EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO E GÁS NATURAL À

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EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO E GÁS NATURAL À LUZ DA
ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Hélio Varela de Albuquerque Júnior¹ (Acadêmico do curso de Direito da UFRN; Bolsista do Programa de
Recursos Humanos em Direito do Petróleo e Gás Natural, PRH-ANP/MCT n° 36), Lucas Vale de Araújo²
(Acadêmico do curso de Direito da UFRN; Bolsista do Programa de Recursos Humanos em Direito do Petróleo
e Gás Natural, PRH-ANP/MCT n° 36), Otacílio dos Santos Silveira Neto (Pesquisador-visitante do Programa de
Recursos Humanos em Direito do Petróleo e Gás Natural, PRH-ANP/MCT n° 36), Yanko Marcius de Alencar
Xavier (Coordenador do Programa de Recursos Humanos em Direito do Petróleo e Gás Natural, PRHANP/MCT n° 36)
¹Rua Ataulfo Alves, 1877, Apto. 102, Candelária. Natal/RN, [email protected]
²Rua Alameda das Margaridas, 1275, Apto. 9, Tirol. CEP: 59020-580. Natal/RN, [email protected]
Atento ao progresso político-econômico e visando a adaptar-se às exigências do modelo capitalista ora adotado,
o Estado assume uma nova função, qual seja, a de agente normativo e regulador da atividade econômica,
calcando-se na busca por uma harmonia entre o progresso financeiro da nação e a proteção ao indivíduo,
suavizando, dessa forma, os impactos sócio-econômicos oriundos das características inerentes a tal modelo.
Neste diapasão, ostenta o Estado um papel imprescindível pelo qual, analisando o contexto hodierno do país,
indicará sua política econômica e social, atuando, assim, ora negativamente, coadunando-se com os anseios do
Estado liberal, ora de forma positiva, regulatória, aproximando-se do modelo social intervencionista. É neste
contexto, de um Estado que integra dispositivos que definem um modelo econômico de bem-estar, com outros de
cunho neoliberal, que se inserem as modificações ocorridas na Indústria do Petróleo e Gás Natural, sobretudo
com o advento das reformas realizadas à ordem econômica da Constituição Federal de 1988, muitas
influenciadas, direta ou indiretamente, pelo Programa Nacional de Desestatização. Nesse sentido, o objetivo do
presente trabalho consiste, em suma, em analisar, a partir de um enfoque constitucional, o atual cenário da
referida indústria no Brasil, trazendo à baila, para tanto, a evolução de tal setor ao longo das cartas magnas
passadas, bem como as modificações propiciadas pela Emenda Constitucional n° 9/95, responsável pela
flexibilização do monopólio estatal sob a atividade petrolífera no país. Destacaremos, ainda, os principais pontos
da Lei do Petróleo, assim como a importância da Agência Nacional do Petróleo (ANP), instituída pelo referido
diploma.
Ordem econômica, Indústria do Petróleo, Emenda Constitucional n° 9/95.
1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento econômico de um país está intimamente ligado à habilidade do Estado em adaptar suas
políticas públicas às constantes variações sofridas pela nação em sua conjectura sócio-econômica. A partir desse
raciocínio, observa-se que o modo pelo qual o Poder Público atua junto à economia tem sido, ao longo dos
tempos, alterado em grau e intensidade, operando esse, assim, ora de maneira negativa, se abstendo, ora se
portando positivamente, intervindo de forma marcante nas relações econômicas. Assim, por meio dessa
imprescindível busca adaptativa, tem o Estado, no tocante a sua interação com o domínio econômico, assumido
diferentes facetas que, como nos mostra a História, se alternam ciclicamente. Nesse sentido, a conhecida
evolução “mercantilismo – liberalismo – keynesianismo – neoliberalismo” corresponde à constante necessidade
estatal de se amoldar ao contexto não só interno, mas também supranacional ao qual o país está envolvido.
Mencionar as diferentes feições que assume o Estado na conjuntura evolutiva de uma nação é de fundamental
relevância. Partindo do entendimento da referente alusão, constataremos, ao longo da abordagem proposta acerca
da evolução constitucional da Ordem Econômica nas constituições brasileiras a seguir, o papel atuador do
Estado, facilitando, desta feita, a vislumbrarmos as repercussões ocorridas à indústria do petróleo e gás natural.
Preocupar-se-á este estudo, por conseguinte, em examinar o contexto contemporâneo do cenário petrolífero
nacional, fazendo-se necessário, para tanto, uma abordagem acerca do desenvolvimento do ambiente políticoeconômico do país, dando ênfase à Emenda Constitucional (EC) nº 9/95, tratando não só dos aspectos que
levaram à sua concretização, mas também, buscando identificar os efeitos que esta acarretou a Indústria
petrolífera.
Destacaremos, por fim, os aspectos gerais da Lei n° 9.478/97, a intitulada Lei do Petróleo, importante marco
regulatório garantidor das implicações trazidas pela citada emenda, procurando demonstrar, sobretudo, qual a
importância da Agência Nacional do Petróleo (ANP), órgão nascido com a promulgação da referida lei.
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2. EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL DA ORDEM ECONÔMICA E SEUS REFLEXOS NA
INDÚSTRIA DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL NO BRASIL
2.1 A Constituição de 1824
Mesmo norteada pelas inspirações liberais e baseada na reduzida autonomia do Estado para imiscuir-se na
atividade econômica, tal Carta imperial valia-se de conceitos abertos como o de segurança e saúde dos cidadãos,
bem como costumes públicos, para delimitar a atividade privada, tendo como destaque entre seus dispositivos, o
art. 179.1
Entre os incisos dispostos neste artigo, merece atenção o inciso XXII relacionado ao regime de propriedade
adotado, o qual afirma: “É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público
legalmente verificado exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do
valor dela. A lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção, e dará as regras para se determinar a
indenização”.
Analisando tal inciso, constata-se que o caráter pleno adotado está amparado pela influência do liberalismo
da época, o qual tem garantido como um de seus fundamentos básicos, o direito de propriedade. Neste
raciocínio, a plenitude consagrada baseia-se na idéia de que é preferível o prejuízo trazido por alguma
imprudência do proprietário do que a transgressão do seu livre domínio.2
Apesar da preocupação constitucional quanto à propriedade do subsolo (minas) só vir a ocorrer mais
enfaticamente a partir da Constituição de 1891, influenciada pelo Código de Minas de Napoleão de 1810, a Carta
maior em comento adotou o chamado sistema dominial (regaliano) de exploração das jazidas, no qual a
exploração do subsolo era realizada mediante outorga da Coroa Portuguesa através de concessão ao interessado.
Neste diapasão, faz-se mister ressaltar o surgimento, à época do Governo do Segundo Reinado, dos primeiros
apontamentos acerca da exploração de petróleo no país, quando, por volta de 1864, iniciou-se, sobretudo na
Bahia, os estudos iniciais relacionados à possibilidade de haver petróleo no território nacional.
O Decreto nº 3.352-A de 1864, apontado como o pioneiro dessa linha, tratou de conceder a Thomas Denny
Sargent permissão para extração de petróleo, bem como outros minerais, nas comarcas de Ihéus e Camamu
(BA)3. Primeiro de muitos, acarretou o mesmo em diversas reclamações formais ao imperador por parte dos
proprietários locais, os quais reivindicavam pela exclusão de suas terras da concessão, sendo mantido, porém, o
privilégio concedido exatamente pelo sistema dominial adotado.
Todo este panorama acima alinhavado inverte-se com a promulgação da Constituição republicana de 1891,
sendo modificadas radicalmente as condições legais da atividade mineral, como veremos a seguir.
2.2 A Constituição de 1891
Merece destaque na Constituição Republicana a preocupação mais aprimorada do direito de propriedade,
principalmente no que tange a propriedade intelectual e a do subsolo, notando-se, em relação a essa última, um
rompimento com o sistema dominial ora adotado no Império, sendo instituído o chamado sistema fundiário ou
direito de acessão. Tal sistema atribuía, a título de propriedade acessória, a propriedade do subsolo e de suas
riquezas ao proprietário, pertencendo “as minas aos proprietários do solo, salvas as limitações que forem
estabelecidas em lei a bem da exploração deste ramo de indústria”, conforme estabelecido no art. 72, § 17.
Desta forma, se manteve a plenitude da garantia da propriedade, mudando-se, quanto à carta imperial de
1824, apenas, o sistema de exploração do subsolo. Este novo cenário torna-se marcado, portanto, pela gradual
redução da extensão de terras públicas sob jurisdição da União exatamente, pela nova idéia adotada em que a
propriedade do solo inclui a do subsolo.4
Perdurando por 43 anos, a Carta Republicana acompanhou a evolução do pensamento político no decorrer do
final do século XIX e conseqüentemente, seus desdobramentos no panorama do direito constitucional. Neste
raciocínio, podemos afirmar que mesmo configurando-se em uma constituição de cunho nitidamente liberal, se
averiguou ao passar dos tempos, as primeiras linhas de um Estado com papel interventor.
2.3 A Constituição de 1934
Primeira das Leis Magnas do Brasil a instituir expressamente uma ordem econômica, de maneira apartada,
em seu Título IV, arts. 115 a 143, a Constituição de 1934, de cunho altamente intervencionista comparada às
cartas anteriores, apesar de breve vigência, encampou o espírito da época em que eram dados os primeiros passos
no sentido de ampliar o Estado para dele fazer novo instrumento de promoção social.
1
TOLEDO,Gastão Alves de. O Direito Constitucional Econômico e sua Eficácia. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 124.
BUENO, Pimenta, apud TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2006. p. 104.
3
MINADEO, Roberto. Petróleo: A maior indústria do mundo? Rio de Janeiro: Thex, 2002. p. 77.
4
MINADEO, Roberto. op. Cit. p. 79.
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Neste ínterim, trouxe como carro chefe desta nova visão de ingerência, o disposto no seu artigo inicial (art.
115), o qual afirmava que a ordem econômica instituída deveria teria por base os princípios da justiça e as
necessidades da vida nacional possibilitando a todos uma existência digna.
Merece destaque, como artefato para o desenvolvimento do amplo espaço à intervenção do Estado na
Economia, o art. 116, o qual afirmava que por motivo de interesse publico e autorizada em lei especial, poderia a
União monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, asseguradas as indenizações devidas, ficando
ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos poderes locais. Tal disposição nasceu, portanto,
da preocupação do Estado com os rumos da economia do nosso país, principalmente devido ao contexto de crise
econômica instaurado à época, decorrente do crash na Bolsa de Nova Iorque5.
À luz da Indústria Petrolífera, tal Carta rompeu com o sistema fundiário abraçado pela Lex Legum de 1891,
adotando o sistema da concessão, ficando previsto em seu art. 118 que as minas e demais riquezas do subsolo
constituíam propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento industrial, dependendo
tal aproveitamento, de autorização ou concessão federal, na forma da lei. Observa-se que através do disposto no
§ 1º do art. 119, estas autorizações ou concessões seriam conferidas exclusivamente a brasileiros ou a empresas
organizadas no Brasil, cabendo ao proprietário a preferência na exploração ou co-participação nos lucros.
Cumpre mencionar, por fim, a elaboração do primeiro Código de Minas, por meio do Decreto nº 24.642, e a
criação da Companhia Petróleo Nacional S.A por Édson de Carvalho e Monteiro Lobato , o que impulsionou o
início das perfurações em Lobato, arrabalde de Salvador, na Bahia 6.
2.4 A Constituição de 1937
Conhecida como “Constituição Polaca”, foi marcada por um período fértil de decretos-leis, os quais eram as
fontes efetivas das normas econômicas que vigoravam a época da ditadura então estabelecida. Neste contexto,
nota-se uma ampla abertura para a intervenção estatal, revelando-se, dessa forma, anseios extremamente
nacionalistas, elevados ao patamar dos interesses do Estado.
Quanto à seara petrolífera, a Norma Fundamental de 1937 manteve o sistema para a exploração dos recursos
do subsolo adotado pela constituição anterior, realizando algumas alterações ao texto de 1934, entretanto, ao não
mais fazer referência à concessão, mas tão somente à autorização para a exploração das minas pelos particulares.
No mesmo sentido, vedou por completo, a participação de estrangeiros nesta atividade, coadunando-se com a
vertente nacionalista ora implantada, a qual teve suas bases reforçadas com o incremento de novas políticas
protecionistas através da promulgação de um novo Código de Minas, promulgado pelo Decreto-Lei nº 1985, em
1940.
Cumpre destacar por fim, o surgimento da primeira regulamentação da Indústria do petróleo, o Decreto-Lei
nº 395 de 29 de Abril de 1938, o qual, através do seu art. 4º, veio a criar o Conselho Nacional do Petróleo (CNP),
organismo autônomo subordinado diretamente ao Presidente da República, que representou a primeira iniciativa
consistente do Estado Brasileiro de regulação do setor petrolífero. Tal decreto, ainda, nacionalizou, por meio do
art. 3º, a indústria da refinação, por entender ser esse um setor da maior relevância para a segurança e o
desenvolvimento nacional, bem como declarou de utilidade pública as atividades da indústria petrolífera, se
configurando como o primeiro ato normativo a disciplinar todas as etapas desta indústria existentes à época no
Brasil7.
2.5 A Constituição de 1946
Fruto da redemocratização do país, tal Constituição se mostrou, em relação à Ordem Econômica e Social,
mais equilibrada que a de 1934, especialmente no que se refere ao acentuado nacionalismo nesta exposto. Ao
restabelecer uma economia capitalista de mercado – o que nem por isso afastou hipóteses intervencionistas – ,
trouxe uma ordem econômica calcada nos princípios da justiça social, conciliados com a liberdade de iniciativa e
a valorização do trabalho, conforme seu art. 145.
A abertura política trazida em 1945 e a Carta de 1946 ensejaram um ambiente político que, se por um lado
tinha como alvo o acelerado desenvolvimento econômico, por outro este não seria alcançado a não ser pela
atuação direta do Estado como seu propulsor. Neste sentido, fundado no art. 146, o qual autorizava a
possibilidade da União de monopolizar determinada indústria ou atividade tendo por base o interesse coletivo,
promoveu o Poder Público, a passos largos, a atuação estatal no campo econômico, o que se deu principalmente,
através da proliferação de empresas publicas e sociedades de economia mista, cujo espectro multifacetado se
faria presente no cenário nacional a partir das décadas de 60 e 708.
5
TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2006. p. 109.
MINADEO, Roberto. Petróleo: A maior indústria do mundo? Rio de Janeiro: Thex, 2002. p.82.
7
MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Comentários à Lei do Petróleo: lei federal n. 9.478, de 6-8-1997. São Paulo: Atlas, 2000. p.32.
8
TOLEDO, Gastão Alves de. O Direito Constitucional Econômico e sua Eficácia. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 149
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Sobre o prisma da Indústria Petrolífera, cumpre notar a permanência na Carta em estudo do regime
instaurado em 1934 para os recursos minerais e do subsolo, sendo reprisado a redação constante à mesma, já
tratada alhures, extinguindo-se, porém, a participação do proprietário nos lucros, restando conservado apenas o
direito de preferência deste em explorar através de concessão.
Fato importante da intervenção direta do Estado na economia, sob a forma monopolística já prevista na Carta
de 1934, foi a criação, em 1953, da Petróleo Brasileiro S.A - Petrobrás, que teve como supedâneo jurídico o já
mencionado art. 146 da Norma Fundamental em comento. Criada a partir da Lei Federal nº 2004/53, a qual veio
a instituir o monopólio da União Federal sobre todas as atividades correlatas à indústria do petróleo, a Petrobrás
passou a ter a atribuição de executar de forma exclusiva todas essas atividades obtendo, por conseqüência, o total
domínio do mercado.
2.6 A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1/69
Cuidou tal Constituição de tratar a Ordem econômica e Social em seu Título III, merecendo destaque os
princípios da liberdade de iniciativa e da função social da propriedade, contemplados no art. 160.
O Principal dispositivo desta Carta é o art. 163, o qual trata da intervenção no domínio econômico, além de
prever a hipótese de monopólio de determinada atividade ou indústria, estabelecendo os limites que o Estado
deveria observar quando exercesse seu poder de intervenção. Delimitou-se tal exercício assim, através de dois
parâmetros: quando indispensável por motivo de segurança nacional; ou para organizar setor que não possa ser
desenvolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, havendo, assim, uma intensa
margem de discricionariedade na mensuração destes obscuros parâmetros9.
Trazendo o enfoque para a atividade do petróleo, o monopólio desta veio a se tornar matéria constitucional
com a promulgação da Carta em apreço, que, em seu art. 162, estabeleceu que "a pesquisa e a lavra de petróleo
em território nacional constituem monopólio da União, nos termos da lei"; vindo posteriormente a Carta
Outorgada de 1969 a manter a mesma disposição em seu art. 169.
Mesmo com a consagração do monopólio, este não foi suficiente para diminuir o impacto ocasionado pela
Crise do petróleo no início dos anos setenta quando ocorreu um vultoso aumento do preço do óleo no mercado
mundial. Para piorar a situação, tal fato infeliz coincide com o crescimento do consumo de petróleo no Brasil e
com o declínio da produção doméstica agravada pela insuficiência das reservas nacionais uma vez que até então,
a política petrolífera no país privilegiava as atividades downstream (revenda e distribuição), colocando a
exploração em segundo plano.
A vulnerabilidade brasileira decorrente da falta de investimentos no setor de exploração e produção
(upstream) levou a idéia de se realizar "contratos de risco", que seriam acordos nos quais uma empresa privada,
nacional ou até internacional, prestavam serviços técnicos operacionais e financeiros, sendo remuneradas pelos
serviços realizados através das condições preestabelecidas, sendo preservado a propriedade da Petrobrás sobre o
petróleo descoberto. Possuíam tais ajustes natureza jurídica de contratos de prestação de serviços, estabelecidos
entre a Petrobrás e empresas privadas detentoras de tecnologia e responsáveis pelos estudos e trabalhos
exploratórios10. Configurando-se uma tentativa do regime militar em atrair investimentos estrangeiros para o
setor de petróleo e gás natural, significou a assinatura destes contratos o primeiro indício das mudanças que
viriam a ocorrer com o monopólio, a partir da EC nº 9/95. A grosso modo, nestes instrumentos, o concessionário
assumia todos os riscos do empreendimento, sendo reembolsado, sem juros, das despesas da exploração e do
desenvolvimento dos campos pesquisados tendo, ainda, o direito de adquirir uma certa parte do petróleo ou do
gás encontrado até o máximo equivalente ao valor de sua remuneração.
Por fim, lembramos uma importantíssima estratégia frente a esta vulnerabilidade na qual se encontrava o
cenário nacional com a crise de 73, que foi a implementação do Programa Nacional de Álcool, conhecido como
“Proálcool”. Instituído pelo Decreto Federal nº 76.593, de 14 de Novembro de 1975, tinha por escopo precípuo
incentivar a oferta do álcool no mercado, propondo uma modernização das destilarias deste combustível11. Tal
projeto, mesmo enfrentando diversos problemas de distribuição do produto à época de sua afirmação, comportase nos dias atuais, mais do que nunca, como de suma importância para o desenvolvimento tecnológico nacional,
exercendo o álcool combustível um importante papel na estratégia energética para um desenvolvimento
sustentado. A utilização em larga escala da tecnologia dos motores flex fuel nos automóveis nos dão uma
dimensão do presente sucesso dessa investida.
3. A INDÚSTRIA DO PETRÓLEO E GÁS NATURAL INSERIDA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988
9
TOLEDO, Gastão Alves de. op. Cit. p. 154.
MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Comentários à Lei do Petróleo: lei federal n. 9.478, de 6-8-1997. São Paulo: Atlas, 2000. p.
36.
11
Ibid., p.37.
10
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Uma vez tratada ao longo das Constituições Federais anteriores, optamos por analisar em tópico separado a
indústria do petróleo e gás natural à luz da ordem econômica de nossa atual Lex Legum, haja vista o indiscutível
avanço presenciado por tal setor em razão de alterações feitas a referida Carta Magna.
Elaborada sob o contexto histórico da redemocratização do país, a Constituição do Brasil de 1988 define um
modelo econômico capitalista, evidenciado através de uma série de dispositivos, dentre os quais destacamos o
art. 170 12. Esse sistema, porém, vem associado a uma política de bem-estar, que, embora consagre uma
economia de mercado, de natureza capitalista, dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os
outros 13, objetivando tal primazia orientar a intervenção estatal na economia, no sentido de fazer com quem os
princípios sociais prevaleçam sobre os demais. Esse novo modelo de Estado intervencionista se situaria,
portanto, entre dois extremos, o liberalismo oitocentista, avesso a qualquer forma de intervenção, e o dirigismo
estatal. 14
No tocante à regulamentação das atividades relacionadas à indústria do petróleo no país, a Constituição de
1988 sustentou a concepção estratégica do referido mineral, mantendo, assim, em seu texto original, basicamente
o mesmo modelo monopolista implementado pela Lei 2.004/53, posteriormente constitucionalizado pela Carta
Magna de 1967, como já visto. Na verdade, o constituinte de 1988 foi ainda mais incisivo ao manter tal modelo,
tendo transcrito, detalhadamente, no seu art. 177 as atividades próprias da indústria petrolífera, quais sejam,
pesquisa (exploração), lavra (produção), refino, importação, exportação e transporte de petróleo e seus
derivados, mais o gás natural 15. Nota-se, portanto, a discrepância em termos de pormenores entre tal dispositivo
e seu correspondente na Constituição anterior – art. 169, que determinava, ipsis verbis: “A pesquisa e a lavra de
petróleo em território nacional constituem monopólio da União, nos termos da lei”.
A redação original do art. 177 da atual Constituição, através de seu parágrafo primeiro, ainda, proibia a
União de celebrar os famigerados contratos de riscos, já mencionados nesse artigo.
No entanto, o monopólio da Petrobrás sobre as atividades previstas nos incisos I ao IV16 do supramencionado
artigo, modelo introduzido constitucionalmente, como vimos, pela Lex Legum de 1967 e mantido pelas
subseqüentes, passa a ser objeto de contenda em razão das influências neoliberais sofridas pelo Brasil e demais
países da América Latina a partir dos anos 90, dando-se início, portanto, a uma fase centrada principalmente na
legalização e na regulação dos agentes econômicos.
Em relação ao sistema de propriedade adotado, por fim, a Carta-cidadã de 1988, através de seu art. 176,
manteve o regime dominial, no qual a propriedade do solo é distinta da do subsolo, permitindo, assim, a União,
proprietária do último, realizar contratos de concessão com empresas públicas e privadas, nos moldes do
parágrafo primeiro do referido artigo.
3.1 Da política neoliberal e do Plano Nacional de Desestatização: suas influências ao processo de
flexibilização do monopólio estatal sob a indústria do petróleo e gás natural
A partir da grande recessão econômica vivenciada pelos países centrais adeptos ao modelo capitalista de
bem-estar, em meados da década de 70, ganham força na Europa e nos Estados Unidos da América os
movimentos ditos neoliberais. Centrados basicamente na crítica ao modelo keynesiano, os teóricos dessa nova
corrente político-econômica atribuíam à prática do excessivo intervencionismo estatal a estagflação que
castigava com altos índices de inflação as nações desenvolvidas e, em outro momento, as subdesenvolvidas, que
adotaram tal modelo.
Segundo eles, assim, os péssimos índices econômicos alcançados eram resultado do poder demasiado forte
dos sindicatos e da grande participação do Estado na economia, que impediam o crescimento do capital.
Propunha os neoliberais, portanto, como medida para conter a grande recessão dos anos 70, (i) o fim da
participação estatal na economia, (ii) diminuição do poder dos sindicatos, (iii) elevação das taxas de juros, (iv)
privatizações e (v) cortes nos gastos de bem estar social 17.
12
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III –
função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante
tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução
das desigualdade sociais; VIII – busca do pleno emprego; [...].
13
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 764.
14
REALE, Miguel apud GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 161.
15
MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. op. Cit. p. 44.
16
Art. 177: Constituem monopólio da União: I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II
– a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades
previstas nos incisos anteriores; IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo
produzido no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; [...].
17
FONSECA, Venilson Luciano B. Neoliberalismo e privatizações: Os impactos sócio espaciais da privatização da Açominas no
município de Ouro Branco, a partir da percepção de informantes chaves. 2001. Monografia de fim de curso (Bacharelado em
Geografia). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001. Disponível em: < http://br.geocities.com/madsonpardo/index.html
>. Acesso em: 22 abr. 2007.
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No Brasil, os ideais neoliberais desembarcam ao final da década de 80, fruto da crise fiscal do Estado
vivenciada na chamada “década perdida”. Com o esgotamento do modelo de substituição de importações,
responsável pelo processo de industrialização brasileiro, e a conseqüente desaceleração de investimentos
públicos e privados de longo prazo, a economia do país entra em recessão, afetando, assim, não só a qualidade
dos serviços públicos – educação, segurança, saúde etc. – como também degradando de forma crescente a infraestrutura econômica, necessária para o avanço do projeto de industrialização 18.
É nesse cenário de descontentamento político-econômico, somado às pressões advindas de órgãos como o
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que o governo de José Sarney, de forma menos
expressiva, e posteriormente o de Fernando Collor de Melo dão início às reformas neoliberais ao Estado
brasileiro.
Apesar das diferenças existentes entre o Brasil e os países capitalistas centrais, as medidas tomadas visando
um plano de desenvolvimento neoliberal foram razoavelmente semelhantes, a saber, (i) aumento de taxa de
juros, (ii) controle de gastos públicos e das taxas de inflação, (iii) desregulação de mercados e (iv) um amplo
programa de privatizações19, o qual destacamos, haja vista sua direta contribuição à mudança de paradigma
econômico sofrida pelo país no decorrer desses anos, o que de fato acabou por influenciar as alterações
realizadas ao modelo de exploração e produção de petróleo no território brasileiro.
No final dos anos 80, a herança deixada ao Brasil pela famigerada “década perdida” é a de um país
endividado tanto interna quanto externamente. Com a interrupção de empréstimos pelas instituições bancárias
americanas, por volta de 1981, a uma série de nações, dentre elas, o Brasil, esse se vê diante de um estrondoso
déficit público, tendo em vista os investimentos realizados a partir do planejamento da entrada futura de
dinheiro, que, em virtude do mencionado corte, não veio a ocorrer. Os efeitos oriundos dessa década, assim,
conduzem o país a operar uma verdadeira reforma em seu planejamento econômico, no sentido de sanar as
dívidas públicas e reestruturar seu parque produtivo.
Nesse sentido, é a partir da eleição de Fernando Collor de Melo à presidência da república, em 1989, que o
Brasil efetivamente encetou uma estratégia de desenvolvimento voltada à ótica neoliberal, tendo como um de
seus principais instrumentos o Programa Nacional de Desestatização.
Atribuída sua gêneses ao Programa Federal de Desregulamentação, instituído pelo Decreto 99.179 de 15 de
Março de 1990, o PND é viabilizado no mesmo ano pela Lei nº 8.031 como sendo a principal ferramenta da
política governamental no sentido de reordenar a estratégia econômica brasileira, transferindo à iniciativa
privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público, como expressamente previsto em seu artigo
primeiro, incido I. Partindo do princípio de que a manutenção de um Estado inchado e extremamente burocrático
levou o país a uma crise fiscal, comprometendo sua capacidade de investimentos20, os idealizadores do programa
acreditavam que apenas uma redefinição da posição do Estado no setor econômico poderia fomentar um
ambiente propício à volta de investimentos internos e externos. Tais recursos financeiros seriam imprescindíveis
à modernização da infra-estrutura produtiva do país, como também à obtenção de receita capaz de amortizar as
dívidas públicas.
Dessa maneira, através de uma nova política econômica essencialmente direcionada à privatização de
empresas estatais viabilizada pelo Programa Nacional de Desestatização, o Estado brasileiro passa a mudar sua
forma de atuação como agente produtor de bens e serviços em determinados setores da economia,
redirecionando sua posição, como anteriormente ressaltado, à de agente normativo e regulador da atividade
econômica.
Apesar de não ter previsto nenhuma reforma na seara da indústria petrolífera, continuando tal atividade, até
aquele momento, a ser explorada em regime de monopólio pela Petrobrás, a implementação do PND influenciou
diretamente o processo de flexibilização desse privilégio estatal, haja vista a expressiva guinada de paradigma
vivenciada pela economia brasileira, sempre no sentido da desestatização da economia, englobando tanto o
afastamento do Estado da exploração direta de atividade econômica em sentido estrito, como também permitindo
a participação da iniciativa privada na prestação de serviços públicos 21.
18
SILVA, César Augusto Silva da. O direito econômico na perspectiva da globalização: análise das reformas constitucionais e da
legislação ordinária pertinente. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 133.
19
FONSECA, Venilson Luciano B. op. Cit.
20
MATOS FILHO e OLIVEIRA apud FONSECA, Venilson Luciano B. Neoliberalismo e privatizações: Os impactos sócio espaciais da
privatização da Açominas no município de Ouro Branco, a partir da percepção de informantes chaves. 2001. Monografia de fim de
curso (Bacharelado em Geografia). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001. Disponível em: <
http://br.geocities.com/madsonpardo/index.html >. Acesso em: 22 abr. 2007.
21
Na verdade, a Lei original que instituiu o PND previu unicamente o processo de “privatização” de empresas estatais, nos levando a crer
que o legislador equiparou, equivocadamente, tal conceito com o de “estatização”. Perfilhando a doutrina majoritária, verifica-se que o
processo de desestatização diz respeito simplesmente à retirada da presença estatal das atividades econômicas, deixando a cargo da iniciativa
privada o desenvolvimento de tal setor. Corresponderia, portanto, a um gênero do qual os fenômenos de “privatização” e “flexibilização” são
espécies. A previsão, no entanto, da faculdade concedida ao Estado de, mediante um contrato administrativo, ceder a um ente particular o
direito de prestar um serviço público, só é inserida no PND em 1997, pela lei que alterou os procedimentos relativos ao programa – Lei n.
9.491.
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Portanto, tido como parte de um projeto de modernização da economia brasileira, o Programa Nacional de
Desestatização promoveu uma mudança do papel do Estado, permitindo a concentração de seus recursos nas
áreas sociais prioritárias, e, a partir do investimento privado nas atividades desestatizadas, estimulando a
competição no mercado, vindo a acarretar, consequentemente, numa melhora dos serviços e bens oferecidos à
população22. Esse cenário, pois, propiciou, mesmo que indiretamente, uma conjuntura favorável à flexibilização
do monopólio estatal sob a indústria do petróleo e gás natural, uma vez que o incentivo á concorrência,
proporcionado pela entrada de novos players nesse setor, permitiria uma maior exploração do imensurável
potencial petrolífero brasileiro, inviável de ser realizado unicamente com receita pública.
3.2 A Emenda Constitucional n. 9/95 e o atual cenário da indústria do petróleo e gás natural
Conforme visto em mais de uma oportunidade ao longo de nossa exposição, o legislador constituinte de
1988, em seu art. 177, manteve o monopólio estatal sobre quase todas as atividades referentes à indústria
petrolífera nacional, salvo o setor de distribuição. No entanto, à época em que a atual Carta foi promulgada,
enquanto o mercado interno continuava protecionista, fechado ao capital estrangeiro, grande parte do mercado
internacional de petróleo já se encontrava inserido em um modelo globalizado23. Tendo em vista o relevante
potencial brasileiro no concernente às reservas de petróleo e gás natural, muitas foram as pressões advindas das
grandes corporações petrolíferas internacionais, no sentido da abertura do aludido setor aos seus investimentos.
Assim, a partir da mudança de paradigma econômico sofrida pelo país após as eleições presidenciais de 1989,
consubstanciada, entre outros fatores, na desestatização e abertura da economia brasileira, são encaminhados
pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional vários projetos de Emendas Constitucionais tipicamente liberais,
dentre os quais o que daria origem a EC n° 9/95.
No dia 9 de novembro de 1995, assim, foi sancionada a EC que alterou a redação do parágrafo primeiro do
art. 177 da CF, permitindo a União, dessa forma, contratar com empresas estatais ou privadas a realização das
atividades de exploração, produção, refino, importação, exportação e transporte de petróleo, derivados e gás
natural. Faz-se imperioso ressaltarmos, entretanto, que a EC n° 9/95 não retirou do ente público federal o
monopólio sobre tais atividades. Houve, na verdade, uma flexibilização desse privilégio estatal, mais
relacionado, nesse momento, a um monopólio de escolha do Poder Público, tendo em vista que apenas esse tem a
prerrogativa de decidir, com exclusividade, quem poderá exercer tal atividade.24
A EC em análise previu, ainda, a elaboração de uma lei ordinária que, de acordo com o parágrafo segundo da
emenda em questão, deveria ter como conteúdo mínimo a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo no
território nacional, as condições de contratação e a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da
união, qual seja, a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Assim, por se tratar a emenda de uma norma
constitucional dependente de complementação legislativa, versaremos a respeito da referida lei em tópico
posterior.
No intuito de identificarmos as expectativas do Estado referentes à emenda ora em exame, faz-se necessário a
análise de um trecho da Exposição de Motivos25 n° 39, a qual acompanhou o citado projeto. Observemos: “[...]
3. Tal flexibilização permitirá a atração de capitais privados para determinadas atividades em que se requer a
expansão dos investimentos em volume insuscetível de financiamento exclusivo por parte da Petrobrás”. É de
conhecimento geral que as atividades relacionadas com a indústria do petróleo, principalmente no setor de
exploração e produção (upstream ou E&P), envolvem, além de grande volume de capital, na casa dos bilhões de
dólares, um elevado risco de insucesso exploratório. Diante de tal cenário, encontrou-se o Estado impossibilitado
de, na ausência do capital privado, mais notadamente o de origem estrangeira, explorar todo o potencial
petrolífero nacional, rogando-se, portanto, pela abertura do setor à entrada de investimentos internacionais.
Contudo, em virtude dos dois fatores mencionados, a saber, alta demanda de investimentos e elevado grau de
risco exploratório, seria inviável para as companhias interessadas nas atividades do setor de E&P desenvolvê-las
de maneira individualizada. Tornou-se imprescindível, assim, a formação de consórcios nos procedimentos
licitatórios de concessão de blocos, chamados de joint ventures, fazendo com que o total de capital investido por
cada empresa fosse compartilhado entre vários esforços de exploração26. Portanto, além de possibilitar ao Estado
dividir com a iniciativa privada os riscos inerentes ao setor upstream, a flexibilização do monopólio viabilizou
um maior aproveitamento das reservas brasileiras de petróleo e gás natural, haja vista que, nesse novo panorama,
os investimentos conjuntos de um grande número de empresas passaram a ser distribuídos em vários campos de
22
SILVA, César Augusto Silva da. O direito econômico na perspectiva da globalização: análise das reformas constitucionais e da
legislação ordinária pertinente. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 177.
23
MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Comentários à Lei do Petróleo: lei federal n. 9.478, de 6-8-1997. São Paulo: Atlas, 2000. p.
45.
24
MORAES, Alexandre de. Regime jurídico da concessão para exploração de petróleo e gás natural. 2001 Disponível em: <
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2426>. Acesso em: 22 abr. 2007.
25
Diário do Congresso Nacional (Seção I), 15 mar. 1995, p. 3.247.
26
MORAIS, Joaquim Maurício Fernandes. Incentivo à concentração empresarial na ordem econômica constitucional: o caso do setor de
upstream da indústria petrolífera. Revista Jurídica In Verbis, Natal, n. 18, p. 129-155, jan./jun. 2005.
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exploração e produção. Com efeito, a partir da análise do gráfico exposto (Figura 1), verifica-se a evolução da
produção de petróleo e gás natural no Brasil após a abertura, em 1997, do setor à entrada de novos players
(agentes), tanto estatais quanto privados.
Figura 1. Produção de Petróleo e Consumo de Derivados (Mil barris/dia).
Fonte: Banco Central do Brasil
Ademais, ao propiciar a entrada da Petrobrás em um regime de livre-concorrência, a EC n° 9/95 obrigou-a a
torna-se mais ágil, executiva, gerencial e financeira 27, otimizando, dessa maneira, seu já excelente desempenho
no setor.
Por fim, cumpre-nos lembrar que, uma vez que a estatal brasileira possui a mais avançada tecnologia off
shore dentre todas as empresas que atuam no ramo em estudo, isto é, tendo em vista deter essa o conhecimento e
a infra-estrutura necessária à exploração e produção de petróleo nas bacias marítimas, particularmente em águas
profundas, constata-se que mesmo com a abertura do mercado a Petrobrás continua atuando numa espécie de
monopólio de fato. Nesse diapasão, qualquer agente que pretenda produzir petróleo e gás natural em território
brasileiro acaba tendo que firmar uma parceria com a petroleira nacional.
4. ASPECTOS GERAIS ACERCA DA LEI N. 9478/97 (LEI DO PETRÓLEO) E O RELEVANTE
PAPEL DA AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (ANP)
Caracterizada como um pressuposto de vigência e validade da EC n° 9/95, trouxe a Lei 9.478/97 (Lei do
Petróleo), a previsão de que as atividades econômicas correlatas à indústria petrolífera passariam a ser
desenvolvidas através de um sistema de livre competição, onde a Petrobrás atuaria, no realizar destas atividades,
em disputa com outras empresas, isto é, inserida nas condições de mercado, almejando, entre outros fins, atrair
investimentos na produção de energia e expandindo a competitividade do país no mercado internacional.28
Tal legislação, responsável, ainda, pela revogação expressa da Lei n° 2004/53 regulou em seu próprio texto,
o regime jurídico da contratação com novos agentes daquelas atividades do setor petrolífero anteriormente
exploradas com exclusividade pelo Estado.
Dispondo, mormente, sobre a política energética nacional e as atividades relativas ao monopólio do petróleo
e sua flexibilização, instituiu a lei em comento o Conselho Nacional de Política Energética e a ANP,
estruturando, deste modo, um novo ramo no sistema jurídico nacional, calcado num conjunto de temas e
questões do campo minerário de acentuada especificidade econômica, o qual pode ser denominado de “Direito
Petrolífero”.29
No que tange à Política Energética Nacional, esta, segundo o art. 1º da lei em apreço, deve se orientar pelos
princípios e objetivos que estruturam o sistema jurídico para o adequado aproveitamento racional das fontes de
energia, com destaque para: a preservação do interesse nacional; a promoção do desenvolvimento, a ampliação
do mercado de trabalho e a valorização dos recursos energéticos; a proteção dos interesses do consumidor quanto
a preço, qualidade e oferta dos produtos bem como do meio ambiente; a utilização de fontes alternativas de
energia, mediante o aproveitamento econômico dos insumos disponíveis e das tecnologias aplicáveis; a
promoção da livre concorrência entre outros.
Partindo da determinação da própria EC 9/95, foi instituída pela lei em tela a Agência Nacional do Petróleo,
a qual, assim como outras agências reguladoras, tem por fundamento de validade o efetivo exercício do poder de
27
SILVA, César Augusto Silva da. O direito econômico na perspectiva da globalização: análise das reformas constitucionais e da
legislação ordinária pertinente. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 155.
28
Lei 9.478/97, artigo 1º, incisos X e XI, e 61 parágrafo 1º.
29
MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Comentários à Lei do Petróleo: lei federal n. 9.478, de 6-8-1997. São Paulo: Atlas, 2000. p.
51.
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polícia, visando a assegurar a predominância do interesse público e o atendimento das necessidades dos usuários
dos serviços. Apresenta como características básicas, assim, natureza jurídica de autarquia federal de regime
especial, conseqüente independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, estabilidade de seus
dirigentes e autonomia financeira.
Tal Agência veio a suprir as competências do Departamento Nacional do Petróleo, o qual havia substituído o
Conselho Nacional do Petróleo, ficando com a responsabilidade de fiscalizar e regulamentar as atividades
relativas a Indústria do Petróleo e do Gás natural, desempenhando, neste diapasão, papel de vital importância de
modo a supervisionar as operações da específica atividade, treinando mão-de-obra especializada, estimulando e
regulamentando o setor, de forma transparente e menos burocrática30.
Atribui a lei, apenas à ANP, as funções regulatórias e fiscalizatórias e a promoção de certames licitatórios
para outorga dos contratos de concessão, funcionando a autarquia como um vetor de desenvolvimento
econômico ao passo que almeja, no realizar de suas funções, compatibilizar o desenvolvimento da indústria
interna do petróleo e gás natural às mudanças em curso na economia do país.
Dentro o rol dos incisos do art. 8º da lei do petróleo, o qual dita as atribuições específicas da Agência,
merecem destaque: a organização e manutenção do acervo de informações e dados técnicos relativos às
atividades da indústria do petróleo; e o estimulo a pesquisa e adoção de novas tecnologias na exploração,
produção, transporte, refino e processamento31.
Depreende-se da simples observação da lista de competências da Agência, portanto, o grau de
responsabilidade conferido a essa nova autarquia, servindo a mesma de mecanismo propulsor de novas opções
aos agentes econômicos, uma vez que o monopólio anteriormente instituído acabava por impedir, devido a sua
própria natureza, a difusão dos conhecimentos técnicos e jurídicos pertinentes às atividades desenvolvidas pela
indústria petrolífera.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da evolução político-econômica brasileira, o modelo pelo qual as atividades relacionadas ao setor
petrolífero são exploradas foi palco de inúmeras transformações. Desde o momento em que o “óleo negro” foi
inicialmente encontrado em solo brasileiro, até o presente contexto na qual está inserida, a indústria do petróleo
nacional tem se desenvolvido sempre no sentido de se amoldar às aspirações econômicas de cada época.
No decorrer de nossa explanação, buscamos demonstrar as principais fases presenciadas pela indústria
petrolífera, bem como explicitar de que maneira se dava sua relação com a Carta Constitucional a qual estava
submetida. Dessa forma, notamos que, tendo em vista se tratar de uma atividade essencialmente estratégica ao
Estado, de extrema relevância, assim, à soberania do país, o referido setor foi explorado durante quase meio
século em regime de monopólio pelo Poder Público, através da estatal Petrobrás.
Entretanto, devido às influências neoliberais que alastraram a América Latina no final da década de oitenta, o
Estado brasileiro direcionou-se no sentido de desenvolver inúmeras mudanças ao cenário econômico nacional, a
grande maioria em harmonia com aquilo pregado pelo capital internacional. Assim, meio a essa tendência
liberal, que, como visto, tem retornado ciclicamente à pauta do planejamento econômico estatal, aprovou o
Congresso Nacional a Emenda Constitucional n° 9/95, flexibilizando o aludido monopólio e prevendo a
elaboração de uma lei que regulamentasse o setor em xeque. A partir de então, assumiu a indústria do petróleo e
gás natural tupiniquim uma faceta inédita, marcada primordialmente pela participação de agentes privados –
nacionais e internacionais – naquelas atividades até o momento exploradas exclusivamente pelo Estado.
Essa nova conjuntura, marcada pela formação das chamadas joint ventures, acarretou como visto, em uma
otimização da exploração e produção do óleo e gás natural no país, ao passo que viabilizou um maior
aproveitamento do potencial petrolífero nacional, bem como estimulou o progresso da Petrobrás, que, a partir de
então, inserida em um regime de livre-concorrência, teve que investir cada vez mais em pesquisa, tecnologia,
recursos humanos etc.
Neste raciocínio, o prosseguimento do sucesso contraído por esta nova estrutura se encontra vinculado
essencialmente à legislação que a disciplina e, conseqüentemente, à capacidade organizativa do órgão
responsável pela regulação do setor em estudo, assumindo, desta feita, a Lei do Petróleo e a ANP,
respectivamente, papéis de imensurável relevância para o sucesso da nova fase vivenciada pelo setor petrolífero
brasileiro.
6. REFERÊNCIAS
30
SILVA, César Augusto Silva da. O direito econômico na perspectiva da globalização: análise das reformas constitucionais e da
legislação ordinária pertinente. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 158.
31
MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Comentários à Lei do Petróleo: lei federal n. 9.478, de 6-8-1997. São Paulo: Atlas, 2000. p.
88.
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THE OIL AND NATURAL GAS INDUSTRY EVOLUTION UNDER THE VIEW OF
CONSTITUTION OF 1988’S ECONOMIC ORDER
Paying attention to the political-economic progress and aiming to get adapted to the requirements of the
capitalist model adopted, the State Government takes a new function, as a normative and regulative agent of the
economy, focusing on the search for an harmony between the financial progress of the nation and the protection
of the individual, therefore, minimizing the social-economic impacts brought up from the features related to such
model. In this circumstance, the State Government plays an essential role by which, analyzing the actual context
of the country, will indicate its social and economic politics, acting negatively, suiting with the desire of the
liberal State, and also positively, in a regulatory way, being similar to the social interventionist model. It’s in
such context, of a State that integrates points that define an economic model of well being, with others of neoliberal parameter, that is inserted modifications occurred in the Petroleum and Natural Gas industry, specially,
with the advent of reforms made to the economic order of the Federal Constitution of 1988, many of them
influenced, direct or indirectly, by the Programa Nacional de Desestatização (PND). Through this path, the
objective of this project consists of analyzing, with a constitutional view, the current scenario of the abovementioned industry in Brazil, referring, for this matter, to the evolution of such sector trough the precedent
brazilian Constitutions, as well as the modifications provided by the Constitutional Amendment number 9/95,
responsible for the flexibility of the State monopoly under an oil activity in the country. It’s also highlighted the
main point of the Oil Law, as well as the importance of the Agência Nacional do Petróleo (ANP), created by the
reported rule.
Economic Order, Oil Industry, Constitutional Amendment n° 9/95.
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