trabalho complexo e degradado: a realidade de uma

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TRABALHO COMPLEXO E DEGRADADO: A
REALIDADE DE UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA
DE UM HOSPITAL PÚBLICO NO RIO DE JANEIRO
Elliane Villas Bôas de Freitas Penteado
Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana-CESTEH/
FIOCRUZ Av. Leopoldo Bulhões, 1490 Manguinhos Rio de Janeiro/RJ 21041-210
Anísio José da Silva Araújo
Universidade Federal da Paraíba/Depto. de Psicologia e CESTEH/FIOCRUZ
Cidade Universitária Campus I João Pessoa/Pb 58059-900
Elaine Duim Martins
CESTEH/FIOCRUZ
Maria das Graças Mota Melo
CESTEH/FIOCRUZ
Lolita Dopico da Silva
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rua São Francisco Xavier, 524 Maracanã Rio de Janeiro/RJ 20559-900
Abstract: This study was develloped at the newborn and pediatric Intensive Care Unity at
Bonsucesso’s General Hospital in Rio de Janeiro, and tried to analyse the possible relationships
between technology, work process and health, since this unity operates with an advanced health
technology. A qualitative methodology was applied, and it consisted of semi-structured interviews
and observations at the work place. Among the verified situations, some stand out: a precarious
planning of theIintensive Care Unity’s implementation, where workers were excluded from the
technological-organizational design; the technological apparatus has a deteriorated operation,
almost without chance of being managed; reduction of number of workers, wich implies in a reduction
of the service’s quality and workers overload. The observed transfer of technology ilustrates a series
of problems poitend by Antropotechnology. The verified situation occurs in a a setting where a State
Reformation is taking place, where the main strategy is the dismanteling of the public sector. But, it
also reflects archaic management practices, potentialized by the recent changes.
Área: Ergonomia e Segurança do Trabalho: Organização do Trabalho.
Palavras-chaves: New technologies in health. Deteriorated operation. Antropotechnology
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo foi realizado no Hospital Geral de Bonsucesso
(HGB) em 1997, um hospital público de grande porte integrado ao Sistema Único de
Saúde (SUS) e com uma clientela majoritariamente oriunda das zonas norte e oeste
do município do Rio de Janeiro. Mais especificamente focalizamos a Unidade de
Terapia Intensiva (UTI) Neonatal e Pediátrica desse hospital, na qual nos
propusemos a verificar as possíveis relações entre Tecnologia, Processo de Trabalho
e Saúde. A metodologia utilizada compreendeu basicamente entrevistas semi-
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estruturadas aplicadas aos diferentes profissionais do setor e observação no local de
trabalho. Os principais pontos abordados foram: organização do trabalho (divisão de
funções, linhas de comando, composição e atribuição das equipes, jornada de
trabalho, etc.); processo de trabalho (complexidade, materiais e equipamentos,
ritmos, etc.) e emprego de tecnologia na assistência à saúde e suas implicações.
A UTI Neonatal e Pediátrica destina-se ao atendimento de recémnatos (0 a 29 dias) e crianças (30 dias a 14 anos) em risco de vida com problemas
graves de saúde relacionados à prematuridade, a doenças congênitas com repercussão
hemodinâmica, a doenças infecciosas, a diversos tipos de lesões traumatoortopédicas, intoxicações, etc. Necessita, portanto, de recursos da área de saúde com
alta tecnologia, associados à atenção e cuidados intensivos.
A UTI neonatal possui capacidade para até oito incubadoras e
equipamentos como respiradores, bombas de infusão, oxímetros, monitores
cardíacos, etc. 95% da clientela é de prematuros ou neonatos, oriundos da
maternidade do hospital.
A UTI pediátrica possui capacidade para cinco leitos e a clientela é
constituida de crianças procedentes da emergência ou do setor pediátrico do hospital
ou, ainda, transferidas de outra instituição. Os equipamentos de suporte são os
mesmos já citados.
O setor tem funcionamento ininterrupto e sua equipe é composta por
médicos, enfermeiros diaristas, plantonistas e auxiliares de enfermagem plantonistas.
Os diaristas possuem jornada de trabalho de 6 horas (nos turnos da manhã ou tarde) e
os plantonistas de 12 horas (divididas em plantões de 7-19 horas e de 19-7 horas,
com 60 horas de descanso).
A equipe de trabalho da UTI foi estruturada em dezembro de 1995,
com aproximadamente 80% dos funcionários recém-contratados através de concurso
público. Os 20% restantes eram funcionários antigos do hospital. Devido a diferenças
contratuais, o salário do grupo antigo é quase duas vezes maior do que o salário dos
recém-admitidos.
Atualmente esta composição apresenta-se defasada devido a uma
evasão de aproximadamente 30% dos funcionários da instituição. Este déficit de
pessoal é explicado pela política de enxugamento do setor público operada através
de: programas de incentivo a exoneração voluntária, proibição de acumulação de
vínculos, aposentadorias precoces, outras possibilidades de vínculos através de
fundações e cooperativas hospitalares, além de baixos salários. Essa carência de
pessoal tem ocasionado, entre outros efeitos, a queda na qualidade da assistência ao
paciente, a redução do número de internações, sobrecarga de trabalho para os
funcionários. Não há uma previsão, a curto prazo, de recuperação deste déficit, uma
vez que o mecanismo de admissão de funcionários é através de concurso.
Os funcionários têm atribuições previamente estabelecidas de acordo
com a atividade desenvolvida. Ao médico cabe o exame clínico e a solicitação de
exames para estabelecimento do diagnóstico e a prescrição de medicamentos. Alguns
procedimentos são de sua exclusiva competência, como entubação e cateterismos
profundos.
São atribuições do enfermeiro a realização de cateterismo nasogástrico
e vesical, a aspiração de tubo orotraqueal, punção venosa profunda com dispositivo
jelco. A enfermeira diarista faz a previsão e provisão de material de consumo da
unidade. Também controla material permanente e psicotrópicos. Além disso é
responsável pela revisão das rotinas e protocolos e pelo treinamento em serviço de
auxiliar e enfermeiro (sobre equipamentos e técnicas de procedimentos). Avalia,
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igualmente, os equipamentos com defeitos para providências de manutenção interna
ou externa.
O auxiliar de enfermagem realiza cuidados de rotina como verificação
de sinais vitais, aspiração de tubos e das vias aéreas superiores, fornecimento das
medicações, cuidados de higiene dos pacientes, entre outros procedimentos.
2. DESCRIÇÃO DOS DADOS
A UTI foi inaugurada em março de 1996 e na área física onde foi
instalada funcionava o antigo setor de dermatologia, conversão que, obviamente,
exigiu algumas adaptações.
Por razões de economia, as UTIs neonatal e pediátrica foram
unificadas, quando deveriam ser separadas, já que o tratamento de um recém-nascido
difere bastante em complexidade do tratamento de uma criança. Esse fato acarretou
problemas de adaptação para a equipe, já que os médicos dispunham de experiência
ou em neonatologia ou em pediatria, ou até em nenhuma dessas especialidades
A disposição prevista inicialmente para os leitos foi modificada, pois
havia mais vagas pediátricas que neonatais, quando a demanda era inversa.
A equipe recebeu um treinamento teórico em janeiro de 1996 com
duração de aproximadamente 45 dias. O treinamento abordou as patologias mais
comuns nesse tipo atividade e informações sobre a estrutura organizacional da
instituição. Não houve treinamento paralelo em relação aos equipamentos utilizados
na UTI. O aprendizado sobre a aparelhagem ocorreu com a UTI já em
funcionamento. As informações fornecidas pelos técnicos, quando da instalação dos
equipamentos (duas semanas antes da inauguração da UTI), não foram consideradas
suficientes. Além disso, os manuais dos aparelhos não estão disponíveis
(desapareceram), o que impede uma melhor compreensão do funcionamento dos
mesmos.
2.1 - Equipamentos/materiais
Adiante uma descrição dos equipamentos disponíveis na UTI seguida
dos problemas detectados em cada um deles.
Incubadora: o modelo disponível na UTI possui tecnologia moderna,
com informações digitalizadas, de fácil visualização e com sistema de alarme
sonoros. É utilizada para manutenção e controle da temperatura corporal, evitando
consumo energético. Esta regulação térmica é feita de duas maneiras: através do
controle da temperatura ambiente da incubadora e através do controle da temperatura
corporal por um sensor, que é colocado em contato com a pele do recém-nascido.
Situação atual: os sensores deste equipamento não estão mais
disponíveis, pois foram danificados devido ao uso inadequado pelos funcionários da
unidade (não foram devidamente orientados quanto a sua utilização). Essa falha foi
percebida devido a não correspondência entre a temperatura programada e a
detectada. Isso teve agravos para os pacientes, uma vez que essa percepção se deu
quando da utilização do equipamento. O controle da própria incubadora também não
é fidedigno e os funcionários são obrigados a colocar a mão no seu interior, para
assegurar-se de que não esteja ocorrendo um superaquecimento.
Oxímetro: é um aparelho com dispositivo fotoelétrico utilizado para
verificar a saturação de oxigênio capilar sanguíneo. Informa a percentagem de
oxigênio no sangue e, indiretamente, em circulação. Possui um sensor com célula
fotoelétrica colocado em uma extremidade do corpo, geralmente no dedo do pé. O
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oxímetro utilizado no setor possui painel digital com informações diversas, tais como
frequência cardíaca, curva de oxigenação, fluxo de O2, entre outras. O setor dispõe
de quatro equipamentos desse tipo.
Situação atual: é um tipo de aparelho que sofre interferências por
diversas razões, dentre as quais podemos destacar: colocação inadequada do sensor,
variação de luminosidade, mau contato com a tomada, etc.
Monitor cardíaco: é utilizado para verificar o funcionamento elétrico
do músculo cardíaco. Informa o ritmo e a frequência dos batimentos cardíacos
através de representação gráfica. A captação dos estímulos elétricos é feita com
sistema de eletrodos posicionados na pele. O modelo utilizado na UTI é
microcomputadorizado e possui oxímetro acoplado. Informa diversos parâmetros
hemodinâmicos simultaneamente e possui sistema de alarmes sonoros. Entretanto,
seu custo é alto e na unidade há somente dois.
Bomba infusora: tem como função realizar infusão venosa de
medicação controlada com ajuste de tempo e com velocidade constante. A UTI
dispõe de dois tipos de bomba: a de seringa e a peristáltica. A primeira é utilizada
para soluções de medicação com pequeno volume e que devem ser administradas
lentamente. Já a peristáltica é utilizada para infusão de soluções de medicamentos
diluídos em frascos de soro conectados a equipos. A bomba em uso no setor possui
sistema de alarme sonoro e 25 tipos de sinais digitais de informações sobre seu
funcionamento.
Situação atual: o mau funcionamento da bomba de seringa, devido ao
modelo adquirido e problemas na sua utilização, provocou casos de insuficiência
cardíaca congestiva e de hiperglicemia, não tendo, entretanto, ocasionado óbitos.
Necessita, portanto, uma observação freqüente do seu funcionamento. Esse tipo de
equipamento é vulnerável a problemas de diversas ordens. Se cair líquido no carrinho
e ocorrer formação de cristais, por exemplo, pode travar ou acelerar a velocidade de
infusão com conseqüente aumento da carga volêmica da criança, ou até mesmo a não
administração da medicação.
Em relação à bomba peristáltica, se esta não for bem posicionada,
trava e impede o fornecimento de líquido para o paciente, embora não haja risco de
fornecimento excessivo.
Respirador: o respirador ou ventilador mecânico é utilizado nos casos
de insuficiência respiratória, quando o doente não consegue manter respiração
espontânea suficiente para suas necessidades. Seu funcionamento depende de uma
fonte de oxigênio com controle de níveis de pressão. O painel possui mostradores
luminosos, várias possibilidades de ajustes e sistema microprocessado de alarmes
luminosos e sonoros.
Situação atual: esse tipo de equipamento pode apresentar diversos
tipos de problema, como falha na ciclagem (interrupção do ciclo respiratório) se
alguma peça se desconecta. Por algum tempo os respiradores foram uma incógnita
para os profissionais, que não sabiam como usá-los. Dos cinco respiradores da UTI,
um está parado há seis meses sem conserto.
As rotinas de serviço que foram elaboradas pela enfermagem, estão
sendo reformuladas de modo gradativo, pois não contemplam o funcionamento dos
equipamentos, destinando-se apenas a condutas terapêuticas de acordo com as
diversas patologias.
A falta de equipamentos e material de reposição é um dos problemas
mais graves do setor. Para contornar esse deficit os médicos se vêem obrigados a
aplicar tratamentos mais complexos quando outros mais simples poderiam ser
indicados. Transtornos diversos resultam dessa situação: o tempo de internação dos
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pacientes, em muitos casos, acaba sendo ampliado; o número de internações é
restringido, etc. Um outro problema diz respeito à necessidade de medicamentos
importados para tratamento dos pacientes, que o hospital não adquire em razão da
obrigatoriedade de se promover licitações.
Constantemente necessita-se recorrer a outros setores do hospital ou a
outras instituições para conseguir material "emprestado", o que nem sempre é
possível.
Uma das carências mais graves é a de um eletroencefalograma, o que
impossibilita, por exemplo, a confirmação da morte cerebral do paciente, cujo perfil
clínico aponte para essa hipótese. Há até pouco tempo esse diagnóstico vinha sendo
feito através de tomografia mas, atualmente não há filme para o tomógrafo.
A UTI tem equipamento de pressão intracraniana, mas falta equipo
para o uso deste aparelho. A mesma situação se constata em relação às bombas
infusoras. Falta imunoglobulina. Não há catéter percutâneo em quantidade suficiente.
Já equipamentos como gasometria, raios-x de beira de leito, oxímetro de pulso,
monitor cardíaco existem em quantidade suficiente.
Um outro problema colabora para a falta de equipamentos, os casos de
furto. Do material adquirido inicialmente para a UTI, desapareceram um aparelho de
eletroencefalograma, dois oxímetros de pulso e duas bombas infusoras.
Também o sistema de ar comprimido apresentou problemas no início.
Por uma falha na instalação permitia a entrada de água, o que podia comprometer o
tratamento dos pacientes. Os profissionais "rezavam" para a água não entrar no
chicote. Somente quando a direção foi pressionada pelo custo das balas de ar
comprimido consumidas na substituição do ar da rede, é que o compressor foi
consertado.
3. ANÁLISE DOS DADOS
A partir dos materiais levantados na visita realizada ao HGB faremos
a seguir algumas considerações iniciais recorrendo, sobretudo, a conceitos oriundos
da Ergonomia Situada. Esses conceitos, apesar de formulados a partir de estudos
envolvendo indústrias de processo contínuo, nos parecem pertinentes para analisar o
trabalho realizado na UTI em pauta. Segundo Lima (1992) a Ergonomia Situada,
enquanto disciplina científica, tem como objeto de estudo o funcionamento do
homem em atividade profissional. O seu interesse dirige-se, portanto, para o “homem
em situações reais de trabalho, cada vez mais compreendidas na sua globalidade e
complexidade social” (Lima: 1992, 32).
3.1 - O caráter coletivo do trabalho
A atividade coletiva ocorre quando a execução de uma tarefa demanda
a intervenção coordenada de vários operadores, em um mesmo lugar ou até em locais
diferentes. Desnoyers (apud Athayde, 1996) caracteriza-a como a que é conduzida
por um conjunto de operadores em torno de uma mesma meta, que coordenam sua
atividade e cooperam.
É ainda Athayde (1996) que, a partir de Leplat, identifica alguns
sinais da presença de uma atividade coletiva: as formas de comunicação, a existência
de regras (não-escritas, negociadas) e da cooperação/coordenação no
desenvolvimento da atividade. No que tange as suas funções Athayde (1996) destaca
as de regulação social (prevenir, recuperar ou reduzir as consequências de conflitos
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sobre os resultados); de planificação das operações; de adaptação do prescrito ao
real; de construção da perícia (representação esquemática); de auxílio na tomada de
decisão; de regulação da carga de trabalho. O objetivo é viabilizar o sistema de
produção, reduzir a complexidade e prever/prevenir/detectar/recuperar
disfuncionamentos.
Duarte (1994) identifica a dimensão coletiva nas indústrias de
processo contínuo pela intensa comunicação verificada entre os operadores, o que
permite cumprir funções como tomada de informações, coordenação de atividades
entre diferentes operadores e equipes de trabalho, negociação de objetivos, entre
outras. Elas tem por meta gerar uma representação compatível com o estado do
processo (referencial comum).
A partir desse breve quadro teórico sobre coletivo, podemos tecer
alguns comentários a partir da visita ao HGB. Em primeiro lugar, há que se ressaltar,
enquanto característica central do trabalho na UTI visitada, o fato de lidar com casos
complexos, obviamente com um nível de exigência bastante superior à prática
corriqueira. São casos em que os procedimentos e condutas não se definem de forma
imediata. É de se supor, portanto, que o diagnóstico e as decisões necessitem de uma
construção coletiva (a representação comum). Isso estaria a demandar um
permanente compartilhamento dos saberes de maneira a assegurar um
encaminhamento o mais pertinente possível. O que nos pareceu, entretanto, é que a
rígida demarcação entre as categorias presentes no trabalho hospitalar, e mais ainda
no caso de UTIs, dificulta essa troca, quando muito limitando-a a equipe médica e a
situações de urgência. No mais das vezes é a intervenção individualizada dos vários
profissionais que prevalece, e a noção de obra que deveria predominar, mostra-se
enfraquecida. Isso não significa evidentemente que não deva existir repartição de
tarefas, porém, na abordagem dos diversos casos o saber coletivo precisaria ser
mobilizado de modo a resultar numa ação a mais adequada possível.
3.2 - A Antropotecnologia
Inegavelmente o exemplo sobre o qual nos debruçamos é fartamente
ilustrativo do que a Antropotecnologia tem a nos dizer, sobretudo se levarmos em
conta o fato de que na UTI visitada o aparato tecnológico desempenha um importante
papel nos procedimentos terapêuticos. Segundo Wisner (1993:34) “o objetivo da
antropotecnologia é modificar os sistemas técnicos e organizacionais e não mudar a
realidade humana, seja ela biológica ou cultural”. Refere-se, portanto, a adaptação da
tecnologia a realidade do país que a adquire. Entre os fatores a serem considerados
num processo de transferência tecnológica destacam-se segundo Goldenstein (1997):
a qualidade do tecido social (nível de instrução, competências, familiaridade com
novas tecnologias); tecido industrial: fábricas para parcerias, empresas de
manutenção; ambiente econômico do país e região; condições geográficas (clima);
Modo Degradado de Funcionamento (MDG).
É importante, igualme0nte, precisar a noção de Modo Degradado de
Funcionamento. Segundo Duarte (1994) ela “significa, em geral, um processo de
deterioração gradual dos equipamentos e dispositivos técnicos de uma instalação ou
situação de trabalho caracterizado por um estado de disfuncionamentos e de
incidentes constantes” (p. 33). A degradação seria compensada por atividades dos
compensatórias dos operadores que “...representavam uma luta contínua contra as
anormalidades da produção, através de ajustes e astúcias utilizadas para combater a
degradação” (Duarte: 1994, 16).
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Enquanto características da degradação Goldenstein (1997) identifica
as seguintes: sistemas de instrumentação automática constantemente fora do ar;
maquinário utilizado em condições diferentes das preconizadas pelos fabricantes;
manutenção impossibilitada ou negligenciada; pessoal insuficiente em número,
qualificação e experiência.
A partir do exposto podemos tecer alguns comentários sobre a UTI
estudada. Um primeiro aspecto diz respeito a própria concepção da UTI neonatal e
pediátrica. Os dados colhidos parecem indicar a insuficiência no planejamento, e
sobretudo o não aproveitamento da experiência dos mais antigos. Isso se constata na
própria distribuição dos leitos, em que a UTI pediátrica mereceu um quantitativo
maior que a UTI neonatal, quando a demanda era inversa.
Uma outra dimensão importante relaciona-se ao aparato tecnológico.
A decisão sobre que equipamentos e que necessidades deveriam atender escapou ao
coletivo que iria manuseá-los. Ainda hoje, passado algum tempo de constituição da
UTI, existem equipamentos inativos e mesmo naqueles em funcionamento, o
domínio da equipe é insuficiente, e se deu a partir de tentativas operadas no
cotidiano de trabalho. Isso nos remete a questão do treinamento, que, como foi
constatado, não contemplou os equipamentos que seriam utilizados, e, sobretudo, foi
formulado sem o lastro de uma análise do trabalho em situações similares, portanto
distante da realidade com a qual a equipe iria deparar-se. Além disso, existem os
problemas inerentes a própria tecnologia. Elas foram projetadas para o país de
origem, ignorando quaisquer características do país e da região que a absorveu, tais
como a condição da equipe que a utilizaria, empresas de manutenção, etc. Os efeitos
se mostram na desconfiança nos equipamentos, na sua gradativa deterioração, com
funções sendo anuladas ao longo do tempo, e, evidentemente, numa demanda cada
vez maior de trabalho por parte da equipe.
3.3 - Redução de efetivos
Na indústria de processo decisões sobre redução de efetivos tem sido
tomadas sem um conhecimento suficiente da atividade real dos operadores. Segundo
Duarte (1996) o dimensionamento de efetivos deveria considerar entre outros
aspectos: o estado de degradação do sistema técnico; a atividade em diferentes
situações (partidas, urgências, etc.); o absenteísmo; a concepção do sistema técnico e
a polivalência e repartição de tarefas.
Conforme verificamos no caso da UTI do HGB, a política de redução
de efetivos não está respaldada numa análise da atividade dos profissionais. Se assim
o fosse, a redução de efetivos certamente não seria cogitada. Os inúmeros exemplos
atestam uma deliberada ação do estado no sentido de uma degradação progressiva do
aparato tecnológico-organizacional, das relações interpessoais, culminando por
extinguir ou transferir para outrem a prestação do serviço de saúde.
4. A TÍTULO DE CONCLUSÃO
Como já indicamos anteriormente não há como explicar o estado de
degradação tecnológica, organizacional, das relações humanas do setor saúde
tomando por referência apenas o espaço demarcado nesse estudo, e lançando mão
exclusivamente de conceitos ergonômicos, mesmo que de uma ergonomia da
atividade. Um movimento de contextualização faz-se necessário para uma maior
aproximação da realidade.
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Vivemos um contexto de globalização, de prevalëncia de uma lógica
financeira sobre a produtiva. O Estado insere-se nesse processo desmontando o
precário Estado-providência que aqui se instalou. E o faz de forma ainda mais
perversa que em outras nações, se considerarmos as precárias condições de vida e
trabalho as quais tem sido submetido o povo brasileiro.
O debate social sobre essas mudanças e suas implicações praticamente
inexiste e a destruição prossegue quase sem nenhuma resistência.
Temos, entretanto, que reconhecer que nem tudo neste quadro é
reflexo de tempos mais recentes. Existem, certamente, opções organizacionais
tradicionalmente marcadas pelo autoritarismo e pela exclusão da participação dos
trabalhadores nos processos de concepção, que contribuem no entendimento da
degradação. Como pudemos constatar, a falta de uma visão sistêmica, um precário
planejamento, a desconsideração pela experiência dos antigos, a ausência de políticas
de manutenção do saber acumulado, a inexistência de uma estratégia de formação
permanente, a desconsideração das condições locais na incorporação de novas
tecnologias, o precário entendimento das funções e do manuseio das tecnologias são
aspectos bastante evidentes e que tem de longa data figurado na prática da
administração pública brasileira. Não são, portanto, produto apenas desse quadro
mais global. É bem verdade, entretanto, que são potencializados pela forma como
vem sendo conduzida a política pública atualmente. Práticas, portanto, que
permaneceram durante anos obscurecidas aparecem com bastante nitidez e chegam
ao ápice da degradação, praticamente sem possibilidade de gerenciamento.
Tudo isso sem considerar o impacto que isso possa acarretar no nível
de mobilização dos trabalhadores. Sem um quadro mínimo de recompensas pela
contribuição que os trabalhadores oferecem, cuja parcela de trabalho tem sido
sobejamente ampliada, não há como manter minimamente um envolvimento com o
trabalho. Dessa forma, penaliza-se o trabalhador da saúde e a população usuária.
BIBLIOGRAFIA
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questões para a engenharia de produção. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado
(COPPE-UFRJ), 1996. 260 p.
DUARTE, Francisco J. de C. M. A Análise Ergonômica do Trabalho e a
Determinação de Efetivos: estudo da modernização tecnológica de uma
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DUARTE, Francisco. “Reorganização Produtiva e Concepção da Organização do
Trabalho na Indústria de Refino no Brasil: a questão do dimensionamento da
mão de obra de operação”. In: LIMA, Francisco P. ª; NORMAND, Juacy E.
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UFMG, 1996.
GOLDENSTEIN, Marcelo. Desvendar e Conceber a Organização do Trabalho:
uma contribuição da ergonomia para o projeto de modernização de uma
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1997, 129 p.
LIMA, Francisco de P. A. Introdução à análise ergonômica do trabalho. Notas de
aula: mimeo, 1992.
WISNER, Alain. A antropotecnologia. Estudos Avançados, v. 6, n. 16, p. 29-34,
1993.
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