1 Concepção errônea sobre foco e força de vontade MITO: O TDA é somente a ausência de força de vontade. As pessoas com TDA conseguem enfocar muito bem as coisas que as interessam; elas poderiam, se realmente quisessem, manter o foco em qualquer outro tipo de atividade. FATO: O TDA se parece realmente com um problema de força de vontade, mas não é. Ele é essencialmente um problema químico nos sistemas de gerenciamento do cérebro. Muitos dos indivíduos que sofrem cronicamente com uma dificuldade debilitante na habilidade de prestar atenção são capazes de focar sua atenção perfeitamente em atividades que os interessam. Então, por que não conseguem prestar atenção em outras atividades que reconhecem como sendo importantes? Para resolvermos esse mistério, vamos observar cuidadosamente muitos aspectos da atenção, reconhecendo que os processos de atenção no cérebro humano são mais complexos e sutis do que podemos imaginar. Uma forma de entendermos a complexidade da atenção é ouvindo cuidadosamente os pacientes com TDAH, enquanto descrevem suas lutas com a desatenção. Vejamos o caso de um paciente meu, um adolescente jogador de hóquei que vou chamar de Larry: Larry, um menino forte de cabelos loiros, estudante do ensino médio, estava na minha clínica, acompanhado pelos pais, quando começamos nossa primeira sessão. Ainda nas apresentações, os pais mencionaram que o time de hóquei de Larry acabara de ganhar o campeonato estadual. Cheios de orgulho, comentavam como Larry havia jogado bem. Como goleiro, havia conseguido bloquear com sucesso 34 chutes durante o campeonato, levando seu time à vitória final. Larry sorriu com modéstia, porém com óbvio e justificado prazer. Foi nesse instante, então, que o pai de Larry começou a comentar sobre o dilema. “Quando está jogando hóquei, Larry é fantástico e presta atenção em tudo que está acontecendo no jogo. Sabe onde está o disco de borracha em todos os segundos do jogo. Protege o gol e, ao mesmo tempo, monitora tudo que os outros garotos estão fazendo, ajudando a manter seu time organizado e motivado. Está sempre totalmente envolvido e em cima de todas as jogadas. “Mas na escola – seu pai continua – é uma história bem diferente. Sabemos que Larry é muito inteligente. Os resultados do seu teste de QI mostram que está numa média superior, entre os primeiros 3%. Normalmente consegue boas notas nos exames de fim de semestre e se saiu muito bem no PSAT,* mas seus trabalhos diários na escola e seu boletim de notas são sempre inconstantes, variando de A+ até notas bem mais baixas. “Sabemos que Larry quer conseguir boas notas. Está sempre comentando como gostaria de se tornar um médico e como necessita conseguir boas notas para poder entrar em um curso superior de medicina. Mas, durante anos, tem sido inconsistente em seus trabalhos acadêmicos. De vez em quando vemos *N. de T. Preliminary Scholastic Assessment Test (Teste Preliminar de Avaliação Acadêmica). 20 THOMAS E. BROWN como se esforça, passando a noite em claro, para conseguir ler e escrever uma boa dissertação, mas na maioria das vezes procrastina e evita fazer seus deveres de casa. Estamos sempre recebendo bilhetes dos seus professores, reclamando dos seus trabalhos. É a mesma frustração todos os anos. “Dizem que, às vezes, Larry faz algum comentário em classe que demonstra como é inteligente, como entende bem aquilo que estão estudando. De vez em quando consegue escrever uma excelente dissertação ou fazer um ótimo trabalho. Mas, na maioria das vezes, os professores reclamam que Larry está nas nuvens e que não se envolve nas discussões de classe. Ele não tem um problema de comportamento, mas está sempre distraído, olhando pela janela ou para o teto da sala. Dizem que em algumas discussões de classe ele nem sabe em que página estão. Estamos sempre recebendo bilhetes, dizendo que seus deveres de casa estão atrasados ou não foram feitos. “Como é possível o Larry ser tão bom quando presta atenção no jogo de hóquei, e não conseguir prestar atenção alguma em seus deveres escolares?” Enquanto seu pai falava, Larry olhava para o carpete da sala. Levantou a cabeça e seus olhos estavam úmidos. Disse calmamente a seus pais: “Não sei porque essas coisas continuam acontecendo. Estou tão frustrado com isso tudo quanto vocês. Quando vi meu boletim de notas, fui para meu quarto e chorei. “Sei o que devo fazer e realmente quero acertar, pois sei como isso é importante para minha vida. Tento me concentrar do mesmo jeito que faço quando estou jogando hóquei. Algumas vezes consigo, por um instante, em determinados trabalhos e discussões de classe. Mas, na maioria das vezes, simplesmente não consigo focar minha atenção. “Realmente quero acertar e sei que seria capaz de fazê-lo, mas simplesmente não consigo! Não consigo manter minha atenção no trabalho de escola, do mesmo jeito que faço quando estou jogando hóquei.” Dilema semelhante era experienciado por Mônica, uma menina tímida da quinta série, que ficava de cabeça baixa enquanto sua mãe descrevia, irritada, seus problemas na escola. “Seus professores dizem que ela não consegue prestar atenção por mais de três minutos. Sei que isso não é verdade! Já fiquei de olho nela enquanto jogava videogame. Ela consegue jogar por mais de três horas sem parar. E os professores dizem que ela é “facilmente distraída”. Isso não faz sentido! Quando está jogando videogame permanece com os olhos fixos no monitor, totalmente concentrada. Quando está nesse estágio, a única maneira de conseguir chamar sua atenção é ficar na sua frente ou desligar o monitor. “Já fizemos tudo que podíamos para conseguir que melhorasse sua atitude na escola. Recebo relatórios diários da escola e sempre elogio quando se sai bem. Já tentei até usar algum tipo de suborno, como recompensas pelos bons trabalhos. Tentei também punição – proibir que jogasse videogame ou deixá-la de castigo em seu quarto. Nada disso funcionou. Não sei mais o que fazer. Ela não é uma criança estúpida e nem indisciplinada, mas se não começar a prestar mais atenção no trabalho de escola, nunca conseguirá se sair bem nos estudos, assim como aconteceu comigo. Nunca consegui terminar o ensino médio e me arrependo muito disso. Quero algo melhor para ela. Gostaria de fazer com que prestasse atenção na escola da mesma maneira que faz quando joga videogame.” Todos os pacientes com problemas crônicos de desatenção que já examinei têm alguns domínios nos quais conseguem prestar atenção sem nenhuma dificuldade. Alguns são artistas; pintando e desenhando atentamente. Outros são engenheiros-mirins, construindo verdadeiras maravilhas com blocos de lego e, anos mais tarde, consertando carros e desenhando redes de computadores. Alguns ainda são músicos que se empenham para criar novos acordes e compor novas peças. ATENÇÃO E “FORÇA DE VONTADE” Os exemplos de Larry e de Mônica nos remetem ao enigma central da desatenção crônica: como é possível alguém prestar tanta atenção em algumas coisas e, ao mesmo tempo, ser tão incapaz de prestar suficiente atenção a outras tarefas que reconhece como sendo importantes e que deseja desempenhar? Quando fiz essa pergunta aos pacientes com TDAH, a maioria das respostas foi: “É fácil! Se for algu- TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO ma coisa de que realmente gosto, consigo prestar atenção. Se não for do meu interesse, não consigo prestar atenção, independente do quanto possa desejar”. A maioria das pessoas responde essa pergunta com desconfiança. “Isso acontece com todas as pessoas”, dizem. “Qualquer pessoa prestará mais atenção naquilo em que está mais interessada do que naquilo que não a interessa.” Mas para alguns indivíduos existe uma diferença importante. Quando se deparam com algo não muito interessante e que sabem que deverão fazer, que é importante para eles, a maioria pode se esforçar para se concentrar na tarefa a ser realizada. Ainda assim algumas pessoas não possuem essa habilidade, a menos que as conseqüências dessa falta de atenção sejam imediatas e severas. Henry, um executivo de meia idade, que diagnostiquei como sendo portador do transtorno de déficit de atenção, comentou comigo: Tenho um exemplo sexual do que é ter TDA. É como uma impotência da mente. Se a tarefa que está tentando é algo que lhe excita, então você está “apto” e pode desempenhar sem problemas. Mas se a tarefa que está tentando fazer não é intrinsecamente interessante, não lhe excita, então você não consegue “desempenhar”. Simplesmente não consegue realizar, não é uma questão de força de vontade. FACETAS DA ATENÇÃO O que queremos dizer quando falamos em “prestar atenção”? William James (1890) escreveu há mais de cem anos: Todas as pessoas sabem o que é atenção. É a mente tomando posse, de forma vívida e clara, de um entre aqueles que parecem ser outros possíveis objetos de uma seqüência de pensamento. Focalização, concentração da consciência [é] sua essência. Isso implica exigir a remoção da atenção em algumas coisas para poder lidar eficientemente com outras, sendo uma condição com um oposto real no confuso, ofuscado e disperso estado cerebral... chamado de distração. 21 James manteve aquilo que eu chamo de “teoria holofote” da atenção: a noção de que a atenção é um foco solitário e potente emanado pela mente sobre alguns “objetos de uma seqüência de pensamento” (nas palavras de James), selecionados das muitas outras percepções e idéias que poderiam ser atendidas naquele momento. Essa “teoria holofote” é bem simples. Ela descreve somente certos tipos de atenção – atenção visual, por exemplo, na qual a pessoa olha fixamente para um ponto, em vez de olhar para todos os lados, de maneira incerta, tentando ver pontos diferentes, ou simples atenção auditiva, na qual uma pessoa ouve um som, ou uma série de sons, ignorando outros. Mas quando analisamos cuidadosamente as descrições de Larry e de Mônica, por exemplo, notamos que fazem muitas coisas de uma só vez. Eles não estão somente vendo e ouvindo o que está acontecendo na tela do computador ou na quadra de gelo, mas também engajando-se em ações complexas que podem ocorrer simultaneamente ou em seqüências rápidas. Enquanto joga videogame, Mônica não está simplesmente olhando para a tela, mas está também monitorando ativamente os movimentos rápidos de muitos objetos, decidindo quais deles deve destruir ou acumular. Ela responde rapidamente, pressionando os botões do controle e dirigindo seu alvo com movimentos hábeis do controle. Ela acompanha também seu placar e os níveis de desempenho do jogo, fazendo tudo isso enquanto se recorda de estratégias úteis de jogos anteriores. Ela reprime também seus sentimentos alternados de frustração e triunfo para poder se concentrar na ação sem reagir emocionalmente aos constantes altos e baixos do jogo. Do mesmo modo, o sucesso de Larry na quadra de hóquei depende dos aspectos multifacetados e simultaneamente implementados da atenção. Ele não somente acompanha o disco [a bola do jogo] em seus movimentos rápidos sobre o gelo, mas monitora também seus colegas de equipe e os jogadores adversários, tentando antecipar seus movimentos, alertando seus colegas de defesa sobre as melhores posições, perigos e oportunidades. Simultaneamente, acompanha também a passagem do tempo 22 THOMAS E. BROWN pelo relógio – quantos minutos ou segundos faltam para o fim do período ou quanto falta para determinado jogador voltar para a quadra. Larry fica de olho também no desempenho físico de seus jogadores; a percepção de qualquer sinal de cansaço, por mais sutil que seja, leva-o a encorajá-los e desafiá-los à luta. Evita ficar pensando por muito tempo sobre o gol que acabou de defender ou sobre aquele que acabou de acontecer. Concentra-se e tenta seguir as instruções dadas pelo seu treinador na semana passada ou durante a partida. Tenta ignorar as ações provocativas e os comentários dos oponentes ou da torcida adversária. Tudo isso e muito mais estão incluídos no enfoque da atenção de Larry, enquanto joga hóquei. O pai de Larry sugeriu significados ainda maiores de atenção quando comentou que o filho também treina e faz exercícios o ano inteiro para ficar em forma para os jogos, esforçando-se para aumentar resistência e refinar habilidades nos treinamentos. Comentou como Larry planeja seu dia e seus horários para não se atrasar para os treinos ou jogos. E acrescentou que Larry administra e organiza seu equipamento, limpando sempre os patins e o uniforme, mantendo-os em perfeita ordem. Comentou também que Larry participa de palestras e de encontros de treinamento específicos de hóquei, estudando e organizando suas estratégias e assistindo a vídeos de outros goleiros profissionais. Após essa descrição ficou claro que Larry prestava atenção intensa e contínua ao hóquei, de maneira variada e complexa. OS VÁRIOS COMPONENTES DA DESATENÇÃO Se “atenção” é mais que um simples “foco”, podemos dizer então que a “desatenção” é também multifacetada. Quando os professores e os pais reclamaram sobre a fraca atenção de Larry e de Mônica em seus trabalhos de escola, não estavam usando um simples conceito de “foco do holofote” da atenção – isto é, não estavam reclamando simplesmente do fato desses estudantes não ouvirem as discussões de classe ou não atentarem para aquilo que estava sendo escrito no quadro-negro. Estavam falando sobre uma gama mais ampla, mais complexa das funções da atenção. Os problemas de Larry com a falta de atenção aos trabalhos da escola incluíam uma falha crônica em engajar-se nas várias tarefas da escola. Ele demonstrava não somente excessiva distração, mas também dificuldades crônicas para realizar trabalhos da escola; queria fazer, mas adiava a tarefa até o último instante. Seu planejamento era ineficiente, perdendo o controle dos livros a serem lidos ou dos problemas a serem resolvidos. Esse mesmo menino, que era tão cuidadoso com seu material esportivo, perdia constantemente seus cadernos e livros e não conseguia encontrar as anotações necessárias para o dever de casa. Ele mesmo comentava sobre os trabalhos que começava e pelos quais acabava perdendo o interesse antes de terminar, deixando tudo de lado para fazer outras coisas e, freqüentemente, nunca vais voltando para concluí-los. Larry reclamava também sobre sua memória para os trabalhos de escola. Apesar de ser uma verdadeira enciclopédia ambulante sobre as estatísticas e outras informações detalhadas sobre muitos jogadores de hóquei, demonstrava esquecimentos crônicos sobre instruções dadas pelos professores ou sobre o conteúdo dos livros que havia lido para os testes. Era incapaz, muitas vezes, de se lembrar do que havia estudado cuidadosamente, dias antes, para os exames. Larry dizia muitas vezes que sentia tonturas na sala de aula e quando tentava ler os deveres de casa. Descrevia sua luta para permanecer acordado nessas situações, mesmo após ter tido uma excelente noite de sono. Essa morosidade contrastava com sua vigilância intensa sempre que pensava ou se envolvia em assuntos relacionados ao hóquei. DESATENÇÃO COMO UM TRANSTORNO Quando observamos detalhadamente as dificuldades acadêmicas crônicas de Larry, fica claro que a desatenção desse menino é ampla e complexa. Incluindo problemas de excessiva TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO distração, procrastinação, dificuldades na organização do seu trabalho, evitando as tarefas que demandam esforço mental sustentado dirigido aos detalhes, perdendo suas coisas, não conseguindo terminar as tarefas e esquecendo freqüentemente as atividades diárias. O que todos esses pontos têm em comum? Todos eles são dificuldades das facetas da “desatenção” – dificuldades que são elementos daquilo que descrevo no Capítulo 2 como partes integrantes da “síndrome do TDA”. Todas essas dificuldades crônicas estão relacionadas com os sintomas de desatenção do TDAH no DSM-IV. A “desatenção” descrita pelo manual é um termo amplo, possuindo uma enorme variedade de dificuldades cognitivas reconhecidas como crônicas, mas não necessariamente constantes. O manual descreve: “Os sinais do distúrbio podem ser mínimos ou ausentes quando a pessoa está sob controle rigoroso, está em um ambiente completamente novo, está engajada em atividades especialmente interessantes, está em uma situação de um-para-um [...] ou enquanto a pessoa experimenta recompensas freqüentes para comportamentos apropriados” (p.79). Todas as pessoas, de tempos em tempos, experimentam dificuldades no exercício desses aspectos variados da atenção. Mas aquelas pessoas legitimamente diagnosticadas como sendo portadoras do TDAH, de acordo com os critérios do DSM-IV, manifestam os sintomas do TDAH “em um grau não-adaptado e incoerente com o nível de desenvolvimento” (p. 83). Em outras palavras, elas precisam exibir esses sintomas em um grau de intensidade que cause problemas consistentes, diferentemente daquilo que a maioria das pessoas do mesmo grupo de idade e nível de desenvolvimento experimenta. Além disso, os sintomas do TDAH têm que produzir “claras evidências de dificuldades clinicamente significativas nas habilidades sociais, acadêmicas ou ocupacionais” (p. 84). Isto é, o TDAH tem que debilitar de forma significante o trabalho escolar do indivíduo, seu emprego e ou seus relacionamentos com outras pessoas. O TDAH não é como uma gravidez, onde as características da “paciente” são evidentes. 23 O TDAH se parece mais com uma depressão, que ocorre ao longo de um continuum de gravidade. Todas as pessoas exibem, ocasionalmente, os sintomas de depressão. Porém, ficar infeliz por alguns dias não qualifica uma pessoa ao diagnóstico de depressão. É somente quando os sintomas da depressão interferem de forma significativa nas atividades de um indivíduo, durante um longo período de tempo, que ele é passível de tal diagnóstico. Além do mais, para que as dificuldades da desatenção sejam consideradas como um transtorno, precisam não somente ser crônicas e debilitantes, mas também têm que estar presentes como parte de um conjunto. Esses aspectos múltiplos da desatenção constituem uma síndrome, um conjunto de sintomas que ocorrem muitas vezes, de maneira conjunta, caracterizando um transtorno específico. Colocando de outra maneira, as dificuldades descritas nos exemplos de Larry e de Mônica são como as luzes naqueles fios que usamos para enfeitar as árvores de Natal. Cada uma das pequenas lâmpadas parece estar separada quando vistas a distancia, sendo na realidade unidas por um circuito. E, assim como os fios da árvore de Natal (quanto mais velhos, menos confiáveis), quando um dos elementos não é ativado, compromete o funcionamento dos demais no circuito seqüencial. O exemplo das luzes da árvore de Natal não é perfeito. As funções cognitivas da atenção não estão dispostas em um circuito em série. E não são simples e discretas como as pequenas luzes. Cada função descrita da atenção é, de fato, por si só um conjunto de funções complexas. Apesar das limitações dessa metáfora, os sintomas crônicos da desatenção surgem como uma síndrome fazendo com que seja possível diagnosticar os pacientes com base nesses sintomas. Na realidade, os indivíduos diagnosticados com o TDAH, por definição, têm dificuldades crônicas relacionadas com não somente alguns, mas com pelo menos seis dos nove sintomas de desatenção já relacionados no DSM-IV e muitas vezes, também, apresentando alguns dos sintomas hiperativos-impulsivos. No Capítulo 2, comento em mais detalhes sobre a síndrome do TDA. 24 THOMAS E. BROWN SÍNDROME DO TDA E AS FUNÇÕES EXECUTIVAS DEBILITADAS Durante décadas, a síndrome conhecida como TDAH era vista simplesmente como um transtorno de comportamento da infância, caracterizado por agitação crônica, impulsividade excessiva e incapacidade de permanecer sentado e quieto por muito tempo. No final dos anos de 1970, descobriu-se que essas crianças hiperativas tinham também problemas significativos e crônicos com a atenção e a habilidade de ouvir aquilo que os professores falavam. Essa descoberta norteou a decisão para uma mudança na nomenclatura, em 1980, de “transtorno hipercinético” para “transtorno de déficit de atenção”, reconhecendo que algumas crianças sofrem de problemas crônicos de desatenção sem nenhuma hiperatividade significante. Essa mudança, de um foco exclusivo no comportamento hiperativo e impulsivo para um foco primário na desatenção como o problema principal do transtorno foi a principal mudança de paradigma no entendimento dessa síndrome. Um novo entendimento do TDAH vem sendo desenvolvido nos últimos anos. Os pesquisadores estão reconhecendo, cada vez mais, que a síndrome dos sintomas do TDAH sobrepõe com dificuldades debilitantes aquilo que os neuropsicólogos chamam de “funções executivas”. Castellanos (1999, p. 179) comentou: TDAH não é somente um déficit de atenção, um excesso de atividade locomotora ou sua conjugação simples [...] A abstração unificadora que melhor explica as faculdades afetadas pelo TDAH foi chamada de função executiva (FE), que é um conceito em evolução [...] existe atualmente um suporte científico impressionante sobre sua importância no TDAH. O conceito das funções executivas não se refere somente às atividades corporativas dos executivos de negócios, mas às facetas das funções de gerenciamento cognitivo do cérebro. Apesar de não haver ainda um consenso estabelecido quanto à definição das funções executivas, a maioria dos pesquisadores concorda que o termo deveria ser usado para fazer referência aos circuitos do cérebro que priorizam, integram e regulam outras funções cognitivas. As funções executivas, então, gerenciam as funções cognitivas do cérebro, fornecendo o mecanismo para “auto-regulação” (Vohs e Baumeister, 2004). UMA METÁFORA PARA AS FUNÇÕES EXECUTIVAS Imagine uma orquestra sinfônica na qual cada músico toca muito bem seu instrumento. Se não houver um maestro para conduzir e organizar a orquestra, iniciar os músicos, assinalar a introdução dos instrumentos de sopro ou a retirada dos instrumentos de cordas, ou para conduzir uma interpretação geral da música para todos os músicos, a orquestra não será capaz de produzir um concerto. Os sintomas do TDA podem ser comparados às dificuldades não somente dos músicos, individualmente, mas do condutor da orquestra. Assim como ficou claro nos casos de Larry e de Mônica, as pessoas diagnosticadas com o TDA, normalmente, são capazes de prestar atenção, de iniciar e parar suas ações, de manter seus sentidos alerta e de utilizar sua memória de curto prazo de maneira eficiente quando engajadas em atividades que lhes dão prazer. Esse funcionamento bem-sucedido das pessoas com TDA nas atividades preferidas indica que elas não são totalmente incapazes de exercer o foco de atenção, seus sentidos de alerta ou seus esforços direcionados. Elas podem “tocar seus instrumentos” muito bem – algumas vezes. O problema das pessoas com TDA está em suas incapacidades crônicas de ativarem e administrarem essas funções no tempo certo e da maneira correta. As dificuldades não existem somente no nível dos músicos (essas funções funcionam perfeitamente bem sob certas circunstâncias), mas também no nível do maestro, que tem de iniciar e orientar todos os músicos. Essa noção de que o núcleo dos problemas de atenção no TDA são dificuldades das funções executivas é bem diferente do conceito de “atenção holofote” de William James. O TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO novo paradigma descreve a integração complexa e em rápida transformação dos múltiplos aspectos da atenção para realizar tarefas múltiplas. Tal noção está de acordo com a descrição de James sobre a atenção como “a remoção da atenção em algumas coisas para poder lidar eficientemente com outras”. O conceito das funções executivas é uma maneira de descrever como as várias funções cognitivas do cérebro são administradas – mudando continuamente e reconfigurando-se – para “lidar eficientemente” com as demandas momentâneas da vida. Uma forma de considerar essa visão mais ampla da atenção como função executiva é observar as situações nas quais as tarefas não são manejadas de maneira eficiente. Martha Bridge Denckla (1996, p.264) escreveu sobre pacientes com altos níveis de inteligência e nenhuma dificuldade específica que têm dificuldades crônicas para lidar eficientemente com as tarefas diárias. Ela compara estas pessoas a um chefe de cozinha desorganizado que tenta organizar uma refeição. Imagine um chefe de cozinha que se dispõe a preparar um determinado prato em uma cozinha bem equipada, incluindo prateleiras repletas de todos os ingredientes necessários, sendo capaz de ler e acompanhar a receita de um livro. Agora, imagine que esse mesmo cozinheiro não apanha na prateleira todos os ingredientes de que necessita, não preaquece o forno para que esteja pronto na hora de assar o alimento e que ainda não tenha descongelado o ingrediente principal da receita. Esse cozinheiro pode ser visto correndo para as prateleiras, procurando o próximo ingrediente mencionado na receita, apressando-se para descongelar a carne e aquecer o forno, tudo isso acontecendo sem uma seqüência lógica. Apesar de ter todos os ingredientes disponíveis da receita, esse cozinheiro motivado, porém desorganizado, é incapaz de conseguir terminar o prato na hora certa, sem deixar o freguês esperando à mesa. O “cozinheiro motivado, porém desorganizado” se parece muito com uma pessoa com sintomas graves do TDA que tenta realizar uma tarefa, mas é incapaz de “seguir uma seqüência lógica”. Os indivíduos com TDA descrevem 25 a si mesmos, muitas vezes, como pessoas que estão desejando desesperadamente desempenhar várias tarefas, para as quais são incapazes de ativar, organizar e manter as necessárias funções executivas. FUNÇÕES EXECUTIVAS E A INTELIGÊNCIA Denckla introduziu a fábula do cozinheiro desorganizado como um exemplo das dificuldades encontradas em alguns pacientes com “excelentes níveis de inteligência” (p.264). Esse comentário é importante, pois indica que tal desorganização pode existir independentemente da inteligência geral. É bastante possível que um indivíduo seja extremamente inteligente de acordo com os padrões, mas possua dificuldades graves nas funções executivas como aquelas muitas vezes encontradas no TDA. Tenho examinado pessoas inseridas em uma ampla gama de habilidades intelectuais. Alguns dos meus pacientes diagnosticados com TDA são extremamente inteligentes, trabalhando como professores em universidades, cientistas, pesquisadores, médicos, advogados e altos executivos de empresas. As habilidades intelectuais estão distribuídas nos padrões mais altos, médios e mais baixos de QI. Os níveis gerais de um indivíduo, de acordo com os padrões estabelecidos pelos testes de QI, parecem ter pouco a ver com o fato de eles satisfazerem os critérios diagnósticos do TDA. FUNÇÕES EXECUTIVAS E A CONSCIÊNCIA Um senhor de 43 anos com sintomas de problemas de atenção veio a minha clínica para ser examinado. Ele estava acompanhado de sua esposa. As duas crianças do casal haviam sido diagnosticadas, recentemente, como portadoras do TDA e estavam se beneficiando do tratamento medicamentoso que havia sido prescrito. Quando expliquei ao casal que a maioria das crianças diagnosticadas com TDA possuía um dos pais ou até mesmo um parente próximo com TDA, ambos sorriram e comentaram: “As sementes não caem longe da árvore”. Todos nós concordamos que o pai, nesse caso, 26 THOMAS E. BROWN exibia mais sintomas de TDA do que as duas crianças. Foi assim que a esposa descreveu o comportamento do marido: Na maioria das vezes, ele fica totalmente alheio. No ultimo sábado, por exemplo, decidiu que ia consertar uma das janelas do andar superior da nossa casa. Foi até a garagem para apanhar alguns pregos e parafusos. Na garagem notou que suas ferramentas estavam espalhadas por toda parte, então começou a organizar a bagunça. Depois de muito mexer, decidiu que precisava de mais ganchos para pendurar as ferramentas no quadro. Entrou no carro e saiu para comprar os ganchos. Na casa de ferragens notou que havia uma promoção de tintas, então comprou uma lata grande para pintar a varanda e voltou para casa totalmente alheio ao fato de que não havia comprado os ganchos, de que não havia terminado de organizar as ferramentas e de que havia começado, sem haver terminado, o conserto da janela do andar superior – que era o que realmente precisávamos! O que ele precisa é de um pouco mais de consciência daquilo que está fazendo. Talvez os remédios que receitou para as crianças possam ajudá-lo também. Com essa descrição feita pela esposa, podemos concluir que o problema central do TDA é essencialmente a falta de autoconsciência. Ela parece acreditar que se o marido fosse mais consciente daquilo que estava fazendo, não seria tão desorganizado, pulando de uma coisa para outra sem conseguir acabar nada daquilo que havia começado. A maioria das pessoas não requer uma constante autoconsciência para realizar tarefas. Para a maior parte delas, na maioria das vezes, as operações das funções executivas ocorrem automaticamente, fora do âmbito da percepção consciente. Por exemplo, enquanto estão dirigindo rumo ao supermercado, os motoristas experientes não repetem para si mesmos todos os estágios do processo. Não precisam ficar repetindo: “Agora vou colocar a chave na ignição, vou colocar o pé na embreagem, vou ligar o motor, agora vou conferir os retrovisores e me preparar para dar marcha a ré no carro”, etc. A maioria dos motoristas experientes passa, sem esforço algum, pelos estágios envolvidos no processo de dar a partida em um carro, dirigir no trânsito, nave- gar pelas rotas, observando a sinalização, procurar uma vaga e estacionar o carro. Na realidade, enquanto desempenham essas tarefas complexas podem até estar sintonizando os rádios de seus carros, ouvindo o noticiário, pensando naquilo que gostariam de comer no almoço e mantendo uma conversação com um passageiro. A execução eficiente das demandas múltiplas e simultâneas envolvidas no ato de dirigir o carro até o supermercado requer o uso extensivo das funções executivas, operando, na maioria das vezes, sem nenhum esforço consciente. Muitas outras tarefas rotineiras da vida diária – por exemplo, preparar um jantar, fazer compras no supermercado, fazer o dever de casa ou participar de uma reunião de negócios – envolvem semelhante tipo de auto-administração em seu planejamento, seqüência, monitoramento e execução. Mesmo assim, para a maioria das ações, na maioria das vezes, essa auto-administração opera sem o uso da consciência total ou da escolha deliberada. O problema com o marido “distraído” não é que ele não consiga pensar com clareza sobre aquilo que está fazendo, o problema é que os mecanismos cognitivos que deveriam ajudá-lo a permanecer centrado, sem ficar constantemente e conscientemente considerando alternativas, não estão funcionando de maneira eficiente. Gerald Edelman e Giulo Tononi (2000, p.57-58) descreveram o quanto da nossa vida cognitiva é o produto de rotinas totalmente automatizadas. Quando conversamos, ouvimos, lemos ou relembramos, estamos agindo como todos os pianistas bem-sucedidos. Quando lemos, acontecem todos os tipos de processos neurais que nos permitem reconhecer as letras, independentemente de seus tipos e tamanhos, para comprimi-las em palavras, permitindo o acesso léxico e observando a estrutura sintática. Houve, certamente, uma época em que tivemos que aprender, conscientemente e de maneira laboriosa, sobre as letras e as palavras, mas com o tempo esses processos ficaram totalmente automáticos e fáceis... Essa automação comum em nossas vidas adultas sugere que o controle consciente é exercido somente em situações críticas, quando uma escolha definida ou um plano tem que ser adotado. As rotinas inconscientes interme- TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO diárias são continuamente manifestadas e executadas para que a consciência possa existir livre de todos esses detalhes, desempenhando o plano e fazendo sentido do grande esquema das coisas [...] somente os últimos níveis do controle ou da análise são disponibilizados à consciência, enquanto tudo mais segue automaticamente. Até mesmo o exemplo mais fácil – o uso de um teclado de computador – ilustra esse ponto. Se podemos digitar fluentemente sem parar para selecionar conscientemente e pressionar cada tecla, a mente fica livre para formular idéias e convertê-las em palavras, sentenças e parágrafos que podem transmiti-las ao leitor. A interrupção do enfoque na idéia para pressionar uma tecla de cada vez pode custar tempo e esforço, não podendo ser feita com freqüência se pretendemos escrever de maneira produtiva. Grainne Fitzsimons e John Bargh (Fitzsimons e Bargh, 2004; Bargh, 2005) resumiram suas pesquisas mostrando que o progresso em muitas tarefas complexas está na habilidade de a pessoa desempenhar a maioria dessas tarefas usando tal “auto-regulação automática”. FUNÇÕES EXECUTIVAS E O SISTEMA DE SINALIZAÇÃO DO CÉREBRO O reconhecimento do extraordinário fato de que as funções executivas operam geralmente sem a percepção consciente oferece uma importante objeção ao uso do maestro de uma orquestra como uma metáfora para as funções executivas. Algumas pessoas podem ver minha metáfora de maneira literal e imaginar que existe uma consciência especial no cérebro que coordena outras funções cognitivas. Alguém pode imaginar um homem de baixa estatura, um homúnculo, uma central executiva em algum lugar por trás da fronte, exercendo o controle consciente sobre a cognição, como uma miniatura do Mágico de Oz. Portanto, se existe um problema com a performance da orquestra, podemos tentar falar com o maestro, pedindo ou demandando algumas mudanças. De fato, esse suposto “maestro” ou consciência controladora é, muitas vezes, o alvo de 27 encorajamento, apelo e demandas dos pais, professores e de outras pessoas, à medida que tentam ajudar aqueles que sofrem com o TDA. “Você só precisa focar e prestar atenção ao seu trabalho de escola, da mesma forma que você se concentra naqueles videogames que tanto adora jogar!” Eles dizem: “Você precisa acordar pela manhã e colocar em seus estudos o mesmo esforço e energia que demonstra quando está jogando hóquei!”. Aqueles que se preocupam com as pessoas portadoras do TDA e que testemunham, rotineiramente, seus fracos desempenhos em tarefas importantes, estimulam-nas a lidar com suas “impotências” diante daquelas tarefas, insistindo: “Faça um esforço! Podemos ver que você tem capacidade. É só uma questão de perceber aquilo que é realmente importante e de exercer sua força de vontade!”. Alternativamente, podem impor punição à pessoa com TDA ou envergonhá-la por seus fracassos após um malogrado esforço para realizar aquilo que esta se propôs a fazer. Esses críticos parecem imaginar que a pessoa com TDA precisa somente de alguém que fale de maneira enfática com o “maestro” de suas próprias operações mentais para conseguir os resultados desejados. Mas, na realidade, não existe nenhum maestro consciente dentro do cérebro humano. Mais ainda: cada indivíduo pode somente usar aquilo que está sendo disponibilizado pelas suas redes neurais. Se as redes neurais para as funções executivas estão comprometidas, como é o caso dos portadores de TDA, então aquele indivíduo pode estar proporcionalmente debilitado no gerenciamento de uma enorme gama de funções cognitivas, independentemente do quanto possa estar desejando o contrário. Existe atualmente considerável evidência de que as pessoas apropriadamente diagnosticadas com TDA sofrem de dificuldades significantes nas funções executivas do cérebro. Essas funções não estão todas localizadas em uma única área do cérebro; estão descentralizadas, com muitas delas sendo apoiadas por redes complexas dentro do córtex pré-frontal. Alguns componentes essenciais das funções executivas são apoiados pelas amígdalas e por outras estruturas subcorticais, enquanto outras 28 THOMAS E. BROWN funções executivas dependem da formação reticular e de porções do cerebelo, localizadas na região posterior do cérebro. A Figura 3.2, no Capítulo 3, mostra essas e outras regiões críticas e estruturas do cérebro. As redes neuronais complexas unem as várias estruturas no cérebro que mantêm as funções executivas. As rápidas mensagens de input e output viajam por essas redes através de impulsos elétricos de baixa voltagem que podem atravessar todo o sistema em um tempo menor que um milésimo de segundo. O movimento eficiente desses impulsos elétricos através da rede depende da rápida liberação e recaptação de neurotransmissores químicos, que transportam as mensagens através da sinapse, ou das conexões através dos neurônios, em um processo parecido com o salto da faísca de uma vela de um motor de automóvel. Para que esse trabalho seja feito, cada um dos 100 bilhões de neurônios no cérebro depende de um dos 50 ou mais neurotransmissores químicos produzidos no cérebro. Sem a liberação e captação eficientes do necessário neurotransmissor químico, aquela porção da rede neural não consegue transportar eficientemente suas mensagens. Existe atualmente considerável evidência de que as funções executivas do cérebro debilitado no TDA dependem primariamente, não exclusivamente, de dois transmissores químicos específicos: dopamina e norepinefrina. A evidência mais convincente da importância desses dois neurotransmissores nas dificuldades do TDA vem de estudos realizados com tratamento medicamentoso. Mais de 200 estudos bem-controlados têm demonstrado a eficiência de medicação estimulante no alívio dos sintomas do TDAH. Apesar desses medicamentos não serem eficientes para todas as pessoas com TDAH, funcionam com eficácia para aliviar os sintomas de TDAH em 70 a 80% dos casos diagnosticados. E as medicações usadas para tratar os sintomas de TDAH têm a tendência de aliviar muitos sintomas do TDAH simultaneamente. A ação primária da medicação usada para TDA é facilitar a liberação e inibir a recaptação da dopamina e da norepinefrina nas sinapses neurais das crucialmente importantes funções executivas. Como já foi enfatizado por Antonio Damásio (1994, p.197): Sem a atenção básica e uma memória de trabalho, não existe prospecto de atividade mental coerente [...] Elas são necessárias para o processo de raciocínio, durante o qual possíveis resultados são comparados, categorizações de resultados são estabelecidas e inferências são feitas. As medicações para o TDA ajudam na liberação da dopamina ou da norepinefrina através das fendas sinápticas entre os neurônios, permanecendo lá o tempo suficiente para passar a mensagem. As medicações que não agem vigorosamente para facilitar a liberação e bloquear a recaptação da dopamina e da norepinefrina têm a tendência à não eficiência no alívio dos sintomas do TDA. As melhoras produzidas por estimulantes geralmente podem ser vistas em 30 a 60 minutos após a administração de uma dose efetiva. Quando os efeitos da medicação são extenuados, os sintomas do TDA geralmente reaparecem nos níveis anteriores. Os estimulantes, portanto, não curam os sintomas; eles somente aliviam enquanto a medicação está ativa. Nesse sentido, portanto, tomar estimulantes não é como tomar doses de um antibiótico para erradicar uma infecção; é mais parecido com o efeito produzido por uma lente oftalmológica que corrija a visão por meio do seu uso, não sanando permanentemente a deficiência visual. Esse efeito tem sido demonstrado repetidamente em mais de 200 estudos duplo-cegos sobre o tratamento medicamentoso: isto é, nem os médicos nem os pacientes sabiam, durante o estudo, quem estava recebendo a medicação estimulante real e quem estava sendo tratado com placebos. Considerando o alívio às vezes dramático dos sintomas do TDA experimentado por 70 a 80% das pessoas diagnosticadas com TDA quando tomam medicação estimulante fica difícil sustentar a noção de que as dificuldades do TDAH são provocadas pela ausência da força de vontade das pessoas. Antes do início do tratamento medicamentoso, a maioria dos pacientes com TDAH fez esforços heróicos, porém muitas vezes erráticos, de melhorar suas TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO situações em relação à força de vontade. Normalmente, tais esforços são quase inúteis, se não totalmente, e não podem ser sustentados. Algumas pessoas argumentam que as melhoras nos sintomas do TDA requerem não somente força de vontade, mas também tratamentos comportamentais intensivos. Os resultados de uma enorme pesquisa realizada pelo National Institute of Mental Health (Instituto Nacional de Saúde Mental) (MTA, 1999) desafiaram essa suposição. No estudo realizado, 576 crianças diagnosticadas com TDAH foram selecionadas aleatoriamente para um dos quatro grupos, recebendo: • tratamento comportamental abrangente sem medicação alguma; • tratamento medicamentoso, cuidadosamente administrado, e nenhum outro tratamento; • uma combinação de tratamento comportamental abrangente com administração medicamentosa; ou • tratamento comunitário com um pediatra ou tipo similar de clínico da escolha da família. Os resultados desse estudo foram impressionantes. A medicação estimulante sozinha, cuidadosamente monitorada para cada criança, representou um auxílio significantemente superior à melhor bateria de apoios comportamentais que pôde ser desenvolvida sem medicação. O mais surpreendente é que as crianças que receberam o tratamento combinado (medicação e tratamento comportamental abran- 29 gente) não exibiram melhoras mais significativas de seus sintomas centrais de TDAH do que exibiram as crianças tratadas somente com medicação cuidadosamente administrada. Os tratamentos combinados foram mais eficientes com alguns problemas relacionados, mas tratamentos não-medicamentosos, até mesmo os mais eficientes, não melhoraram os sintomas centrais do TDAH tanto quanto o tratamento medicamentoso cuidadosamente administrado. Esse estudo, descrito juntamente com muitos outros no Capítulo 9, permanece como evidência convincente de que as dificuldades da atenção e da memória, associadas com o TDAH, resultam primariamente do mau funcionamento em partes das redes neurais do cérebro que dependem de dopamina e de norepinefrina. Existe muito mais ainda a ser conhecido sobre como as complicadas redes neurais do cérebro operam para sustentar a ampla gama de funções envolvidas com a “atenção”. Ainda assim, fica claro que as dificuldades das funções executivas, aqueles processos do cérebro que organizam e ativam o que geralmente conhecemos como atenção, não são o resultado de insuficiente força de vontade. Portanto, na realidade não existe uma resposta ao mistério da desatenção, ilustrado pelas experiências de Larry e de Mônica. As dificuldades químicas neurais das funções executivas do cérebro fazem com que alguns indivíduos que são bons em prestar atenção em atividades específicas que os interessam, tenham dificuldades crônicas no foco para muitas outras tarefas, apesar de seus desejos e intenções contrários.