QUESTÕES DE MORALIDADE NA AÇÃO DOCENTE Telma Pileggi Vinha 1 Diante das diversas mudanças sentidas na sociedade contemporânea e dos constantes desejos de ideais de justiça, de solidariedade e de tantos outros valores morais, torna-se imperativa a tarefa de repensar constantemente a formação oferecida às crianças, assim como cuidar das relações interpessoais que ocorrem no interior da escola. Conscientes dessa necessidade, inúmeras instituições escolares propõem, como uma de suas principais metas, o desenvolvimento da autonomia moral da criança. Sem dúvida, essa é uma meta importante para a educação e, a escola, dependendo das relações estabelecidas em seu interior, constitui-se num local propício para que esse desenvolvimento ocorra. Inúmeras pesquisas indicam que as escolas queiram ou não, influenciam de maneira significativa a formação moral das crianças, todavia, nem todas o fazem na direção da autonomia. É impossível evitar mensagens que dizem respeito à moralidade, já que as relações intraescolares embasam-se em normas e comportamentos, fornecendo informações sobre o que é bom ou mau, certo ou errado. Entretanto, o compromisso com a construção da autonomia moral pede necessariamente por uma prática educacional voltada para a compreensão do desenvolvimento sociomoral. As questões da moralidade são amplas e complexas, necessitando de estudo e reflexão sobre a práxis pedagógica do educador. Cada vez mais se nota a urgência de condutas especializadas por parte de educadores para promover o desenvolvimento moral em suas crianças e, conseqüentemente, formar os cidadãos conscientes, solidários, justos e responsáveis que freqüentemente objetivam os diferentes programas educacionais. Uma das questões, presente em qualquer escola, em que são transmitidas mensagens sobre os valores e regras é o processo de intervenção utilizado pelo educador ao deparar-se com conflitos interpessoais. Da mesma forma que ocorre com outras questões relacionadas ao desenvolvimento moral tais como o tipo de linguagem utilizada pelo educador, a construção de regras, a organização de assembléias, o trabalho com a apropriação racional das normas, etc, faz-se necessário também estudar condutas especializadas com relação a intervenção em situações de conflito de forma que o processo empregado possa auxiliar no desenvolvimento de estratégias de negociação cada vez mais eficazes e na aprendizagem dos valores. No dia-a-dia da escola os adultos deparam-se freqüentemente com pequenos conflitos e desavenças entre seus alunos. Tais conflitos sempre estarão presentes, ainda mais nas aulas onde as crianças agem livremente, em que as trocas sociais e a cooperação são incentivadas. Todavia, não raro, diante das brigas e desavenças, os educadores sentem-se inseguros sobre por que elas ocorrem com tanta freqüência e como intervir de forma construtiva. Muitas vezes, o professor, por não ter estudado com profundidade essas questões da dimensão educativa, acaba por educar moralmente agindo de maneira intuitiva e improvisada, pautando suas intervenções principalmente no bom senso. Em geral, encontram-se duas grandes concepções sobre os conflitos interpessoais entre os educadores. Em uma visão tradicional, os conflitos são vistos como sendo negativos, assim os esforços dos adultos são direcionados para evitá-los ou para que sejam resolvidos 1 Doutora, membro do Laboratório de Psicologia Genética da Faculdade de Educação da Unicamp, coordenadora de pós-graduação pela Unifran e autora do livro “O educador e a moralidade infantil”, editora Mercado de Letras . rapidamente; os educadores utilizam mecanismos de controle que “funcionam” temporariamente, porém que reforçam a heteronomia, tais como: ameaçar, punir, recompensar; associar a obediência à regra ao temor da autoridade, ao medo da punição, da censura, da perda do afeto. Esses educadores acreditam que os conflitos não fazem parte do “currículo”, de seu trabalho como professor. Já para o professor que possui uma perspectiva construtivista, os conflitos são compreendidos como naturais em qualquer relação e necessários ao desenvolvimento da criança; são vistos como oportunidades para que os valores e as regras sejam trabalhados, oferecendo “pistas” sobre o que precisam aprender; por conseguinte, suas intervenções não enfatizam a resolução do conflito em si, o produto, mas sim, o processo, ou seja, a forma com que os problemas serão enfrentados. Os educadores que possuem esta concepção acreditam que os conflitos interpessoais fazem parte do “currículo” tanto quanto os outros conteúdos que devem ser trabalhados. As pesquisas realizadas por Piaget e Selman auxiliam-nos a compreender melhor o modo como as crianças pensam sobre as regras morais, sobre si e os outros, assim como a forma como raciocinam ao se deparar com os conflitos. Selman elaborou os níveis de “Entendimento Interpessoal” que envolvem as estratégias de negociação empregadas pelas crianças ao interagir numa situação em que há conflitos entre elas (interações em desequilíbrio). Esses níveis mostram a evolução dos procedimentos empregados pelas crianças ao lidarem com suas desavenças e envolvem uma combinação de fatores cognitivos, afetivos e situacionais. Mostram o desenvolvimento do entendimento interpessoal, ou seja, o desenvolvimento da capacidade de compreender a perspectiva do outro e coordená-la com a própria opinião. A concepção sobre os conflitos do professor e, conseqüentemente, o tipo de intervenção realizada por ele ao deparar-se com desavenças entre as crianças interfere nas interações entre os alunos e no desenvolvimento socioafetivo dos mesmos, transmitindo mensagens que dizem respeito à moralidade. Ao compreender esse processo de construção, o professor pode observar, nas situações em que suas crianças interagem umas com as outras, os níveis de entendimento interpessoal, tendo assim maiores condições de realizar intervenções adequadas auxiliando-as nesse desenvolvimento, favorecendo a aprendizagem dos valores e regras e podendo ainda notar o progresso na coordenação de perspectivas e no engajamento moral. Foi visto que apesar de fazer parte das funções de qualquer professor lidar cotidianamente com os conflitos, poucos se sentem de fato preparados para isto. Para isso é necessário uma mudança nesse paradigma, na forma como os conflitos nas relações interpessoais são interpretados. A modificação nessa concepção, aliada ao constante estudo e reflexão sobre a prática, auxiliarão o professor a transformar a maneira como intervém nestas situações. Auxiliar a aprendizagem dos alunos e, ao mesmo tempo, favorecer seu desenvolvimento sociomoral, podem aparentar ser problemas diferentes, mas não o são. Esta dissociação é equivocada, pois são sistemas solidários visto que os eventos de desavenças pessoais e os de aprendizagem estão incorporados, fundem-se. A obtenção de relações equilibradas e satisfatórias (o que não significa que os conflitos estarão ausentes) não são frutos de um dom gratuito ou de desenvolvimento maturacional, mas sim decorrentes de um processo de construção e aprendizagem. A criança não irá aprender por si mesma uma questão que é muito complexa e para a qual não foram previstas boas intervenções e oferecidas situações que lhe auxiliassem a aprender o que necessita. Porém, raramente se percebe a preocupação das instituições escolares com esta aprendizagem, sendo que seus esforços nesta área estão mais voltados para a contenção do que para a aprendizagem. Entretanto, todo projeto que tenha por finalidade educar para a autonomia, deve conceder um lugar relevante as relações interpessoais. PALAVRAS-CHAVE 1. Desenvolvimento moral. 2. Construtivismo (Educação) 3. Conflito interpessoal.