JC Relations - Jewish

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Jewish-Christian Relations
Insights and Issues in the ongoing Jewish-Christian Dialogue
Dirscherl, Erwin | 01.11.2004
O Ser-Judeu de Jesus e as Conseqüências para a Dogmática
Erwin Dirscherl
1. O ser-judeu de Jesus confrontado com a aliança válida de Israel
1.1. A questão da origem de Jesus como questão da escolha de Israel
Se a dogmática cristã questionar a origem de Jesus, levará isso muito rápido para dentro do mistério
de Deus. Já os pontos iniciais neotestamentários duma cristologia de pré-existência esclarecem que,
na questão do significado e da origem de Jesus, a questão de Deus entra no debate. Desse ponto de
partida, finalmente se desenvolve uma fala trinitária de Deus.
Mas será preciso, na questão da origem de Jesus, considerar ainda uma de outra origem: a origem
de Jesus na história da escolha do povo de Israel. Jesus cresceu como judeu, e é impossível entendelo sem esse fundo. Os evangelistas sabem disso, quando na sua interpretação da vida, da morte e
do ressuscitamento de Jesus remetem naturalmente a categorias de interpretação judaicas. Todos os
títulos de alteza cristológicos se devem à herança judaica, e a cristologia até se precisa poder
justificar perante a Bíblia de Israel. Se Paulo, nos célebres capítulos 9-11 da carta aos romanos fala
das raízes da Cristandade, vale isso correspondentemente para a cristologia. A vida e a significância
de Jesus Cristo estão profundamente enraizadas na herança judaica. Não podemos entender a nossa
fé cristã sem o fundo de raiz judaico. Aqui vale observar uma assimetria na relação judaica-cristã.
Pois essa dependência da Cristandade do Judaísmo não é inversível, assim como o tempo não é
inversível. A nossa precisão do Judaísmo não significa que também o Judaísmo tenha precisão de
nós. Temos de, antes, tomar conhecimento agradecidos de que o Judaísmo, também em grandes
personalidades, se abre ao diálogo judaico-cristão, sem que isso precisaria ser necessariamente
assim. Vale, portanto: a questão pela origem de Jesus leva, não só para dentro do mistério de Deus,
mas também para dentro da história da eleição de Israel como fundo de raiz. Uma cristologia não
pode e não deve ser desenvolvida passando sem entender o Judaísmo, ou a custo da escolha
permanente de Israel. A isso, O Concílio Vaticano Segundo na sua declaração Nostra aetate como
também João Paulo II igualmente apontaram.
1.2. O Antigo Testamento precisa ser levado a sério e respeitado como a Bíblia de Jesus
Narrar de Jesus e da história dele significa, narrar de Israel e da sua história de aliança. A esse
assunto também o documento mais recente da Comissão Bíblica Papal atendeu, documento esse
que tem o título de "O povo judaico e a sua Sagrada Escritura na Bíblia Cristã"1. Aqui se observa que
o Novo Testamento sem o Antigo Testamento não poderá ser decifrado, seria condenado a murchar
como uma planta sem raiz (nº 84). No estudo dos grandes assuntos do Antigo Testamento chegaria
à consciência uma simbiose impressionante, que ambas as partes da Bíblia cristã, AT e NT, ligaria e,
ao mesmo tempo, a força surpreendente dos elos espirituais que ligam a Igreja de Cristo com o povo
judaico (cf. nº 85). Já o Concílio Vaticano Segundo falou daquele elo, pelo que o povo da Nova
Aliança está ligado espiritualmente com a Tribo de Abraão (NA 4). João Paulo pronunciou,
conseqüentemente, na sinagoga de Roma as palavras: "Vós sois os nossos irmãos preferidos e,
assim se poderia dizer de certo modo, os nossos irmãos mais idosos"2. João Paulo II se esforça, como
nenhum papa antes dele, pelo diálogo judaico-cristão. Uma formulação clássica, a qual se encontra
também no documento mencionado da Comissão Bíblica Papal, reza: "A primeira dimensão desse
diálogo, isso é o encontro entre o povo de Deus da Antiga Aliança nunca cancelada por Deus e
daquele da Nova Aliança, é ao mesmo tempo um diálogo dentro da nossa Igreja, para assim dizer,
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entre a primeira e a segunda parte da Bíblia."3 O diálogo entre a Cristandade e o Judaísmo
corresponde, então, de certo modo ao diálogo ente o Antigo e o Novo Testamento, no entanto, não
como uma grandeza do passado, mas sim como uma grandeza do presente, porque a segunda
dimensão do diálogo é o diálogo de hoje com o Judaísmo vivo. Christoph Dohmen enfatiza com razão
que o papa, com essa formulação, se põe claramente contra qualquer forma duma teoria de
substituição, a qual diria que a Cristandade se tivesse posto no lugar do Judaísmo. A idéia de
correspondência usada pelo papa não permite um deslizo do Judaísmo para a pré-história da
Cristandade, porque o Antigo Testamento continua sendo a primeira parte permanentemente válida
da Bíblia Cristã, permanecendo também a Bíblia de Israel.4 Podemos, nesse sentido, até falar duma
obrigação para o diálogo cristão-judaico, ao qual estamos já remetidos dentro do nosso próprio
cânon da Bíblia das duas partes do nosso próprio cânon. Isso também precisa ser levado ainda mais
a sério que no passado, até por uma dogmática.
H. Frankemöller apontou com razão para que o ser-judeu de Jesus vai chegar necessariamente ao
campo de visão, quando se levar o ser-humano de Jesus radicalmente a sério, não superenfatizando
monofisiticamente a sua divindade. Aqui está sendo, numa cristologia hodierna - a qual, como
Wilhelm Breuning enfatizou, não deveria ser conduzida antijudaicamente - o Concílio de Calcedônia
deve entrar novamente na visão. Esse concílio formulou que Jesus Cristo é verdadeiro Deus e
verdadeiro homem. Josef Wohlmut enfatizou que, cristamente, não falamos indiferenciadamente
duma encarnação de Deus, mas sim duma encarnação do Logos, a qual parta de que o Pai fica
invisível e incompreensível.5 Nesse contexto, se está dirigindo a uma das mais palpitantes na
tradição da Ceia do Senhor: Trata-se, na celebração da Ceia, da Aliança ou da Nova Aliança?6
Mesmo se falamos duma Nova Aliança, nós cristãs e cristãos precisamos reconhecer que já no
Antigo Testamento se fala duma Nova Aliança em Jeremias, e que sempre há renovações da Aliança.
A partir daí, a dogmática terá de pensar muita coisa, precisando ter necessidade de mudanças
também na fala de Igreja como Povo de Deus. Pois a Igreja não se pode mais entender como Povo
de Deus a custo de Israel, mas só assim que a Aliança de Israel não seja desvalorizada.
2. Levar a sério o ser-judeu de Jesus quer dizer levar a sério a proibição de
imagens
Estou ciente que, também na tradição judaica, a proibição de imagens encontrou recepção
diferenciada. Queria, porém, apontar para o fato de que o debate ao redor da proibição de imagens
ganhou uma importância palpitante na teologia sistemática de hoje. Pois é que, na cristologia, se
põe a questão de se, em Jesus Cristo, Deus chega a ser completa e totalmente, epífano, visível.
Acontece a relação a Deus antes no ver ou a acontece antes no ouvir? Aqui, a tradição bíblica nos
mostra que o Deus de Israel se aproxima à pessoa humana como Deus falando na palavra. A
proximidade a Deus acontece no falar - por isso, Karl Rahner falou da revelação como
autocomunicação de Deus. Deus se comunica a Si Mesmo na sua palavra, acontecendo aqui, no
falar, uma proximidade imediata entre Deus e pessoa humana. Dessa proximidade imediata se trata
na fé judaica e cristã. Até aqui, se poderia dizer que cabe ao ouvir uma importância, uma ordem
prior ao ver. Essa problemática veio para dentro da teologia cristão também pela recepção do
pensar de Emmanuel Levinas. Mas também Levinas não comete o erro de jogar o ouvir contra o ver,
dizendo que, quando vir a face da outra pessoa humana e essa face do outro me significar: Não
deves matar. Levinas fala aqui duma responsabilidade face ao outro, na qual percebo
imediatamente uma palavra de Deus, a qual me atinge num modo único. E quando o hino da
Colossenses fala de que Jesus Cristo é imagem do Deus invisível, então vale também para uma
tradição cristã que Deus mesmo fica invisível na Sua incompreensibilidade. Também o
desdobramento duma doutrina trinitária cristã não quer pôr Deus como compreensível ante os olhos.
Daí, a tradição eclesial enfatiza sempre que a fala do Deus triuno representa um mistério no sentido
estrito, e também Josef Ratzinger fala, na sua introdução do credo, de que a fala do Deus trinitário
aponta para dentro do mistério não nominável. Enquanto isso, a proibição bíblica de imagem e a fala
séria duma incompreensibilidade de Deus têm algo a ver imediatamente uma com a outra judaica e
cristamente. Isso, porém, significa também, como todo a fala da imanência de Deus no mundo, não
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descuidar da fala da Sua transcendência e do ser Outro permanentes. Também se falarmos dum
"chegar a ser pessoa humana" [encarnação] de Deus, Deus não se tornará, de repente,
compreensível. Continua uma não-univocidade na fala do Deus incompreensível, a qual obriga, tanto
a fé judaica como a cristã, a interpretar de novo a Sagrada Escritura como palavra de Deus na
palavra humana. João Paulo II falou que aqueles teriam uma imaginação errada de Deus que
achassem que, em Deus como ser absoluto, também cada uma das Suas palavras precisasse ter
valor absoluto, independente de todas as influências da língua humana. O papa fala aqui duma
ilusão, na qual se recusa realidade dos mistérios da inspiração da Sagrada Escritura e da
encarnação, a fim de se agarrar numa falsa concepção do absoluto. Pois, se Deus "se expressar
numa língua humana, não dá de modo nenhum a cada expressão um significado uniforme, usa,
antes, também com elasticidade extrema as nuanças possíveis, agüentando também as limitações
das mesmas."7 O papa leva a sério aquela tensão, da qual também o Concílio Vaticano Segundo
falou na constituição de revelação "Dei Verbum". A palavra de Deus nos alcance só na palavra
humana e, na base dessa tensão, precisamos sempre de novo interpretar essa palavra não-unívoca.
Isso junta exegese crista da Escritura e a judaica uma com a outra, e isso era claro já para os Padres
nos primeiros séculos. Interpretação talmúdica e cristã da Escritura nunca chegarão a um fim, até
durar o tempo, este em que juntos esperamos a perfeição do mundo por Deus. Também essa
abertura tem a ver com a proibição de imagem numa reflexão filosófica e teológica.
Mais um aspecto de levar a sério da proibição de imagem jaz no perceber que a pessoa humana está
sendo tratada com imagem de Deus. A exegese nos remeteu para que essa qualidade de imagem da
pessoa humana significa ser representante de Deus numa responsabilidade pela criação. A fala da
qualidade de retrato tem, portanto, uma significação eminentemente ética, conduzindo para dentro
da prática da fé. Com isso, estamos na significação do mandamento duplo de amor a Deus e ao
próximo, o qual, judaica e cristamente, está no centro da fala de Deus.
3. O mandamento duplo de amor a Deus e ao próximo como centro da fala
de Deus judaica e cristã
O filósofo judaico Emmanuel Levinas disse uma vez numa entrevista que Mt 25,32ss é literalmente
verdade. Isso, naturalmente, não o entendeu num sentido de que, com isso, aceitaria uma
cristologia cristã, mas sim o entendeu assim que, também nesse testemunho cristão, está sendo dito
que um amor a Deus não pode haver sem o amor ao outro e vice-versa. Amor a Deus e amor ao
próximo têm de haver imediatamente um com o outro. Também um teólogo cristão como Karl
Rahner sempre enfatizava isso. Não posso amar a Deus sem amar ao próximo, o amor a Deus e o
amor ao próximo estão numa relação de "não-misturados e não-separados". Se ambas as
realizações têm a ver uma com a outra imediatamente, isso significa que não podem estar numa
relação de mediação. Não posso usar ou abusar o amor ao próximo para, com isso, entrar no amor a
Deus ou vice-versa. As duas coisas acontecem imediatamente no tempo. A pergunta pela relação
imediata entre Deus e pessoa humana se põe, para Levinas, como pergunta pelo bom que acontece
no mundo e no tempo graciosamente. O bom acontece sem motivo, tornando-se assim problema
para cada fala negociadora e justificativa. O bom acontece dado e imediatamente. Mas esse dom
exige a pessoa humana; o bom acontece para nós, mas não sem nós. Vale, judaica como
cristamente, que a bondade salvadora já age nesse tempo, mas não chegou a ser realidade
plenamente. A tensão de esperança é tanto judaica como cristã. Isso significa que também a fé
cristã está ainda uma fé de espera na esperança. Isso possibilita também, na tradição de Buber e
Rosenzweig, falar dum esperar comum de Judaísmo e Cristandade, o qual acontece , de modo
diferente, de modo cada vez outro, no tempo e na história. Aqui vale considerar uma diferença única
de espécie, especialidade única na relação entre judeus e cristãos, que pretendo considerar
finalizando.
4. A relação cristã-judaica nos confronta com a idéia de relações de
espécie única entre Deus e as pessoas humanas
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Judaica como cristamente se trata de relações de espécie única que entram na conversa. Trata-se da
unicidade de Deus e da unicidade de cada pessoa humana. Levando a sério esse fenômeno de
unicidade, e isso faz, digamos, o filósofo Emmanuel Levinas, a gente se precisa estafar no fenômeno
da qualidade de ser outro. Unicidade significa incomparabilidade. Seres únicos não podem ser
comparados um com o outro, e isso significa que a linguagem de unicidade não pode ser a
linguagem de comparações. Daí, no relacionamento de Cristandade Judaísmo, como cada vez única
de eleições de Deus, não se pode tratar de usar uma linguagem de "mais ou menos" ou "melhor ou
pior". Levar a sério unicidade significa falar do outro, também no nível da linguagem, diferentemente
do comparar. No hodierno debate cristológico é palpitante, que a questão da unicidade de Jesus não
deve pôr em jogo exatamente a unicidade de Israel. Vale analogamente, que a fala da unicidade de
Jesus Cristo não deve ser jogadora contra a unicidade de cada pessoa humana, mas precisa
francamente responder a ela. Biblicamente, reconhecemos, na tradição judaica e cristã, exatamente
este fenômeno: Aquilo que um Único para o seu povo, para o mundo e para Deus faz, pode ganhar
importância para todos. Isso se relaciona com o fenômeno da representação, com o fenômeno de
que unicidade e universalidade não sejam grandezas excluidoras. Unicidade pode tratar de assumir
e ter uma responsabilidade universal (ou: multi- até omni-versal; trad.) para todos. Daí, a fala duma
imagem retrato de Deus da pessoa humana ou do novo adão em Jesus Cristo ganha uma
significância especial, pois sempre essa idéia da representação está no centro. Levinas fala de que
se trata aqui se trata duma linguagem e significância "para-o-outro". Uma linguagem de unicidade
procura articular essa abertura para o outro, procura não excluir exclusivisticamente. O encargo
para a Cristandade pode, então, significar responder pela história de Israel e do Judaísmo, sem
roubar deste uma unicidade na escolha e um ser-outro. Na relação entre os seres únicos há
proximidade e diferença. Acontece comunhão entre diferentes. Emmanuel Levinas disse uma vez
que só diferenças possam ser perto umas a outras. Diferença ao outro, porém, não significa
indiferença, não se trata de indiferença. Na diferença, antes, pode acontecer proximidade,
proximidade imediata entre únicos no falar. Se levarmos a sério a idéia da unicidade do outro, não
posso já sempre saber algo do outro, a não ser que ele se revelar a mim na fala. O encontro com o
único quer dizer esperar, quer dizer um acontecimento temporal. Tenho de esperar pelo que o outro
me disser. A partir dessa atitude, também, está cunhado o diálogo entre únicos ou, então, entre o
Judaísmo e a Cristandade. Vale esperar, no diálogo, pelo que acontecer, pelo que diremos uns aos
outros, até nos entendermos uns com os outros.
Finalizando, aponto ao que exatamente a recepção do pensar de Emmanuel Levinas acarreta
também mudanças também na cristologia hodierna. Se Levinas, no seu célebre artigo "Um HomemDeus" fala de que também na tradição judaica se possa falar duma kenosis (evacuação) de Deus, de
Deus, que sofre nas pessoas humanas, ou quando diz que, em cada lugar, está o messias numa
responsabilidade representativa irrepresentável, haverá também aqui uma proximidade imediata na
diferença entre a fala cristã e judaica de chegar a ser pessoa humana [da encarnação]. Aqui, uma
dogmática cristã está somente no começo, e se deve estar curioso por saber como essa vá
progredir. Pois diálogo significa também aprender e se mudar. Nisso, também a dogmática se deve
entender uma como disciplina apreendedora.
Anotações: veja pelo fim do texto alemão.
Texto alemão. Tradução: Pedro von Werden SJ - C. P. 206 - 78005-970 Cuiabá-MT - BRASIL
- [email protected]
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