TÓPICO 1 1 Linguística funcional: pressupostos teóricos fundamentais: - iconicidade e marcação - transitividade e planos discursivos - gramaticalização Iniciaremos nossos estudos com a abordagem de pressupostos da Linguística Funcional, o que será um pré-requisito necessário para a compreensão dos estudos funcionalistas da gramática. O desenvolvimento deste tópico realizar-se-á com base na leitura obrigatória do texto Pressupostos teóricos fundamentais, cujos autores são membros do grupo de estudos funcionalistas do Rio de janeiro, a saber: Maria Angélica Furtado da Cunha, Marcos Antonio Costa e Maria Maura Cezario. Também será leitura obrigatória o texto Motivação icônica no léxico e na gramática, de Antonio Suárez Abreu, que compõe a coletânea Língua portuguesa em debate: conhecimento e ensino, organizada por José Carlos de Azeredo. O fórum para discussão do conteúdo dos textos selecionados para estudo do presente Tópico funcionará no período de 3 a 15 de agosto de 2016. Referências bibliográficas SUÁREZ, Antonio. Motivação icônica no léxico e na gramática. IN AZEREDO, José Carlos de (Org.). Língua portuguesa em debate: conhecimento e ensino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. CUNHA, Maria Angélica Furtado, COSTA, Marcos Antonio; CEZARIO, Maria Maura. Pressupostos teóricos fundamentais. IN CUNHA, Maria Angélica Furtado; OLIVEIRA, Mariângela Rios; MARTELOTTA, Mário Eduardo (orgs.). Linguística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. ______________________________________________ Informações preliminares Antes da leitura dos capítulos selecionados para o Tópico I, leia o texto, abaixo, em se que se apresentam informações sobre o pensamento de funcionalista quanto à concepção de linguagem e metodologia de investigação da linguagem/língua. Dentro do quadro teórico funcionalista, a Gramática Funcional é uma descrição da língua centrada no uso, em que se considera a competência comunicativa do falante, sua capacidade de fazer escolhas, no léxico e na gramática, as mais adequadas ao sentido que este intenciona construir. FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO O termo funcionalista, nos estudos da linguagem, encampa a concepção que se tem de língua considerando-a como dependente do contexto comunicacional. Para entender essa visão, apresenta-se o texto, a seguir, de Berlinck et al. (2001, p. 211-212), que deixa claro como a língua é concebida segundo os estudos funcionalistas; o que determina a forma de uma língua; e o fato de a unidade linguística não se restringir à sentença. A abordagem funcionalista vê a linguagem como um sistema não autônomo, que nasce da necessidade de comunicação entre os membros de uma comunidade, que está sujeito às limitações impostas pela capacidade humana de adquirir e processar o conhecimento e que está continuamente se modificando para cumprir novas necessidades comunicativas. Para os funcionalistas, o fato de a comunicação ser uma função essencial da linguagem determina o modo como a língua está estruturada. Por isso, a análise de um fato linguístico deve levar em conta tanto o falante quanto o ouvinte e, para além do ato verbal, as necessidades da comunidade linguística. Nas palavras de Halliday, “tenta-se explicar a natureza da linguagem, a sua organização interna, em termos das funções que ela desenvolveu para servir na vida do homem social”. Pensar a Sintaxe segundo uma perspectiva funcionalista implica, então, alargar a sintaxe para além dos limites da sentença. Os processos sintáticos são entendidos aqui pelas relações que o componente sintático da língua mantém com os componentes semântico e discursivo. Só é possível compreender o que se passa na Sintaxe, olhando também para o contexto (texto e/ou situação comunicativa) em que a sentença está inserida. É nesse espaço ampliado de análise que se vão buscar as motivações das escolhas que o falante faz em termos estruturais. Quem fala em escolhas, fala em opções, em variação. Nesse sentido, a variação linguística constitui um dos centros de interesse privilegiado da abordagem funcionalista. As soluções funcionalistas para a variação estão não apenas no interior do sistema linguístico, como também fora dele, no ambiente social em que a língua funciona como veículo de comunicação. Em síntese, o funcionalismo difere das abordagens formalistas (estruturalismo, gerativismo) porque - concebe a linguagem como instrumento de interação social; - examina a estrutura gramatical em relação ao contexto discursivo; - considera que os domínios da sintaxe, da semântica e da pragmática são relacionados e interdependentes; - sustenta a hipótese de que a estrutura gramatical depende do uso que se faz da língua (a estrutura é motivada pela situação comunicativa). - defende a ideia de que não existe uma gramática sincronicamente estável, mas sim um processo constante de organização gramatical, o que significa dizer que há um processo contínuo de gramaticalização (movimento de elementos do léxico para a gramática). - toma como objeto de estudo a competência comunicativa, já que “toda língua se impõe (...) tanto em seu funcionamento como em sua evolução, como um instrumento de comunicação da experiência”, entendendo-se como experiência “tudo o que [o homem] sente, o que ele percebe, o que ele compreende em todos os momentos de sua vida”. (NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.2) Os funcionalistas ocupam-se das funções a que servem as formas da língua na construção de sentidos do texto, tendo em vista intenções comunicativas que o falante objetiva realizar, os efeitos de sentido a que visa produzir. Partindo da observação do uso efetivo das formas (expressões linguísticas) em contextos reais de interação, a descrição funcionalista busca identificar a função que estas têm na organização da mensagem (funções como tópico, comentário, informação nova, informação dada, figura, fundo) e na produção de sentido. A respeito da distinção entre Forma e Função, sabe-se que: Forma: designação geral para qualquer fonema ou sequência fonêmica provida de significação; é assim a relação que se estabelece numa língua dada entre uma parte fônica, ou significante, a representação que a ela corresponde na linguagem, ou significado. A forma linguística vai em ordem decrescente desde o texto de comunicação oral ou escrita até a parte fônica mínima a que corresponde uma significação, ou Forma Mínima que, segundo a natureza da significação, pode ser um semantema ou um morfema. Portanto, são formas da língua: o morfema, a palavra, os sintagmas (constituintes da frase), a frase, o texto. Função: 1) aplicação que na língua tem uma forma em vista de seu valor gramatical. Exemplos: a função de plural de lobos; a função de advérbio de caro (vestido caro); a função de sujeito do pronome eu. (CAMARA JR., Mattoso J. Dicionário de linguística e gramática. Petrópolis: Vozes, 1986). 2) Na linguística, o termo função se refere aos casos que a álgebra denomina como relações (Dillinger cita Brainerd , 1977 e Wall, 1972), caso em que alguns elementos do domínio teriam nenhum ou mais de um elemento correspondente no contradomínio. Assim, na linguística, usa-se função do sentido de “relação”. E em referência às línguas (Dillinger cita Garvin, 1978), função pode designar as relações: a) entre uma forma e outra (função interna ou gramatical): no nível da estrutura frasal, essas funções são denominadas tradicionalmente de sujeito, predicado, objeto, adjunto, predicativo; no nível da estrutura da palavra, as funções são a de radical, afixo, desinências, vogal temática. b) entre uma forma e seu significado (função semântica): valores semânticos dos constituintes da frase: agente, paciente, causador de experiência, possuidor, designado; circunstâncias (tempo, lugar, causa, modo, finalidade, etc.). Por exemplo, no enunciado “O mecânico consertou o carro”, o sujeito [o mecânico] representa, no mundo, um agente; já em “O carro foi consertado pelo mecânico”, o sujeito [o carro] representa uma entidade no mundo no papel de um paciente. Em “A chave abriu a porta”, o sujeito [a chave] refere-se no mundo a um instrumento. c) entre o sistema de formas e seu contexto (função externa): tema/ rema; informação nova/ informação dada; informação inferível, foco, etc. Essas funções são as que interessam à gramática funcional. Essa relação implica também o valor discursivo (efeito de sentido) que uma forma pode realizar. Sobre essas três diferentes funções, considere-se, por exemplo, as funções do artigo (classe gramatical) na língua portuguesa: 1) no nível da morfossintaxe (função gramatical), o artigo é um marcador de gênero (masculino/feminino), único traço, em alguns casos, pelo qual se distingue o gênero da palavra (cf. o artista/a artista; o mapa; a alface), bem como funciona como determinante do substantivo (qualquer palavra precedida de artigo é um substantivo) ; 2) no nível da semântica, o artigo define ou indefine um referente do mundo, daí a distinção entre artigo definido e indefinido; 3) no nível do texto, o artigo é um elemento de coesão (um elemento anafórico) com valor semelhante ao dos pronomes; 4) no nível do discurso (função externa), o artigo pode criar efeitos de sentido, como o de indicar familiaridade (A Maria é uma grande mulher) ou valor superlativo de alguém ou de algo em relação aos membros de uma classe (Ricardo é O professor). Compreendido o que é função, na descrição funcionalista, o passo seguinte é conhecer pressupostos básicos do funcionalismo e suas construções teóricas com base nas leituras selecionadas para Tópico 1 deste Curso. Após isso, devem ser resolvidas as questões propostas a respeito da teoria em estudo. __________________________________________________________________________ ATIVIDADE 1 Conteúdo: princípio da iconicidade; isomorfismo; figura e fundo As questões propostas nesta atividade devem ser resolvidas com base na leitura do texto: CUNHA, Maria Angélica Furtado, COSTA, Marcos Antonio; CEZARIO, Maria Maura. Pressupostos teóricos fundamentais. IN CUNHA, Maria Angélica Furtado; OLIVEIRA, Mariângela Rios; MARTELOTTA, Mário Eduardo (orgs.). Linguística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. Questões 1) Identifique o tipo de iconicidade ( na formação de palavras, na ocorrências de expressões) nos textos abaixo: a) Domingo no parque [...] Juliana girando – oi girando Oi na roda gigante – oi girando Oi na roda gigante – oi girando O amigo João – oi João O sorvete é morango – é vermelho Oi girando e a rosa – é vermelha Oi girando, girando – é vermelha Oi girando, girando – olha a faca Olha o sangue na mão – ê José Juliana no chão – ê José Outro corpo caído – ê José Seu amigo João – ê José [...] b) Poema Brasileiro No Piauí de cada 100 crianças que nascem 78 morrem antes de completar 8 anos de idade No Piauí de cada 100 crianças que nascem 78 morrem antes de completar 8 anos de idade No Piauí de cada 100 crianças que nascem 78 morrem antes de completar 8 anos de idade Antes de completar 8 anos de idade Antes de completar 8 anos de idade Antes de completar 8 anos de idade Antes de completar 8 anos de idade (Ferreira Gular. Toda poesia, 1993) c) Na Chapada Há um chuvisco na chapada em toda a mata um cochicho em ch chuá chuá na queda d’água eu me espicho e fico quieta nada me falta [...] (Tetê Espíndola & Carlos Rennó. Na chapada. In SOS Brasil. LP Som Livre, 1889) d) Canção do Exílio Minha terra tem palmeiras da Califórnia onde cantam gaturamos de Veneza [...] A gente não pode dormir Com os oradores e os pernilongos. (Murilo Mendes. Poemas. In Poesias, 1959) e) Os docinhos da festa são olho-de-sogra, casadinho, pé-de-moleque, salva-vida. 2) A construção dos enunciados a seguir exemplificam que subprincípio da iconicidade? f) [...] Quando uma cobra morre ou foge ou se muda, o rio seca, o rio desaparece. Muitos caboclos já assistiram à luta de duas mães de rio. A do Arari tinha brigado, perdera as forças, para conservar o rio. Marajó, de Dalcídio Jurandir (2008) g) Levanta, sacode a poeira e dá volta por cima. (letra de canção popular) 3) Sobre a noção de isomorfismo, responda: existe uma correlação transparente entre forma e função (ou seja, a cada forma corresponde uma função)? 4) Apresente a distinção entre figura e fundo e identifique, no texto abaixo, enunciados que compõem o plano da figura e os que formam o plano de fundo. Um asno, vítima da fome e da sede, depois de longa caminhada, encontrou um campo de viçoso feno ao lado do qual corria um regato de límpidas águas. Consumido pela fome e pela sede, começou a hesitar, não sabendo se antes comia do feno e depois bebia da água ou se antes saciava a sede e depois aplacava a fome. Assim, perdido na indecisão. Morreu de fome e de sede. (Fábula de Buridan, filósofo da Idade Média) 5) No estudo da informatividade, Prince (1981, p.235) classifica os referentes (entidades) do discurso em três categorias de acordo com o conhecimento compartilhado pelo ouvinte/leitor acerca desses referentes. Apresente essa classificação exemplificando-a. 6) Responda: os verbos gramaticalização? auxiliares são um exemplo do processo ___________________________________________________________ de