[especial - 1] estado/economia/paginas 14/10/16

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O ESTADO DE S. PAULO
SEXTA-FEIRA, 14 DE OUTUBRO DE 2016
FÓRUNS ESTADÃO l SUMMIT SAÚDE BRASIL 2016
MARCIO FERNANDES/ESTADAO
Mediação tenta
evitar que paciente
recorra à Justiça
Entre as medidas estudadas para enfrentar a crescente judicialização
da saúde está o uso de especialistas na área para assessorar juízes
Fabiana Cambricoli
Mediação de conflitos entre
operadoras de planos de saúde
e pacientes, revisão do formato
dos contratos e oferta de apoio
técnico a magistrados responsáveis por julgar ações na área são
algumas das medidas essenciais para enfrentar a crescente
judicialização da saúde suplementar, segundo especialistas
e autoridades presentes no
Summit Saúde Brasil 2016.
De acordo com os ministros
Luiz Fux, do Supremo Tribunal
Federal (STF), e Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), a urgência declarada nas demandas judiciais
por tratamentos e medicamentos geralmente leva o magistrado a dar parecer favorável ao paciente, mesmo quando o procedimento não está previsto em
contrato. Mas o ideal, dizem
eles, é que o juiz fosse assessorado por especialistas na área
médica para dar a decisão.
“Se existe um setor que leva o
juiz a fazer escolhas trágicas, esse setor é a saúde”, afirmou
Fux. “Os juízes são seres humanos. A palavra sentença vem de
sensibilidade, mas precisamos
ter subsídios técnicos, saber se
um remédio é eficiente, se traz
esperança, para que possamos
ter um critério para embasar as
decisões”, disse.
Para Salomão, é preciso criar
e fortalecer fóruns de apoio técnico dentro de cada tribunal de
justiça do País. “É tudo muito
incipiente ainda. Só agora que a
visão do juiz está começando a
mudar. Ele está vendo o impacto econômico das suas decisões
para os outros consumidores”,
afirmou o magistrado.
Presidente da Associação Nacional das Administradoras de
Benefícios (Anab), Alessandro
Acayaba de Toledo explicou
que o aumento de gastos das
operadoras com o cumprimento de demandas judiciais pode
levar à elevação do valor da mensalidade de todos os beneficiários do plano.
“Na judicialização, há interesses individuais que, por vezes,
acabam levando ao pedido de cobertura de procedimentos não
previstos em contrato. Quando
isso acontece, uma pessoa acaba prejudicando toda a coletividade”, diz Toledo, que defende
a criação de varas especializadas em saúde que possam julgar
REFLEXÕES
“Vários países com
sistema público de saúde
criaram a figura do
ombudsman médico,
atuando dentro dos
hospitais, com resultados
satisfatórios.”
Luis Felipe Salomão
“A boa judicialização é a
que protege o cidadão no
seu estado democrático de
direito, mas não podemos
viver com a judicialização
inadequada, por
procedimentos que não são
autorizados pelo plano.”
MINISTRO DO SUPERIOR
José Carlos de Souza Abrahão
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRESIDENTE DA ANS
o tema de forma mais precisa.
Contratos. O ministro do STJ
ponderou que, como a jurisprudência tem caminhado no sentido de obrigar o plano a oferecer
todos os tratamentos disponíveis para as doenças cobertas
pelo convênio, o ideal seria que
os contratos fossem renegociados com a inclusão de todos os
procedimentos ofertados e a
respectiva atualização do valor.
“É preciso repensar esse equilíbrio do contrato porque, hoje,
a operadora cobra um valor
com base no que ela dá de tratamento, mas existem situações
que os tratamentos estão avançando e a jurisprudência vem
concedendo esses tratamentos. Isso tudo tem de estar contemplado no próprio sistema
econômico do contrato. A agência reguladora tem de chamar a
operadora e os clientes para discutir essa questão.”
O diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), José Carlos
Abrahão, disse que o órgão já
vem adotando alguns mecanismos de resolução de conflitos
para evitar que os pacientes cheguem até a Justiça.
De acordo com Abrahão, das
100 mil reclamações recebidas
no ano passado pela agência,
cerca de 90% foram resolvidas
na esfera administrativa, com a
mediação da ANS. Ele ressaltou
ainda que o órgão editou normas obrigando as operadoras a
criar e fortalecer suas ouvidorias e fez acordos de cooperação técnica com órgãos do Judiciário. “Estamos buscando o
fortalecimento da participação
social no processo regulatório.
Esse é um setor de mutualismo,
onde temos de pensar na qualidade do serviço, mas também
na sustentabilidade”, opinou.
Reportagem do Estado publicada em maio mostrou que o
gasto das operadoras com demandas judiciais dobrou em
dois anos, passando de R$ 558
milhões em 2010 para R$ 1,2 bilhão no ano passado, segundo
estimativa da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
Ações. Saúde é o setor que nos leva a tomar decisões ‘trágicas, diz Luiz Fux, ministro do STF
Aumento de
ações contra o
SUS preocupa
A judicialização da saúde pública também foi tema de debates
durante o Summit Saúde Brasil
2016. Responsável pela palestra
de abertura do evento, o ministro da Saúde Ricardo Barros demonstrou preocupação com o
aumento de demandas judiciais
contra o SUS por tratamentos e
medicamentos.
De acordo com o ministro, o
cumprimento das decisões da
Justiça deverá consumir R$ 1,6
bilhão do orçamento do ministério neste ano. A situação pode
se agravar caso o Supremo Tribunal Federal (STF) obrigue o
Estado a fornecer medicamen-
tos que não estão na lista do
SUS ou que não tenham registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O julgamento da matéria começou
em setembro e deverá ser retomado ainda neste mês.
“O Supremo deve harmonizar direitos constitucionais porque deve considerar o limite da
capacidade contributiva. Precisamos de uma interpretação clara se será dado tudo para todos
ou se será tudo que tem no SUS
para todos”, afirmou.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux,
participante do painel sobre judicialização da saúde suplementar no fórum, disse acreditar
que a decisão da Corte sobre a
oferta de medicamentos de alto
custo pela rede pública não deverá ser no sentido de obrigar o
Estado a dar tudo a todos.
Segundo Fux, o STF deverá
estabelecer critérios para o fornecimento de remédios pela rede pública. “Não (será tudo para
todos). Vai ser uma solução sob
medida. O Supremo será o artesão na solução desse caso. Vai
ser uma decisão de alfaiate.”
Fux afirmou não poder adiantar o voto que defenderá no julgamento, mas antecipou seu entendimento. “Sou a favor de
uma fórmula que faça prevalecer o direito fundamental do cidadão à saúde, que está na Constituição. Mas acho que o Supremo vai estabelecer critérios. Há
casos excepcionais que merecem soluções excepcionais”,
afirma. Já votaram os ministros
Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin,
todos no sentido de autorizar o
fornecimento só em casos excepcionais. / F.C.
cientes, mesmo que pagando
por uma saúde melhor, acabam
enfrentando essas e outras dificuldades durante o processo de
tratamento, que, cá entre nós,
já é bastante doloroso.
Buscando melhor solução,
criamos a cartilha Direitos dos Pacientes, com informações completas sobre as garantias dadas
aos usuários de convênios médicos, e também a cartilha Planos
de Saúde, que explica de forma
aprofundada e com uma linguagem simples como a saúde suplementar funciona no Brasil,
garantindo informações essenciais como: o que deve ser considerado antes de contratar um
bom plano de saúde? O que fazer em casos de negativas de coberturas? Como buscar acordos extrajudiciais? E, em último caso, como entrar na Justiça em situações que a conciliação não deu resultado?
Ainda temos muito que avançar. É preciso garantir um teto
de reajuste para os planos coletivos, pois hoje só temos para
planos individuais, o que tem
levado esse tipo de plano quase
à extinção; garantir que as operadoras cumpram com o forne-
cimento dos medicamentos
e procedimentos estabelecidos no rol, sem ser preciso
buscar a via judicial; estabelecer um critério de exceção
que permita que, em alguns
casos, a incorporação de droga órfã ocorra anualmente.
Por esses motivos é que a
criação dos planos populares, proposta pelo atual ministro da Saúde, vai contra
tudo o que foi construído até
hoje em matéria de regulação da saúde privada. Comercializar planos que não garantam o atendimento ao paciente nem sequer atendam
ao rol de cobertura mínima
fere o princípio da finalidade
da assistência à saúde.
Varias associações de pacientes, como também o
Conselho Nacional de Saúde, repudiam essa medida
do atual governo. Trata-se
de mais um retrocesso à saúde no Brasil.
Artigo
Judicialização, um mal necessário?
Comercializar planos
que não garantam o rol
de cobertura mínima
fere os princípios da
assistência à saúde
]
l
ANDRÉA
BENTO
A
nualmente, milhares
de novos casos de câncer são diagnosticados no Brasil e, segundo estudo realizado pelo Observatório de Oncologia, a doença será a maior causa de morte no
Brasil em 2029, ultrapassando as doenças cardiovasculares. Dentre as explicações está o processo de envelhecimento da população – hoje
12% dos brasileiros têm mais
de 60 anos, porcentual que
deverá subir para 30% em
três décadas. Vale ressaltar
que a faixa etária que mais
cresce no País é aquela de
mais de 80 anos.
Mas para que esse aumento da expectativa de vida da
população não se torne um
peso, temos de nos preparar
com políticas educacionais e de
saúde.
A indústria farmacêutica, antenada a esse cenário, vem investindo fortemente em pesquisas e inovação e, consequentemente, a cada dia, apresenta
um arsenal de drogas no mercado, aumentando a qualidade de
vida dos pacientes. Mas, para
ter acesso a tanta inovação, não
são raros os casos que necessitam do fenômeno judicialização, um dos maiores gastos da
saúde hoje.
Dessa forma, temos um grande desafio: equilibrar a medicina, a política e a economia em
saúde, afinal, nosso sistema
tem recursos finitos.
A assistência à saúde é um direito de todos e um dever do
Estado, segundo a Constituição Federal do Brasil, mas como o sistema público não é suficientemente eficaz para atender todos os cidadãos, ele permite que a saúde suplementar,
que contempla 50,6 milhões de
beneficiários, cerca de 25% da
população, faça esse papel.
Nessa visão, muitos cidadãos
buscam nos planos de saúde a
principal alternativa para garantir acesso ao tratamento, que
podem ser por planos coletivos
ou individuais. Na maioria dos
casos, paga-se um valor alto por
um bom plano de saúde – e não
podemos esquecer de dizer que
idosos, muitas vezes, chegam a
entregar sua aposentadoria por
inteiro para ter acesso a um hospital particular via plano.
Para regulamentar esse mercado foi sancionada, em junho
de 1998, a Lei 9.656. Dois anos
depois, foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar.
A ANS é hoje o órgão fiscalizador e controlador dos planos de
saúde que vem apresentando
um excelente trabalho, garantindo que as operadoras de saúde não qualificadas sejam banidas do mercado e estabelecendo um rol de coberturas mínimas, garantindo um mínimo essencial para o usuário.
Com essas ações, a saúde suplementar avançou muito na
área da oncologia, como por
meio da incorporação dos quimioterápicos orais, da inclusão
de exames e procedimentos de
alta complexidade, coberturas
para transplante de medula ós-
sea e incorporação de novas tecnologias a cada dois anos.
Temos de reforçar que, se
não fosse a regulação da ANS,
dependeríamos da vontade da
operadora de saúde em atender
seus usuários, o que poderia aumentar o número de pacientes
que teriam de recorrer à Justiça
para ter acesso a tratamentos.
Dentre as principais dificuldades enfrentadas pelos pacientes em relação às suas operado-
Temos de nos preparar
para o aumento da
expectativa de vida
ras de saúde estão: negativas de
coberturas/atendimentos (exames, cirurgias, quimioterapias,
radioterapias), rede de atendimento insuficiente, com poucas opções de laboratórios e
clínicas especializadas, além da
mudança de clínicas especializadas durante o tratamento, devido ao descredenciamento de
serviços pelo plano.
A Abrale, por meio do seu departamento de apoio ao paciente, recebe todos os dias inúmeros de casos assim. Nossos pa-
]
COORDENADORA DE POLÍTICAS
PÚBLICAS DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LINFOMA E LEUCEMIA (ABRALE)
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