Princípios Filosofia AO e princípios básicos Tomada de decisão e planejamento Redução, abordagens e técnicas de fixação Tópicos gerais Complicações 1 1.1 24 Filosofia AO e princípios básicos Filosofia AO e evolução 1 Filosofia da AO 25 2 Antecedentes 25 3 O papel da AO 26 4 Princípios originais da AO 27 5 Progresso e desenvolvimento 28 6 Filosofia e princípios da AO: hoje e no futuro 30 7 Sugestões para leitura adicional 31 8 Agradecimentos 31 Autores 1.1 1 Thomas P. Rüedi, Richard E. Buckley, Christopher G. Moran Filosofia AO e evolução Filosofia da AO A filosofia da AO (Arbeitsgemeinschaft für Osteosynthesefragen/ Associação para o Estudo da Fixação Interna) tem permanecido consistente e clara desde o seu começo, em 1958, como um pequeno grupo de colegas e amigos suíços, até a sua condição atual, como uma fundação cirúrgica e científica e uma comunidade mundial. Os avanços na ciência básica e na tecnologia, associados à experiência clínica crescente, têm resultado em várias mudanças nos implantes, nos instrumentos e nas técnicas usadas na cirurgia de trauma. Entretanto, a filosofia básica do tratamento permanece a mesma hoje, tal como em 1958, quando a AO foi fundada. O foco é nos pacientes com lesões musculoesqueléticas e distúrbios relacionados. O objetivo é prover cuidados que permitam um retorno precoce à função e à mobilidade. Este foi o norte do grupo de fundação, permanecendo a missão e a meta central atual da Fundação AO. Fig. 1.1-1 Primeira aplicação do modelo original de fixador externo de Albin Lambotte (esquerda) (1902). 2 Antecedentes Na primeira metade do século XX, o tratamento de fraturas era focado principalmente na restauração da união óssea e na prevenção da infecção. Os métodos empregados para tratá-las, principalmente por imobilização com gesso ou tração, inibiam em vez de promover a função ao longo do período de consolidação. O conceito fundamental da AO era fornecer redução aberta segura e fixação interna estável de fraturas, protegendo as partes moles e permitindo a reabilitação funcional precoce. Muito antes do estabelecimento da AO, o valor da fixação operatória de fraturas já tinha sido reconhecido. Os entusiastas iniciais incluíam os irmãos Lambotte, Elie e Albin (Fig. 1.1-1), Robert Danis (Fig. 1.1-2), Fritz König, William O’Neill Sherman, William Arbuthnot Lane, Gerhard Küntscher (Fig. 1.1-3), Raoul Hoffmann e Roger Anderson. Entretanto, suas idéias e inovações não foram amplamente adotadas, porque grandes obstáculos preci- Fig. 1.1-2 Robert Danis (1880-1962). Fig. 1.1-3 Gerhard Küntscher (1900-1972) instruindo cirurgiões finlandeses em uma visita de retorno em 1954. 25 1 Filosofia AO e princípios básicos savam ser superados. A lista de obstáculos técnicos, metalúrgicos e biológicos era formidável; especialmente o risco de infecção, que, naquele tempo, resultava habitualmente em amputação. Além disso, o ceticismo dos pares freqüentemente chegava a uma hostilidade real. As inovações, como a fixação interna estável por Albin Lambotte, os avanços nas hastes intramedulares por Gerhard Küntscher e a introdução do movimento precoce (embora em tração) por Lorenz Bohler (Fig. 1.1-4) ou Jean Lucas-Championnière e seu discípulo George Perkins, eram restringidas pela incapacidade de reconciliar dois conceitos fundamentais dentro do padrão de tratamento: a imobilização eficaz da fratura e a mobilidade controlada das articulações. 3 O papel da AO O que era necessário – e o que a AO forneceu – era uma abordagem coordenada para identificar esses obstáculos, estudar as dificuldades que eles causavam e começar a superá-los. O caminho escolhido foi o de investigar e entender a biologia relevante, desenvolver tecnologia e técnicas apropriadas, documentar os desfechos e reagir aos resultados e, por meio de ensino e publicação, compartilhar quaisquer descobertas. Esse enorme desafio foi desencadeado por um problema aparentemente pequeno. Nos anos 1940 e 1950, o fundo de compensação do trabalhador suíço perguntava por que algumas fraturas levavam de 6 a 12 semanas para consolidar, sendo que os pacientes somente retornavam ao trabalho em 6 a 12 meses. Robert Danis, primeiramente por meio de suas publicações e, mais tarde, por uma visita pessoal, inspirou Maurice Müller e o grupo AO inicial, incluindo Martin Allgöwer, Robert Schneider e Hans Willenegger. A essência da observação de Danis era que a consolidação sem calo acontecia se ele usasse um dispositivo de compressão para dar estabilidade absoluta a uma fratura diafisária. Durante a consolidação, as articulações e os músculos adjacentes poderiam ser exercitados com segurança e sem dor. Fig. 1.1-4 Lorenz Böhler recebe o primeiro Manual AO como presente de Hans Willenegger em Viena, na celebração do seu 85º aniversário. 26 Inspirados por esse conceito e dirigidos pela determinação em aplicá-lo clinicamente e em estabelecer como e por que funcionava, Müller e o grupo AO iniciaram um processo de inovação cirúrgica, o desenvolvimento técnico, a pesquisa básica e a documentação clínica. Isso progrediu como uma campanha para melhorar o desfecho funcional e minimizar os problemas e as complicações dos tratamentos de fraturas. O grupo propagou sua mensagem publican- 1.1 Filosofia AO e evolução do, ensinando e desenvolvendo cursos inovadores para ensinar seus princípios e suas técnicas cirúrgicas (Fig. 1.1-5; 1.1-6). Tal trabalho continua até hoje, envolvendo muitos grupos de especialistas que colaboram para sua meta comum de melhorar os cuidados do trauma no mundo todo. 4 Princípios originais da AO Os objetivos originais do tratamento eram: (1) restauração da anatomia, (2) fixação estável da fratura, (3) preservação do suprimento sangüíneo, (4) mobilização precoce do membro e do paciente. Tais objetivos foram primeiramente apresentados como os princípios de uma boa fixação interna. Entretanto, com a maior compreensão da importância dos tecidos moles, da biomecânica de fixação e de como as fraturas curam, eles têm sofrido certas alterações conceituais para se tornarem os princípios globais de tratamento de fraturas e não somente de fixação interna. Atualmente, os conceitos fundamentais – os princípios da AO – são notavelmente semelhantes às publicações iniciais da AO desde 1962. A característica essencial, agora como na época, é o tratamento adequado do paciente e da fratura. Isso requer compreensão completa dos fatores do paciente e da fratura que influenciam esse tratamento e seu desfecho. Central aos conceitos da AO estava a compreensão de que as fraturas articulares e as diafisárias têm necessidades biológicas muito diferentes; ou seja, o reconhecimento de que o tipo e o momento da intervenção cirúrgica devem ser guiados pelo grau de lesão no envelope de partes moles, bem como pelas demandas fisiológicas do paciente. Fig. 1.1-5 Curso AO (1960) com Maurice Müller dando uma instrução. Fig. 1.1-6 Primeiro curso AO para o pessoal da sala de cirurgia (PSC) (1960). 27 1 5 Filosofia AO e princípios básicos Progresso e desenvolvimento mento adequado e a técnica cirúrgica meticulosa devem minimizar quaisquer agressões ao aporte sangüíneo dos fragmentos ósseos e dos tecidos moles. Novos avanços na cirurgia de acesso mínimo levarão esse passo adiante. Os princípios da AO relativos a anatomia, estabilidade, biologia e mobilização ainda permanecem fundamentais. Entretanto, agora aceita-se que a busca da estabilidade absoluta, originalmente proposta para quase todas as fraturas, é obrigatória apenas para as fraturas articulares e algumas outras, desde que possa ser obtida sem dano ao aporte sangüíneo e aos tecidos moles. Dentro da diáfise, o comprimento, o alinhamento e a rotação devem ser restaurados, mas a redução anatômica não é necessária (Fig. 1.1-7). Quando a fixação é necessária, hastes são freqüentemente usadas para prover relativa estabilidade, e isso em geral leva à união pelo calo. Mesmo quando a situação clínica favorece o uso de uma placa, o planeja- a 28 b c Atualmente, sabe-se que as fraturas diafisárias simples reagem de formas diferentes ao uso de placa e ao encavilhamento: se o uso de placa for empregado, a estabilidade absoluta deve ser alcançada. Em contraste, as fraturas multifragmentares podem ser tratadas por imobilização – fornecendo estabilidade relativa – tanto com haste intramedular, fixação externa ou placa em ponte, usando o princípio do fixador interno. As fraturas articulares demandam redução anatômica e estabilidade absoluta para realçar a cicatrização da car- d Fig. 1.1-7a-d a-b Fratura de antebraço complexa, de grande energia. c-d Fixação da ulna (com uma placa em ponte provendo estabilidade relativa), e fixação do rádio (com uma placa de compressão provendo estabilidade absoluta). Comprimento, alinhamento e rotação são restaurados, com redução anatômica das articulações radioulnares. A ulna consolidará com a formação de calo, e haverá consolidação óssea primária do rádio. A função normal do antebraço deve ser restaurada. 1.1 Filosofia AO e evolução tilagem articular e tornar possível a mobilidade precoce (Fig. 1.1-8). O princípio do fixador interno, introduzido por Stephan Perren e Slobodan Tepic com o PC-Fix em 1985, agora evoluiu para a placa de compressão bloqueada (LCP). O uso de parafusos de cabeça bloqueada, provendo estabilidade angular e prevenindo que a placa seja pressionada contra a superfície óssea, mudou radicalmente o conceito de uso da placa, mas requer uma nova compreensão e interpretação dos princípios da AO. a b c O bom cuidado das partes moles é essencial. Isto preserva o suprimento sangüíneo ao osso e deve ser lembrado em todas as fases do tratamento de fraturas. Uma avaliação completa do padrão de fratura e das lesões relacionadas de partes moles levará à formulação de um plano pré-operatório, incluindo abordagem cirúrgica, técnica de redução (direta ou indireta), tipo de fixação e escolha do implante compatível com demandas biológicas e funcionais da fratura e do paciente. Fig. 1.1-8a-c a Fratura diafisária do fêmur com fratura articular parcial associada do côndilo lateral. b Haste femoral bloqueada provendo estabilidade relativa e restaurando o comprimento, o alinhamento e a rotação. Redução anatômica e fixação com parafuso de tração da fratura articular. c A estabilidade relativa da diáfise femoral resulta em consolidação por calo. Já a estabilidade absoluta da fratura articular ocasiona consolidação óssea sem calo. 29 1 6 Filosofia AO e princípios básicos Filosofia e princípios da AO: hoje e no futuro No início, os princípios AO apareciam em um formato sucinto e até dogmático, com a meta de melhorar o desfecho funcional. O cuidado das fraturas tem se tornado um processo estruturado, com base na boa ciência, na tecnologia avançada, apoiado pela pesquisa e por estudos clínicos. Com essa fundação, o futuro dos cuidados do trauma é promissor. As placas bloqueadas e o princípio do fixador interno evoluirão rapidamente ao longo dos próximos anos. A navegação ajudada pelo computador pode revolucionar a cirurgia do trauma, aumentar a exatidão e a segurança, e levar à expansão adicional da cirurgia de acesso mínimo. Por sua vez, a biotecnologia permitirá, aos cirurgiões, influenciar a consolidação de fraturas, reduzindo provavelmente o tempo para união e prevenindo a pseudo- 30 artrose por “falha biológica”. Entretanto, mesmo com esses avanços, os princípios AO permanecem tão válidos hoje quanto eram há quase 50 anos, quando o grupo foi formado. Esses princípios formam a base deste livro-texto, e permanecem princípios fundamentais dos cuidados de fraturas em um futuro previsível Princípios AO: redução e fixação da fratura para restaurar as relações anatômicas; fixação da fratura provendo estabilidade absoluta ou re- lativa, conforme a “personalidade” da fratura, o paciente e a necessidade da lesão; preservação do suprimento sangüíneo aos tecidos moles e ao osso por técnicas de redução gentil e manipulação cuidadosa; mobilização precoce e segura e reabilitação da parte ferida e do paciente como um todo. 1.1 7 Filosofia AO e evolução Sugestões para leitura adicional Böhler L (1957) Technik der Knochenbruch Behandlung 12.-13. Auflage. Wien: W. Maudrich. Danis R (1947) Théorie et pratique de l'ostéosynthèse, Paris: Masson Ed. Lambotte A (1913) Chirurgie opératoire des fractures. Paris: Masson Ed. Lucas-Championnière J (1907) Les dangers de l'immobilisation des membres – fragilité des os – altérnation de la nutrition de la membre – conclusions pratiques. Rev Med Chur Pratique; 78: 81–87. Müller ME, Allgöwer M, Willenegger H (1965) Technique of Internal Fixation of Fractures. Berlin Heidelberg New York: Springer-Verlag. Schlich T (2002) Surgery, Science and Industry; A Revolution in Fracture Care, 1950s–1990s. Hampshire and New York: Palgrave Macmillan. 8 Agradecimentos Gostaríamos de agradecer a Joseph Schatzker por sua contribuição a este capítulo na primeira edição de Princípios AO do tratamento de fraturas. 31