Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade NORMAS LINGUÍSTICAS E SEUS DESDOBRAMENTOS DIDÁTICOPEDAGÓGICOS NO ENSINO DA ORALIDADE CULTA Josina Augusta Tavares Teixeira - UFJF1 A democratização do ensino fundamental e médio, consolidada pela LDB de 1996, alterou substancialmente o corpo discente, trazendo para a escola as classes pobres, distanciadas da escrita e da oralidade cultas. Esta, entretanto, seguiu sustentando a primazia da escrita, ignorando a variação linguística que se lhe apresentava, o que produziu obstáculos intercomunicacionais, gerando danos concretos ao novo alunado: sentimento de menosvalia, dificuldades de aprendizagem, reprovações massivas, rebeldia, evasões escolares. Dentro desse quadro que se estende até a contemporaneidade, devemos admitir que importantes justificativas se configurem como inquestionáveis para o estudo dos gêneros orais: centralidade da oralidade; eficácia da oralidade na construção de identidades sociais; ativação de ações diferentes da modalidade escrita; contribuição na formação cultural e preservação de tradições orais; poder instrumentalizador para o trânsito nas diferentes esferas sociais. Assim, a omissão do trabalho didático oral aponta para a urgência dessa abordagem, sob o viés da Sociolinguística, que legitima as diferentes variações e respalda ações didáticas produtivas. A partir das minhas observações de professora, desenvolvi uma pesquisa ao longo do ano letivo de 2012 e 2013, em duas turmas de quinto ano de diferentes realidades socioeconômicas. Foram, ao todo, dezoito “Oficinas de Oralidade”, que oportunizaram ricas experiências de conversação. Como metodologia, optei pela pesquisa-ação, pautada pelos pressupostos sociolinguísticos, essenciais a uma educação cidadã, democratizadora. Os resultados obtidos apontam um significativo crescimento dos alunos: participação ativa nos eventos orais, ampliação da capacidade de reflexão sobre as variações linguísticas e seus determinantes socioculturais, apropriação de conceitos sociolinguísticos, utilização de recursos da oralidade culta em situações reais de comunicação, a par do envolvimento entusiasmado das professoras também envolvidas na pesquisa e da divulgação da Sociolinguística. Palavras-chave: Oralidade e escola. Sociolínguística e práticas escolares. Variedades linguísticas. 1 [email protected] EdUECE - Livro 3 02765 Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade INTRODUÇÃO A democratização do ensino fundamental e médio, consolidada pela LDB de 1996, alterou substancialmente o corpo discente, trazendo para a escola as classes pobres, distanciadas da escrita e da oralidade cultas. Esta, entretanto, seguiu sustentando a supremacia da escrita, ignorando as normas linguísticas populares que se lhe apresentavam, o que produziu obstáculos intercomunicacionais, gerando danos concretos ao novo alunado: sentimento de menos-valia, dificuldades de aprendizagem, reprovações massivas, rebeldia, evasões escolares. Dentro desse quadro que se estende até a contemporaneidade, a omissão do trabalho didático com a oralidade aponta para a urgência da sua implementação, pautado pela Sociolinguística. Valendo-me das observações acumuladas nos anos de magistério, respaldadas pela leitura de tantos estudiosos como Bagno (2001, 2002, 2003, 2010), Calvet (2002), Antunes (2003, 2007), Dionísio e Bezerra (2003), Bortoni-Ricardo (2004, 2005, 2011), Magalhães (2007), Mollica (2007), Cyranka e Pernambuco (2008), Faraco (2008), Labov (2008) e Cyranka (2009), dentre tantos que respaldaram minha trajetória investigativa, selecionei alguns pressupostos que explicam a ausência do trabalho com a oralidade e da pedagogia da variação linguística em sala de aula: A menos-valia atribuída à oralidade pela tradição escolar e seus desdobramentos: lacunas na formação dos professores a respeito das propostas da Sociolinguística; falta de definição clara de “norma culta”; crença de que as competências orais do aluno já se acham suficientemente construídas quando o aluno chega à escola. A dinâmica própria dos trabalhos didáticos com a oralidade e suas implicações: o dinamismo das atividades orais que desorientam os professores; a preocupação de se expor o aluno a situações desconfortáveis, quando este evidencia sua norma popular ou sua opinião; a inibição tão recorrente entre os alunos nas exposições orais. Entretanto, o fato é que a escola não pode se eximir do compromisso de levar seus alunos ao domínio dos recursos da norma oral culta. A inserção da oralidade entre os objetivos do ensino de LP justifica-se pelo fato de ser a modalidade mais usual enquanto meio de interação, de se configurar como lócus dialógico por excelência e de sua relevância pragmática na contemporaneidade, sua eficácia na construção de identidades sociais; ativação de ações diferentes da modalidade escrita; contribuição na formação EdUECE - Livro 3 02766 Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade cultural e preservação de tradições orais; poder instrumentalizador para o trânsito nas diferentes esferas sociais. A par desses argumentos, a linguagem oral também é um forte aliado do professor no processo do ensino e da aprendizagem, pois pode potencializar as condições para a aprendizagem significativa das outras disciplinas, impulsionando o desenvolvimento do aluno. Também, considerando-se a escassez de situações reais de uso de discurso oral formal fora do ambiente escolar, a instituição escolar constitui um ambiente favorável ao desenvolvimento da oralidade, uma vez que dispõe de potencial para a ampliação discursiva. Entretanto, a escola continua efetivando uma prática pedagógica que reproduz a desigualdade social, quando dá um valor preponderante à escrita sobre a fala, mantém uma visão equivocada de que a fala é lugar privilegiado para a transgressão das regras de gramática, desconhece como legítimos os diversos falares, elege o trabalho com a gramática tradicional e suas regras como prioritário, utiliza textos alheios à realidade de seus alunos, negligencia o trabalho de produções escritas autorais, privilegiando cópias e outras reproduções. 1 UMA PESQUISA BEM SUCEDIDA A partir das minhas inquietações de professora, desenvolvi uma pesquisa, ao longo dos anos letivos de 2012 e 2013, em duas turmas de quinto ano de diferentes realidades socioeconômicas. Foram, ao todo, dezoito “Oficinas de oralidade”, que oportunizaram ricas experiências de conversação. Como metodologia, optei pela pesquisa-ação, pautada pelos pressupostos sociolinguísticos, essenciais a uma educação cidadã, democratizadora. A pesquisa objetivou verificar a eficácia de práticas didáticas de oralidade em sala de aula e pautou-se pelos seguintes objetivos: Encorajamento para a participação ativa nos eventos orais. Conhecimento da multiplicidade de variações linguísticas brasileiras, a partir de análises comparativas, tendo como parâmetro as variedades cultas. Construção de sentimento de respeito aos diferentes dialetos. Compreensão do valor social das diferentes variações. EdUECE - Livro 3 02767 Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade Ampliação do domínio comunicacional, com a incorporação de recursos da norma oral culta. Mudança de enfoque do “erro” para o de “adequação linguística”. 2 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final da pesquisa nas duas escolas, os resultados obtidos apontam um significativo crescimento dos alunos: participação ativa nos eventos orais, ampliação da capacidade de reflexão sobre as variações linguísticas e seus determinantes socioculturais, apropriação de conceitos sociolinguísticos, utilização de recursos da oralidade culta em situações reais de comunicação, a par do envolvimento entusiasmado das professoras também envolvidas na pesquisa e da divulgação da Sociolinguística. Avaliando o processo e o produto das Oficinas de oralidade, concluo que os recursos nelas utilizados tiveram suficiente poder para se transmutarem em ações concretas e reafirmo minhas convicções, realçando a indiscutível importância da escola como fonte transmissora de cultura. Em relação à aquisição dos recursos da norma oral culta, creio que a ação pedagógica deve adotar, como ponto de partida, o reconhecimento das diversas normas abarcadas pelo nosso idioma, com vistas a uma educação que vise à erradicação do preconceito linguístico. Também, acredito que, somente um ensino respaldado pelos pressupostos sociolinguísticos, poderá diminuir o fosso entre as variedades cultas da escola e as populares dos alunos. E acrescento, ainda, a minha convicção de que, aos cursos de graduação para formação de professores, deva ser atribuída a parcela mais significativa de responsabilidade da divulgação da Sociolinguística Educacional, como lócus de análise, discussão, reflexão e disseminação de novos métodos e metodologia REFERÊNCIAS: ANTUNES, Irandé. Aula de português – encontro & interação. São Paulo: Parábola, 2003. ______. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola, 2007. BAGNO, Marcos. (Org.). Norma linguística. São Paulo: Loyola, 2001. EdUECE - Livro 3 02768 Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade ______. (Org.). Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2002. ______. Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola, 2002. ______. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2003. ______. Dramática da LP: tradição gramatical, mídia e exclusão social. São Paulo: Edições Loyola, 2010. BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a Sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. ______. Nós cheguemu na escola, e agora? São Paulo: Parábola Editorial, 2005. ______. Do campo para a cidade: estudo sociolinguístico de migração e redes sociais. São Paulo: Parábola, 2011. CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002. CYRANKA, Lucia Furtado Mendonça; PERNAMBUCO, Dea Lucia Campos. A língua culta na escola: uma interpretação Sociolinguística. Instrumento (Juiz de Fora), v. 10, p. 1-9, 2008 ______. Linguagem e construção da subjetividade na escola. In: Círculo de Rodas de Conversas bakhtinianas. São Carlos: Pedro e João Editores, 2009. v. 01. DIONÍSIO, Ângela Paiva; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.). O livro didático de português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. FARACO, Carlos Alberto. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola, 2008. LABOV, William. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola, 2008. MAGALHÃES, Tânia Guedes. Concepção de oralidade: a teoria nos PCN e no PNLD e a prática nos livros didáticos. 2007. 211f. Tese (Doutorado em Letras) Universidade Federal Fluminense. EdUECE - Livro 3 02769