O SR

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A Srª. ALINE CORRÊA (PP–SP) pronuncia o seguinte discurso:
(20 anos do Plano Real)
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Parlamentares, muito se
fala de “revoluções”. Na verdade, porém, bem poucos são os
episódios – seja nas histórias das pessoas, seja nas das nações –
que merecem esse rótulo. Bem poucas são as situações em que o
curso dos acontecimentos foi de tal modo alterado que se pode
reconhecer uma efetiva ruptura com o passado.
Quando se consideram países, “revoluções” são, normalmente,
associadas a episódios políticos ou militares, mudanças bruscas de
regime, queda de governantes, lutas pelo poder. Tivemos em nossa
História uma amostra desses exemplos, nem todos bem-sucedidos,
alguns cruentos, outros brandos. Neste sentido, não difere muito o
Brasil dos demais países.
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Há vinte anos, no entanto, logramos um feito que, por todos os
ângulos que se o considere, merece a alcunha de “revolucionário”,
pelas mudanças abruptas e inesperadas que provocou, pela rapidez
com que se desenrolou e por suas profundas e duradouras
consequências. Referimo-nos, Senhor Presidente, ao Plano Real.
Dizia o grande autor, escritor e jornalista Nélson Rodrigues que
“não há nada mais distante que o passado recente”. Esta máxima
pode, sem dúvida, ser aplicada àquele plano econômico. De fato,
seus desdobramentos mais óbvios – o nome de nossa moeda, as
taxas de inflação moderadas, uma vida econômica que não difere
muito da dos países mais desenvolvidos – já se impregnaram à
nossa memória coletiva, já se integraram ao nosso tecido social.
Dificilmente os brasileiros com idade inferior a 35 anos hoje se
recordarão do que era a economia brasileira antes daquele 1º de
julho, há duas décadas.
Cabe, portanto, Senhoras Deputadas e Senhores Deputados,
lembrar aos brasileiros, mesmo que rapidamente, o mundo que
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ficou para trás do Plano Real. Cabe reavivar uma vez mais o país
que éramos – e que, na mente de muitos, nunca deixaríamos de
ser.
O emprego de mecanismos de indexação de preços e salários, a
partir de 1965, representou à época uma oportuna inovação. De
fato, logrou-se com essa solução equilibrar o valor real dos ativos e
passivos, o que fomentou os investimentos e a poupança. Ao longo
da década de 70 e da primeira metade da de 80, porém, os
desequilíbrios externos, decorrentes das crises do petróleo e da
dívida externa, e a deterioração das contas públicas, inverteram
aquele papel. Por causa da indexação generalizada da economia, a
inflação de um mês passava a ser o piso da inflação do mês
seguinte. Com o tempo, assim, os índices de preços subiram
permanentemente.
Em 1986, Senhor Presidente, o Plano Cruzado foi o primeiro de
cinco planos de estabilização – seguiram-se-lhe o Bresser, o Verão,
o Collor I e o Collor II –, todos malogrados. Limitando sua aplicação
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ao congelamento de preços e salários, o arsenal de medidas
heterodoxas apenas serviu para elevar continuamente o patamar da
inflação brasileira. Basta lembrar, a propósito, que a inflação
medida pelo IPCA – o mesmo índice que serve de base para a
política de metas de inflação, atualmente fixada em 4,5% ao ano –
atingiu inacreditáveis 1.973% em 1989 e estratosféricos 2.477% em
1993!
São números que nem sequer podem ser compreendidos pelos
brasileiros com menos de 35 anos de idade. Viviam-se, então, os
horrores de uma hiperinflação crônica, com todas as suas nefastas
consequências: a desorganização da economia, a falta de
perspectivas para investimentos e o abandono das sucessivas
moedas como efetivo valor de referência.
Acima de tudo, entretanto, Senhoras e Senhores Parlamentares,
vivia-se a divisão dos brasileiros entre aqueles que podiam
compensar, mesmo que parcialmente, a corrosão da moeda
nacional e a grande maioria, que não contava com nenhum
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mecanismo de proteção do seu dinheiro. Os mais ricos tinham
acesso a contas remuneradas e aplicações diárias no mercado
financeiro, que conservavam, mal e mal, o valor real de suas
economias. Para a maior parte da população, no entanto, que não
utilizava os serviços bancários, não restava nada além do que
transformar em bens reais, o mais rápido possível, qualquer
remuneração recebida monetariamente. Esta era uma estratégia de
sobrevivência,
em
um
cenário
em
que
os
preços
dos
supermercados eram reajustados até três vezes por dia.
A consequência mais negativa daquele descalabro foi, portanto, o
aumento brutal da concentração de renda no Brasil. O chamado
imposto inflacionário – o montante da perda de valor real do papelmoeda e dos depósitos bancários não remunerados – era pago
integralmente pela parcela mais desvalida da população, em
benefício do sistema financeiro e das camadas ricas. Estima-se que
em 1993 o imposto inflacionário tenha somado cerca de 7% do PIB,
acrescentando um grau de iniquidade inimaginável à já injusta
sociedade brasileira.
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A inteligência do Plano Real consistiu na mudança do foco de suas
medidas. No lugar de se buscar o mero congelamento de preços e
salários, como efetuado pelos cinco planos de estabilização
anteriores, o Plano Real desvinculou o meio de troca – a moeda –
de um novo meio de conta – a URV, Unidade de Referência de
Valor, indexada à cotação da taxa de câmbio entre a moeda
nacional e o dólar americano. Ao longo de quatro meses, Senhor
Presidente, entre março e junho de 1994, os preços e salários
foram gradualmente sendo expressos em URV, mas transacionados
em cruzeiros reais, a moeda da época. Ao final desse período de
convergência, então, introduziu-se a nova moeda, o Real, com valor
idêntico ao da URV. A partir daí, as funções de meio de troca e de
meio de conta voltaram a confluir para a moeda em circulação,
tendo o câmbio como âncora.
O sucesso do Plano Real foi instantâneo – e mudou, quase
instantaneamente, a vida do País. A inflação, medida pelo IPCA,
baixou para 22,4% em 1995 e para 1,7% em 1998. Os mais pobres
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deixaram de ser tributados pelo imposto inflacionário, elevando
substancialmente a renda real. Com a estabilização e a abertura
comercial, intensificaram-se os investimentos. O sistema financeiro,
até então lastreado no ganho inflacionário automático, teve de ser
reformado e consolidado, por meio do PROER. Aos poucos, a
economia brasileira passou a ser guiada pela produção e não mais
pela especulação.
Foi esta uma conquista notável do povo brasileiro, Senhoras
Deputadas e Senhores Deputados. Não podemos, no entanto,
dormir sobre os louros dessa vitória. A estabilização deve ser
construída dia a dia. Em particular, é necessário manter o tripé
macroeconômico que permitiu a consolidação do real: câmbio
flutuante, contas públicas sob controle e manutenção da inflação no
centro da meta.
Cabe registrar, ainda, que a estabilização da economia é condição
necessária,
mas
não
suficiente,
para
um
desenvolvimento
econômico que também abranja a dimensão social. Um cenário
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macroeconômico estável deve estar unido a um aparato legal
estável e crível, a educação básica de qualidade, a atendimento
digno à saúde, a infraestrutura física compatível com as dimensões
e a pujança do País, ao império da lei e a instituições democráticas
fortes. São muitos degraus a galgar. Mas podemos nos orgulhar de
termos dado os primeiros e mais difíceis passos em direção ao
nosso futuro de prosperidade com justiça social.
Era o que tínhamos a dizer.
Muito obrigada.
Aline Corrêa
Deputada Federal (PP-SP)
3/9/2014
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