Estereótipos e estigmatização, Discriminação e preconceito

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Estereótipos e estigmatização, Discriminação e preconceito;
Multiculturalismo e políticas de reconhecimento
“O etnocentrismo consiste em julgar, a partir de padrões culturais próprios,
como “certo” ou “errado”, “feio” ou “bonito”, “normal” ou “anormal”, os
comportamentos e as formas de ver o mundo dos outros povos, desqualificando suas
práticas e até negando sua humanidade. Assim, percebemos como o etnocentrismo se
relaciona com o conceito de estereótipo, que consiste na generalização e atribuição de
valor (na maioria das vezes, negativo) a algumas características de um grupo,
reduzindo-o a essas características e definindo os “lugares de poder” a serem ocupados.
É uma generalização de julgamentos subjetivos, feitos em relação a um determinado
grupo, impondo-lhe o lugar de inferior e de incapaz, no caso dos estereótipos negativos.
No cotidiano, temos expressões que reforçam os estereótipos: “tudo farinha do mesmo
saco”; “tal pai, tal filho”; “só podia ser mulher”; “nordestino é preguiçoso”; “serviço de
negro”; e uma série de outras expressões e ditados populares específicos de cada região
do país.”(Curso de especialização em gênero e sexualidade/Organizadores:
Carrara,Sérgio…[et al]. – Rio de Janeiro: CEPESC;Brasília, DF : Secretaria especial de
políticas públicas para as mulheres, 2010.)
Os estereótipos são também uma maneira de “biologizar” as características de
um grupo, isto é, considerá-las como fruto exclusivo da biologia, da anatomia. O
processo de naturalização ou biologização das diferenças étnico-raciais, de gênero ou de
orientação sexual, que marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição da
cidadania a negros, mulheres e homossexuais. (Curso de especialização em gênero e
sexualidade/Organizadores:
Carrara,Sérgio…[et
al].
–
Rio
de
Janeiro:
CEPESC;Brasília, DF : Secretaria especial de políticas públicas para as mulheres,
2010.)
Uma das justificativas, até o início do século XX, para a não extensão às
mulheres do direito de voto, baseava-se na idéia de que elas possuíam um cérebro
menor e menos desenvolvido do que o dos homens.A homossexualidade, por sua vez,
era tida como uma espécie de anomalia da natureza, ou seja, uma doença. Nas
democracias modernas, desigualdades naturais podiam justificar o não acesso pleno à
cidadania. No interior de nossa sociedade, encontramos ainda uma série de atitudes
etnocêntricas. Muitos acreditaram que havia várias raças e sub-raças, que
determinariam, geneticamente, as capacidades das pessoas, hoje sabemos que isso não é
verdade. (Curso de especialização em gênero e sexualidade/Organizadores:
Carrara,Sérgio…[et al]. – Rio de Janeiro: CEPESC;Brasília, DF : Secretaria especial de
políticas públicas para as mulheres, 2010.)
Em se tratando de Brasil, não podemos deixar de falar nas religiões de matriz
africana, como o candomblé e umbanda, resultado do sincretismo religioso. O sacrifício
animal em algumas crenças afro-brasileiras tem sido considerado sinônimo de barbárie,
por praticantes de outros credos. Trata-se, contudo, simplesmente de uma forma
específica para que homens/mulheres entrem em contato com o divino, com os deuses,
nesses casos, os orixás, cada qual com sua preferência, no que diz respeito ao ritual de
oferenda. Outras religiões pregam formas diversificadas de contato com o divino,
classificando e condenando as práticas do candomblé, como “erradas” e “bárbaras”, ou
como “feitiçaria”. (Curso de especialização em gênero e sexualidade/Organizadores:
Carrara,Sérgio…[et al]. – Rio de Janeiro: CEPESC;Brasília, DF : Secretaria especial de
políticas públicas para as mulheres, 2010.)
“O preconceito de alguns segmentos religiosos tem levado seus seguidores a
atacar e desrespeitar os chamados “terreiros”. O espiritismo kardecista, hoje praticado
nas mais distintas partes do Brasil, foi durante muito tempo perseguido por aqueles que,
adotando um ponto de vista católico ou médico, afirmavam serem as práticas espíritas
próprias de charlatães. Se boa parte dos/as brasileiros/as se define como católica, a
verdade é que somos um país cruzado por múltiplas crenças, havendo divergências até
mesmo no interior do próprio catolicismo: somos um país plural. A Constituição
Brasileira garante a liberdade religiosa e de crença, e as instituições devem
promover o respeito entre os/as praticantes de diferentes religiões, além de preservar o
direito daqueles/as que não adotam qualquer prática religiosa. No entanto, é bastante
comum encontrarmos crianças e adolescentes que exibem, com orgulho, para seus/suas
educadores/as, os símbolos de sua primeira comunhão, enquanto famílias que cultuam
religiões de matriz africana são pejorativamente1 chamadas de “macumbeiras”, sendo
discriminadas por suas identidades religiosas.” (Curso de especialização em gênero e
sexualidade/Organizadores: Carrara,Sérgio…[et al]. – Rio de Janeiro: CEPESC;
Brasília, DF : Secretaria especial de políticas públicas para as mulheres, 2010.)
O preconceito relativo às práticas religiosas afro-brasileiras está profundamente
arraigado2 na sociedade brasileira, por essas práticas estarem associadas a negros e negras, grupo historicamente estigmatizado e excluído, e cujos cultos seriam contrários ao
cristianismo europeu. Vale lembrar que expressões culturais de matriz afro-brasileira
como o samba, a capoeira e o candomblé foram, durante décadas, proibidos e
perseguidos pela polícia. Isso mostra que essas práticas foram incorporadas aos
símbolos nacionais no interior de processos extremamente complexos. O caso mais
evidente é o samba, que de “música de negros/as” passou a ser caracterizado como
“música nacional”. As religiões afro-brasileiras, no entanto, ainda enfrentam um
profundo preconceito por parte de amplos setores da sociedade: há quem considere o
candomblé como “dança folclórica”, negando seu conteúdo religioso; há também quem
o caracterize como “prática atrasada”. Em ambos os casos, seu caráter de religiosidade é
negado e não tomado no mesmo padrão de igualdade de outras práticas e crenças.
(Curso de especialização em gênero e sexualidade/Organizadores: Carrara,Sérgio…[et
al]. – Rio de Janeiro: CEPESC;Brasília, DF : Secretaria especial de políticas públicas
para as mulheres, 2010.)
Questões de gênero, religião, raça/etnia ou orientação sexual e sua combinação
direcionam práticas preconceituosas e discriminatórias da sociedade contemporânea. Se
o estereótipo e o preconceito estão no campo das idéias, a discriminação está no campo
da ação, ou seja, é uma atitude. É a atitude de discriminar, de negar oportunidades, de
negar acesso, de negar humanidade. Nessa perspectiva, a omissão e a invisibilidade
também são consideradas atitudes, também se constituem em discriminação. (Curso de
especialização em gênero e sexualidade/Organizadores: Carrara,Sérgio…[et al]. – Rio
de Janeiro: CEPESC;Brasília, DF : Secretaria especial de políticas públicas para as
mulheres, 2010.)
Cada grupo social tende a adotar determinada postura frente ao outro, essa seria
justamente sua forma de representação. A afirmação social de uma representação tem
como base fundamental a ação e a comunicação. Ela encadeia pensamento e linguagem
o que permite a compreensão do mundo e assimilação das relações que nele se
estabelecem.
Para compreendermos quem somos em grupo, como coletividade, ou quem
somos individualmente, como indivíduos, dependemos da interpretação e do
1
2
Diz-se de vocábulo de sentido torpe, obsceno ou desagradável – dicionário Aurélio.
Enraizado.
reconhecimento que nos é dado pelos outros. “Ninguém pode edificar a sua própria
identidade independentemente das identificações que os outros fazem dele” Habermas
(1983).
O reconhecimento pelos outros é uma necessidade humana, já que o ser humano
é um ser que só existe através da vida social . De acordo com Taylor3 (1994), “um
indivíduo ou um grupo de pessoas podem sofrer um verdadeiro dano, uma autêntica
deformação se a gente ou a sociedade que os rodeiam lhes mostram como reflexo, uma
imagem limitada, degradante, depreciada sobre ele.”
Um falso reconhecimento é uma forma de opressão. A imagem que construímos
muitas vezes sobre os portadores de deficiências, prostitutas, homossexuais, etc. é
deprimente e humilhante e causa-lhes sofrimento e humilhação, ainda mais por que tais
representações depreciativas são construídas quase sempre para a legitimação da
exclusão social e política dos grupos discriminados.Segundo Taylor (1994), “a projeção
sobre o outro de uma imagem inferior ou humilhante pode deformar e oprimir até o
ponto em que essa imagem seja internalizada”.
“O preconceito seja ele do tipo que for, é um atestado de insegurança, de
autoritarismo, de absolutismo intelectual, enquadrando automaticamente em categorias
classificatórias e pejorativas tudo aquilo que represente diferença. No fundo, viver em
democracia está na proporção direta do quanto somos pessoal e coletivamente capazes
de superar os nossos medos.
O estereótipo é simplesmente o "rótulo" com que costumamos classificar certos
grupos de pessoas, e é muito mais comum do que possa parecer. É introduzido no seio
da sociedade e se agrega a psique4 das pessoas por meio de anedotas, frases feitas,
contos populares etc, pois, desde a mais tenra idade, as pessoas são condicionadas a
acreditar que certos grupos de pessoas estão ligados a determinados atributos ou
características.” (Otávio B. Lopes)
As sociedades contemporâneas são heterogêneas, ou seja, compostas por
diferentes grupos humanos, classes e identidades culturais em conflito. Vivemos em
sociedades nas quais os diferentes estão constantemente em contato.
Antes de adentrarmos no tema Multiculturalismo vale a pena ressaltar uma
distinção bastante útil entre “preconceito” e “discriminação” traçada pelo juiz federal
brasileiro Roger Raupp Rios, onde ele procura fixar o sentido específico de tais conceitos:
Por preconceito, designam-se as percepções mentais negativas em face de
indivíduos e de grupos socialmente inferiorizados, bem como as representações conectadas
a tais percepções. Já o termo discriminação designa a materialização, no plano das
relações sociais, de atitudes arbitrárias, comissivas ou omissivas, relacionadas ao
preconceito, que produzem violação de direitos dos indivíduos e dos grupos. O primeiro
termo é usado largamente nos estudos acadêmicos, principalmente na psicologia e muitas
vezes nas ciências sociais; o segundo, mais difundido no vocabulário jurídico (Rios, 2009,
p 54. In Curso de especialização em gênero e sexualidade/Organizadores:
Carrara,Sérgio…[et al]. – Rio de Janeiro: CEPESC;Brasília, DF : Secretaria especial de
políticas públicas para as mulheres, 2010.)
É importante destacar que o preconceito e a discriminação operam e são produzidos
em processos sociais que ocorrem tanto nas relações entre diferentes grupos sociais, quanto
dentro de um mesmo grupo. (Curso de especialização em gênero e
sexualidade/Organizadores:
Carrara,Sérgio…[et
al].
–
Rio
de
Janeiro:
CEPESC;Brasília, DF : Secretaria especial de políticas públicas para as mulheres,
2010.)
3
Filósofo e pensador político.
4
Psique era o conceito grego para o self ("si-mesmo"), abrangendo as ideias modernas de alma, ego e mente.
Destacaremos aqui a definição de “estigma”, elaborada pelo sociólogo norteamericano Erving Goffman (1963), para ele, ao sermos apresentados a um desconhecido,
nele podemos perceber ou descobrir características que o tornam “diferente”, fazendo que
não preencha as expectativas que temos a partir do modo como categorizamos socialmente
as pessoas. Um estigma diz respeito a uma qualidade ou marca socialmente desaprovada ou
desvalorizada, cuja posse faz com que um indivíduo seja socialmente colocado à parte,
compreendido como inferior e/ou indesejável. Ou seja, o conceito de estigma refere-se a um
processo psicossocial através do qual determinadas pessoas são rejeitadas pelo grupo social
a que pertencem, deixando de ser consideradas como uma pessoa comum. Delas geralmente
se passa a esperar e apreciar apenas o que está relacionado à marca socialmente negativa
que carregam. Acabam reduzidas, do ponto de vista do senso comum, a seres maus,
perigosos ou fracos. Essa marca é um estigma, especialmente quando os efeitos dessa
desvalorização são muito extensivos e constituem uma discrepância significativa entre o
que é socialmente esperado de uma pessoa e como ela é, se sente ou se apresenta.
A estigmatização de certas pessoas ou grupos é parte de um processo social que, no
contexto mais amplo das relações de poder e de dominação, produz e reproduz as
desigualdades, ou seja, o acesso diferencial aos bens materiais e simbólicos disponíveis em
determinada sociedade. Pessoas e grupos estigmatizados são, portanto, os objetos
privilegiados de atitudes preconceituosas e práticas discriminatórias. Cebe destacar que não
há causas para a discriminação ou para o preconceito que antecedam ou estejam fora das
relações sociais.
O preconceito e a discriminação são abordados pelas ciências humanas e sociais
como fenômenos singulares, cujas manifestações são diversas e podem dizer respeito à raça,
à etnia, à sexualidade, ao gênero, à idade, à geração ou ao pertencimento religioso, entre
outras dimensões da experiência social.
Multiculturalismo
O autor Stuart Hall 5(2003) identifica pelo menos seis concepções diferentes de
multiculturalismo 6 na atualidade, e sendo assim devemos falar em multiculturalismos.
“Podemos definir multiculturalismo como uma série de ações institucionais
desenvolvidas na sociedade civil (a população organizada em associações, sindicatos,
centros comunitários etc.) e nos diversos níveis de poder da República, ações voltadas
para a compreensão do problema das diferenças e para a elaboração de projetos capazes
de fazer frente aos mecanismos que permitem a reprodução das desigualdades, por isso
mesmo Hall identificou seis concepções diferentes. A palavra multiculturalismo é um
termo típico do contexto do mundo globalizado e constitui um dos mecanismos para
lutar contra toda forma de intolerância e em favor de políticas públicas capazes de
garantir os direitos civis e básicos a todos (Mortari, 2002).
Os multiculturalismos nos ensinam que reconhecer a diferença é reconhecer que
existem indivíduos e grupos que são diferentes entre si, mas que possuem direitos
5
6
Teórico cultural.
1. Multiculturalismo conservador: os dominantes buscam assimilar as minorias diferentes às tradições e costumes
da maioria;
2. Multiculturalismo liberal: os diferentes devem ser integrados como iguais na sociedade dominante. A cidadania
deve ser universal e igualitária, mas no domínio privado os diferentes podem adotar suas práticas culturais
específicas;
3. Multiculturalismo pluralista: os diferentes grupos devem viver separadamente, dentro de uma ordem política
federativa;
4. Multiculturalismo comercial: a diferença entre os indivíduos e grupos deve ser resolvida nas relações de mercado e
no consumo privado, sem que sejam questionadas as desigualdade de poder e riqueza;
5. Multiculturalismo corporativo (público ou privado): a diferença deve ser administrada, de modo a que os interesses
culturais e econômicos das minorias subalternas não incomodem os interesses dos dominantes;
6. Multiculturalismo crítico: questiona a origem das diferenças, criticando a exclusão social, a exclusão política, as
formas de privilégio e de hierarquia existentes nas sociedades contemporâneas. Apóia os movimentos de resistência e
de rebelião dos dominados.
correlatos, e que a convivência em uma sociedade democrática depende da aceitação da
idéia de compormos uma totalidade social heterogênea na qual:
a) não poderá ocorrer a exclusão de nenhum elemento da totalidade;
b) os conflitos de interesse e de valores deverão ser negociados pacificamente;
c) a diferença deverá ser respeitada.
A política do reconhecimento e as várias concepções de multiculturalismo nos
ensinam, enfim, que é necessário que seja admitida a diferença na relação com o outro,
tolerar e conviver com a diversidade em harmonia, respeitando as diferenças.
O Brasil é um país plural e este é o caráter da sociedade e da cultura brasileira.
Assim, quando se pensa uma cultura peculiar como a nossa, a existência de diversas
formas culturais expressa realidades diferentes, ligadas à intensa diversidade interna do
país. Essa diversidade de cultura interna da sociedade brasileira envolve modos diversos
de viver que devem ser estudados sem etnocentrismos, o que auxiliará a compreensão
das diversas culturas e o conseqüente respeito a elas, superando os preconceitos.
Fala-se sobre o respeito às “diferenças”, a diversidade e o direito de todos à
cidadania, o que aparenta, de fato, que qualquer um pode apossar-se desse discurso, que
não só é aprazível, humanitário, solidário como também muito fácil de casar com o
discurso neoliberal da atual sociedade, na qual há um mercado para tudo, e, portanto,
um espaço “para todos”.
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