REPORTAGEM Especialistas debatem diagnósticos e prescrições para recuperar setor que já foi motor do desenvolvimento brasileiro e há 40 anos está anêmico. POR LUCIANO SILVA A indústria brasileira tem um problema. Esse foi o ponto consensual de especialistas reunidos pelo BNDES, no Rio de Janeiro, no mês de outubro. As causas e as saídas para a crise que vive, há mais de três décadas, o setor que já foi o grande propulsor do desenvolvimento brasileiro é que causaram discordância – e explicitaram que o diagnóstico deste paciente enfermo é tanto complexo quanto urgente para que o país volte a crescer. O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Regis Bonelli, demonstrou que, entre 1997 e 2013, a produtividade da indústria de transformação caiu 1,3% ao ano, mas o problema é mais antigo. “Nos últimos 40 anos, diferentes governos, de diferentes orientações, foram incapazes de estancar a progressiva anemia industrial, apesar de inúmeras tentativas. Uma única explicação não vai dar conta de elucidar isso”, comentou. Para o pesquisador, são vários os fatores que podem contribuir para explicar esse fenômeno, entre eles mudanças estruturais na economia brasileira; a competição dos importados, que indicam também uma baixa competitividade do setor nacional; a taxa de câmbio; a “maldição das commodities”; e a baixa poupança, que ele considera o principal problema brasileiro. 32 Stockvault Indústria enferma “A melhoria da competitividade da indústria dependerá de um ajuste do custo, que terá de ocorrer ou via câmbio real ou via mudanças no ambiente de negócios, infraestrutura, reformas etc.”, destacou Bonelli. “É possível reverter ao menos parcialmente o movimento de queda na indústria no Produto Interno Bruto (PIB) pela desvalorização do câmbio real, mas é difícil imaginar que retorne a patamares muito acima de 15 a 16% no horizonte previsível. O problema central é a baixa poupança”, completou. O economista Fernando Holanda, de outro lado, acredita que o principal desafio é a produtividade, e não apenas de um ou outro setor, mas de todos os segmentos da economia brasileira. Por isso, ele rebateu uma argumentação, que classificou de “recorrente”, de que o baixo crescimento da economia brasileira é um problema de composição setorial – nas últimas décadas, o país teria dado mais peso a setores menos eficientes, como o de Serviços, em detrimento de outros com taxa de produtividade maior, que seria o caso da indústria. Holanda sustentou que o argumento é falso. Ele SETEMBRO | OUTUBRO 2016 apresentou dados que colocam o Brasil na lanterna na comparação com outros países em todos os setores – agropecuária, indústria, comércio e serviços. “A ideia de recuperação do desenvolvimento se dará pela simples transferência de recursos de um setor para outro me parece ser um mito. Somos os piores em tudo, transferir o peso de um setor para outro não elevará nossa condição”, disse. Segundo o economista, o Brasil possui uma “cauda pesada”, que faz com que as empresas menos produtivas estejam em número muito superior quando comparadas às de média e alta produtividade. Para ele, mais do que uma nova divisão no peso dos setores, a redução da cauda tem potencial para elevar a produtividade de forma substancial. “Como podemos fazer para que as mais produtivas cresçam e as menos produtivas desapareçam?”, questionou, criticando mecanismos que garantem “sobrevida” a empresas pequenas, independente de sua produtividade. Como contraponto, o também economista David Kupfer, diretor geral do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/ UFRJ), chamou a atenção para as diferenças demográficas e de ordem estrutural dos diferentes países que muitas vezes são comparados em um ou outro atributo específico. Ele lembrou que não é possível dizer que a agricultura tem baixa produtividade sem considerar que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) engloba nesse setor desde a agroindústria até pequenos agricultores familiares, que correspondem a 12 milhões de pessoas, muitos deles produzindo apenas para o autoconsumo, com enormes dificuldades. “É claro que, num critério geral, esses pequenos empreendimentos familiares serão classificados como de baixa produtividade, mas ali a lógica é outra”, destacou. Para Kupfer, o problema central para a indústria brasileira não é a produtividade ou a baixa poupança, mas sim o investimento, ou, mais especificamente, a armadilha de baixo custo em que as empresas brasileiras estão envolvidas. “O empresário brasileiro minimiza o investimento, toma todas as decisões de modo a diminuir”, comentou. O economista acredita que é tarefa da política industrial resolver essa armadilha, propiciando condições de financiamento para que as empresas ampliem sua capacidade de investir e reestruturem sua posição na concorrência. “É esse o papel da política industrial, e não o de criar demanda. É só a partir do aumento do investimento que poderemos aumentar a produtividade, especialmente em inovação, que é um componente importante para o desenvolvimento”, destacou Kupfer. ISOLAMENTO Claudio Frischtak, economista e presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, chamou a atenção para outro ponto de preocupação da indústria brasileira: o isolacionismo. De acordo com ele, o setor precisa se integrar a cadeias em todo o mundo. Para isso, entre outras ações, Frischtak acredita que o país deve estar mais aberto à atração de profissionais estrangeiros, que tenham conhecimento e possam ajudar a desenvolver os diferentes segmentos da economia nacional. Enquanto apenas 0,32% do mercado de trabalho brasileiro é composto por estrangeiros, há 1,69% de profissionais de outros países no Chile, 1,87% na Coreia e 20% no Canadá. “Estamos nos autoimpondo uma barreira de conhecimento”, criticou. RUMOS O economista afirmou que a competitividade da indústria nacional é limitada por conta dos esforços restritos das empresas brasileiras, cuja gestão é muito ruim; da segmentação do mercado; e também por falhas do Estado, que peca na qualidade das intervenções. Ele criticou o que chamou de “ativismo sem estratégia” praticado até recentemente pelo governo federal, lembrando que a apatia da indústria não se deu por falta de apoio via instrumentos clássicos, como financiamento ao investimento e à inovação, incentivos fiscais e proteção. Ao contrário, Frischtak acredita que as ações do governo foram contraproducentes, pois resultaram em expansionismo fiscal e protecionismo, que acabaram por distorcer o comportamento dos empresários, que acham mais importante ter acesso ao Estado do que ao mercado. “Precisamos pensar em uma agenda para a indústria: romper o isolamento, facilitando a mobilidade de bens, serviços, pessoas e conhecimento; apoiar a criação de mercados, projetos e atividades com comprovadas externalidades; e melhorar o ambiente de negócios, com desburocratização total, para que o Estado possa prestar melhores serviços, diretos ou indiretos”, defendeu. O economista João Furtado, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), reafirmou a importância do setor, lembrando que todos os países desenvolvidos possuem uma indústria relevante e que todas elas possuem ou são produto de políticas industriais ativas. “Continua havendo espaço para políticas industriais muito ativas, baseadas no fato de o país saber onde quer chegar e, então, mobilizar os recursos para chegar onde quer”, afirmou, destacando que política industrial é diferente de protecionismo. “Pode ser um ingrediente, mas de preferência não duradouro”, concluiu. Ele citou o caso da Alemanha, que se prepara, por meio de políticas, para ser líder na chamada Indústria 4.0 – aquela ligada aos processos tecnológicos e que deve detonar a quarta Revolução Industrial. O economista destacou que a indústria brasileira é diversificada e integrada, mas possui uma curva de desenvolvimento muito longa (no caso dos aviões, em que o país tem destaque, foram 70 anos entre os primeiros passos e a construção da indústria). “O século XXI não dará mais possibilidade para esse espaço temporal tão elástico para a construção de uma indústria”, alertou. 33