WORD - CASO 89 UFMG - Unimed-BH

Propaganda
Imagem da Semana: Tomografia computadorizada (TC)
Imagem 01. Corte axial de tomografia computadorizada abdominal não-contrastada, ao
nível da vértebra L1.
Imagem 02. Tomografia computadorizada abdominal não-contrastada em cortes axial (ao
nível da vértebra T12) e sagital, respectivamente. Demonstram as dimensões máximas em
cada eixo do defeito na parede abdominal: eixo transverso: 12,1cm; longitudinal: 12,3cm.
Imagem 03. Reconstrução tridimensional das imagens obtidas pela tomografia
computadorizada abdominal, desde a vértebra T8 até a raiz das coxas.
Imagem 04. Análise das dimensões da cavidade abdominal (cortes superiores) e do saco
herniário (inferiores), pela técnica de Tomografia Computadorizada Abdominal. Dimensões
da cavidade abdominal: anteroposterior: 18,4cm; longitudinal: 31,3cm; transverso:
22,9cm. Dimensões do saco herniário: anteroposterior: 9,9cm; longitudinal: 26,7cm;
transverso: 27,7cm.
Paciente do sexo feminino, 54 anos, diabética, IMC de 59,6 kg/m², submetida a cirurgia
bariátrica pela técnica de Fobi-Capella por laparotomia xifoumbilical. Evoluiu com hérnia
incisional após 4 meses (já com IMC=45,4 kg/m²), sendo optado por esperar maior perda de
peso para reintervenção. Após 3 anos, houve estabilização do peso (IMC 37,8 kg/m²), porém
com maior volume herniário. Solicitada tomografia computadorizada abdominal (TCA),
anexada, para planejamento pré-cirúrgico.
Analisando os dados clínicos e as imagens tomográficas, qual seria a melhor
abordagem terapêutica?
a) Hernioplastia com prótese
b) Herniorrafia primária seguida de abdominoplastia
c) Pneumoperitôneo progressivo pré-operatório e hernioplastia com prótese
d) Separação do músculo oblíquo externo e herniorrafia primária
Análise da imagem
Imagem 1: Corte axial de tomografia computadorizada abdominal não-contrastada, ao nível
de L1. Presença de volumosa hérnia abdominal. Além de alças intestinais, incluindo o cólon
ascendente (seta verde), o saco herniário contém também parte do lobo esquerdo do fígado
(seta vermelha), parte do baço (seta azul) e do pâncreas (seta amarela).
Imagem 1.2: Tomografia computadorizada abdominal não-costrastada, corte axial, ao nível
de T12. Esse corte foi aqui incluído pois permite observar como o saco herniário também
inclui parte do cólon transverso (junto às alças de delgado, em verde) e a vesícula biliar (em
amarelo).
Imagem 2: Tomografia computadorizada abdominal não-contrastada em cortes axial (ao
nível de T12) e sagital, respectivamente. Esse último evidencia a extensão da hérnia, que se
inicia abaixo do apêndice xifóide e é interrompida na altura da cicatriz umbilical.
Medidas do defeito na parede abdominal: eixo transverso: 12,1cm; longitudinal: 12,3cm.
Esses valores classificam a hérnia incisional abdominal como gigante, também conhecida
como volumosa ou, ainda, complexa, em outras fontes.
Imagem 3: Reconstrução tridimensional das imagens obtidas pela tomografia
computadorizada abdominal, desde o nível de T8 até a raiz das coxas.
A reconstrução revela uma hérnia abdominal volumosa, deslocada para a direita da paciente
em decúbito dorsal e resultante de um defeito na linha média, além de panículo adiposo
avantajado. Destaca-se o prejuízo estético importante de uma herniação dessa magnitude
para a paciente.
Imagem 4: Pela técnica de TCA multislice e usando suas reformatações nos planos sagital e
coronal é possível estudar a relação entre os volumes do saco herniário (VSH) e da cavidade
abdominal (VCA), da mesma forma que se estudam os volumes de coleções e abcessos, por
exemplo. Por se tratarem de figuras elipsoides (figura 1), seus volumes são calculados pela
seguinte fórmula matemática:
V = 4/3 x π x diâmetro longitudinal x diâmetro transversal x diâmetro
anteroposterior
Para o cálculo dos volumes foram utilizadas referências anatômicas padronizadas ³ para os
diâmetros de ambas cavidades, como demonstrado na imagem acima. Obtivemos 3.801 cm³
para o VSH e 6.897cm³ para o VCA, sendo a proporção do primeiro para o segundo de 55,11%.
Figura 1: O elipsoide e seus três diâmetros. ³
Diagnóstico
O diagnóstico de hérnia incisional é clínico, feito pela história de laparotomia seguida de
progressiva herniação do conteúdo abdominal através da cicatriz cirúrgica. A hérnia é
classificada como gigante quando o maior eixo do defeito herniário na fáscia for superior a 10
cm. Seu tratamento é complexo e deve ser eletivo e individualizado, sendo estabelecido que
o uso de próteses (telas) no defeitos herniários resulta em menores taxas de recidiva em
comparação à herniorrafia primária (neste caso, inviável pelo tamanho do defeito), com
pequeno acréscimo nas taxas de infecção cirúrgica. O posicionamento da tela (Figura 2),
seja “sublay” (retrorretal ou pré-peritoneal), “onlay” (pré-aponeurótica) ou
“em bridging” (uso da tela como uma ponte quando a aproximação das bordas do defeito
posterior não é possível) interfere na taxa de recidiva final. O posicionamento “sublay” se
mostrou superior ao “onlay” e à “em bridging”, com taxas de recidiva de 0,5, 3,4 e 2,5
%/ano, respectivamente. Técnicas adjuvantes como opneumoperitôneo progressivo
pré-operatório (PPP) e/ou a separação de músculos da parede ântero-lateral (a
qual permite maior aproximação da musculatura anterior sob menor tensão – Figura 3) são
indicadas para se evitar a síndrome compartimental abdominal (SCA) – disfunção orgânica
causada pelo aumento da pressão intra-abdominal - um dos riscos do fechamento do defeito.
No que se refere à abdominoplastia, a retirada dos tecidos adiposo e cutâneo redundantes
leva a melhores resultados estéticos, além da redução do número de complicações locais.
Portanto, uma boa opção para este caso seria o preparo com PPP e a hernioplastia com
inserção de prótese na posição “sublay”, associados à abdominoplastia.
Figura 2: posicionamentos clássicos das próteses: onlay (azul) e as sublay, retrorretal
(verde) e pré-peritoneal (vermelho). ²
Figura 3: separação do m. oblíquo externo na técnica de separação de componentes. ²
Discussão do caso
A hérnia incisional é uma complicação comum relacionada às laparotomias e pode ser
definida como a projeção anormal do conteúdo abdominal para o exterior da cavidade através
da incisão cirúrgica. De acordo com Korenkov et al., a hérnia com defeito superior a 10
centímetros é considerada gigante.
As hérnias incisionais ocorrem em até 20% das laparotomias, surgem já no pós-operatório
imediato, podendo levar anos até se tornarem evidentes, e tem altas taxas de recidiva após
reparo cirúrgico, chegando a 50% a longo prazo. As complicações sistêmicas (respiratórias e
cardiovasculares) e locais (seromas, hematomas, infecções, necrose e deiscência) ocorrem em
13 a 48% dos casos, sendo as últimas fatores de risco para herniação. Esse e outros fatores de
risco estão listados na tabela 1.
Nas grandes hérnias pode ocorrer a perda de domicílio das vísceras, localizadas no saco
herniário, criando uma “segunda cavidade abdominal”, enquanto a parede abdominal se
adapta a um menor conteúdo, com atrofia e encurtamento muscular. Torna-se impossível a
redução do conteúdo de forma simples (herniorrafia), pois o retorno abrupto de todo o
volume para a cavidade abdominal aumentaria sobremaneira a pressão intracavitária,
levando à SCA. Já o encarceramento herniário é menos comum.
O uso da TCA permite a avaliação das estruturas da parede, conteúdo herniário, área do
defeito, dimensões e volumes do saco herniário e da cavidade abdominal. Apesar de não ser
prática rotineira, foi demonstrado que a definição da relação entre esses volumes (VSH e
VCA), conforme demonstrado em “Análise das Imagens”, permite melhor seleção do
tratamento para cada tipo de paciente. Valores superiores a 25% são bastante sugestivos de
perda de domicílio e da necessidade de realização do PPP.
A técnica do PPP consiste no posicionamento de um cateter intraperitoneal (Figura 4), com
insuflação periódica e progressiva de gás (geralmente ar ambiente) por um período variável,
até duplicar o VSH, valor de 10 litros, ou o limite de tolerância do paciente. Ocorre
readaptação da mecânica respiratória, distensão da cavidade abdominal e expansão da
musculatura, possibilitando a hernioplastia. O monitoramento clínico-radiográfico é
recomendado no pré e no pós-operatório para avaliar complicações como
pneumotórax/mediastino, SCA, enfisema subcutâneo, embolia gasosa e infecção.
Existem ainda outras técnicas como a aponeuroplastia, uso adjuvante de toxina botulínica e
a transposição peritônio-aponeurótica (técnica
Lázaro da Silva). O resultado do
procedimento (PPP + hernioplastia sublay) de um caso semelhante é demonstrado
nasFiguras 5 e 6.
Tabela 1: Fatores de risco para o desenvolvimento de hérnias incisionais
abdominais
Obesidade*
Diabetes Mellitus
Desnutrição
Idade avançada
Tabagismo
DPOC
Técnica inadequada
Complicações da ferida
Colagenoses
*Principal fator associado às hérnias incisionais volumosas, especificamente.
Figura 4: Pneumoperitônio instalado no centro cirúrgico, sob anestesia geral. A punção no
hipocôndrio esquerdo foi realizado com Agulha de Veress (1) e posteriormente inserido o
cateter de duas vias com um fio guia (2). Instalação do pneumoperitônio com injeção de ar
ambiente utilizando-se seringa de 50mL conectada ao cateter intra-abdominal (3). Observe o
aspecto final com o paciente já acordado na enfermaria (4). Imagens gentilmente cedidas pelo
orientador Rafael C. Barbuto.
Figura 5: Imagens do pré-operatório de um caso de hérnia abdominal gigante, antes da
realização do PPP. Retirado de: Tanaka EY, Yoo JH, Rodrigues Jr. AJ, Utiyama RM, Birolini
D, Rasslan S. A computerized tomography scan method for calculating the hernia sac and
abdominal cavity volume in complex large incisional hernia with loss of domain. Hernia
2010; 14:63-69
Figura 6: Imagens do pós operatório (imediato e após 7 dias, respectivamente) de
hernioplastia com prótese, após uso do PPP e sem a realização de abdominoplastia. Retirado
de: Tanaka EY, Yoo JH, Rodrigues Jr. AJ, Utiyama RM, Birolini D, Rasslan S. A
computerized tomography scan method for calculating the hernia sac and abdominal cavity
volume in complex large incisional hernia with loss of domain. Hernia 2010; 14:63-69
Aspectos relevantes
- A hérnia incisional é uma projeção anormal de conteúdo abdominal pela cicatriz cirúrgica e
seu diagnóstico é clínico (história de laparotomia + herniação de conteúdo abdominal).
- A hérnia incisional é classificada como gigante, também conhecida como volumosa ou
complexa, quando o maior eixo do defeito na fáscia for superior a 10 cm, com variações na
literatura,
- São Fatores de risco: diabetes mellitus tipo 2, idade avançada, desnutrição e obesidade. A
realização de cirurgia bariátrica por videolaparoscopia é fator protetor ao desenvolvimento
da hérnia, em relação à laparotômica.
- A razão entre volumes do saco herniário e da cavidade abdominal maior que 25% é sugestiva
de perda de domicílio e indicação para realização de pneumoperitôneo progressivo préoperatório.
- O reparo da hérnia gigante é eletivo. Caso seja optado pela correção, é recomendada a
colocação sublay da tela, associada ou não ao PPP e à abdominoplastia.
Referências
- Bikhchandani J, Fitzgibbons RJ. Repair of Giant Ventral Hernias. Advances in Surgery 2013
Set; 47:1-27.
- Deerenberg EB, Timmermans L, Hogerzeil DP, Slieker JC, Eilers PHC, Jeekel J, Lange JF.
A systematic review of the surgical treatment of large incisional hernia. Hernia 2015; 19:89101.
- Tanaka EY, Yoo JH, Rodrigues Jr. AJ, Utiyama RM, Birolini D, Rasslan S. A computerized
tomography scan method for calculating the hernia sac and abdominal cavity volume in
complex large incisional hernia with loss of domain. Hernia 2010; 14:63-69.
- Minossi JG, Oliveira WK, Llanos JC, Ielo SM, Hasimoto CN, Pereira RSC. O uso do
pneumoperitônio progressivo no pré-operatório das hérnias volumosas da parede abdominal.
Arquivos de Gastroenterologia 2009 abr/jun; 46:121-126.
- Sabbagh C, Dumont F, Robert B, Badaoui R, Verhaeghe P, Regimbeau JM. Peritoneal
volume is predictive of tension-free fascia closure of large incisional hérnias with loss of
domain: a prospective study. Hernia 2011; 15:559-565.
- Slater NJ, Montgomery A, Berrevoet F, Carbonell AM, Chang A, Franklin M, Kercher KW,
Lammers BJ, Parra-Davilla E, Roll S, Towfigh S, van Geffen E, Conze J, van Goor H, Criteria
for definition of a complex abdominal wall hernia. Hernia 2014; 18:7-17.
Responsáveis
André Ribeiro Guimarães, acadêmico do 10º período da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais.
E-mail: guimaraesandrer[arroba]hotmail.com
Bárbara Mello Faria, acadêmica do 10º período da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Minas Gerais.
E-mail: barbaramellofaria[arroba]gmail.com
Isabela Lopes Barbosa, acadêmica do 10º período da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Minas Gerais.
E-mail: isalopesbarbosa[arroba]gmail.com
Orientadores
Rafael Calvão Barbuto, professor adjunto do departamento de cirurgia da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
E-mail: rafaelbarbuto[arroba]gmail.com
Marcela Ferreira Nicoliello, médica radiologista e especializanda do 4º ano em Ressonância
Magnética no Hospital Mater Dei.
E-mail: marcela_nicoliello[arroba]yahoo.com.br
Revisores
Barbara Queiroz, Fábio Satake, Hércules Riani, Júlia Petrocchi, Rafael Waldolato e Profa.
Viviane Parisotto.
Agradecimentos
Agradecemos imensamente à paciente e família que consentiram, por escrito, com que
usássemos as imagens radiológicas para a composição do caso. Infelizmente a paciente veio a
falecer posteriormente, por uma condição não relacionada à hérnia abdominal. Desejamos
nossos sentimentos à família e conhecidos.
Download