BOLETIM MACROECONOMIA n79.indd

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Brasília, 11 de janeiro de 2011. Nº 79
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As novas restrições cambiais e seus efeitos
A escalada de restrições cambiais que se observa no mundo desde o ano passado é a
resposta à extraordinária expansão de liquidez promovida pelos países desenvolvidos especialmente os EUA -, na sua tentativa de abreviar a recessão que grassa em suas economias.
No caso dos países emergentes, em geral economias pequenas, o intenso influxo de capitais
resultante do excesso de liquidez tem produzido apreciação real das moedas domésticas, ao
mesmo tempo em que se verifica aumento das taxas de inflação. O trade off (compensação)
de política econômica desses países não é fácil de resolver. De um lado, a apreciação real
deteriora a capacidade competitiva e concorre para ampliar o déficit em conta-corrente.
De outro, a alta da inflação requer medidas monetárias e fiscais restritivas, entre as quais
elevação da taxa interna real de juro. O aumento do juro estimula a entrada de capital e
tende a apreciar ainda mais a taxa de câmbio. Para evitar isso, os bancos centrais acumulam
reservas cambiais, em geral a um custo fiscal elevado, dado pelo diferencial entre os juros
interno e externo. A imagem que fica é a do cachorro correndo atrás do próprio rabo.
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No contexto de economias pequenas - price-takers (tomadores de preço) no mercado
financeiro mundial -, pode-se argumentar que o problema só persiste porque os
bancos centrais não deixam a taxa doméstica de juro cair até que o espaço de arbitragem seja
eliminado. Em teoria, o argumento é correto, porém na prática é politicamente inaceitável,
pois caso os juros se mostrassem “flexíveis” isto implicaria, entre outras coisas, deixar a taxa
de inflação subir para racionar o excesso de demanda causado pela queda do juro real. Em
outras palavras, o pais teria de abandonar o regime de metas de inflação e passar a praticar
uma política monetária totalmente passiva. A heterodoxia representada pelas restrições sobre
os fluxos de capitais é uma tentativa de atenuar os custos de ajustamento a esta situação
internacional anômala e, provavelmente, passageira.
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A imposição do compulsório de 60% sobre a posição vendida em moeda estrangeira dos
bancos deve ser entendida neste contexto. E parece buscar três objetivos, interligados.
O primeiro seria reduzir o volume de compras do Banco Central (BC) no mercado de câmbio.
Em 2010, o balanço de pagamentos (o chamado fluxo cambial) apresentou superávit de US$
24,3 bilhões, enquanto o sistema bancário alterou sua posição cambial em US$ 20,2 bilhões
– de comprada em US$ 3,4 bilhões para vendida em US$ 16,8 bilhões. Isto fez com que a
aquisição de reservas internacionais pelo Banco Central chegasse a mais de US$ 40 bilhões.
Nesse período, o sistema bancário atuou como um importante arbitrador do diferencial de
juros. O compulsório, na medida em que a alíquota esteja bem graduada, deverá eliminar o
espaço de arbitragem dos bancos e, tudo o mais constante, reduzir o volume de compras do
BC. Com isso, o custo fiscal do carregamento de reservas deverá aumentar mais lentamente.
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De qualquer modo, o compulsório sobre a posição vendida não resolve o problema
básico. Os demais participantes do mercado de câmbio (exportadores, importadores,
investidores estrangeiros, entre outros) não foram alcançados pela medida. Para alguns desses
participantes, a restrição atual é dada pelo IOF, cuja alíquota também pode ser calibrada de
maneira a inibir as operações.
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O segundo objetivo, obviamente, é reduzir a pressão baixista do dólar, na medida
em que o principal arbitrador, pelos dados de 2010, teria sido alijado do mercado.
É possível que, no curto prazo, o dólar pare de cair, porém não vemos razões para que a
medida mude significativamente a trajetória da taxa de câmbio no médio prazo, determinada
por fatores muito mais abrangentes do que a simples arbitragem dos bancos. Isso nos leva
a supor que novas restrições cambiais poderão ser impostas pelo governo brasileiro nos
próximos meses, desde que persista o objetivo de evitar a apreciação do real.
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O terceiro objetivo da medida tem caráter prudencial. Embora o sistema bancário
opere “casado”, isto é, não corra risco de câmbio no carregamento de suas posições
em moeda estrangeira, o Banco Central revelou certa preocupação com a possibilidade de
que, numa reversão inesperada do quadro atual, como ocorreu no último trimestre de 2008,
o desmanche maciço de posições vendidas possa produzir forte instabilidade no mercado de
câmbio e, mais ainda, contaminar outros participantes. Não devemos esquecer os grandes
prejuizos incorridos por empresas não financeiras nas operações com derivativos de câmbio
naquela ocasião. Não é por outra razão que o presidente do BC fez um alerta geral aos
participantes de mercado, no sentido de que avaliem cuidadosamente os riscos envolvidos.
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Conclui-se que existem argumentos sólidos para justificar a imposição do novo
compulsório sobre os bancos. Entretanto, trata-se de medida parcial: não resolve o
problema da custosa acumulação de reservas, não altera a trajetória da taxa de câmbio no
médio prazo e não evita possíveis instabilidades futuras no mercado.
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