MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO DE INJÚRIA RENAL AGUDA SECUNDÁRIA NO PACIENTE EMERGENCIAL EM SEPSE Luma Tatiana Silva Castro1 Mariana Dall'Agnol2 Manoella Sena Araujo 2 Maria Clorinda Soares Fioravanti3 Layla Livia Queiroz1 1 Doutoranda em Ciência Animal, Escola de Veterinária e Zootecnia (EVZ), Universidade Federal de Goiás (UFG) – [email protected] 2 Estudante de Graduação em Medicina Veterinária, EVZ/ UFG 3 Professora Doutora do departamento de Medicina Veterinária, EVZ/UFG. 4 Pos Doutoranda em Ciência Animal, Escola de Veterinária e Zootecnia (EVZ), Universidade Federal de Goiás (UFG) Recebido em: 08/04/2016 – Aprovado em: 30/05/2016 – Publicado em: 20/06/2016 DOI: 10.18677/Enciclopedia_Biosfera_2016_064 RESUMO O quadro séptico é grave e cursa com agressão renal, ocasionando a injúria renal aguda (IRA). O exato mecanismo envolvido no desenvolvimento da IRA induzida por sepse é pouco conhecido. A isquemia renal foi proposta como a maior causa da IRA na sepse, porém as alterações circulatórias demonstram estar mais bem relacionadas ao quadro. Adicionalmente, há evidências de que o aumento da atividade dos nervos simpáticos na sepse podem contribuir para a falha renal. Outro fator importante que contribui para o acometimento renal é a ativação do mecanismo inflamatório de modo exacerbado pelo quadro séptico, que agrava o estado do paciente. Novos estudos mostraram que a inflamação exacerbada, atua de modo complementar ao mecanismo e que alterações na microvasculatura tem um papel essencial na sepse. O mecanismo da sepse como indutor da IRA ainda é controverso, mas o entendimento de eventos envolvidos já elucidados permite que a construção do raciocínio clínico rápido para a adequada intervenção terapêutica a fim de se evitar a descompensação e evolução do quadro para o choque séptico e a consequente morte do paciente. Desta forma, esta revisão de literatura tem como objetivo elucidar o mecanismo da sepse indutora de IRA no paciente veterinário crítico. PALAVRAS-CHAVE: insulto renal, paciente crítico veterinário, patogenia da sepse. ACUTE KIDNEY INJURY DEVELOPMENT INDUCED BY SEPSIS IN CRITICAL PATIENTS ABSTRACT Sepsis is a grave disorder and has been associated with acute kidney injury (AKI). The mechanisms involved in sepsis induced AKI are not fully understood. Renal ischemia is a possible cause of AKI, however, other circulatory issues appear to be related. There are also evidences that suggest that the increase of the sympathetic nervous activity in sepsis contribute to acute failure. The activation of an exaggerated inflammatory response may affect the kidneys and worsens the patient condition. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.13 n.23; p. 731 2016 New studies have shown, however, that an exaggerated inflammation is only complementary to the overall mechanism. The sepsis mechanism as an inducer of AKI is not fully understood. Understanding the events involved allows the correct therapeutic response and the consequent prevention of the septic shock and pacient death. This review aims to elucidate AKI development in critical septic veterinary patients. KEYWORDS: renal impairment, critical care veterinary patient, sepsis of pathogenesis INTRODUÇÃO A sepse compreende a resposta imune desencadeada pelo organismo infectado para o combate do patógeno infectante. A resposta imune no quadro séptico é exacerbada e disseminada no interior do organismo hospedeiro, evoluindo rapidamente para o choque séptico por acometimento de outros órgãos e tecidos diferentes do sítio de infecção primário (PINTO et al., 2012). Há relatos de alta incidência de sepse em pacientes emergenciais visto que pelo menos 54% nos pacientes emergenciais humanos são vistos no setor emergencial e unidade intensiva (BENTLEY et al., 2007). Estima-se que, a cada hora, cerca de 1.000 pessoas e, a cada dia, cerca de 24 mil pessoas morrem em decorrência da sepse, o que, anualmente resulta em mais de oito milhões de pessoas (REIHART et al. 2013). Na medicina veterinária, a incidência da sepse é, até então, desconhecida por ausência de trabalhos que ratifiquem os casos sépticos, porém, LAI et al. (2013), consideram que a ocorrência seja semelhante à dos pacientes humanos. O quadro grave desencadeado pela sepse cursa com acometimento renal, induzindo a injúria renal aguda (IRA). Um estudo feito em Taiwan constatou que a complicação mais comum da sepse em pacientes críticos foi a IRA cuja ocorrência foi de 8% em pacientes hospitalizados estáveis e de 50% nos pacientes críticos. Cerca de 80% dos pacientes críticos que desenvolveram infecções durante hospitalização tiveram, posteriormente a IRA (LAI et al., 2013). A literatura apresenta diferentes mecanismos de IRA no choque séptico. Os mecanismos estão relacionados aos padrões inflamatórios sistêmicos; a alterações hemodinâmicas envolvendo os mecanismos de isquemia/reperfusão (I/R) e a alterações hemodinâmicas da microvasculatura. As alterações microvasculares compõem: vasoconstrição, síndrome da disfunção do capilar, edema tecidual, adesão leucocitária e plaquetária com disfunção endotelial e/ou microtrombose são alterações relatadas por BOUGLÉ & DURANTEAU,. (2011). O exato mecanismo envolvido no desenvolvimento da IRA induzida por sepse é pouco conhecido (LANGENBERG et al., 2008; DOI,2016) pela dificuldade na obtenção de dados histológicos ou análise bioquímica de função renal nas diferentes fases da sepse em estudos clínicos (PINTO et al., 2012). A temática referente ao mecanismo exato que induz IRA secundária à sepse tem sido bastante discutida visto que há a necessidade de preservação do órgão e manutenção da vida do paciente crítico. Para tanto, faz-se necessário conhecer os mecanismos sépticos que cursam com o acometimento renal, de forma que a prevenção da lesão possa ser estabelecida. Nesse sentido, esta revisão de literatura tem como objetivo elucidar o mecanismo da sepse indutora de IRA no paciente veterinário crítico abordando os possíveis mecanismos envolvidos na sepse. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.13 n.23; p. 732 2016 DESENVOLVIMENTO O paciente veterinário crítico ou emergencial requer a utilização de práticas da medicina emergencial para aumentar as suas chances de sobrevivência. Para tanto, os conceitos de medicina emergencial e paciente emergencial devem ser estabelecidos. De acordo com a American College of Emergency Physicians (BACKER et al. 2014), a medicina emergencial é a especialidade médica que tem como principal objetivo a avaliação, o manejo, o tratamento e a prevenção de doenças e injúrias inesperadas. Adicionalmente, consiste do conjunto de conhecimentos e habilidades necessárias na prevenção, no diagnóstico e no manejo dos aspectos agudos e urgentes de doenças e lesões que requerem atendimento imediato (SCHNEIDER et al., 1998). O manejo emergencial visa estabelecimento do diagnóstico e tratamento rápido sob influência da variável tempo. Neste paciente, o risco iminente de morte ou de perda das funções de órgãos importantes impedem que métodos tradicionais de diagnóstico sejam executados. Consequentemente, a avaliação clínica adequada, aliada ao raciocínio clínico rápido, são essenciaispara a intervenção terapêutica. A monitoração constante do paciente em unidade intensiva é imprescindível, visto que o mesmo pode descompensar facilmente. O paciente deve ser acompanhado até a completa estabilização dos sinais vitais. A partir desta etapa, o paciente já não é mais considerado emergencial, podendo ser transferido ao ambulatório caso ainda precise de maiores cuidados ou mesmo receber alta (ALAGAPPAN & HOLLIMAN, 2005). É considerado paciente emergencial àquele que, visualmente, apresenta dificuldade respiratória, politraumatismo, convulsão, hemorragia profusa ou alterações importantes nos sistemas cardiovascular, respiratório e neurológico. Podem também estar incluídos nesta categoria, animais que apresentem qualquer outra necessidade de intervenção imediata para garantir sobrevivência (SCHNEIDER et al., 1998). Na etapa de triagem do paciente crítico, os sistemas que compreendem o ABC (A=Airway - vias aéreas; B=Breathing - respiração; C=Circulation - circulação/ sistema cardiovascular) requerem a primeira atenção. Inicialmente, examina-se as vias aéreas para garantir que o fluxo de oxigênio tenha livre passagem até o pulmão. O próximo passo consiste da avaliação do padrão respiratório para estabelecimento de terapia imediata e evitar que o animal tenha um quadro hipoxêmico mediante angústias respiratórias. Quanto ao sistema circulatório e cardiovascular, há a avaliação da coloração das mucosas, tempo de preenchimento capilar (TPC), débito cardíaco, pressão arterial e qualidade do pulso. Para finalizar esta primeira abordagem do paciente crítico, o status neurológico é observado levando em conta o grau de consciência, alerta, estupor mental e coma. Tais informações referentes aos sistemas ABC e nervoso são informações relevantes para se estabelecer se o animal pode ou não ser considerado estável/compensado ou instável/descompensado. A classificação do paciente em estável ou não estável é o que difere o tipo de atendimento. Pacientes estáveis apresentam quadro favorável para a utilização de terapêutica enquanto que pacientes críticos, pelo quadro de descompensação, necessitam de tratamento imediato e rápido em que somente a medicina emergencial pode prover (ROZANSKI & RUSH, 2007). A IRA é uma complicação comum na unidade de terapia intensiva (PANNU & GIBNEY, 2005), apresentando altas taxas de incidência, particularmente no ambiente hospitalar. Em humanos a IRA é responsável por 1% de todas as internações hospitalares, complicando 7% dos casos, sendo que a incidência ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.13 n.23; p. 733 2016 aumenta para 40% a 60% em pacientes internados em unidade de terapia intensiva. Apesar dos avanços significativos nos cuidados intensivos e da nefrologia, a taxa de mortalidade de pacientes hospitalizados com IRA permaneceu relativamente constante em torno de 50% nas últimas décadas. As causas desta injuria são diversas, entre elas, encontram-se, isquemia, sepse e toxinas (inclusive medicamentos), sendo essas as mais comuns em pacientes hospitalizados (PERES et al., 2013). Conceitualmente, a IRA compreende a redução abrupta da função renal que culmina em alterações na taxa de filtração glomerular (TFG), débito urinário, produção de urina e função tubular (ROZANSKI & RUSH, 2007). Como consequência dessas alterações, ocorre o acúmulo de compostos nitrogenados, uréia e a creatinina, resultando em azotemia (PANNU & GIBNEY, 2005). Clinicamente, pode ser dividida em quatro fases: iniciação, extensão, manutenção e recuperação, que estão diretamente relacionadas aos eventos celulares que ocorrem durante a injuria e recuperação renal (BASILE et al., 2012). Fases da IRA Estágio 1: Iniciação A síndrome origina-se após a lesão ao tecido renal, fase cuja duração varia de horas a dias, na qual o animal não apresenta sintomatologia. Nesta etapa inicial, a injúria ao tecido renal cursa com o declínio na TFG. Pela redução da perfusão de oxigênio, o parênquima renal torna-se isquêmico e, consequentemente há o dano às células do túbulo renal. A isquemia desencadeia a ativação da cascata inflamatória que exacerba o dano ao tecido. O mecanismo inflamatório dificulta a perfusão na microvasculatura causando o rápido esgotamento das reservas de energia, o ATP. A redução dos níveis de ATP cursam com o aumento do cálcio intracelular, ativação de proteases e fosfolipases além da criação de espécies reativas de oxigênio, denominados radicais livres (MONAGHAN et al., 2012). A resposta inflamatória tem como objetivo a proteção do parênquima renal, entretanto esta produz efeitos deletérios que vão agravar a injúria inicial. Inicialmente, há a exposição do citoesqueleto das células tubulares, a perda da função absortiva por lesão dos microvilos apicais da borda em escova e a perda de polaridade das bombas de Na+/K+ e migração das glicoproteínas da posição normal na membrana celular (basolateral) para o citoplasma e membrana apical devido à perda da capacidade de ancoramento do citoesqueleto. Todas as alterações descritas cursam com aumentos dos níveis de sódio na mácula densa do túbulo distal, o que ocasiona a ativação do feedback túbulo-glomerular. O mecanismo consiste na vasoconstrição das arteríolas aferentes e eferentes que, consequentemente, agravam o processo isquêmico, por reduzir ainda mais a perfusão de oxigênio e glicose às células renais, ocasionando processos apoptóticos e necróticos. Adicionalmente, há a perda da conexão intercelular visto que há a mudança na posição das glicoproteínas nas células. As alterações das glicoproteínas que promovem a adesão intercelular promove o desancoramento das células renais que acumulam-se no interior luminal tubular (MONAGHAN et al., 2012). O desprendimento celular para o interior do lúmen tubular contribui para a obstrução do lúmen, consequentemente, o filtrado extravasa para o interstício peritubular e aumenta a pressão glomerular o que diminui a taxa de filtração glomerular (DEVARAJAN, 2006). ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.13 n.23; p. 734 2016 Estágio 2: Extensão Nesta etapa, o insulto inicial apenas amplifica-se visto que a causa base continua a desencadear a isquemia e, consequentemente, a resposta inflamatória (SUTTON et al., 2002). A fase de extensão pode variar entre um a dois dias, tempo necessário para que haja mais redução da TFG (MONAGHAN et al., 2012). Estágio 3: Manutenção A redução na TFG continua e atinge o nível mais reduzido nesta etapa, dado que a apoptose e necrose continuam. Há, nesta etapa, a tentativa de se reestabelecer a polaridade celular e integridade tubular para que o rim retome a função filtrativa. Complicações urêmicas são mais evidentes nesta fase (MONAGHAN et al., 2012). Estágio 4: Recuperação O estágio final cursa com a remissão das funções renais, com completa recuperação no qual a TFG retorna aos padrões fisiológicos ou a injúria torna-se tão intensa, com acomentimento de 75% dos néfrons que resulta em doença renal crônica (DRC) (MONAGHAN et al., 2012). O choque séptico e o paciente emergencial A sepse é o resultado da interação entre patógenos e a resposta imune intensa e disseminada no organismo hospedeiro. Esta síndrome infecciosa grave, possui causa multifatorial e evolui rapidamente para o choque séptico por acometimento de outros órgãos e tecidos diferentes do sítio de infecção (PINTO et al., 2012; THEOBALDO, 2012; DELLINGER et al., 2013). O paciente emergencial séptico tem como os agentes infecciosos mais comuns as bactérias do tipo gram-positivas como o Staphylococcus aureus, Staphylococcus pneumoniae. Dentre as gram-negativas estão a Escherichia coli, espécies de Klebsiella e Pseudomonas aeruginosa (ANGUS & POLL, 2013). Os principais focos infecciosos que cursam com a sepse podem ser iniciados por meio de traumas ou lesões cutâneas (HENKIN, 2009). Além do acesso cutâneo, estes patógenos podem adentrar o organismo pelo trato respiratório e sistema genito-urinário; infecções na região do abdômen, feridas cirúrgicas, cateteres venosos centrais, sistema nervoso central e, posteriormente há a colonização (ANGUS et al., 2001). As causas etiológicas da sepse no paciente crítico podem variar de acordo com a espécie acometida. Como causas etiológicas associadas ao cão, a peritonite tem sido elucidada como a causa mais frequente (BENTLEY et al., 2007). Entretanto, outras etiologias como a pancreatite, a piometra, queimaduras, peritonite e infecções de feridas também foram relacionadas na literatura (ROZANSKI & RUSH, 2007). O quadro séptico no paciente felino esteve associado ao piotórax, a peritonite séptica, as bacteremias secundária as doenças do trato gastrintestinal, endocardite, pielonefrite, osteomielite, piometra e feridas por mordedura (BRADY et al., 2000). Apesar das etiologias serem variadas, a ausência de terapêutica adequada contra estes tipos bacterianos podem levar à bacteremia que pode culminar em quadro séptico (ANGUS et al., 2001). Os termos "sepse", "sepse grave" e "choque séptico" tem sido utilizados na literatura para definir a resposta sistêmica continua mediante infecções. Estes termos relacionam-se à evolução da sepse e diferindo em sua definição (ROZANSKI ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.13 n.23; p. 735 2016 & RUSH, 2007). Além destes termos, a designação "SIRS" deve ser adequadamente compreendida para que não seja confundida com as demais. A síndrome da resposta inflamatória sistêmica denominada SIRS, é uma resposta inflamatória intensa e disseminada desencadeada por agressão ao organismo, resultante de um processo estéril de agressão tecidual que culmina em inflamação cuja etiologia está relacionada ao trauma, lesão térmica, processos estéreis ou inflamatórios, como a pancreatite, trauma, isquemia, queimadura e hemorragia (BENJAMIM, 2001). A SIRS é detectada quando o paciente apresenta hipertermia com temperatura acima de 39,4oC tanto para cães quanto para gatos; taquicardia com batimentos acima de 150 bpm (batimentos por minutos) para cães e 220 bpm para gatos; bradicardia para gatos (abaixo de 140 bpm); taquipnéia (acima de 40mpm para gatos e cães); leucocitose acima de 19.000 cel/µl ou leucopenia com valores abaixo de 5.000 cel/µl (BENTLEY et al., 2007). Por definição, a sepse é a SIRS proveniente de um quadro infeccioso sejabacteriano, fúngico, viral ou por protozoários. De acordo com o Surving Sepsis Capaign Guidelines 2012 (SSCG 2012), a sepse é uma infecção de manifestação sistêmica (DOI, 2016). A sepse consiste do estágio de hipoperfusão ou disfunção de múltiplos órgãos (LEE & LEE, 2014) em que o paciente veterinário apresenta uma inflamação sistêmica (SIRS) manifestando sinais da infecção. Pacientes sépticos apresentam cultura microbiológica positiva, histologia com infecção ou citologia positiva por visualização de bactérias intracelulares. Há uma resposta inflamatória exagerada que se agrava em sepse grave, choque séptico e morte (PRAVDA, 2014). A sepse severa ou grave é assim denominada quando os primeiros órgãos apresentam disfunção atribuída a infecções e são detectáveis por descompensação do paciente. É a etapa intermediária entre o início da sepse e o choque séptico em que os sinais são melhores evidenciados. Adicionalmente, a hipotensão e as anormalidades de perfusão levam a quadros de acidose lática, oligúria ou alteração aguda no estado mental (ANGUS & POLL, 2013). A falha progressiva dos mecanismos vitais que garantem a homeostase em resposta à infecção, culminam em imunossupressão, coagulopatias e disfunções microvasculares que desencadeiam hipotensão, falha dos órgãos e óbito (PRAVDA, 2014). A disfunção dos órgãos juntamente com a persistência da baixa perfusão tecidual, pressão sistólica menor que 90 mmHg (ou com redução de 40 mmHg que a pressão sanguínea inicial) e pressão arterial média (PAM) menor que 70 mmHg (LEE & LEE, 2014). Na fase de descompensação, o organismo não responde a terapia de reposição por fluidos e podendo progredir para o óbito (DELLINGER et al., 2013). A incidência da sepse em pacientes emergenciais varia entre 6% a 54% nos pacientes emergenciais humanos e a mortalidade varia entre 20% a 60% que tendem a aumentar com a severidade da doença. Outro estudo relata que um em cada quatro pacientes emergenciais humanos com quadro séptico irão ao óbito (DELLINGER et al., 2013). Na medicina veterinária, a incidência da sepse é, até então, desconhecida por ausência de trabalhos que ratifiquem os casos sépticos porém, (não sei que termo utilizar, vai alterar o sentido da frase) é sugerido que a ocorrência seja semelhante a dos pacientes humanos. Quanto as taxas de mortalidade relacionadas ao choque séptico, cerca de 20% a 50% dos cães morrem em decorrência do quadro (BENTLEY et al., 2007) e gatos entre 30% a 62% (COSTELLO, 2004). ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.13 n.23; p. 736 2016 A identificação precoce do choque durante a triagem e o estabelecimento da terapia adequada na emergência são vitais para o paciente crítico. A detecção da sepse mediante as alterações hemodinâmicas de hipoperfusão garantem a possível remissão do paciente (PORTER et al., 2013). A ausência de tratamento e a não detecção da sepse pode levar ao acometimento renal, induzindo a IRA séptica. IRA e o choque séptico no paciente emergencial A patogenia da IRA séptica é complexa e multifatorial e inclui modificações hemodinâmicas intrarrenais, disfunção endotelial (BARBOSA et al., 2016), inflamação no parênquima renal (DOI, 2016), trombose intraglomerular e obstrução tubular com debris necróticos e célula (ZARJOU & AGARWAL, 2011). A ativação da cascata inflamatória sistêmica e intra-renal, estresse oxidativo sistêmico e intra-renal, ativação do processo de apoptose renal e alterações da microcirculação intra-renal com hipóxia tecidual são alguns dos mecanismos sépticos que contribuem para o acometimento renal e desenvolvimento da IRA na sepse (VIEIRA JÚNIOR, 2014). A IRA quando associada à sepse aumenta o risco de morte do paciente, visto que mais que 50% dos pacientes sépticos desenvolvem a IRA e cursam com o óbito (MEHTA et al. 2011). Fica evidente que a correta identificação do acometimento renal de forma precoce pode melhorar o prognóstico do paciente e evitar sua morte (OKAMOTO et al., 2012). A IRA séptica tem sido relacionada a um quadro hipoxêmico que cursa com isquemia e consequentemente necrose celular que são os fatores mais atribuídos na literatura, para a redução na TFG (LANGENBERG et al., 2008). Além do acometimento renal proveniente da sepse, após a injúria, há a disfunção de outros órgãos importantes como coração, cérebro, pulmão e fígado. O comprometimento de outros órgãos após IRA agrava a severidade da sepse grave, aumentando os riscos de choque séptico (LAI et al., 2013). A falência do rim na sepse é dependente das alterações de cunho inflamatório, hemodinâmico, celular e hipermetabólico. A inflamação culmina com disfunção do endotélio vascular juntamente com a trombose microvascular. Além disso, a perda da integridade vascular cursa com baixa perfusão, comprometimento do fluxo sanguíneo renal (FSR), hipóxia e isquemia. O dano mitocondrial proveniente do estresse oxidativo também diminui a utilização do oxigênio pela célula (ANGUS & POLL, 2013). A infecção é o fator desencadeador para a produção de espécies reativas de oxigênio e de nitrogênio ao mesmo tempo em que há a redução das defesas antioxidantes (VON DESSAUER et al., 2011). A mitocôndria que apresenta lesões libera alarminas (DNA mitocondrial e peptídeos) no ambiente extracelular que ativam neutrófilos e dão continuidade à injúria tecidual (ANGUS & POLL, 2013). A IRA, secundária ao choque séptico, representa a causa de internação de mais da metade dos pacientes humanos em unidades de terapia intensiva humana (LANGENBERG et al., 2008). Em Alberta, no Canadá, estudos apontaram que cerca de 36% de todos os pacientes admitidos no setor de tratamento crítico do hospital da universidade apresentaram IRA secundária. Em Bruxelas, metade dos pacientes críticos hospitalizados em decorrência de sepse, tiveram a injúria renal secundária confirmada ao quinto dia de internação (BAGSHAW et al., 2008). Na Austrália, um estudo feito com 120.123 pacientes atendidos entre os anos de 2000 a 2005, indicou que dois terços dos pacientes críticos em tratamento intensivo do estudo tiveram IRA induzida por sepse (SINGBARTI & KELLUM, 2012). Para WHITE et al. (2013) pacientes cirúrgicos com sepse (80%) desenvolveram a IRA por volta do sétimo dia após a cirurgia. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.13 n.23; p. 737 2016 Mais de 100.000 pacientes humanos por ano desenvolvem IRA induzida por sepse em países desenvolvidos (LANGENBERG et al., 2008). Em Taiwan, houve a constatação de que a complicação mais comum da sepse em pacientes críticos é a IRA visto que ocorreu em 8% dos pacientes hospitalizados estáveis e em 50% dos pacientes críticos. Neste mesmo estudo, 80% dos pacientes críticos que desenvolveram infecções durante hospitalização tiveram, posteriormente a IRA (LAI et al., 2013). Estudo multicêntrico clássico desenvolvido em unidades de terapia intensiva com 29.269 pacientes confirmou a IRA em 6% dos pacientes críticos e o choque séptico em 50% dos casos. A sepse como fator indutor da IRA foi encontrada entre 45% a 70% dos pacientes (PINTO et al., 2012). Para humanos a sepse grave é considerada a maior causa de IRA nos Estados Unidos (PINTO et al., 2012). A disponibilidade de literatura para humanos correlacionando a IRA e o choque séptico no paciente crítico humano é grande, entretanto, há escassez de trabalhos na medicina veterinária (LAI et al., 2013). Apesar da IRA ser reversível, em pacientes críticos com quadro séptico, esta síndrome, na maioria das vezes é um processo irreversível (PINTO et al., 2012). Diferentes mecanismos de IRA foram observados no choque séptico e a grande maioria relaciona o padrão inflamatório sistêmico como causa principal. Em estudos clínicos o mecanismo exato envolvido no desenvolvimento da IRA induzida por sepse é pouco conhecido (LANGENBERG et al., 2008), em virtude da dificuldade na obtenção de dados histológicos ou análise bioquímica de função renal nas diferentes fases do processo (PINTO et al., 2012). A isquemia renal foi proposta como a maior causa da IRA na sepse, porém as alterações circulatórias, comuns nesses pacientes, estão mais bem relacionadas ao quadro. Adicionalmente, há evidências de que o aumento da atividade dos nervos simpáticos na sepse pode contribuir para a falha renal (MAY et al., 2012). As alterações hemodinâmicas envolvendo os mecanismos de isquemia/reperfusão (I/R) podem ser uma das principais causas para o acometimento renal no paciente séptico (PINTO et al., 2012). A I/R, provavelmente, é responsável pela redução do fluxo sanguíneo renal e a hipoperfusão, resultando em baixas demandas de oxigênio que lesionam as células do epitélio tubular ocasionando a necrose tubular renal aguda (NTA) (ALAGAPPAN & HOLLIMAN, 2005; ANGUS & POLL 2013). Segundo ANGUS & POLL, (2013), a redução no transporte de oxigênio está ligada a fatores associados à própria fisiopatogenia da sepse como a hipovolemia, vasoplegia e extravasamento capilar com edema intersticial. Outro fator importante que indica contribuir para o acometimento renal é a ativação do mecanismo inflamatório de modo exacerbado pelo quadro séptico que agrava o estado do paciente. A ativação do sistema imune pela IRA cursa com a disfunção do sistema imunológico, a sepse agrava-se e há falha múltipla de órgãos (LAI et al., 2013). Mecanismo de indução da IRA pela sepse A infecção presente no hospedeiro, independente de como foi iniciada, desencadeia uma resposta inflamatória com ativação de mecanismos próinflamatórios e anti-inflamatórios na tentativa de reduzir a infecção e promover a recuperação tecidual nos órgãos acometidos. A resposta criada é extremamente complexa e o organismo perde a capacidade de modular a própria resposta inflamatória que desenvolveu (HATTORI et al., 2010). ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.13 n.23; p. 738 2016 A resposta específica em qualquer paciente depende da virulência e carga bacteriana envolvida; do sítio de infecção (SALOMÃO et al. 2014); do status imunológico do hospedeiro, da presença de doenças pré-existentes e das características genéticas. A duração e extensão destes dois mecanismos são determinadas por fatores relacionados ao organismo infectado (doenças concomitantes, idade, fármacos, características genéticas) e o patógeno (carga viral/bacteriana) (ANGUS & POLL, 2013). A resposta do hospedeiro pode variar, entretanto, estudos indicam que reações pró-inflamatórias direcionadas para eliminar patógenos invasores são responsáveis pelo dano tecidual na sepse grave. As respostas anti-inflamatórias atuam na tentativa de limitar a injúria tecidual em um sítio único ou em um único sistema mas também aumentam a susceptibilidade as infecções secundárias (ANGUS & POLL, 2013). Mecanismo inflamatório na sepse A resposta do organismo diante do quadro séptico compreende a ativação de dois mecanismos: a resposta pró-inflamatória e a resposta anti-inflamatória. Foi demonstrado que em seres humanos 4.500 genes são ativados durante a resposta imune envolvidos na resposta imune inata e adaptativa (PRAVDA, 2014). A resposta inflamatória inicia-se após o reconhecimento dos padrões moleculares associados ao patógeno (PAMPs) pelos receptores padrões de reconhecimento (PRRs) presentes em monócitos, macrófagos e neutrófilos. Os receptores destes tipos celulares podem ser de quatro classes distintas - receptores do tipo toll-like (TLRs), lectina do tipo C (CLRs), receptores induzíveis do ácido retinóico (RLRs), receptores induzidos do gene 1 e receptores de domínio ligadores de nucleotídeo por oligomerização (NLRs) (LAI et al., 2013). O TLRs e CLRs estão presentes na superfície celular, o TLRs no endossomo, enquanto os RLRs e NLRs encontram-se no citoplasma celular (ANGUS & POLL, 2013). Os quatro receptores iniciam a resposta imune inata e regulam a resposta imune adaptativa mediada por linfócitos T e são capazes de identificar constituintes específicos presentes nos microrganismos invasores. Como exemplo destes constituintes dos PAMPs, tem-se lipoproteínas de parede celular bacteriana, lipopolissacarídeos, fragmentos de membranas fúngicas, ácidos nucléicos bacterianos e virais (SCHNEIDER et al. 1998). Além da ativação celular, a interação entre os PAMPs e os receptores do tipo toll-liketambém medeiam a produção de proteínas de fase aguda. Os PAMPs e os TLRs ativam sinais transdutores intracelulares que acionam à transcrição do fator nuclear-kappa (NF-k). Ocorre a movimentação do NF-k do citoplasma para o núcleo para ligar-se aos locais de transcrição e indução de ativação de genes responsáveis pela transcrição de proteínas de fase aguda, síntese de óxido nítrico, fatores de coagulação, citocinas pró-inflamatórias e ativação enzimática de proteases celulares (CINEL & OPAL, 2009). A resposta inflamatória exacerbada resulta na injúria do tecido circunjacente, resultando em morte celular por necrose. Em decorrência do processo necrótico, há liberação de moléculas endógenas, denominadas alarminas, que são padrões associados ao dano tecidual reconhecidas pelos PRRs. São exemplos de alarminas, proteínas do grupo B1, proteínas S100m, DNA e RNA extracelular e histonas. Como as alarminas são semelhantes aos PAMPsa resposta inflamatória continua a ser ativada, mesmo na ausência de patógenos (ANGUS & POLL, 2013). ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.13 n.23; p. 739 2016 Inflamação como indutora de injúria renal O processo inflamatório continua a mobilizar mais células inflamatórias a longo prazo. Neste ponto, a inflamação torna-se sistêmica favorecendo a maior fragilidade do organismo devido ao quadro de estresse. Consequentemente, o paciente torna-se mais susceptível à disfunção aguda renal (PINTO et al., 2012). Os produtos pró-inflamatórios circulantes demonstram estar mais relacionados com a disfunção renal. A ação deletéria da inflamação sistêmica ativa mecanismos próapoptóticos que exacerbam a mobilização de leucócitos, graças adesregulação dos canais de expressão. A lesão endotelial induzida pela sepse favorece a formação de moléculas de adesão intercelular (ICAM-1), moléculas de adesão vascular (VCAM) e as selectinas do tipo P e E que promovem a interação leucócito-endotelial, adesão plaquetária e obstrução mecânica da microvasculatura renal (LAI et al., 2013). O rim do paciente séptico começa a produzir citocinas pró-inflamatórias pelas células tubulares que exacerbam o processo inflamatório. Além disso, há a apoptose das células tubulares e lesão oxidativa por geração de espécies reativas de oxigênio (PINTO et al., 2012). O estresse oxidativo leva a liberação do produto intermediário do peróxido de hidrogênio, óxido nítrico (NO). O NO é um radical livre que forma moléculas tóxicas como o peroxidonitrito, responsável por oxidar e lesar as proteínas da membrana celular endotelial renal (PINTO et al., 2012). Entretanto, a citoxicidade do NO não é completamente elucidada (LIPCSEY & BELLOMO, 2011) e choque (KOTHARI et al., 2012). Adicionalmente, o mecanismo inflamatório com produção de NO cursa com diminuição da TFG (MORRELL et al., 2013). Anormalidades da coagulação na sepse A sepse desencadeia alterações na cascata da coagulação que, frequentemente, culminam em coagulação intravascular disseminada (CID). A excessiva na deposição de fibrina cursa com coagulação por ação de fatores teciduais como glicoproteína presente na transmembrana que são expressas por vários tipos celulares. Adicionalmente, mecanismos anticoagulantes desregulados como o sistema de proteína do tipo C e antitrombina e deficiência na remoção de fibrina culminam com a falha do sistema fibrinolítico (ANGUS & POLL, 2013). A sepse tem sido associada a trombose na microvasculatura proveniente da coagulação desregulada. O desequilíbrio dos mecanismos anticoagulantes é consequência da reduzida atividade dos anticoagulantes endógenos, mediada pela proteína C, antitrombina e inibição de fator tecidual. Adicionalmente a fibrinólise aumenta a liberação de ativador/inibidor de plasminogênio do tipo 1 (PAI-1), agravando o processo. A formação do trombo é facilitada pela liberação de debris extracelulares do neutrófilo (NETs) durante a morte deste tipo celular, além da vasodilatação, hipotensão e incapacidade de deformação das hemácias. A oxigenação é reduzida em função da perda das junções da barreira endotelial vascular por perda da função da vasculatura endotelial (VE), das junções que mantém as células endoteliais unidas, aumento nos níveis de angiopoietina 2 e distúrbios no balanço entre os receptores 1 espingosina-1fosfato (S1P1) e S1P3 no interior da parede vascular. Consequentemente, o uso do oxigênio é diminuído no patamar subcelular em consequência ao dano à mitocôndria por estresse oxidativo (Figura 2) (ANGUS & POLL, 2013). Coagulação séptica como indutora de injúria renal A ativação da cascata da coagulação é outro fator que contribui para a patogênese das alterações microcirculatórias renais apesar da formação de ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.13 n.23; p. 740 2016 microtrombos ser pouco relatada na sepse (BACKER et al., 2014). A deposição de fibrina em proporções significativas nos capilares contribui para a formação dos trombos, que no paciente séptico, pode diminuir a perfusão de oxigênio, contribuindo para o quadro hipoxêmico. A isquemia tecidual gerada pela presença de trombos, além de diminuir a oxigenação, exacerba os mecanismos inflamatórios que já estão aumentados na sepse. Os fatores hipóxia, isquemia e inflamação podem terminar por desencadear a IRA (BACKER et al., 2014). Alterações na microvasculatura na sepse e IRA A microvasculatura é um sistema extremamente dinâmico e integrado entre as células endoteliais que interagem com o meio por meio de receptores e mediadores. Tem como função a vasorregulação, transporte de oxigênio, recrutamento de células imunológicas, transporte de fatores da coagulação e permeabilidade capilar. Acreditava-se que a inflamação exercia o papel primordial no mecanismo séptico, mas estudos recentes indicam que tem papel central na patogênese da sepse é a disfunção na microcirculação (PRAVDA, 2014). As alterações dos vasos de ordem morfológica e celular, bem como a agregação plaquetária, dimensionam alguns dos mecanismos envolvidos do desenvolvimento de disfunção vascular. As alterações da microvasculatura na sepse podem acometer diversos tecidos como pele, músculo, olhos, língua, intestinos, fígado, coração e rins e possuindo mecanismos patofisiológicos diferentes. As alterações nos capilares mediante sepse estão mais bem elucidadas em humanos, provavelmente os mecanismos são semelhantes para os animais domésticos (BACKER et al., 2014). O mecanismo da sepse altera a perfusão da microvasculatura sob condições endotoxêmicas, principalmente a comunicação entre vasos de 500 microns. A interação entre a superfície endotelial e as células circulantes é também alterada sob condições sépticas. O glicocálice é uma camada fina das glicosaminoglicanas que recobre a superfície endotelial da microvasculatura. O glicocálice facilita o fluxo das hemácias e limita a adesão leucocitária e plaquetária ao endotélio. Mediante sepse, o glicocálice torna-se extremamente fino quando comparado a quadros de normalidade, e produtos da sua degradação são facilmente encontrados na circulação. Adicionalmente, a redução nesta camada pode facilitar a adesão leucocitária ao endotélio (BACKER et al., 2014). As células circulantes também podem estar relacionadas as alterações da microvasculatura. Na sepse, há o aumento significativo no número de leucócitos e plaquetas durante o início da cascata inflamatória que desencadeiam o processo de rolamento e adesão ao endotélio vascular. Consequentemente, este aumento no número de células mobilizadas no processo inflamatório dificultam a circulação de outras células. As hemácias também são afetadas visto que há alteração na sua capacidade de deformidade e adesão destas ao endotélio vascular (BACKER et al., 2014). Ocorre ampliação dos espaços entre as células endoteliais ao mesmo tempo que aumenta a permeabilidade endotelial das células dos capilares. Adicionalmente, a exposição dos vasos ao H2O2 aumenta ainda mais os espaços intercelulares dos vasos. Neste ponto, a função de barreira é comprometida, há edema microvascular, shunts arteriovenosos e desregulação dos mecanismos de vasoconstrição e vasodilatação relacionados ao dano oxidativo sustentado (PRAVDA, 2014). ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.13 n.23; p. 741 2016 A agregação plaquetária, edema pericapilar e mobilização celular cursam com a diminuição na perfusão da microcirculação. A ausência de fluxo na microvasculatura está diretamente relacionada aendotoxinas e a presença de bactérias na circulação. Consequentemente, a difusão de oxigênio fica comprometida ocasionando o quadro de hipóxia tecidual e injúria celular (WESTPHAL et al., 2011; PRAVDA, 2014). As alterações nos capilares dificultam a perfusão de oxigênio, ocasionando a hipóxia tecidual. Além disso as endotoxinas circulantes e bacteremia agravam o quadro. Consequentemente, o padrão de distribuição de oxigênio tornase heterogêneo, dando início à patofisiologia da IRA (BACKER et al., 2014). Mecanismo formador de radicais livres na sepse como indutor da IRA A resposta inflamatória sistêmica cursa com estado hipermetabólico do organismo. O estado hipermetabólico acontece na sepse durante a resposta imune que tenta combater um agente patogênico. A condição estressante da sepse resulta no aumento da concentração de hormônios catabólicos como as catecolaminas, cortisol e glucagon. Consequentemente, devido a ativação exacerbada da inflamação, aminoácidos são excessivamente degradados produzindo uma grande quantidade de produtos tóxicos circulantes, também denominados radicais livres (PRAVDA, 2014). Este estado hipermetabólico produz uma grande quantidade de produtos tóxicos provenientes de debris celulares. O aumento abrupto nas reações bioenergéticas celulares produz metabólitos tóxicos que devem ser neutralizados para evitar o acúmulo na circulação e morte celular. O acúmulo destes tóxicos na circulação cursa com disfunção de órgãos, edema microangiopático, hipotensão refratária que são características patognomônicas do choque séptico (PRAVDA, 2014). O principal produto tóxico resultante do metabolismo celular é o peróxido de hidrogênio (H2O2). O H2O2 é formado de atividades metabólicas como síntese protéica, síntese de ATP e oxidação de ácidos graxos. É degradado por ação enzimática da glutationaperoxidase que, mediante quadros sépticos, tem disponibilidade reduzida o que leva a acumulação do H2O2. Este metabólito tóxico pode ser responsável por dano oxidativo celular, desintegrando proteínas, peroxidando lipídeos e causando danos ao DNA, o que cursa com morte celular (PRAVDA, 2014). A IRA séptica depende não somente da isquemia da microvasculatura mas também da necrose e apoptose subsequente para o dano inicial renal (MAY et al., 2012). O H2O2, além de citotóxico, possui habilidade de passar livremente por membranas biológicas, difundindo-se no espaço extracelular e endotélio capilar vascular na região pericapilar das células parenquimais. Consequentemente, todos os órgãos, inclusive o rim, podem ter os capilares acometidos que cursam com disfunção microcirculatória, edema microangiopático e hipotensão refratária que vão cursar com IRA (PRAVDA, 2014). Alterações do FSR e TFG na sepse As alterações hemodinâmicas decorrentes da sepse são responsáveis pela alteração do tônus vascular renal, TFG, FSR e na resistência pré e pósglomerular das arteríolas renais. O nível da TFG é dependente da pressão exercida sob o capilar glomerular. A pressão nos capilares glomerulares é afetada pela pressão oncótica, pressão arterial e o balanço entre as resistências das arteríolas ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.13 n.23; p. 742 2016 aferentes e eferentes. A resistência arteriolar é mais significativa na determinação do FSR global uma vez que mais que 90% deste fluxo passa pelo glomérulo. Na sepse, há o aumento da vasodilatação renal e do FSR e, ao mesmo tempo, a queda na TFG em decorrência da liberação de NO. O aumento nas concentrações de NO no rim é possivelmente a causa do aumento do FSR, desregulação da resistência préglomerular e consequente queda na TFG (MAY et al., 2012). Ativação simpática no choque séptico e a IRA O acometimento cardiovascular no choque séptico cursa com vasodilatação e hipotensão e aumento exacerbado de atividade nervosa simpática (SNA). A excitação simpática foi demonstrada pela detecção de aumento nos níveis de catecolaminas plasmáticas mediante endotoxemia em ratos, cursando com aumento do débito cardíaco (DC) e seguido de queda da pressão arterial média (PAM). Estes fenômenos de aumento de DC e redução de PAM foram associados a ação central das citocinas inflamatórias que tem ação direta no coração. A ação central das citocinas é o provável fator causador da excitação simpática no choque séptico. Em condições fisiológicas, as citocinas não conseguem passar pela barreira hematoencefálica, entretanto, mediante sepse há evidências da quebra da integridade desta barreira. As citocinas, incluindo a TNF-α e a IL-1B atuam nas células perivasculares na indução da atividade das ciclo-oxigenases tipo 1 (COX-1), promovendo a produção de prostaglandinas E2 (PGE2) que são capazes de cruzar a barreira hematoencefálica. Ativa-se de prostanóides tipo E nos neurônios centrais que promovem a febre e modulam e controlam a atividade cardiovascular e SNA (MAY et al., 2012). A ativação da SNA e acometimento cardiovascular desencadeiam a hipotensão e vasodilatação que vão influenciar no FSR. As alterações no FSR mediante hipotensão podem iniciar o mecanismo de dano renal (MAY et al., 2012). Consequências da IRA séptica na função renal O íon cloro no rim normal está associado a diminuição do FSR e TFG mediante aumento dos seus níveis. A hipercloremia fisiológica produz vasoconstrição e queda na TFG que é regulado por mediadores presentes nos túbulos distais. Em condições fisiológicas, a diminuição da pressão arterial resulta no aumento de absorção do NaCl pelos túbulos proximais, diminuição de NaCl na mácula densa e ativação subsequente do sistema renina-angiotensina. O mecanismo da mácula densa diminui a perfusão renal e aumenta a vasconstrição das arteríolas aferente e eferente que aumentam novamente a TFG. Quando a mácula densa percebe, por meio de receptores, que há aumentos nos níveis de cloro, o fenômeno oposto acontece, diminuindo a TFG de modo fisiológico (MORRELL et al., 2013). A inflamação é um dos principais marcadores fisiológicos da sepse e exerce modificações nos mecanismos regulatórios dos íons sódio, potássio e cloro no rim. Tais modificações provenientes da inflamação séptica podem cursar com o aumento de cloro no túbulo distal o que leva à modificações na TFG e na função renal como um todo. Os efeitos deletérios do cloro nos túbulos distais não estão somente associados às alterações hemodinâmicas da sepse mas também a produção de NO, aumentos na razão entre IL-6 e IL-10 e ligação entre NF-kB e DNA Adicionalmente, aumentos nos níveis de cloro na região distal podem estar associadas aos aumentos de IL-1B, TNF-α e interferongamma (IFN-ϒ) (MORRELL et al., 2013). ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.13 n.23; p. 743 2016 O mecanismo inflamatório séptico que acomete o transporte e absorção de íons importantes, também está relacionado a modificações no endotélio renal. A função endotelial pode ser afetada pela presença de mediadores inflamatórios como a TNF, IL-1 e LPS. Entretanto, as COX e prostaglandinas possuem papel principal como mediadores do sódio e cloro que chegam aos túbulos distais. As prostaglandinas na IRA de cunho séptico, no túbulo renal, inibe o monofosfato de adenosina cíclica (cAMP) que inibe a proteína quinase A (PKA) via NHE3 por fosforilação que pode desencadear natriurese secundária. Consequentemente, haverá a inibição da reabsorção de sódio por aumento nos níveis de cálcio intracelular que inibem a bomba de Na+/K+-ATPase, o transporte apical de proteínas sódicas e efeitos no transporte de sódio via proteína quinase C (PKC) no ducto coletor. Este mecanismo culmina com apoptose no túbulo contorcido distal por desregulação dos canais de potássio (MORRELL et al., 2013). Há modificações no transporte da glicose e da ureia em quadros sépticos. Estudos em ratos injetados com lipopolissácarideos (LPS) mostraram uma diminuição na expressão de transportadores de ureia e de glicose no qual houve aumento nos niveis de exccreção fracionada de glicose e redução das concentrações plasmáticas de glicose além da redução da TFG. As alterações das concentrações desta amina e deste açúcar estão relacionados ao aumento das concentrações de TNF, IL-1,IL-6 ou IFN-ϒ. A significância clínica da diminuição na absorção de glicose na sepse é, até então desconhecida (BACKER et al., 2014). Quanto a creatinina sérica, durante a IRA séptica, há o aumento de 0,5mg/dL em pacientes apresentando sinais de disfunção do órgão durante a sepse e de acordo com Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO), esta enzima que avalia a função renal pode aumentar 0,3mg/dL dentro de 48horas em pacientes sépticos humanos (DOI, 2016). A função de filtração desempenhada pelo rim fica comprometida, agravando o processo séptico. Além disso, as modificações no transporte de glicose e a redução na TFG comprometem o adequado funcionamento do organismo como um todo. Sem a devida filtração, radicais livres, mediadores da inflamação continuam circulando livremente. Adicionalmente, endotóxicos e bactérias continuam a desencadear a ativação do sistema imune. O dano renal continua e, concomitantemente há a disseminação da injúria para outros sistemas. O sistema imune torna-se incapaz de responder efetivamente à agressão e os fármacos já não são capazes de desencadear a resposta esperada de melhora. Há a falência múltipla dos órgãos, a descompensação do organismo e o choque séptico instalamse. Neste ponto, quando o organismo torna-se irresponsivo a qualquer estímulo, as chances de óbito do paciente tornam-se consideráveis. Fica evidente que o conhecimento dos mecanismos da sepse indutora da injúria renal podem impedir o agravamento do paciente crítico permitindo que medidas intervencionistas adequadas aumentem as chances de sobrevida. CONSIDERAÇÕES FINAIS Estudos detalhados e abrangentes, assim como, a elevada casuística possibilitam o fornecimento de dados para o tratamento da IRA secundária à sepse na medicina emergencial em humanos. Entretanto, na medicina veterinária, apesar da utilização de modelos experimentais para o melhor entendimento da síndrome, há a limitação de dados referentes aos índices de mortalidade e acometimento renal secundário ao quadro séptico. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.13 n.23; p. 744 2016 Modelos animais experimentais têm sido bastante utilizados na tentativa de se compreender os principais mecanismos da sepse que cursam para a injúria renal. Estes novos estudos mostraram que a inflamação exacerbada, antes tida como o fator desencadeante para a lesão renal, mostrou-se apenas complementar ao mecanismo e que alterações na microvasculatura têm um papel essencial na sepse. As alterações de cunho hemodinâmico diminuem a perfusão de oxigênio no tecido renal. Este padrão heterogêneo de perfusão dá início ao processo isquêmico e, consequentemente, a primeira fase da IRA é iniciada. Nesta etapa, a inflamação exacerbada, a alteração na coagulação, produção de radicais livres, hipermetabolismo e endotoxemia levam ao agravamento do quadro. O mecanismo da sepse como indutor da IRA é controverso, mas o entendimento de eventos já elucidados permite a construção do raciocínio clínico rápido para a adequada intervenção terapêutica a fim de evitar a evolução do quadro para o choque séptico e morte do paciente. REFERÊNCIAS ALAGAPPAN, K.; HOLLIMAN, C. J. History of the development of international emergency medicine. Emergency Medicine Clinics of North American; [Philadelphia] v. 23, n.1, p.1-10, 2005. ANGUS, D. C.; POLL, T. Severe Sepsis and Septic shock. The New England Journal of Medicine. [Boston], v.369, n. 9, p. 840-851, 2013. Disponível em: <http:// dx.doi.org/10.1056/NEJMra1208623 doi: 10.1056/NEJMra1208623 ANGUS, D.; LINDE-ZWIRBLE, W. T.; LIDICKER, J.; CLERMONT, G.; CARCILLO, J.; PINSKY, M. R. 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