Natureza Jurídica do Pedágio: Taxa ou Tarifa

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Natureza jurídica do pedágio: taxa ou tarifa?
Aviso desde já aos navegantes que os mares são turbulentos e não há ainda resposta definitiva
nesse assunto.
Publicado por Marcello Leal - 1 ano atrás
Uma dúvida bastante comum diz respeito à natureza jurídica do pedágio: se possui natureza
jurídica de taxa ou de tarifa (preço público). A discussão em sua essência diz respeito ao estudo
da diferença entre preço público e taxa, pois é nesta seara onde se busca um critério que nos
diga de forma segura e objetiva como determinado serviço público poderá ser remunerado.
Para nivelarmos todos os amigos e amigas leitores, é importante abordar de forma bem sucinta
as principais características que separam as taxas dos preços públicos, até para que a discussão
de ser o pedágio uma coisa ou outra se justifique bem aos olhos de todos, sob pena de parecer
numa primeira análise perda de tempo com debate meramente acadêmico. Não é nem de longe o
nosso caso.
Taxa é uma espécie de tributo que tem na sua materialidade uma atividade do Estado, servindo
para remunerar o exercício do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviços
públicos específicos e divisíveis, nos termos do art. 145, II, da Constituição Federal. Por ser
espécie tributária, está submetida a um regime de direito público e a ela se aplicam todas as
limitações constitucionais ao poder de tributar (princípios da legalidade, anterioridade
nonagesimal e do exercício financeiro, sua cobrança segue o rito especial da Execução Fiscal,
etc.).
O preço público está submetido a regime de direito privado, de natureza contratual,
sendo imprescindível para a validade de sua cobrança a efetiva utilização do serviço prestado ao
usuário, de modo que não se admite a cobrança de preço público pela utilização em potencial do
serviço, como ocorre validamente com a taxa.
Atenção: digo desde logo que não vou adotar a diferença proposta por parte da doutrina
entre preço público e tarifa. Para os que veem diferença, preço público é utilizado para quando
o serviço e a cobrança forem realizadas diretamente pelo Estado, e tarifa quando a prestação e a
cobrança forem feitas por particular concessionário ou permissionário daquele serviço. Usarei as
duas expressões a partir de agora como sinônimos.
Na visão do direito financeiro, taxa é tipo de receita pública derivada, como todo tributo, ao
passo que o preço público é tipo de receita pública originária. Disto decorre a diferença de
tratamento que receberão do ordenamento jurídico, conforme analisaremos abaixo.
Percebe-se então que na taxa há o elemento da compulsoriedade de seu pagamento, quando
estiverem presentes os requisitos previstos na Constituição e na legislação infraconstitucional
(prévia lei instituidora, serviço público específico e divisível, etc.), o que não ocorre com
o preço público, que por ser de natureza contratual, regido por normas de direito privado,
pressupõe a facultatividade da adesão ao serviço.
Para o nosso debate nos interessa a taxa cobrada em razão dos serviços públicos. Peço a todos
que verifiquem seus apontamentos ou livros de direito administrativo para que fique bem claro
o que é serviço público. Sem que tenham isso bem definido, a discussão abaixo parecerá mais
complexa do que realmente é.
Como exemplo de taxa, podemos citar o serviço público de coleta de lixo domiciliar. Caso este
serviço público seja prestado pelo Estado, ou por quem lhe faça as vezes, mesmo que o usuário
não o utilize, imaginemos que o administrado leve seus resíduos sólidos para reciclagem, o
pagamento da taxa ainda assim será devido, pois existia a possibilidade de seu uso - o caminhão
passou em frente a sua residência para coletar o lixo, ainda que nada tenha encontrado. No caso
de um serviço remunerado por preço público, como os serviços de telefonia, somente com sua
adesão ao contrato e a utilização dos mesmos é que nascerá a obrigação de pagar as respectivas
tarifas. Existe para o usuário a faculdade de aderir ou não àquele contrato.
Vendo por este lado, outras diferenças saltam aos olhos. O serviço remunerado por taxa não
pode ser suspenso em casos de inadimplência (não recolhimento do tributo), devendo o sujeito
ativo credor utilizar-se da Execução Fiscal, diferentemente do que ocorre com os
serviços renumerados por preço público, conforme nos alerta Renato Lopes Becho (2011, p.
281).
Visto a diferença entre taxa e tarifa, falta agora discutir o ponto principal e que está longe de
encontrar sistematização uniforme na doutrina: qual serviço público pode ser remunerado
por taxa e qual pode ser remunerado por tarifa?
penas para que possam entender a confusão que este tema causa na doutrina, abordarei aqui
posicionamentos extremados e minoritários, de modo que para fins de concursos públicos
deverão ser esquecidos, mas importantes de serem mencionado para ilustrar a situação pelo
gabarito de quem os sustenta.
Renato Lopes Becho (2011, p. 267) divide os autores em dois grupos, ao menos: os que
entendem que todo serviço público é objeto de taxas, negando a possibilidade jurídica de
existirem preços públicos no ordenamento jurídicos brasileiro, e os autores que sustentam a
concomitância, em nosso sistema jurídica, de taxas e preços públicos, sendo que em alguns
casos não há opção deixada a cargo do legislador.
Para Geraldo Ataliba (1996, p. 140), por exemplo, é inconstitucional a cobrança de todo e
qualquer preço público. Com entendimento nesse mesmo sentido, nos ensina Roque Antônio
Carrazza (2010, p. 555) que todos os serviços públicos deveriam ser remunerados por taxa ou
serem gratuitos, negando a possibilidade constitucional da cobrança de preços públicos. Outro
nome de peso que segue entendimento mais extremado é José Eduardo Soares de Melo (2001,
p. 56), que afirma categoricamente que a "prestação de serviço público deve ser
necessariamente remunerada por taxas".
Mesmo os que advogam a tese da possibilidade de cobrança das taxas e dos preços públicos
para custear serviços públicos, não chegam a um critério único que nos informaria qual tipo de
serviço seria remunerado por qual tipo de cobrança.
Durante um tempo, buscou-se utilizar os elementos caracterizados de serviço público da
doutrina administrativista, que podem aparecer em conjunto ou não: a) elemento material
(atividade inerente ao interesse coletivo); b) elemento subjetivo (presença do Estado na relação
jurídica); e c) elemento formal (normas de regime público) (DI PIETRO, 2011, p. 99).
Contudo, atualmente com a evolução do direito administrativo, surgindo a presença da prestação
de serviços por concessionários, permissionários, aplicação de regimes jurídicos híbridos e a
dificuldade em se apontar objetivamente o que é interesse coletivo, levou ao abandono de tais
critérios próprios do direito administrativo para que se buscasse um típico do direito financeiro
e tributário (BECHO, 2011. 273).
Como nosso foco é dar um norte para aqueles que estão prestando provas para concursos
públicos, é sempre recomendável pesquisar o que nos diz o Supremo Tribunal Federal acerca do
tema.
Voltando um pouco no tempo e na jurisprudência do STF, verificaremos inicialmente que de
acordo com seu antigo entendimento sumulado preço público e taxa são coisas distintas, senão
vejamos:
STF Súmula nº 545 - Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas,
diferentemente daqueles, são compulsórias e tem sua cobrança condicionada a prévia
autorização orçamentária, em relação a lei que as instituiu.
Atenção que a parte final desta súmula está prejudicada de acordo com o ordenamento
constitucional vigente, uma vez que não há mais a necessidade dos tributos se submeterem ao
princípio da anualidade tributária, qual seja a autorização de sua cobrança naquele ano na Lei
Orçamentária Anual. Apesar da parte final estar desatualizada, serve a súmula para deixar claro
que o Supremo além de ver diferença entre tais institutos, parece apontar não só umas das
principais características do taxa, mas também o que seria um critério diferenciador entre
ambos: a compulsoriedade.
Como estamos buscando responder a indagação feita acima, qual seja entender o que justifica
determinado serviço público ser remunerado por taxa enquanto outro é remunerado por tarifa,
é curial que busquemos um critério diferenciador.
O critério da compulsoriedade é aceito por diversos doutrinadores (por todos, Paulo de Barros
Carvalho, 2008, p. 382) e pode ser entendido de duas formas:
1.
Um serviço público será remunerado por taxa se não puder o administrado
licitamente obter de outro modo aquela comodidade por ele proporcionada. Caso haja uma outra
alternativa lícita ao administrado para obter a comodidade almejada, sua adesão ao serviço é
considerada facultativa, devendo ser remunerado por preço público; OU
2.
Sempre que a contraprestação a cargo do sujeito passivo independer de sua efetiva
utilização, bastando que o serviço público seja disponibilizado pelo Estado ou por um
concessionário, advindo o vínculo diretamente da lei, estaremos diante de uma taxa; agora se
for necessário um contrato, mesmo que verbal ou de adesão, podendo o usuário optar em não
receber aquele serviço público, estaremos diante de um preço público.
O segundo critério é o mais utilizado pela doutrina moderna, recomendando-se sua utilização
em provas de concurso público, em especial nas questões discursivas, pois possui a vantagem
de não separar a possibilidade da cobrança de taxa ou de preço público em razão da pessoa que
presta o serviço e nem procura investigar a natureza do serviço em si. Explico.
Então, onde não cabe o contrato, o serviço público será remunerado por taxa, pois não há que se
falar em liberdade do usuário - trata-se de vínculo ex lege. Quando houver possibilidade de
escolha por parte do administrado, aderindo ao contrato (seja ele de adesão, verbal, precedido de
licitação ou não - exemplo: contrato de transporte coletivo), será o serviço remunerado por
preço público.
Entendido o critério da compulsoriedade, começaremos a responder a pergunta feita acima (qual
serviço público pode ser remunerado por taxa e qual pode ser remunerado por tarifa). De acordo
com a doutrina e jurisprudência competirá ao legislador, dentro dos limites traçados
pela Constituição. Não há discricionariedade do administrador público, posto que a competência
recairá sobre o Poder Legislativo, e não sobre Executivo, para escolher qual o tipo de
remuneração para determinado serviço público.
Nada impede, então, que os preços públicos sejam juridicamente transformados em taxas. José
Eduardo Soares de Melo (2007, p. 85) nos explica o que será necessário para tanto: a) que se
tornem, por lei, compulsórios; b) que os serviços a eles correspondentes sejam efetivamente
prestados aos contribuintes, ou postos à sua disposição; e c) que aludidos serviços atendem aos
requisitos da especificidade e divisibilidade.
Resta um último ponto a enfrentar: e o legislador, no exercício de sua competência, ele poderá
escolher escolher qual serviço se submeterá ao cobrança de taxa ou de preço público?
O Supremo já esboçou uma resposta para esta pergunta. Vejamos o entendimento exarado pelo
Ministro Carlos Velloso ao relatar o RE 209.365-3/SP, que adotou uma classificação ternária de
serviço público, apontando em cada qual o tipo de remuneração que seria cabível:
1.
Serviços públicos propriamente estatais: aqui o Estado atua com o exercício de
soberania, de modo que tais serviços seriam indelegáveis. Desta forma, a única remuneração
cabível aqui seria a taxa, pois submetida a regime jurídico de direito público. Exemplos:
emissão de passaportes e a prestação de serviço jurisdicional.
2.
Serviços públicos essenciais e de interesse público: são os serviços prestados no
interesse da comunidade e que devem ser remunerados mediante taxa. Há aqui
a preponderância do interesse público sobre o privado na prestação de tais serviços, de forma a
atrair a incidência do regime público. Exemplos: serviço de coleta de lixo e de tratamento de
esgoto.
3.
Serviços públicos não essenciais: são serviços delegável que criam uma
comodidade para o usuário, mas que se não forem prestados não causariam grande prejuízo para
a comunidade. Exemplos: serviço postal e de telefonia.
Claro é que esse critério não sepulta de vez a discussão. Afinal, serviços de telefonia se não
prestados não causariam grande prejuízo a população? Muitos até diriam que o serviço de
comunicação está intimamente relacionado a imperativas de segurança nacional. A verdade é
que o STF decide se determinado serviço será prestado ou não por taxa de forma casuística, pois
nem mesmo a doutrina parece encontrar um critério que pudesse ser utilizado para solucionar a
questão. Todavia, é ao menos um norte a seguir.
Então, o Poder Judiciário, em última análise o Supremo Tribunal Federal, será o controlador do
critério de compulsoriedade adotado pelo Legislativo ao elaborar a lei regulamentadora do
serviço público em questão, para analisar, caso a caso, se determinado serviço público é
delegável ou não, para ver se possível sua remuneração por taxa ou preço público.
E qual é a natureza jurídica do pedágio?
Agora que toda a discussão foi vista por nós, ficará mais fácil discutir se o pedágio é taxa ou
preço público. Antes de mais nada, fica aqui um pequeno comentário que até mesmo a palavra
"pedágio" é criticada por alguns (por todos, BALEEIRO), posto que atualmente melhor seria
falar em rodágio. Enfim.
A discussão sobre a natureza do pedágio nasce da Constituição, que dispõe o seguinte:
art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou
intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo
Poder Público;
De acordo com a Constituição, mesmo se considerado tributo, sua cobrança será possível em
razão da utilização de vias conservadas pelo Poder Público. Seria, nesse caso, um tipo especial
de taxa que somente poderia ser cobrada pela utilização efetiva de um serviço, não admitindo a
cobrança pela simples disponibilização da rodovia em condições de tráfego.
Mauro Rocha Lopes (2010, p. 21) nos recorda que a jurisprudência do STF já considerou o
pedágio taxa (RE nº 181.475), como também já entendeu ser preço público (ADI nº 800/MC).
Então não é possível afirmar que o pedágio possui natureza jurídica apriorística de um ou outro
instituto.
Diante deste impasse, retomamos o que foi dito acima: cabeça ao legislador decidir na lei que
regulamentar o serviço em questão. Há quem aplique aqui o critério da compulsoriedade na
primeira acepção trazida acima: se o usuário puder licitamente se deslocar do ponto A para o B,
sem necessariamente se valer da rodovia com pedágio, este possuirá natureza de preço público;
agora se para chegar ao seu destino o usuário tiver que se valer da rodovia com pedágio, sua
natureza será de taxa.
Referências Bibliográficas
ATALIBA. Hipótese de incidência tributária. 5ª ed. São Paulos, Malheiros, 1996.
BECHO, Renato Lopes. Lições de direito tributário. São Paulo, Saraiva, 2011.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 26ª ed. São Paulo,
Malheiros: 2010.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo, Atlas: 2010.
LOPES, Mauro Luís Rocha. Direito Tributário Brasileiro. 2ª ed. Niterói, Impetus: 2010.
MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. Dialética, 2001.
Marcello Leal
Advogado
Advogado especialista em Direito Financeiro e Tributário pela UFF/RJ; mestrando em Finanças Públicas
e Tributação pela UERJ; professor de Direito Financeiro e Tributário em diversos cursos preparatórios no
Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília e de pós-graduação.
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