Ambiente alimentar «salinogénico» – um alerta Carla Gonçalves

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Carla Gonçalves1,2 Alexandra Bento1,3
Ordem dos Nutricionistas, Porto, Portugal
1
Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto
Politécnico de Viana do Castelo, Viana do Castelo, Portugal
2
Escola Superior de Biotecnologia Universidade Católica
Portuguesa, Porto, Portugal
3
Ambiente alimentar «salinogénico» – um alerta
O consumo excessivo crónico de sal
induz uma série de respostas fisiopatológicas como o aumento da pressão arterial
e alterações hormonais e celulares. Estas
alterações, em conjunto com outros fatores
alimentares e ambientais, podem provocar
o desenvolvimento de hipertensão arterial,
aumento do risco de doença cardiovascular e outras doenças crónicas não transmissíveis causadoras de uma elevada taxa de
morbilidade e mortalidade1.
É reconhecido que esta relação entre o
consumo excessivo de sal e o impacto no
aumento da pressão arterial acontece desde
idades precoces2, sendo que uma pressão
arterial média elevada na infância aumenta
a predisposição dos sujeitos para o desenvolvimento de hipertensão e doença cardiovascular na idade adulta.
Tendo em atenção o impacto do consumo
de sal na saúde, em 2011, a Organização
Mundial de Saúde (OMS), estabeleceu como
recomendação para a população adulta um
consumo de sal inferior a 5 g/dia, devendo
este valor ser ajustado à ingestão energética total, no caso das crianças, por forma
a reduzir o risco de doença cardiovascular,
acidente vascular cerebral e doença coronária3.
Segundo os dados mais recentes, a
nível europeu, a Finlândia, França e Reino
Unido têm menores níveis de consumo de
sal (aproximadamente 7 g/dia), enquanto
a Hungria, Turquia e República Checa
reportam os níveis médios mais elevados
de consumo, cerca de 17 g/dia. Em Portugal, o consumo médio de sal da população
adulta é muito elevado, cerca de 10,7 g/dia 4,
sendo que este consumo exagerado acontece desde idades muito precoces da infância5 até à adolescência 6.
Estes dados de consumo médio de sal das
diferentes populações, poderão induzir um
pensamento de causalidade ambiental para
uma ingestão excessiva de sal. Durante um
longo período de tempo a evolução humana
decorreu num ambiente alimentar onde
as fontes de sal eram muito escassas. Este
facto desencadeou adaptações fisiológicas, como por exemplo o desenvolvimento
de recetores da papila gustativa específicos para o sabor salgado e um sistema de
transporte celular e hormonal muito eficaz
na minimização das perdas de sal através
do intestino, rins e pele. No entanto, este
ambiente de escassez de sal, depressa (em
relação ao tempo necessário para adaptação fisiológica e anatómica) se tornou num
ambiente onde o sal é ubíquo e em elevada
quantidade, ou seja, um ambiente alimentar «salinogénico».
Atualmente o sal é tão comum, barato e
fácil de obter que nos esquecemos que no
início da civilização, há cerca de 100 anos
atrás, o sal era utilizado como moeda, sendo
um bem de elevado valor e procura.
A ligação do consumo de sal ao Homem
data de 2700 aC na China, sendo utilizado em algumas preparações culinárias
e rituais religiosos. No entanto, a elevada
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importância económica e de consumo
do sal está associada a meados do século
XIX, onde o sal representava uma componente vital para a conservação de alimentos através da salmoura (água saturada com sal). A utilização da salmoura
nos produtos de carne, peixe e vegetais
provocou o desenvolvimento de um gosto
por um nível elevado de sal, de tal forma
que os alimentos sem sal adicionado parecem insípidos e com baixo valor hedónico.
Alguns autores apontam este facto como
o início do desenvolvimento do padrão de
adição de sal a vários alimentos durante a
sua produção e confeção, elevando o sabor
salgado para valores semelhantes aos das
concentrações necessárias para preservar
os alimentos.
Atualmente o sal não é fundamental para
a preservação de uma grande parte dos alimentos, pelo desenvolvimento e aumento
da acessibilidade a outras formas de con-
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servação como a refrigeração, embora a sua
utilização em larga escala se mantenha.
Um ambiente alimentar «salinogénico»
poderá ser definido como um ambiente promotor de elevada ingestão de sal, quer pela
disponibilidade de alimentos com elevado
teor de sal quer pela promoção de hábitos
alimentares associados ao desenvolvimento
do gosto por um nível elevado de sal.
De uma forma micro, a família, o estatuto socioeconómico, a escola e os locais
de aquisição e consumo de alimentos são
determinantes nas preferências e nos hábitos de consumo. De uma forma mais macro,
poderão estar representados os sistemas
que abrangem a disponibilidade de sal para
a população, desde a indústria alimentar às
políticas nacionais de educação e saúde.
Este ambiente «salinogénico» pode ser
dividido em três domínios principais, domínio físico, domínio sociocultural e domínio
político-económico.
O domínio físico deste ambiente «salinogénico» é representado pela acessibilidade de alimentos com elevado teor de sal,
ou seja, os alimentos que se encontram disponíveis e acessíveis (por exemplo por uma
questão de preço) aos indivíduos apresentam um teor de sal que dificulta o cumprimento das recomendações de ingestão.
Embora os alimentos apresentem naturalmente uma certa quantidade de sódio,
representando cerca de 10-12% da ingestão, a larga maioria do sal ingerido provém
essencialmente da adição durante o proces-
terão um papel importante. São vários os
trabalhos que demonstram os elevados teores de sal na sopa e no prato destas refeições. Estes valores altos são incompatíveis
com a possibilidade de o consumidor conseguir cumprir através da ingestão dessas refeições os níveis recomendados pela
OMS, dado que apenas uma refeição poderá
fornecer, ou até exceder, a quantidade de sal
recomendada para todo o dia.
O domínio sociocultural deste
ambiente «salinogénico», poderá englobar não só o facto de Portugal ser um reco-
O desafio para todos os intervenientes no ambiente alimentar,
do consumidor ao decisor político, é a implementação de estratégias
efetivas e a monitorização da evolução do consumo de sal
samento industrial e durante a confeção de
refeições (cerca de 75-85%). Estudos recentes têm evidenciado que os alimentos processados (por exemplo, bolachas, cereais de
pequeno-almoço, pão, enlatados, charcutaria, etc.) apresentam um elevado teor de sal,
muitas vezes sendo este valor excessivo de
sal adotado por parte da indústria alimentar devido a questões de preferência do consumidor ou receita padronizada do produto
e não devido a questões de segurança alimentar ou constrangimentos tecnológicos.
Este facto pode ser verificado, nomeadamente, através da constatação de que o teor
de sal nos alimentos processados apresenta
uma grande variabilidade, inclusivamente
a mesma categoria de alimento tem valores
de sal muito dispares consoante diferentes
marcas.
Por outro lado, se no quotidiano moderno
o consumo de refeições fora de casa (em
cantinas, bares, restaurantes, etc.) é muito
prevalente e ocorre desde idades muito precoces, então o teor de sal das refeições servidas pela restauração coletiva e pública
nhecido produtor de sal, mas também as
questões da tradição gastronómica, onde o
consumo de alimentos salgados está muito
enraizado através de produtos tradicionais
como o caso dos queijos, das azeitonas, dos
pickles, da charcutaria e das carnes fumadas e do fiel amigo, o bacalhau.
Ao nível do domínio político-económico o estabelecimento de medidas legislativas, a introdução de medidas fiscais de
taxação de produtos com elevado teor de
sal, a estimulação da redução voluntária do
sal pela indústria e restauração, ou o desenvolvimento de programas nacionais de educação alimentar poderão constituir estratégias de diminuição do consumo de sal
ao nível da população. Algumas medidas a
este nível têm sido adotadas por Portugal,
nomeadamente a introdução em 2009 do
teor máximo de sal permitido no pão, em
2013 o desenvolvimento de objetivos estratégicos e áreas prioritárias nacionais para a
redução do consumo de sal, e a criação em
2015 de um grupo de trabalho interministerial com a participação das associações da
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indústria alimentar e da restauração para
estabelecimento de metas voluntárias de
redução anual do teor de sal nos produtos
alimentares produzidos.
Portugal, atualmente, não possui
nenhum sistema de vigilância do consumo
alimentar implementado, pelo que dados
fidedignos do consumo de sal, a partir da
recolha de urina das 24 h, são muito difíceis de obter.
Assim, o desafio que se coloca a todos
os intervenientes no ambiente alimentar,
desde o consumidor até ao decisor político,
é a implementação de estratégias de ação
efetivas e a monitorização da evolução do
consumo de forma a que a redução do consumo de sal pela população portuguesa
seja uma realidade e que com isso se alcancem grandes benefícios em saúde a longo
prazo1.
Referências
4.
Polónia J, Martins L, Pinto F, et al. Prevalence,
awareness, treatment and control of hypertension and salt intake in Portugal: changes over a
decade. The PHYSA study. Journal of hypertension. 2014; 32:1211-21
5.
Gonçalves C, Abreu S, Padrão P, et al. Sodium and
potassium urinary excretion and dietary intake:
a cross-sectional analysis in adolescents. Food &
Nutrition Research. 2016; 60:29442
6.
Oliveira A, Padrão P, Moreira A, et al. Potassium
urinary excretion and dietary intake: a cross-sectional analysis in 8-10 year-old children. BMC
pediatrics. 2015;15:60
1.
He F, MacGregor G. A comprehensive review on
salt and health and current experience of worldwide salt reduction programmes. Journal of
Human Hypertension. 2009; 23: 363-84
2.
Hofman A, Hazebroek A, Valkenburg HA. A randomized trial of sodium intake and blood pressure in newborn infants. JAMA. 1983; 250:370-73
3.
World Health Organization. Guideline: Sodium
intake for adults and children. Geneva: World
Health Organization; 2012. Available from:
http://www.who.int/nutrition/publications/guidelines/sodium_intake/en/
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