10 Diário Económico Terça-feira 20 Novembro 2012 DESTAQUE SEXTA AVALIAÇÃO DA ‘TROIKA’ ENTREVISTA TEODORA CARDOSO Presidente do Conselho Superior das Finanças Públicas “A ‘troika’ não é aquele papão que as pessoas imaginam” A ‘troika’ exige o controlo do défice e da dívida, mas há uma margem considerável de diálogo, diz. “Não me parece que seja possível continuar a subir impostos todos os anos”, disse Teodora Cardoso. [email protected] Teodora Cardoso defende que se deveria renegociar a componente estrutural do programa de ajustamento financeiro. Reconhecendo que até se deveria fazer mais em termos de controlo da despesa, a presidente do Conselho das Finanças Públicas defendeu a necessidade de um programa adaptado à realidade do país. Teodora Cardoso reconheceu que os impostos são “politicamente negativos”, mas os cortes da despesa são mais ainda”. E concluiu que não é possível continuar a subir impostos todos os anos. Quais deviam ser as linhas de renegociação com a ‘troika’? Precisamos de negociar a sério a parte estrutural em que a ‘troika’ nos pode ser muito útil em apoio técnico e com conhecimento da realidade de outros países, ajudando a criar um programa que tenha pés para a andar. Por outro lado, pode olhar para a conjuntura externa porque efectivamente ela está a limitar muito a capacidade da economia crescer, não a capacidade de corrigir o défice externo porque aí, como de costume, fomos rápidos, eficientes e as exportações têm estado muito bem. Até estamos a ganhar quota de mercado, mas num mercado que está a encolher. Haverá aí alguma margem, mas temos de mostrar que do lado das finanças públicas não ficamos à sombra de um alívio do programa. Esse é o risco: que o alívio seja visto como ‘isto já não precisa de ser tão a sério’. Refere-se exactamente a quê? Aos objectivos para o défice e para a dívida. Essa parte é muito difícil porque não depende só da ‘troika’, com quem discutimos, mas também da política internacional e do risco de contágio. Eles têm um enorme medo que uma benevolência que seja vista como um “deixase andar” contagie outros países. Temos de manter um grande rigor nas finanças públicas, não podemos aliviar e até temos de ser mais rigorosos do que temos sido na parte da despesa. É muito difícil porque é a parte política. Apesar dos impostos serem politicamente negativos, os cortes das despesas são mais ainda. E nem sequer estou a falar das despesas sociais que até acho que, neste contexto, devíamos procurar negociar mais apoio aos verdadeiramente desfavorecidos deste país. Devia haver um maior aperto do nos objectivos de finanças públicas em contraponto com algum estímulo ao crescimento? Nas finanças públicas nem seria um maior aperto, mas sim um aperto mais estrutural e mais sustentado. Não me parece que seja possível continuar a subir impostos todos os anos. Nunca fui contra a subida de impostos, portanto, estou à vontade para dizer isto, mas agora chegámos a um ponto em que é muito difícil ter mais resultados, a não ser pelo crescimento, mas não pelas taxas. No lado da despesa há muito a fazer. É possível reduzir a austeridade e ainda assim cumprir os objectivos a que estamos obrigados? É claramente muito difícil porque os objectivos não têm sido, na realidade, atingidos. Temos o habito, que alias vem da UE, de ter objectivos orçamentais muito rigorosos que depois não se conseguem cumprir e arranjam-se as medidas temporárias que cobrem a diferença. Essas medidas o que fazem é adiar o ajustamento. O que andamos a fazer há bastante tempo. O que significa que as dificuldades se mantêm. Até porque, uma área que percebe isto muito bem são os mercados financeiros - sabem que um défice parece uma coisa, mas na realidade é outra um pouco diferente. Nessa perspectiva é muito difícil aliviar a austeridade. Agora, outra “ Apesar dos impostos serem politicamente negativos, os cortes das despesas são mais ainda. O erro que existiu foi, no início, se ter subestimado as medidas de austeridade. Neste contexto, devíamos procurar negociar mais apoio aos verdadeiramente desfavorecidos deste país. coisa é perceber se isso deveria ser feito. Deveria? O erro que existiu foi, no início, se ter subestimado claramente as medidas de austeridade. No início havia as teses a dizerem que a austeridade ia criar confiança e dar credibilidade, portanto, o efeito sobre a economia não seria muito forte. E havia outros que diziam que não era bem assim, que a austeridade ia criar uma grande quebra na procura interna – como efectivamente aconteceu – e que isso ia ter um impacto muito forte que não poderia ser imediatamente compensado pelas exportações porque seria a única coisa que poderia compensar. De facto foi a segunda tese que acabou por se confirmar. Mas o programa foi feito de acordo com a primeira. O efeito da austeridade foi menor do que na realidade foi. Isto transformar-se numa bola de neve. A recessão vai ser profunda e daí as dificuldades de cumprir os objectivos orçamentais. A solução seria? O que tinha sido necessário, quanto a mim, era um programa com uma austeridade menos exigente no início, mas mais exigente em termos de medidas estruturais – que penso ser o que falta no nosso programa. Não é que elas não estejam lá. Há uma lista enorme de medidas, mas as medidas estruturais não são como as medidas de austerida- de: cortar despesa subir impostos… Mas as medidas estruturais exigem uma programação, uma adaptação, ao próprio país e não se limitam a ser uma coisa que tem-se que aplicar na lei, no trimestre tal… Isso não faz parte do programa. Só faz parte do programa publicar a lei. E de quem é a culpa? O meu problema nunca é atribuir culpas. A ‘troika’ não pode fazer este tipo de programas, porque tem objectivos, sabe mais ou menos o que a economia precisa mas as medidas de austeridade têm de ser feitas por nós, definidas, pensadas e implementadas por nós. E a ‘troika’ permite essa liberdade? Permite! Estou absolutamente convencida que sim! E ai é que é preciso haver um diálogo forte com a ‘troika’. A ‘troika’ não é aquele papão que as pessoas imaginam. Há determinados objectivos que são exigidos, nomeadamente controlar o défice e a dívida que é realmente o grande problema, mas há uma margem considerável de diálogo. Esse diálogo não é só dizer que, nós coitadinhos, não somos capazes de o fazer. Isso não é dialogo. O dialogo é termos do nosso lado o trabalho e a capacidade de discutir. Realmente dramatizou-se a um curto prazo no fecho dos mercados mas para sair da situação a que chegámos a economia tem de fazer um grande ajustamento estrutural. ■ Paula Nunes Rui Pedro Baptista