ID: 43968004 28-09-2012 Tiragem: 17800 Pág: 39 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 10,83 x 30,00 cm² Âmbito: Economia, Negócios e. Corte: 1 de 1 DIOGO SERRAS LOPES Diretor de Investimentos, Banco Best Ir além do bom senso Tem sido um início de setembro de boas notícias em relação à crise europeia. Pela primeira vez o BCE não ficou aquém das expectativas criadas, lançando um mecanismo que se antevê suficientemente poderoso para acalmar os receios do mercado. E, esta semana, o Tribunal Constitucional alemão aprovou o Mecanismo de Estabilidade Europeu, com um nível de condicionalidade considerado razoável. Sendo inegavelmente boas notícias, tal não significa que esteja tudo resolvido. Aliás, bem longe disso. Na já longa tradição europeia, comprámos tempo para fazer o que é necessário: transformações institucionais que corrijam os erros de conceção da moeda única; erros esses que, não sendo causa única, são os principais responsáveis pela situação em que nos encontramos. No entanto, não é apenas o aspeto institucional que deve ser alterado. A resposta à crise que tem sido dada pelas instituições internacionais, com a aplicação de medidas de austeridade severas em planos curtos em termos de tempo, tem vindo a ser posta em causa pelos seus próprios resultados. O exemplo grego, cuja economia registará em 2012 o quinto ano consecutivo de recessão, mostra bem a impossibilidade de conseguir ganhos orçamentais através de políticas com um impacto significativo na atividade económica. A austeridade, mais expressiva em países com programas de ajuda ou em vias de os receber, é uma presença em todos os países da zona euro, o que prejudica a recuperação da zona como um todo. Se a isto juntarmos a preocupação com a economia norte-americana (prestes a entrar numa terceira ronda de quantitative easing) e os sinais claros de queda de atividade na China, é fácil perceber que não existem zonas do globo com dimensão suficiente para evitar uma pronunciada desaceleração económica global. Ora, nenhuma estratégia de redução da dívida pública funciona num clima de recessão sincronizada. Em Portugal, a novela à volta das entretanto canceladas alterações à taxa social única, com uma subida das contribuições por parte dos trabalhadores com uma queda parcial das pagas pelas empresas, demonstrou bem como é frágil o atual equilíbrio existente na sociedade portuguesa relativamente à aplicação de contínuas medidas de austeridade. Esta saturação não tem apenas a ver com os sacrifícios – já de si duros – mas também com a demonstração, através dos números da execução orçamental, de que o plano acordado com as instituições internacionais não está a funcionar, em particular pela tão propalada intenção do governo em ir além da “troika”. O teto máximo fixado para o défice orçamental de 2012, quando este foi feito em finais do ano passado, era de 4,5% do PIB. Nesta quinta avaliação do programa internacional, que decorreu no início de setembro, era já claro que este objetivo era inalcançável sem ser com as sempre presentes medidas extraordinárias, estando o défice real claramente acima dos 6% do PIB. O falhanço da política governamental é explicado, essencialmente, pela incapacidade em antever os efeitos na receita do Estado de uma política claramente recessiva em termos de corte de despesa. 2013 vai ser, assim, um ano difícil. Apesar de, nominalmente, o défice ter de descer apenas meio ponto percentual do PIB, sabemos que o défice real de 2012 é claramente superior a 5% e, como tal, o esforço de consolidação terá de ser praticamente o do corrente ano. Tendo em conta que a solução escolhida pelo Governo neste ano (corte de dois salários aos funcionários públicos e pensionistas) foi considerada inconstitucional por não garantir a necessária equidade, um aumento significativo da carga fiscal sobre toda a sociedade será certamente necessário. O ano de 2012 em Portugal demonstra que, ao cumprir a parte de redução de despesa prevista na 4ª versão do memorando, o impacto nas receitas é suficientemente grande para que, ainda assim, as metas não sejam alcançadas. A situação grega, com as devidas diferenças, também serve como prova de que uma austeridade feita demasiado depressa é contraproducente em termos de redução de défice e de redução de dívida sobre o PIB. É verdade que será necessária resiliência para ultrapassar esta crise. Mas, sem equilíbrio e bom senso por parte de governos e instituições internacionais, nada feito.