos de tromboflebite de subclávia e jugular e poderia responder muitas perguntas e traçar o diagnóstico. Entretanto, pelo alto grau de suspeita relacionada ao cateter por parte da equipe médica assistente, e por intenção de utilizar o método mais específico para diagnóstico da patologia, foi optado por utilizar-se de flebografia através da punção do cateter de porto-a-cath. Eis o espantoso resultado: Desafio diagnóstico.mp4 É incrível crer que; apesar do fluxo não proporcionar este deslocamento, o fato de não ter havido qualquer intercorrência durante o tratamento, o fato de ter o vídeo prévio da colocação provando o posicionamento correto do cateter, mesmo assim, o cateter foi capaz de sofrer tal deslocamento. Realmente um caso muito interessante e com um diagnóstico diferencial muito inesperado ! A retirada cirúrgica do cateter após verificação de ausência de trombose ou outras complicações, foi o tratamento definitivo que permitiu a melhora dos sintomas do paciente. Guilherme Crespo Núcleo de Serviços Oncológicos