A difícil melhor saída da crise LUCIANO COUTINHO Não se pode deixar de registrar a forma inoportuna, improvisada e até mesmo leviana com que foi conduzida a mudança da política cambial em meados de janeiro. Uma mudança de alto risco não deveria ter sido efetuada em meio à tormenta e sem que, antes, se tivesse armado todas as condições para a gestão posterior da política macroeconômica. O que se viu, porém, foi uma operação inacreditavelmente confusa, sucedida por uma postura doutrinária, irrealista (ou cínica?), de livre flutuação da taxa de câmbio, ignorando fatos elementares (e.g. a situação de desequilíbrio do mercado de câmbio, onde a demanda por dólares supera a oferta em decorrência da escassez de capitais para cobrir o déficit em conta corrente; a elevada incerteza e o fato do mercado cambial ser relativamente pequeno e raso, sujeito a grande volatilidade). A crença nas virtudes da livre flutuação (ou a conivência com a especulação) levou a uma perigosíssima passividade do Banco Central, que quase provocou na semana retrasada uma corrida desenfreada contra a moeda nacional. Felizmente ainda há alguma chance de recolocar o processo nos trilhos -embora sobre uma base de expectativas bastante deteriorada. Uma série de condições positivas -cumulativas- são necessárias para domar a incerteza: 1) o FMI precisa antecipar ou desembolsar sem postergações os US$ 9,5 bilhões programados para março, devendo reformular o programa fiscal brasileiro de modo realista e factível; 2) os bancos privados precisarão colaborar mantendo as linhas de crédito para o comércio exterior e abstendo-se de especular contra o real; 3) o Banco Central precisará intervir com dureza e maestria no mercado cambial, suprindo a deficiência de dólares e induzindo a estabilização das cotações para evitar surtos especulativos. Feitas as contas, a situação do financiamento externo é bastante apertada ao longo do ano. Calcula-se que existam vencimentos pendentes de US$ 39 bilhões que somados a um déficit em conta corrente de US$ 23 bilhões (substancialmente reduzido em relação ao do ano passado, que alcançou US$ 35 bilhões, em função de uma forte reversão da balança comercial e da conta-turismo) totalizam uma necessidade de recursos externos de US$ 62 bilhões. Desse montante, US$ 30 bilhões virão do acordo já firmado com o FMI-G7, sendo indispensável que os investidores externos supram a diferença de US$ 32 bilhões. O programa de privatização já preparado para 1999 prevê um volume total de US$ 20 bilhões, dos quais os investidores estrangeiros poderão participar com US$ 7 bilhões ou US$ 8 bilhões. Pode-se imaginar mais US$ 4 bilhões de investimentos diretos, deixando um saldo em aberto de US$ 20 bilhões. Esse volume pode ser preenchido por um conjunto de fontes: a) ampliação das linhas de crédito comercial; b) lançamento de novos bônus federais no mercado internacional; c) reforço do suporte do FMI-G7; d) retorno de parte dos recursos remetidos por brasileiros para o exterior, desde o início da crise russa (estimados em aproximadamente US$ 20 bilhões). As contas são justas, mas seria plausível financiar o balanço de pagamentos se for possível restabelecer um mínimo de confiança. A chave para tornar administrável a política macroeconômica é construir, o quanto antes, uma trajetória credível de retorno da taxa de câmbio para uma faixa entre R$ 1,55 e R$ 1,6 (equivalente a uma desvalorização de 30%). O nível atual, de R$ 1,8, corresponde a uma máxi de 50%, já suficiente para tornar imanejáveis os impactos financeiros sobre as contas públicas, empresas, bancos e sobre a formação de preços (a inflação subiria para perto de 20% ao ano). Se deixada nesse nível por mais três ou quatro semanas essa cotação do câmbio começará a provocar sequelas irreversíveis e o mercado voltará a ficar inquieto, tendendo a testar a capacidade do BC e caminhando, a exemplo do México, da Coréia e de outros países, para máxis de 100% ou mais. Por outro lado, se o governo for capaz de limitar a violência da máxi, construindo uma trajetória de retorno da taxa de câmbio para perto de R$ 1,6: a) seria possível minimizar o efeito sobre a inflação, que ficaria perto de 10% ao ano; b) seria mais palatável o impacto adverso sobre as finanças públicas; c) embora com dificuldades, se poderia refinanciar os passivos em dólar, descobertos, do setor privado; d) o ganho real de câmbio permitiria melhorar substancialmente o desempenho comercial, desde que suplementado por uma firme política industrial e de comércio exterior (considere-se que o Brasil tem mais de 60% do seu comércio com os EUA e a Europa, blocos econômicos que estarão crescendo moderadamente em 1999, diferentemente dos países asiáticos, que obtiveram grande estímulo cambial, mas se defrontam com uma séria retração do comércio intra-asiático); f) a taxa de juros poderia cair para um patamar inferior a 13% ao ano, ajudando a regenerar a saúde econômica do país. Esse é o caminho para sair da crise sem impor um pesado e inútil sacrifício à população brasileira -especialmente aos pobres e aos trabalhadores. A adoção de um regime de câmbio com flutuação suja, regulada pelo BC, tem a vantagem de preservar a flexibilidade necessária ao reequilíbrio a longo prazo do balanço de pagamentos. O Brasil tem um peso relevante para o sistema internacional e deveria jogar incisivamente com esse fator para obter suporte externo, sem ter que fazer concessões absurdas e impatrióticas (e.g. alienação da Petrobrás, do BB e da CEF). Se o governo adotar uma política responsável e aberta ao diálogo com os interesses organizados da sociedade e com as oposições ainda poderá lograr essa saída menos custosa para a crise. Se, ao contrário, tolerar a especulação e ajoelhar-se frente aos interessados de grande finança internacional estará selando um destino inglório e caminhando para um cenário de desestruturação da economia e da nação -cenário ingrato do qual, aliás, não estaria excluída uma moratória involuntária. Luciano Coutinho, 53, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).