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EEXPERTISE
Carlos Antonio Costa Ribeiro
RUMOS – 8 – Julho/Agosto 2014
Desigualdade
crescente
Pesquisador brasileiro faz uma análise das conclusões do economista francês
Thomas Piketty, sobre concentração de renda e riqueza, no livro que virou best-seller
mundial, e discute sobre as conexões da pesquisa com a realidade social brasileira
Por Ana Redig
Arquivo Pessoal
R
ecentemente, o lançamento da versão em
inglês do livro Le capital au 21e siècle, do economista francês Thomas Piketty, causou grande
repercussão e tornou-se, sem dúvida, o livro de
economia mais debatido dos últimos tempos.
Foi uma verdadeira febre. As vendas estouraram e a publicação transformou-se em um grande best-seller
econômico. As ideias de Piketty sobre a concentração de renda e desigualdades no capitalismo são, na verdade, fruto do
esforço de mais de 20 grandes cientistas e suas equipes de pesquisadores. Mas por que o livro chamou tanta atenção em
todo o mundo? Por que
provocou tanta polêmica e figurou por meses
Carlos Antonio Costa Ribeiro
na lista dos mais procué pesquisador do Instituto de
rados
e mais vendidos?
Estudos Sociais e Políticos
A
Rumos conversou
(Iesp / Uerj). Ph.D. em
com
o
doutor Carlos
sociologia pela Columbia
Antonio
Costa Ribeiro,
University, foi pesquisador
professor e pesquisador
convidado do Center for
do Instituto de Estudos
Advanced Studies in the
Sociais e Políticos (Iesp
Behavioral Sciences (CASBS),
/Uerj),
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da Stanford University. Seu
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principal objeto de pesquisa
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segundo
Mobilidade Social.
semestre no Brasil,
podem contribuir com
o debate sobre a desigualdade social e seus efeitos para a economia e o desenvolvimento dos países. Carlos Ribeiro é Ph.D. em sociologia pela
Columbia University e foi pesquisador convidado do Center
for Advanced Studies in the Behavioral Sciences (CASBS), da
Stanford University. Seu principal objeto de pesquisa é a Estratificação e Mobilidade Social.
O tema se relaciona com as desigualdades sociais e econômicas não somente em um determinado período de tempo,
mas também na reprodução ou superação dessas desigualdades ao longo das gerações e dos ciclos de vida dos indivíduos.
Para compreender esses fenômenos, o professor dedicou-se a
estudar temas como mobilidade social intergeracional, desigualdade de oportunidades educacionais, classes sociais, desigualdades raciais, mercados de casamento, transições para a
vida adulta, criminalidade e justiça.
Carlos Costa Ribeiro recebeu o livro de Piketty com grande interesse. “A maior novidade dessa pesquisa é que os cientistas coletaram informações no Imposto de Renda, permitindo conhecer dados sobre tributos, heranças e registros de
altos salários. Isso revelou que a desigualdade, que havia caído entre a Primeira e a Segunda Guerras, havia voltado a crescer a partir dos anos 1980 em quase todos os países desenvolvidos. E tudo isso com concentração de renda entre os mais
ricos, que ocupam o topo da pirâmide”, explica. Basicamente,
o livro do economista francês derruba a teoria de Simon Kuznets, de dizia que a desigualdade tenderia a subir por algum
tempo nas sociedades em processo de industrialização, até
atingir um ponto máximo, a partir do qual passaria a diminuir.
Combinados a outros efeitos de menor importância, a
modernização da economia aliada a políticas públicas características da democracia resultariam em menor desigualdade
no longo prazo.
“Em um gráfico, este movimento era representado por
uma curva em forma de U invertido. No Brasil, nos anos 1970,
se dizia que primeiro era preciso fazer o bolo crescer para
depois distribuir”, lembra Carlos Ribeiro. Piketty revela, com
os novos dados, que essa curva teria sido verdadeira até certo
RUMOS – 9– Julho/Agosto 2014
EXPERTISE
Carlos Antonio Costa Ribeiro
momento, e que agora ela estaria se assemelhando
a uma onda, ou um til. O professor explica que esta
mudança pode ter acontecido porque quando se
mede a desigualdade de renda em um determinado
país – ou mesmo na comparação entre países– , as
pesquisas são feitas por amostragem, sejam as
PNADs, utilizadas em todo o mundo, ou os Censos. “Por serem amostrais, essas pesquisas apresentam algumas falhas. Uma delas é não pegar o
topo da distribuição de renda, porque a quantidade
de pessoas nessa faixa é tão pequena que não chega
a ser representativa da população como um todo”.
Ao analisar os dados sobre os mais ricos dos
países mais desenvolvidos do planeta, Piketty
demonstrou que a desigualdade de renda está aumentando, ou
seja, os ricos estão se tornando cada vez mais ricos. Para o
sociólogo, o livro causou grande impacto nos Estados Unidos
porque o país vem percebendo um aumento desta desigualdade desde a década de 1970, fato que preocupa muitos estudiosos. “O diagnóstico do problema é muito interessante e
importante, pois permite uma análise mais fina da distribuição
de renda na sociedade”, avalia Carlos Ribeiro.
Ao tocar na distribuição de renda do topo da sociedade,
ele está falando de grandes heranças, altos salários, ou seja, de
uma parte da população que tem muitos recursos e forte
poder de decisão. Isso não inclui somente as grandes fortunas,
mas também os altos salários dos executivos e empresários.
Isso porque a concentração de capital permite a formação de
grandes empresas, que controlam um volume expressivo de
dinheiro. E quem decide sobre esses recursos são seus dirigentes, pessoas que têm poder para aumentar consideravelmente seus próprios salários, gerando mais renda, que se tornará o capital que realimenta o processo.
O economista francês argumenta que os mercados não
possuem nem os mecanismos nem os incentivos necessários
para frear esse processo, e avisa que é preciso aumentar o controle desses mercados por instituições, especialmente pelo
Estado. “O que Piketty diz é que há uma tendência nesses países a não só aumentar a desigualdade de renda, como também
a de oportunidades, por meio da concentração das heranças
dos mais ricos. Assim, ele propõe a criação de impostos mais
altos sobre as grandes fortunas, entre outros mecanismos de
controle que permitam uma distribuição mais eficiente deste
dinheiro”, explica o especialista. O problema é que o capital
muda de lugar sempre que necessário. “A solução proposta
pelo economista francês seria criar um imposto global, o que,
na minha opinião, seria inviável”, avalia.
Brasil – No Brasil, a desigualdade na distribuição de renda é
histórica. O debate em torno do tema vem ganhando corpo
desde meados da década de 1990, apesar de os avanços nessa
área serem visíveis. O Brasil, assim como a China e Índia,
incluiu um contingente muito expressivo de pessoas na economia nos últimos anos. “Da mesma forma, aumenta, ano a
ano, o número de pessoas que declaram Imposto de Renda no
país, revelando um crescimento real de poder aquisitivo”,
explica o sociólogo. Ainda assim, o país deve ficar atento para
que a taxa de crescimento do capital e seus rendimentos não
fique maior do que as taxas de crescimento das outras rendas,
como as do trabalho, por exemplo. “Se isso acontecer, a desigualdade crescerá, aumentando a desigualdade total”, avisa o
professor.
De fato, hoje a classe média brasileira representa mais de
50% da população. Cabe esclarecer que este conceito engloba
situações de renda média mensal per capita entre R$ 400 e R$
1.000. “A vida das pessoas realmente mudou e o salário
aumentou. Naturalmente, o consumo também cresceu. Culturalmente, entretanto, quando se fala de classe média, entende-se como pessoas não só de uma faixa econômica mais alta,
mas também com um melhor nível educacional”, observa Costa Ribeiro. Para ele, o ganho econômico é um fato, assim como
a mobilidade no Brasil é real, mas avisa que ainda há muito a
fazer. “O país passa por um momento de mudanças e transformações importantes. Preocupa o fato de estarmos em campanha eleitoral e não se tocar nos temas da desigualdade e da
mobilidade social, como se a questão estivesse resolvida”, destaca o sociólogo.
Segundo o pesquisador, ainda não é possível verificar se o
mesmo fenômeno observado por Piketty nas grandes potências está acontecendo entre os ricos no Brasil, pois os dados
ainda não foram liberados. Ele afirma que é possível, através
do acompanhamento de outros indicadores de riqueza, reconhecer na sociedade brasileira tanto sinais de melhoria de renda, como de oportunidade de mobilidade social. “Este é um
processo, vem melhorando desde a década de 70 e acredito
que ainda temos potencial para avançar. Ainda estamos na
fase de crescer o bolo, mas é preciso aguardar os números oficiais”, diz o professor. O governo brasileiro e o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) já estão trabalhando na
disponibilização desses dados para pesquisadores, mas é preciso tomar algumas medidas de segurança, como garantir o
acesso às informações preservando o sigilo da identidade dos
declarantes.
Carlos Antonio Costa Ribeiro destaca que existem outros
fatores relacionados ao desenvolvimento e que contribuem
muito para a formação desse cenário. Exemplo mais emblemático e atual é a enorme inclusão que vem acontecendo nos
países em desenvolvimento e que têm uma população muito
volumosa, como a China, Índia e até o Brasil. “Se analisarmos
as informações disponíveis sobre a China, por exemplo,
encontraremos altas taxas e indicadores de forte desigualdade. No entanto, é fácil perceber que nos últimos tempos ocorreu a inclusão de um grupo realmente expressivo de pessoas
no mercado econômico. Sempre que isso ocorre com populações gigantes como a China, acabam impactando todo o planeta”, observa Costa Ribeiro.
O livro de Piketty mostra que, ao menos nos países desenvolvidos, esse ciclo de melhorias em termos de mobilidade
social e redução de desigualdade de renda aconteceu até mais
ou menos a década de 1970. A partir da década de 1980 a desi-
RUMOS – 10 – Julho/Agosto 2014
gualdade de renda começou
a aumentar e, assim, começou a haver uma maior concentração de renda. Segundo
Precisamos nos
as previsões nada otimistas
do economista francês, a tenperguntar qual
dência é haver uma maior
desenvolvimento
concentração e uma redução
de oportunidades. Compaqueremos para o
rando os estudos de Piketty
Brasil. Onde
sobre os países mais desenqueremos colocar o
volvidos do planeta com
aqueles que ainda têm espapaís no cenário
ço para crescer, fica a perinternacional? Que
gunta: o Brasil estaria caminhando para o mesmo lugar?
tipo de economia
O professor responde
queremos ser no
explicando como funciona a
contexto global?
relação entre o desenvolvimento econômico e a mobilidade social e a desigualdade
de oportunidades: “Em
geral, na maior parte dos países quando o desenvolvimento econômico aumenta,
a desigualdade de oportunidades diminui. É isso que faz crescer muito a mobilidade social”, opina. Segundo o professor
Costa Ribeiro, desde a década de 1970 essa mobilidade vem
acontecendo no Brasil e tem aumentado intergeracionalmente, ou seja, as oportunidades têm sido maiores a cada geração.
Neste período ocorreu uma mudança de perfil na sociedade
brasileira, deixando de ser predominantemente rural para se
tornar urbana e moderna. “Muitos filhos de agricultores muito pobres subiram na estrutura social brasileira, tornando-se
trabalhadores não qualificados nos centros urbanos”, explica.
Com isso, a família passa a ter acesso a uma série de outras coisas, não só a bens de consumo, mas também a informação, cultura etc.
O professor destaca, entretanto, a enorme distância de
oportunidades entre os filhos das famílias pobres e das de origem mais abastada. “Quando se compara esses dois grupos,
os filhos de famílias ricas – e não estamos avaliando as super
ricas – têm muito mais chances de aproveitar essas oportunidades do que os que nasceram em lares pobres”, afirma.
Segundo o sociólogo, é essa desigualdade de condições, de renda, de riqueza e de oportunidades que afeta a capacidade de
mobilidade social de uma geração para a outra, ou seja, de um
filho de pobres se tornar e manter-se rico.
Com o desenvolvimento do Sistema Educacional Brasileiro e a ampliação ao acesso à Educação, essa tendência caiu consideravelmente. “Ainda que reconheçamos que a Educação
não seja de qualidade, é melhor uma escola deficiente do que
nenhuma escola”, opina Carlos Ribeiro. Segundo ele, a expansão do Sistema Educacional no Brasil é o principal fator de
redução da desigualdade de renda e diminuição da desigualda-
de de oportunidades de todos os tempos. “No Brasil isso se dá
tardiamente, mas está de fato acontecendo. Até a década de
1960 mais da metade dos brasileiros estava fora da escola.
Hoje, mesmo estando longe dessa escola ser boa, mais gente
está sendo incluída, aumentando a competição e fazendo a
mobilidade no Brasil crescer”.
Observar a realidade brasileira sob a ótica das ideias que
Piketty e sua equipe de pesquisadores trazem sobre os países
desenvolvidos permite perceber a necessidade de o país promover um desenvolvimento não somente econômico. O professor Carlos Antonio Ribeiro elege as políticas educacionais
como a mais importante delas, mas afirma que também é preciso instituir e aplicar diversas políticas de inclusão para que o
país se desenvolva no longo prazo. “É neste ponto que precisamos nos perguntar qual desenvolvimento queremos para o
Brasil. Onde queremos colocar o país no cenário internacional? Que tipo de economia queremos ser no contexto global?”
Como país em desenvolvimento, o Brasil ainda tem margem para avançar para além da educação básica. Para o sociólogo, é preciso dar atenção também aos investimentos em
geração de empregos de qualidade e que ajudem a impulsionar
o desenvolvimento do país, como em tecnologia, economia
criativa etc. “É preciso formar as pessoas, gerar competitividade econômica interna e externa. Quando o país tem muita
desigualdade, perdem-se muitos talentos. A baixa qualidade
da educação aborta a criatividade de muitas pessoas que poderiam, em alguns anos, estar colaborando para o desenvolvimento do país de maneira decisiva. São empreendedores, cientistas, médicos, matemáticos, artistas, pessoas com diferentes
talentos que vêm sendo desperdiçados”, ensina.
Forças equalizadoras – Para contornar o processo identificado por Piketty de concentração de renda entre os mais ricos
dos países mais ricos do mundo, o economista francês aponta
a adoção de políticas de equalização como solução para a
redução das desigualdades. Ele diz que uma das principais forças equalizadoras que aconteceram na Europa foram as políticas adotadas logo após as duas Grandes Guerras, que arrasaram a economia e as reservas dos países e das famílias sem
distinção de classe econômica ou social. Para reconstruir
esses países e suas economias foram criadas muitas políticas
públicas que promovessem o desenvolvimento sem concentração de renda.
“No Brasil, o desenvolvimento foi sempre muito concentrador de renda. E grande parte dessa desigualdade se deve ao
protecionismo”, avalia o professor Carlos Antonio Ribeiro.
Na sua opinião, “quando o país elege alguns setores da economia para receber crédito diferenciado, incentivos e isenções especiais está permitindo que uns enriqueçam mais do
que outros, sem a devida competição”, pontua o especialista.
Ele pensa que, com menos favorecimentos, talvez o resultado
fosse mais positivo. “Muitas vezes essas políticas não são tão
evidentes como podem parecer. O fato é que elas representam escolhas que o país faz sobre os caminhos possíveis do
desenvolvimento. E isso é de suma importância”, destaca.
RUMOS – 11– Julho/Agosto 2014
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