O ACESSO À INTERNET COMO DIREITO FUNDAMENTAL Maurilio Andre Oliveira Montanher1 Antonio Carlos Segatto2 GT: Direito Constitucional Palavras-Chave: Direitos Fundamentais; Internet; Novos Direitos. Resumo O projeto demonstra que o advento da Internet trouxe um novo paradigma social e jurídico, realizando assim uma construção teórica de modo a apontar a viabilidade e necessidade de se caracterizar seu acesso como um Direito Fundamental. Primeiramente são apresentados elementos da Teoria dos Direitos Fundamentais, ressaltando seu caráter histórico e o nascimento de novos direitos decorrentes dos avanços tecnológicos. A seguir, trata dos novos paradigmas surgidos com a Internet, bem como sobre sua regulação e tentativa de regulamentação no Brasil através do Projeto de Lei 2126/2011, conhecido como Marco Civil da Internet. Por fim, evidencia-se a possibilidade de se considerar novos direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro, além de se analisar um relatório expedido pela ONU que promove o acesso à Internet, e tratar de sua efetivação e potencial democrático. Para tal, utilizou-se do método teórico e da pesquisa bibliográfica, mas também se consultou fontes legislativas e jurisprudenciais. Introdução Com o passar do tempo e o desenvolvimento das tecnologias, surgem na sociedade novas demandas, visto que as necessidades humanas se alteram ao longo da história. Nesse processo, novos direitos tendem a ser incorporados nos ordenamentos jurídicos. Dessa forma, a partir da Teoria dos Direitos Fundamentais, este projeto busca averiguar a viabilidade jurídica e apontar as necessidades de se caracterizar o acesso à Internet como um Direito Fundamental. Para tanto, no primeiro capítulo é abordada a Teoria dos Direitos Fundamentais, onde se esclarece seu conceito, as terminologias comumente utilizadas para se referir a tais direitos, suas principais características, bem como se faz uma abordagem histórica através das Gerações/Dimensões de Direitos Fundamentais, destacando-se os novos direitos provenientes das Novas Gerações, incluindo reivindicações atuais de direitos decorrentes das novas tecnologias. Posteriormente, no segundo capítulo, examina-se o novo paradigma social e jurídico que surgiu com o advento da Internet, utilizando-se de uma abordagem interdisciplinar nos dois primeiros itens: primeiro é apresentada A sociedade em rede, expressão utilizada pelo sociólogo Manuel Castells para definir a sociedade que sucede a da era industrial; depois é 1 Acadêmico do 4º ano noturno da graduação em Direito da Universidade Estadual de Maringá. É membro do Núcleo de Estudos Constitucionais (NEC). E-mail: <[email protected]>. 2 Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É Professor de Direito Constitucional vinculado ao DDP (Departamento de Direito Público) da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Líder do Grupo de Pesquisa-CNPQ “Núcleo de Estudos Constitucionais”. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, atuando principalmente nos seguintes temas: novos direitos e direitos fundamentais, garantias constitucionais, efetividade da jurisdição, controle concentrado de constitucionalidade e direitos fundamentais. E-mail: <[email protected]>. traçada uma breve história da Internet. Analisa-se ainda as correntes doutrinárias acerca da regulação da Internet e o Projeto de Lei 2126/2011, conhecido como Marco Civil da Internet. Finalmente, no terceiro capítulo, é apontada a possibilidade de se considerar o acesso à Internet como um Direito Fundamental no ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, é analisado um relatório expedido pela ONU sobre a promoção e proteção da liberdade de opinião e expressão na Internet. Por fim, analisa-se como pode ocorrer a efetivação do acesso à Internet e demonstra-se o potencial de sua utilização na consolidação da Democracia. Materiais e Métodos O presente projeto foi desenvolvido com base no método teórico, que é fundamentado na bibliografia existente sobre o tema pesquisado. Sua finalidade consiste em aproximar o pesquisador com o que já foi produzido e registrado acerca do assunto. Dessa forma, foram consultadas principalmente fontes doutrinárias, incluindo obras de renomados constitucionalistas. Entretanto, também se consultou documentos eletrônicos através da Internet, bem como fontes legislativas e jurisprudenciais. Resultados e Discussões Conforme positivados em distintos ordenamentos jurídicos, os direitos fundamentais vêm passando por uma série de transformações e evoluções no decorrer da história. Sendo assim, não se pode defini-los de forma precisa e categórica, de modo que se encontram na doutrina diversas definições compatíveis com o ordenamento pátrio. George Marmelstein os conceitua da seguinte maneira: Os direitos fundamentais são normas jurídicas, intimamente ligadas à ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, positivados no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que, por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico. 3 Tal conceito abrange cinco elementos básicos: norma jurídica, dignidade da pessoa humana, limitação do poder, Constituição e democracia. Não constituindo valores eternos e imutáveis, a doutrina costuma situar a evolução dos direitos fundamentais em três gerações, que ilustram sua trajetória histórica. Tal ideia foi concebida pelo jurista tcheco, naturalizado francês, Karel Vasak, e ficou conhecida como “teoria das gerações dos direitos”, tendo sido apresentada na aula inaugural de 1979 no Curso do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estrasburgo4. Os direitos da primeira geração constituem os direitos de liberdade, compreendendo os direitos civis e políticos. Surgiram no contexto do Estado absoluto e das revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII, onde a burguesia — classe que até então não tinha qualquer poder político — reivindicava liberdades individuais, que costumavam ser constantemente tolhidas pela arbitrariedade do soberano. Já os direitos fundamentais de segunda geração abrangem os direitos de igualdade — são os chamados direitos econômicos, sociais e culturais, que impõem ao Estado diretrizes e prestações para a efetivação de tais direitos. Os direitos da terceira geração, por sua vez, constituem os direitos de fraternidade, sendo que costumam ser caracterizados como direitos difusos e coletivos, compreendendo o direito ao desenvolvimento, à paz, à comunicação, ao meio-ambiente e à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade. Embora classicamente a doutrina faça sua distinção em três gerações, 3 4 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 3º ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 20. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21º ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 563. a evolução dos direitos fundamentais não parou, de modo que as normas jurídicas vêm se adaptando aos novos clamores e necessidades sociais. Dessa forma, surgem reivindicações de novos direitos fundamentais, sendo que muitos autores sustentam a existência de outras gerações de direitos que os abranjam. Nesse contexto, destacam-se as reivindicações atuais de direitos decorrentes das novas tecnologias, sobretudo a luta pelo direito fundamental de acesso à Internet. Em 2011, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas divulgou um 5 relatório sobre a promoção e proteção da liberdade de opinião e expressão centrado na Internet, cujo acesso foi considerado pela própria organização como um direito fundamental. Tal relatório, de 22 páginas, segue uma tendência desencadeada em países desenvolvidos, como a Finlândia6 e Estônia, que já há algum tempo declararam a Internet como um direito fundamental de todo cidadão. Nossa Constituição Federal de 1988, a partir de seu Título II, artigo 5º, estabelece o rol de Direitos e Garantias Fundamentais, apresentando ferramentas que possibilitam a satisfação das legítimas necessidades do povo brasileiro no final da década de oitenta. Não obstante, sabe-se que a sociedade é dinâmica e que com o passar do tempo surgem novas demandas. Assim, a caracterização de novos direitos fundamentais é viabilizada pela abertura do catálogo dos direitos fundamentais pela Constituição Federal, que dispõe em seu artigo 5º, §2º: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (grifos nossos) 7 Assim, são considerados direitos fundamentais no ordenamento jurídico nacional: os direitos previstos no Título II da atual constituição, os decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, e os decorrentes de tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Dessa forma, a Constituição Federal está plenamente de acordo com a característica da historicidade dos Direitos Fundamentais. Conclusões Os Direitos Fundamentais possuem como uma de suas características primordiais a Historicidade, segundo a qual são variáveis de acordo com a época e o local em que se encontram, de modo que nascem, modificam-se e morrem ao longo da história. Dessa forma, as diversas contingências sociais, históricas e tecnológicas fazem surgir novas necessidades humanas, o que gera a demanda por novos direitos. A Internet pode ser basicamente definida como uma rede de âmbito global que conecta usuários do mundo todo, permitindo que se comuniquem e troquem informações de modo instantâneo. O seu advento provocou uma série de mudanças sociais, econômicas, politicas e culturais na sociedade, que passa a se articular em rede, realizando uma grande 5 UNITED NATIONS. Human Rights Council. Report of the Special Rapporteur on the promotion and protection of the right to freedom of opinion and expression, Frank La Rue, 2011. Disponível em: <http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/17session/A.HRC.17.27_en.pdf>. Acesso em: 10 de set. 2013. 6 A Finlândia foi o primeiro país a tornar o acesso à internet um direito fundamental do cidadão. Cf. TERRA. Finlândia torna banda larga "direito fundamental" do cidadão. Disponível em: < http://tecnologia.terra.com.br/interna/0,,OI4045432-EI4802,00Finlandia+torna+banda+larga+direito+fundamental+do+cidadao.html>. Acesso em 10 de set. de 2013. 7 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 de set. 2013. parte de interações através da Internet, que atualmente vem sendo utilizada como meio de: trabalho, estudo, obtenção de informações públicas de sites do Estado, movimentações processuais, transações bancárias, comunicação através de e-mail e redes sociais, ciberativismo, entre inúmeras outras finalidades. Dessa forma, ser privado de acessar a rede mundial de computadores pode caracterizar inúmeros prejuízos. Assim, a reivindicação do direito fundamental de acesso à Internet ganha destaque no contexto atual. Analisando-se tal questão sob a ótica da realidade brasileira, imediatamente se percebe que o acesso à Internet, necessidade histórica atual, não foi prevista na Constituição Federal de 1988 como um Direito Fundamental. Contudo, a abertura do rol de Direitos e Garantias Fundamentais — que se inicia a partir de seu Título II, artigo 5º, sendo apenas exemplificativo, e não taxativo — consubstanciado em nossa Constituição Federal pelo exposto no artigo 5º, §2º, nos permite concluir que existem Direitos Fundamentais que, mesmo não constantes do rol constitucional, são decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição (ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte), bem como equivalentes, em relevância e substância, aos demais direitos formalmente fundamentais. Dessa forma, conclui-se ser perfeitamente possível que o acesso à Internet seja considerado um Direito Fundamental para o ordenamento jurídico brasileiro. Referências BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21º ed. São Paulo: Malheiros, 2007. BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 de set. 2013. MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 3º ed. São Paulo: Atlas, 2011. TERRA. Finlândia torna banda larga "direito fundamental" do cidadão. Disponível em: <http://tecnologia.terra.com.br/interna/0,,OI4045432-EI4802,00Finlandia+torna+banda+larga+direito+fundamental+do+cidadao.html>. Acesso em 10 de set. de 2013. UNITED NATIONS. Human Rights Council. Report of the Special Rapporteur on the promotion and protection of the right to freedom of opinion and expression, Frank La Rue, 2011. Disponível em: <http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/17session/A.HRC.17.27_en.pdf>. Acesso em 10 de set. 2013.