1 A Macroeconomia do Crescimento Sustentado e suas Implicações

Propaganda
A Macroeconomia do Crescimento
Sustentado e suas Implicações sobre a
Distribuição de Renda
José Luís Oreiro1
Marcelo Luiz Curado2
O atual modelo de política
macroeconômica adotado Brasil é
constituído de três pilares básicos:
condução da política monetária por
intermédio de um regime de metas de
inflação; regime de câmbio de flutuação
suja na qual o mercado é o responsável
pela definição da taxa de câmbio nominal
e as intervenções do Banco Central
encontram-se
restritas
a
impedir
movimentos especulativos e, por fim,
geração de superávits primários para
estabilizar/reduzir a dívida pública como
proporção do PIB.
Este modelo tem sido capaz de
manter a estabilidade da taxa de inflação.
No entanto, tem contribuído para as
baixas taxas de crescimento do produto e
com isso limitado as possibilidades de
redução do desemprego e a melhoria
efetiva das condições de vida da
população.
Com efeito, o rendimento médio
real dos trabalhadores ocupados nas
regiões metropolitanas sofreu uma queda
bastante significativa desde março de
2002. Em junho de 2005, segundo dados
do IPEADATA, o rendimento médio era
cerca de 12% inferior em termos reais ao
prevalecente no início de 2002. Desde
então o rendimento real médio tem
aumentado, mas ainda não recuperou o
patamar observado no início de 2002. Em
março de 2007, por exemplo, o
1
Professor do Departamento de Economia da
UFPR e Pesquisador do CNPq. E-mail:
[email protected].
2
Professor do Departamento de Economia da
UFPR. E-mail: [email protected].
rendimento real médio dos trabalhadores
ocupados era cerca de 4% menor do que o
prevalecente 5 anos antes!
A combinação de taxa de juros
real elevada com moeda valorizada é o
cerne
de
nosso
problema
macroeconômico, impedindo também
uma melhoria sustentável na distribuição
de renda. Juros elevados reduzem
investimentos produtivos e afetam
diretamente a dívida interna. Além disso,
atraem capitais especulativos que
contribuem para a valorização da moeda.
Por sua vez a valorização da
moeda afeta a economia brasileira de
duas formas. Em primeiro lugar, reduz a
competitividade e a lucratividade do setor
exportador. É preciso lembrar que, apesar
do aumento das nossas exportações nos
últimos 5 anos, a nossa participação no
comércio internacional hoje (1,1% do
total) é inferior a verificada em 1985
(1,3% do total). Em outros termos, as
exportações brasileiras cresceram menos
do que a média do resto do mundo. Dessa
forma, a demanda externa perde força
como possível fonte de aceleração do
crescimento da economia brasileira. Em
segundo lugar, o fraco crescimento da
demanda externa por produtos brasileiros
termina por desestimular as decisões de
ampliação de capacidade produtiva das
empresas, contribuindo assim para uma
reduzida taxa de crescimento do estoque
de capital, o que torna insustentável
qualquer movimento no sentido de
acelerar o crescimento da economia
brasileira. Dito de outra forma, a
apreciação cambial dificulta a aceleração
do crescimento e faz com que tal
aceleração, quando ocorre, seja de fôlego
curto, reproduzindo assim um padrão de
crescimento do tipo stop-and-go.
No que se refere a distribuição de
renda, para que haja uma redução
persistente
nos
indicadores
de
desigualdade social no Brasil se faz
1
necessário um aumento efetivo da
participação dos salários na renda
nacional. Em 1995, a participação dos
salários na renda nacional era de 43,2%.
Em 2004, os salários representavam
apenas 40,5% da renda gerada no país.
Como o número de indivíduos que
recebem rendimentos na forma de salário
supera em muito o número de indivíduos
que recebem seus rendimentos na forma
de rendas de propriedade; segue-se que
uma piora na distribuição funcional da
renda – ou seja, da forma pela qual a
renda é distribuída entre salários e
rendimentos de propriedade – implica
numa piora da distribuição pessoal da
renda, com reflexos negativos sobre a
desigualdade social.
Nesse contexto, cabe a seguinte
pergunta: É viável se pensar num modelo
macroeconômico alternativo que combine
uma
aceleração
sustentável
do
crescimento econômico com estabilidade
de preços e aumento da participação dos
salários na renda nacional?
No que se refere a combinação
entre crescimento acelerado e estabilidade
de preços, a experiência internacional tem
demonstrado que sim. Países como
China, Índia e Coréia do Sul, por
exemplo, têm crescido a taxas muito
superiores às brasileiras com estabilidade
de preços. A observação destes casos de
sucesso
tem
revelado
algumas
características comuns que merecem
destaque. Em geral, o elevado
crescimento
econômico
encontra-se
associado a uma combinação de
ampliação da participação do país no
comércio internacional com elevadas
taxas de investimento como proporção do
PIB, caracterizando assim um modelo de
desenvolvimento do tipo export-led.
No que tange a política
macroeconômica, nestes três países há
uma clara preocupação em manter a taxa
de câmbio real em patamares pró-
exportação, ainda que isto signifique num
acúmulo significativo de reservas
internacionais. Outro ponto em comum é
a manutenção de taxas de juros inferiores
aos patamares observados na economia
brasileira.
A construção de um modelo
macroeconômico que tenha como
objetivo a promoção do crescimento
econômico com estabilidade de preços
passa necessariamente por desatar o nó da
combinação
juros
elevados/moeda
valorizada que reduzem as possibilidades
de expansão da demanda agregada, em
particular das exportações (responsáveis
pela aceleração do crescimento) e do
investimento (responsável pela sua
sustentação).
Uma vez garantida a convergência
da taxa de inflação brasileira a sua meta
de longo-prazo - estipulada recentemente
pelo CMN em 4.5% a.a, mas com “viés
de baixa” a cargo do poder discricionário
do BCB - é chegado o momento de
reduzir com maior velocidade a taxa de
juros básica. Nas condições atuais, a taxa
de juros real de equilíbrio da economia
brasileira é estimada em 4.5% a.a,
resultado da soma da taxa de juros real
prevalecente nos países desenvolvidos
(em torno de 2% a.a) com o prêmio de
risco país (150 pontos base) e alguma
margem para a incerteza cambial e de
conversibilidade (mais ou menos 100
pontos base). No entanto, a taxa real
SELIC, levando-se em conta as
expectativas de inflação para os próximos
12 meses, encontra-se em 7,5% a.a. Ou
seja, uma diferença de 300 pontos base
com respeito ao valor de equilíbrio dessa
taxa, num contexto em que a inflação já
convergiu para a meta de longo-prazo!
A redução da taxa de juros deve
contribuir para reduzir a pressão sobre a
moeda. No entanto, a atual configuração
de liquidez abundante nos mercados
internacionais (passado o susto com a
2
crise das hipotecas sub-prime nos Estados
Unidos) tornam esta medida insuficiente.
É preciso pensar em incorporar na agenda
a questão do controle de capitais, tal
como atualmente fazem países como
China e Índia. Para evitar que os
controles se tornem inefetivos, os
mesmos devem ser aplicados a todas as
entradas de capitais no país, mas
desenhados de tal forma a desestimular
apenas
o
ingresso
de
capitais
especulativos. Nesse sentido, defendemos
a imposição de uma alíquota de IOF
decrescente com o prazo de permanência
dos capitais no país. Por exemplo,
capitais aplicados por um prazo inferior a
um ano pagariam uma alíquota de 35% de
IOF sobre os seus rendimentos. Para
aplicações de 1 a 2 anos, a alíquota cairia
para 27%. Entre 2 e 3 anos, a alíquota
seria 20%. Para investimentos entre 3 e 4
anos a alíquota seria reduzida para 13%.
Aplicações entre 4 e 5 anos seriam
tributadas em 6% e, por fim,
investimentos com prazos superiores a 5
anos seriam isentos de tributação de IOF.
Uma medida complementar a essa seria a
introdução de um depósito compulsório
não-remunerado sobre todas as entradas
de capitais na economia brasileira, a
exemplo do que foi adotado no Chile na
década de 1990. Esse depósito poderia ser
de 30% sobre as entradas de capitais,
podendo ser resgatado ao final do prazo
de um ano.
Por fim, ainda no que se refere à
política cambial, é preciso ampliar os
níveis de reservas internacionais, através
de intervenções diretas do Banco Central
sobre o mercado de câmbio. Com efeito,
as reservas internacionais a disposição do
Brasil medidas em proporção da dívida
externa de curto-prazo ainda são
pequenas na comparação com outros
países emergentes como, por exemplo,
Coréia e China. Dessa forma, ainda existe
um espaço significativo para o BCB
aumentar as reservas internacionais. A
política de compra de reservas
internacionais, apoiada pela existência de
controles à entrada de capitais
especulativos, atuaria no sentido de
permitir uma efetiva administração da
taxa nominal de câmbio. Dessa forma, o
BCB poderia atuar com vistas a manter a
taxa real de câmbio em patamares
competitivos no longo-prazo.
A redução da taxa de juros real
para níveis próximos dos países
emergentes e a desvalorização da moeda
doméstica
devem
acarretar
uma
aceleração temporária da inflação. Para
evitar que essa aceleração da inflação
torne-se
permanente,
deve-se
implementar um ajuste fiscal pleno. Tal
ajuste deve ser conduzido, no entanto, por
intermédio da adoção de uma política
fiscal de longo-prazo que imponha limites
definidos ao crescimento dos gastos de
consumo corrente do governo. Uma
medida concreta nesse sentido seria
limitar o crescimento dos gastos de
consumo corrente a meta de variação do
IPCA definida pelo CMN.
O novo modelo macroeconômico
estaria, portanto, alicerçado nas seguintes
bases: controles a entrada de capitais
especulativos, convergência da taxa real
de juros para o seu patamar de equilíbrio
de longo-prazo mediante uma mudança
no mix de política econômica, ou seja,
combinação entre expansão monetária
(por intermédio de uma redução mais
rápida da taxa básica de juros) e
contração fiscal (por intermédio da
introdução de controles a taxa de
expansão dos gastos de consumo corrente
do governo) e administração da taxa de
câmbio, mediante uma política ativa de
compra de reservas internacionais, tendo
em vista a manutenção da taxa real de
câmbio em patamares competitivos. Esse
novo modelo macroeconômico atuaria no
sentido de eliminar a combinação
3
perversa entre câmbio valorizado e taxa
real de juros elevada, permitindo um
aumento das exportações e do
investimento produtivo, os quais são
essenciais para a aceleração do
crescimento da economia brasileira num
contexto de estabilidade de preços.
Quais seriam os reflexos desse
novo modelo macroeconômico sobre a
distribuição funcional da renda? Será que
esse modelo permitiria uma elevação da
participação dos salários na renda
nacional?
Nos primeiros anos após a bemsucedida implantação desse novo modelo
macroeconômico haverá uma piora na
distribuição funcional da renda. Com
efeito, a desvalorização da taxa real de
câmbio – necessária para a aceleração do
crescimento das exportações e sua
sustentação no longo-prazo – implica,
obrigatoriamente, numa redução do
rendimento real médio dos trabalhadores.
Isso porque, dificilmente, os empresários
estarão dispostos a aceitar uma redução
nas suas margens de lucro para acomodar
o aumento dos custos de produção
resultante do aumento dos preços em
moeda
doméstica
dos
insumos
importados. Ainda mais num contexto,
como o atual, de “excesso estrutural” de
força de trabalho. Dessa forma, deverá
ocorrer um aumento temporário da taxa
de inflação, o que atuará no sentido de
reduzir o salário real médio dos
trabalhadores ocupados. A redução do
salário real irá reduzir a participação dos
rendimentos do trabalho na renda
nacional.
A médio e longo-prazo, no
entanto, esse efeito será revertido. Isso
porque a aceleração do crescimento
econômico irá produzir um aumento da
taxa de crescimento do emprego em todos
os setores da economia. Ao longo do
tempo, os estoques de trabalhadores
desocupados ou semi-ocupados serão
reduzidos, formando-se uma pressão
crescente no mercado de trabalho em prol
de aumentos no salário real. Face nova
situação de “escassez estrutural” de força
de trabalho, os empresários não terão
outra alternativa senão aceitar uma
redução permanente das suas margens de
lucro. O rendimento real médio do
trabalho irá aumentar, fazendo com que a
participação dos salários na renda
também aumente.
O crescimento do rendimento real
médio do trabalho irá estimular a
demanda de consumo, contribuindo assim
para manter um elevado grau de
utilização da capacidade instalada na
economia, o que irá atuar no sentido de
minimizar a redução da taxa de lucro
resultante da queda do lucro por unidade
produzida. Dessa forma, o estímulo a
realização de investimentos produtivos
não será enfraquecido, mantendo-se assim
um crescimento acelerado num contexto
de redistribuição de renda a favor dos
salários.
Desse razoado pode-se perceber
que a grande fragilidade do novo modelo
macroeconômico está, precisamente, no
fato de que a sua implantação implica
numa piora da distribuição de renda a
curto-prazo para se obter uma melhoria
da mesma a médio e longo-prazo. Essa
característica
do
novo
modelo
macroeconômico
pode
torná-lo
politicamente inviável em função da
esperada – e até certo ponto – natural
oposição dos sindicatos a políticas que
impliquem em redução do salário real.
Essa oposição pode ser contornada por
intermédio da introdução de políticas
compensatórias por parte do Governo
Federal. Essas políticas poderiam
englobar desde aumentos do limite de
isenção do Imposto de Renda até a
concessão de crédito educativo para os
filhos dos trabalhadores poderem
4
ingressar (e permanecer até o término)
num curso superior.
5
Download