Tiro mortal na ascensão social

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Tiro mortal na ascensão social
Hélio Duque
Nas últimas duas décadas a estabilização econômica, a partir
do Plano Real, eliminando a inflação corrosiva, proporcionou indiscutíveis
avanços na qualidade de vida dos brasileiros. A ascensão social das classes
populares, por exemplo, ajudando no combate à desigualdade e a miséria,
teve indiscutível avanço. Nessas duas décadas buscou-se enquadrar o
crescimento econômico com responsabilidade na justiça social. Nem por
isso o patrimonialismo deixou de ser o grande agente concentrador de
riqueza na economia nacional. Nossa tradição histórica e secular é
vocacionada para a edificação de uma sociedade excludente da maioria da
população. Daí decorre a importância do Estado, a exemplo do que
acontece nos países desenvolvidos, ser responsável pela estruturação de
sociedades comprometidas com a redução das desigualdades sociais.
No século passado, a partir da Revolução de 30, o Brasil
empreendeu ritmo de crescimento da sua economia (comprovados por
instituições internacionais) entre as maiores do mundo. Infelizmente o
crescimento social não teve o mesmo padrão, mesmo ocorrendo importantes
avanços em diferentes classes sociais. A consolidação de ampla classe
média, com diferentes inserções profissionais, edificou realidade de
indiscutível ascensão social. Os trabalhadores, especialmente os mais
qualificados, foram inseridos por méritos próprios, nesse cenário, onde uma
ampla classe média tinha e tem forte semelhança com o que acontece nos
países mais desenvolvidos. Paralelamente, a estrutura do Estado nacional
foi incapaz de priorizar o combate às desigualdades e exclusão de vários
milhões de brasileiros dos benefícios do crescimento econômico, sintetizado
pelo economista Edmar Bacha, há três décadas, quando criou a expressão
“Belíndia”, significando que o Brasil é uma pequena Bélgica, cercada por
uma grande Índia.
Não obstante o progresso relativo obtido nos últimos anos, com
redução da desigualdade, os indicadores sociais não apontam rota de
otimismo. Os professores e pesquisadores Marcelo Medeiros e Pedro
Souza, da Universidade de Brasília, no artigo “Estabilidade da Desigualdade:
Resultados Adicionais”, demonstram que a concentração da renda continua
imutável e ascendente. Estudiosos da desigualdade social brasileira, eles
apontam: 1) o segmento do 1% mais rico da população, estimado em 1,4
milhão de pessoas que ganham a partir de R$ 229 mil anuais, em 2006,
tinha participação em 22,8% da renda nacional; em 2012, cresceu para
24,4% da renda brasileira. 2) entre os 10% mais ricos no Brasil, não foi
diferente. A renda, no mesmo período, avançou de 51,1% para 53,8%. Já a
renda dos 90% mais pobres não obteve a mesma performance, mesmo
apresentando alguma melhoria.
Observem que, no período daquela pesquisa, o governo
detinha popularidade que beirava à unanimidade, significando que o
processo da inclusão social, mesmo com a taxa de desemprego baixa,
mostrava caminho de descontinuidade. Agora em 2015, com a recessão
econômica, inflação elevada e a maior taxa de juros do mundo, com o
desemprego avassalador, instalou-se a crise econômica travando o relativo
aumento da inclusão social, fundamental para fazer do Brasil uma nação
decente. Os milhões de brasileiros que conseguiram, nos últimos anos,
melhorar de vida pela garantia do emprego, agora quedam-se
desesperados. O desapontamento e a frustração passaram a frequentar o
cotidiano.
O professor Naércio Menezes Filho, da FEA-USP e
coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, no jornal “Valor” (1610-2015), no artigo “A desigualdade começou a subir”, sintetiza: “O Brasil é
um país bastante desigual. Essa desigualdade tem sua origem no fato de
que a maioria da população brasileira ficou excluída do nosso sistema
educacional até meados do século XX. Nos últimos 20 anos, porém o
processo de inclusão social que houve no Brasil fez com que a desigualdade
declinasse continuamente. Será que esse processo está chegando ao fim?”
Com tristeza e o coração partido, a resposta é,
lamentavelmente, sim. O governo Dilma Rousseff, por incompetência e
centralismo autossuficiente e autoritário, conseguiu interromper um caminho
que, mesmo com limitação, se apresentava virtuoso. Os próximos anos
serão de frustração do sonho de o Brasil estar marchando para a construção
de uma sociedade que avançava no combate à miséria e a injustiça social.
Sem crescimento da economia, não existe milagre que possa sustentar a
melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores. Somente com políticas
econômicas de austeridade fiscal é que se pode enfrentar essa realidade
adversa: a sustentabilidade das políticas de inclusão social.
Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de
vários livros sobre a economia brasileira.
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