Um arcabouço para o controle de capitais

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Um arcabouço para o controle de capitais
Gilmar Mendes Lourenço*
Os meios econômicos reavivaram o debate acerca
da necessidade de controle das correntes de capitais
estrangeiros no Brasil, a partir de manifestação recente do
economista e ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso
Celso Pastore, dirigida à preocupação de devolução das
condições técnicas para a gradativa recuperação da taxa
de câmbio e a redução estrutural dos juros.
O profissional, de linha ortodoxa, teria defendido
a idéia de que, nas circunstâncias atuais, a tarefa do BC
em comprimir os níveis de atividade econômica e
conseguir a convergência da inflação para o centro da
meta de 5,1%, fixada para 2005, seria facilitada pela
adoção de um instrumento tributário para monitorar o
ingresso de recursos de curto prazo no país.
Isso porque o enorme volume de capitais
especulativos, atraído pelo diferencial entre juros internos
e internacionais sem proteção em operações de hedge,
estaria tornando a política monetária ineficaz, ao impedir
a transmissão da elevação da taxa Selic para o preço
final do crédito. Apenas como exemplo, enquanto a Selic
está em 19,50% ao ano, as taxas das operações de curto
prazo (três meses) do Federal Reserve – BC dos Estados
Unidos – situam-se em 2,6% ao ano.
Ainda que a proposta do ex-presidente do BC
seja interessante, é preciso sublinhar que está baseada
em um diagnóstico parcial da conjuntura econômica
brasileira. Essencialmente, a compreensão de Pastore
enaltece a existência de elementos de inflação de
demanda, beneficiados pela conjugação entre o declínio
do spread bancário e a maior disponibilização de
crédito, e negligencia as pressões inflacionárias
oriundas dos reajustes dos preços administrados, da
exacerbação da demanda mundial de commodities
minerais e agrícolas e dos custos financeiros adicionais
para a rolagem dos passivos privados e públicos.
Por uma observação mais abrangente, a
operação do aparelho econômico brasileiro vem sendo
caracterizada pela constituição de um conjunto apreciável
de anomalias, provocado pela prática de juros reais
elevados e tendo como efeito-núcleo a sobrevalorização
cambial e a deterioração das contas externas do país em
médio e longo prazo. Igualmente negativa é a repercussão
da expansão da base monetária, esterilizada pela
impulsão do endividamento público, implícita nas
aquisições de moeda estrangeira destinadas à
recuperação das suas cotações e ao represamento dos
focos inflacionários.
Nessa linha de raciocínio, convém recordar que,
na América Latina, a experiência mais interessante de
controle de capitais foi a chilena. Aquele país adotou o
sistema de quarentena à entrada de capital estrangeiro
por quase nove anos no transcorrer dos anos 1990. O
esquema teve início em junho de 1991, compreendendo
o bloqueio de 20% no BC do valor do ingresso de
qualquer novo empréstimo externo, por períodos que
oscilavam entre três meses e um ano. Essa operação
ficou conhecida como “exigência de reserva não
remunerada” (na moeda de origem dos contratos), ou
unremunerated reserve requirements (URR). Em maio
de 1992 ocorreram a elevação da parcela retida para
30% e a inclusão dos investimentos diretos estrangeiros
no regime de controle. Em junho de 1998 a URR foi
diminuída para 10% e eliminada em setembro daquele
ano, curiosamente durante o auge do colapso russo.
Como resultado, a participação dos capitais de
curto prazo, que possuem prazo de vencimento inferior
a um ano, no total dos compromissos externos chilenos
declinou de 19,4%, em 1990, para 15,8% em 1995,
11,5% em 1996 e 4,8% em 1997. Isso conduz à
argumentação de que, naquela economia, os fluxos de
capitais especulativos foram gradativamente
substituídos por aplicações de longa maturação,
apostando no diferencial entre juros e câmbio
(projetado), na taxa de retorno dos projetos e nos
fundamentos macroeconômicos do país.
A taxação de capitais chegou a ser praticada no
Brasil entre 1994 e 1998, na busca de resgatar a eficácia
da estratégia monetária quando, em meio à pronunciada
atração de haveres estrangeiros, a adoção exclusiva
do expediente de taxas de juros reais elevadas
mostrava-se incapaz de sustentar o alcance dos
principais objetivos da política econômica: o controle
*Economista, Mestre em Gestão de Negócios pela
Universidade Federal de Santa Catarina, Coordenador do
Núcleo de Análise de Conjuntura do IPARDES, Coordenador
do Curso de Ciências Econômicas da FAE Business School.
ANÁLISE CONJUNTURAL, v.27, n.3-4, p.7, mar./abr. 2005
da inflação e a preservação do câmbio fixo. A partir de
1999, com a introdução do regime de livre flutuação
cambial, sem controle dos fluxos de recursos voláteis,
ficou extremamente complexa a empreitada de fixação
e manutenção de pisos e tetos para a cotação do dólar.
Por certo, não se deve descartar a possibilidade
de exercício de controle dos fluxos de capitais – por meio
do uso de mecanismos tradicionais como a aplicação de
regras transitórias para as massas de recursos não
produtivos – de forma a neutralizar os desdobramentos
nocivos dos movimentos especulativos, condição
essencial ao equilíbrio de longo prazo da taxa de câmbio,
à redução das pressões sobre as taxas de juros e ao
ajuste permanente do balanço de pagamentos.
O controle de capitais não deve
ser encarado como panacéia
para os problemas estruturais
da economia brasileira
Contudo, a sugestão de controle de capitais não
deve ser vista como panacéia para os problemas
estruturais da economia brasileira. Os reflexos da
imposição da fórmula de controle (quantitativo ou via
preço) da entrada de capital estrangeiro no país
poderiam ser anulados pela utilização de brechas por
parte do mercado financeiro.
ANÁLISE CONJUNTURAL, v.27, n.3-4, p.8, mar./abr. 2005
Daí que, paralelamente a essa decisão, o governo
deveria revisar o arcabouço monetário responsável pelos
mais relevantes constrangimentos macroeconômicos do
país, e implementar um espectro de providências capaz
de sinalizar e assegurar um ambiente de maior
previsibilidade financeira. Nesse conjunto, assumiria
relevância a formulação e implantação de uma reforma
financeiro-cambial que propiciasse um funcionamento
mais estável dos mercados de títulos e o manuseio de
ingredientes relacionados ao tamanho da dívida cambial
e ao volume de reservas.
Adicionalmente, uma pauta mais específica de
medidas poderia abranger a perseguição intransigente
da multiplicação da oferta dos papéis prefixados, a
compressão dos débitos em dólar, a impulsão do estoque
de reservas para enfrentamento dos compromissos
externos, em um cenário de não renovação do acordo
com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o
aprimoramento da qualidade do dispêndio público e a
redução das taxas de juros. A decorrente diminuição do
risco Brasil e da entrada de dólares pela via financeira
contribuiria para o esfriamento do curso ascendente real.
Ao mesmo tempo, o monitoramento dos capitais
poderia combinar a cobrança do Imposto sobre
Operações Financeiras (IOF) na entrada, a imposição de
restrições às operações do sistema financeiro nos
mercados de câmbio, a fixação de prazos mínimos de
permanência, dependendo da modalidade de aplicação,
e o controle das remessas de valores pelas contas CC-5.
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