LIMITES E POSSIBILIDADES DE IMPLEMENTAÇÃO NO CAMPO

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PROEJA: LIMITES E POSSIBILIDADES DE IMPLEMENTAÇÃO NO CAMPO
ESCOLAR
Maria Adelia da COSTA – CEFET-MG
Resumo: A gênese deste estudo encontra-se nas reflexões sobre o Programa Nacional
de Integração da Educação Profissional à Educação Básica na Modalidade de Educação
de Jovens e Adultos – PROEJA que se apresenta como um dos fatores estruturantes do
desenvolvimento sustentável com justiça social e eqüidade. Trata-se de uma análise
sobre a proposta de integrar Educação Profissional Técnica que confere a relação escola
e trabalho e a modalidade Educação de Jovens e Adultos - EJA que consiste num
processo formativo escolar para jovens e adultos com trajetórias escolares descontínuas,
apresentando-se como uma possibilidade de formação integral desse jovem,
adulto/trabalhador. Nesse sentido, concebe-se a organização social da escola numa
perspectiva de enfrentamento e superação do paradigma reducionista posto pela divisão
social do trabalho e pelo dualismo educacional, na possibilidade de contribuir com o
desenvolvimento sócio, político e cultural, sobretudo na (re) estruturação do vínculo
desenvolvimento, justiça social e educação. Compreende-se, nesse estudo, o trabalho
como princípio educativo, onde o homem está em constante interação com a natureza,
agindo, transformando-a e transformando-se mutuamente.
Palavras Chave: PROEJA, justiça social, eqüidade, desenvolvimento sustentável.
O PROEJA
O Programa Nacional de Integração da Educação Profissional à Educação
Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA regulamenta-se
pelo Decreto nº. 5.840 de 13 de julho de 2006. O texto legal institui que esse programa
é de caráter obrigatório e gradativo, no âmbito das Instituições federais de Educação
1
Tecnológica1. O PROEJA como política pública destina-se à formação inicial e
continuada de trabalhadores pela oferta da Educação Profissional Técnica2 de Nível
Médio integrada à modalidade Educação de Jovens e Adultos - EJA na referência de
ensino noturno. É posto nos discursos legais e oficiais que tal atendimento tem,
inicialmente, como base a rede federal, por razão de algumas instituições dessa rede
anteriormente ao decreto nº 2.208 de 17 de abril de 19973, já desenvolviam experiências
de educação profissional com jovens e adultos. Postula-se que essas experiências
devam ser ampliadas, tendo como horizonte a universalização da educação básica,
aliada à formação para o mundo do trabalho, voltada para o grupo estudantil com
trajetórias escolares descontinuas. Arroyo (2004) faz algumas reflexões referentes ao
retorno desse aluno à instituição escolar. As experiências que eles vivenciaram
enquanto estiveram fora da escola tornam-se relevantes e precisam ser consideradas.
Atenta-se para o fato de que, segundo o autor, “as trajetórias escolares de tantos que
trabalham e estudam a noite nada têm a ver com aquelas trajetórias de jovens que não
trabalham, têm garantido sua vida e estudam no diurno”.
Alia-se a essa idéia, a
premissa de que para o aluno do ensino noturno o trabalho, é sem dúvida, prioridade.
Para os jovens do noturno o que caracteriza a vida é o trabalho. Carvalho (1984) afirma
que para esse jovem, “é o trabalho que fixa os limites do estudo, do lazer e do descanso.
E se o trabalho, por um lado, acarreta desgaste ao aluno, por outro lhe proporciona
ganhos potenciais, pois, por já estar inserido no mundo do trabalho, mais amadurecido,
pode avançar no seu percurso escolar, desde que lhe sejam dadas condições”.
Assim, acredita-se ser imprescindível a elevação de escolaridade através de
construção de políticas públicas perenes que visem a universalização da educação
1
Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) concebem a Educação Tecnológica numa perspectiva que, em seus
termos teóricos e práticos, propicie a superação da concepção educacional burguesa que se pauta pela
dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual e entre instrução profissional e instrução geral.
Nesse sentido, o conceito de Educação Tecnológica ganha o mesmo significado de Politecnia.
2
O discurso legal dispõe que a Educação Profissional, integrada às diferentes formas de
educação, ao trabalho, à ciência e a tecnologia, conduzindo ao permanente desenvolvimento de aptidões
para a vida produtiva. Essa concepção representa a superação dos enfoques assistencialista e economicista
da educação profissional, bem como o preconceito social que desvaloriza. (Referenciais Curriculares
Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico, 2000, p.83)
3
Esse decreto impossibilitou a oferta do ensino técnico integrado ao médio. Art. 5º A educação
profissional de nível técnico terá organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo
ser oferecida de forma concomitante ou seqüencial a este. Com a promulgação do decreto nº5.154 de 23 de julho
de 2004 revogou-se o decreto no 2.208, de 17 de abril de 1997, o que possibilitou a retomada do ensino técnico
integrado ao ensino médio.
2
básica atrelada a pressupostos de desenvolvimento social sustentável como estratégia de
justiça social e desenvolvimento econômico local. Para tanto, fica estabelecido no art. 5º
do decreto n 5.840/06 que as
áreas profissionais escolhidas para a estruturação dos cursos serão,
preferencialmente, as que maior sintonia guardarem com as demandas de nível
local e regional, de forma a contribuir com o fortalecimento das estratégias de
desenvolvimento socioeconômico e cultural.
Considerando o que está regulamentado e determinado no decreto em apreço,
torna-se fundamental na esfera da discussão de política pública voltada para a formação
inicial e continuada do trabalhador, respeitar as diversidades históricas, econômicas e
socioculturais, bem como a diversidade dos saberes produzidos em diferentes espaços
sociais, desmontando pela integração escolarização, dita como educação Profissional
Técnica de Nível Médio e Educação de Jovens e Adultos, a concepção mercadológica
da educação profissional, atentando-se para a formação integral do sujeito.
Proposta formativa integrada: uma construção possível ?
Este ensaio trata-se de uma discussão sobre a proposta de integrar Educação
Profissional Técnica de Nível Médio que confere a relação escola e trabalho e a
modalidade EJA que consiste num processo formativo escolar para jovens e adultos
com trajetórias descontínuas de escola. Arroyo (2004) atenta que tais sujeitos (jovens e
adultos) possuem além da trajetória escolar descontínua outros enfrentamentos de cunho
social a serem superados
antes de portadores de trajetórias escolares truncadas, eles carregam trajetórias
perversas de exclusão social, vivenciam trajetórias de negação dos direitos mais
básicos à vida, ao afeto, à alimentação, à moradia, ao trabalho e à sobrevivência. As
trajetórias escolares descontínuas se tornam mais perversas porque se misturam
com essas trajetórias humanas. (ARROYO, 2004, p.24)
Na particularidade da discussão que se trava a respeito de perspectivas de
integração da educação profissional ao ensino médio na modalidade EJA, considera o
discurso oficial legal a respeito da definição de uma política que favoreça tal integração
no documento base de 2006:
O programa de integração da Educação Profissional Técnica à modalidade de
Educação de Jovens e Adultos, PROEJA é um desafio político para todos aqueles
3
que desejam transformar este país dentro de uma perspectiva de desenvolvimento e
justiça social. (...) fundamenta-se nos seguintes eixos norteadores: expansão da
oferta pública da EPT; desenvolvimento de estratégia financeiro-público que
permitam a obtenção de recursos para um atendimento de qualidade; a oferta de
educação profissional dentro da concepção de formação integral do cidadão
(grifo nosso), formação essa que combine na sua prática e nos seus fundamentos
científicos-tecnológicos e histórico sociais, trabalho, ciência e cultura e o papel
estratégico da EPT nas políticas de inclusão social. (Documento Base, 2006, p.1)
Essa política de integração estrutura-se nas indagações: Mas o que é integrar? O
que se deseja integrar? Na busca de tais respostas, Ciavatta (2005), desenvolve uma
reflexão a respeito do sentido de completude do termo integrar.
o termo [integrar] trata a educação como uma totalidade social, isto é, nas múltiplas
mediações históricas que concretizam os processos educativos. Significa que
buscamos enfocar o trabalho como princípio educativo, no sentido de superar a
dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, de incorporar a dimensão intelectual
ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e
cidadãos. (In: Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005, p. 84).
Diante disso, toma-se o trabalho como princípio educativo4, sobretudo na (re)
estruturação do vínculo desenvolvimento, justiça social e educação. O viés dessa
tomada incide nos eixos Trabalho, Ciência, Tecnologia e Cultura, de forma a conceber o
homem como um cidadão ativo, histórico-social, assumindo sua formação integral
como uma forma de compreender-se e compreender-se no mundo, age sobre a esfera
social e sobre a natureza, transformando-a e transformando-se mutuamente.
A perspectiva do trabalho como princípio educativo pressupõe-se o enfrentamento
da superação do paradigma reducionista posto pela divisão social do trabalho e pelo
dualismo da educação. No que tange ao reducionismo que reforça a divisão social do
trabalho, considera-se a distinção entre a classe operária que irá executar a tarefa no
processo produtivo e a classe dirigente que irá planejar as tarefas da produção. Lopes
(1997) afirma que “a divisão social do trabalho engendra a divisão social do saber e da
cultura: há os que sabem e os que fazem os que têm cultura e os que não têm”. Desta
forma, a dualidade estrutural se revelava nos modos de organização da produção,
4
Para SAVIANI (1989), o trabalho como princípio educativo pode ser considerado em três
sentidos diversos, mas articulados e integrados entre si. Em primeiro lugar, o trabalho é princípio
educativo na medida em que determina, pelo grau de desenvolvimento social atingido na história, o modo
de ser da educação na sua totalidade (conjunto). Em segundo lugar, quando coloca exigências próprias
que o processo educativo deve preencher em vista da participação efetiva dos membros da sociedade no
trabalho socialmente produtivo e, em terceiro lugar, o trabalho é princípio educativo na medida em que
determinar a educação como uma modalidade específica e diferenciada de trabalho: o trabalho
pedagógico (SAVIANI, 1989, p. 1-2).
4
estruturando a sociedade em dois grupos sociais distintos, os grupos dirigentes e os
grupos trabalhadores, decorrentes da divisão social do trabalho. A divisão social do
saber e da cultura a origina-se do dualismo educacional5 que traz em seu bojo a
discriminação do trabalho manual destinado, geralmente, aos procedentes de classes
sociais menos privilegiadas. Essas características são predominantes em uma sociedade
capitalista. As marcas desse dualismo refletem na atualidade quando o direito da
educação está focado em atender aos imperativos do mercado de trabalho e ainda no que
se refere à seleção dos saberes sociais e culturais (re) definidos em plano de valores e de
conhecimentos voltados para a formação escolar do trabalhador.
Nos estudos de Apple (1995) podemos encontrar pistas da tradição seletiva dos
conhecimentos e dos saberes a partir de critérios estabelecidos por uma classe e ou
grupo social dominante que desejam reproduzir a sua visão de mundo pela legitimação
do conhecimento que se destina ao grupo e ou classe dominada. Assim, o conhecimento
não é neutro, nem desinteressado. “Ele é sempre parte de uma tradição seletiva,
resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja
conhecimento legítimo. É produto de tensões, conflitos e concessões culturais, políticas
e econômicas que organizam e desorganizam um povo”. (p. 59).
Numa sociedade capitalista o trabalho produtivo se confunde com o trabalho
assalariado, nessa esfera as políticas sociais, fundamentalmente as voltadas para a
educação, são direcionadas para o desenvolvimento sustentável a medida em que se
concebe projetos educativos escolares voltados para a formação de trabalhadores como
forma de garantir o mínimo necessário e suficiente de justiça social no plano da
eqüidade.
Distanciando desse entendimento, concebe-se o terreno contestado das políticas
sociais de forma a acreditar na possibilidade de uma (re) organização social na qual o
trabalho, a ciência e a cultura sejam concebidos de forma indissociada. Percebe-se a
integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio à Educação de Jovens e
Adultos como uma construção alicerçada nos pressupostos de formação integral dos
trabalhadores, que integre cultura e produção, ciência e técnica, atividade intelectual e
5
A reforma Capanema, em 1942, será o marco da institucionalização desta dualidade: “para as
elites, são criados os cursos médios de 2º ciclo, científico e clássico, com três anos de duração, sempre
destinados a preparar os estudantes para o ensino superior” e, para os trabalhadores instrumentais uma
formação profissional “em nível médio de 2º ciclo: o agrotécnico, o comercial técnico, o industrial
técnico e o normal, que não davam acesso ao ensino superior” (Kuenzer, 2000, p. 28).
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atividade manual, onde o trabalho e a educação sejam compreendidos não apenas como
espaços em que se realizam atividades produtivas, mas como espaço em que as relações
sociais concebam transformações societárias.
Portanto, na particularidade do PROEJA, considera-se que esse programa no
vínculo com o desenvolvimento sustentável, na dimensão de favorecer a justiça social e
eqüidade, ultrapassa a simples oferta de ensino noturno. Toma-se essa referência
destinada a formação escolar do trabalhador. A escola como organização social incide a
(re) estruturação do trabalho educativo ante processo de implementação do PROEJA,
tendo em vista articular perfil do aluno trabalhador e a proposta formativa no noturno.
Nesse âmbito verificam-se limites e possibilidades da oferta desse programa no campo
escolar.
Na definição de política da educação faz-se necessário materializar ações e
perspectivas que levem em conta as condições reais e necessárias ao campo da escola.
Nesta perspectiva, a definição uma política não consiste em garantia direta de justiça
social e eqüidade, aqui trabalhada na esfera da educação voltada para a formação do
trabalhador. Implementar o PROEJA na escola condiz com (des) cortinar intenções e/ou
desejos que conduzem a reprodução, negação, transgressão dos dispositivos de poderes
e de princípios de controle na relação de grupos sociais.
Aponta-se que a educação não é um privilégio social. Chauí (2003) define três
motivos principais, que corroboram com tal afirmação : 1) porque a maioria da
população ignora o que seja um direito do cidadão; 2) porque a educação não é encarada
sob o prisma da formação e sim como instrumento para a entrada no mercado de
trabalho; 3) a escola pública é desvalorizada porque não é um instrumento eficaz para a
entrada nesse mercado.
Neste cenário, a educação escolar compreendida como um direito é ainda uma
recente, consolidada universalmente apenas em 1948, pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos pela ONU e precisa, sobretudo, ser ampliada. Na discussão a respeito
das proposições oficiais destinadas à educação, Sacristán (2000) nos alerta que essas
não devem ser compreendidas como representações ou mesmo como determinantes
absolutos no processo de definição do conhecimento escolar e ações a serem
desenvolvidas pela escola, pois os atores sociais/escolares não participaram da
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elaboração das mesmas. Apple (1999), afirma que os conhecimentos e ações escolares
são legitimados por um grupo específico de pessoas e ocorre em espaços externos à
escola, chegando até ela através de prescrições formativas de políticas educacionais.
Sob tais circunstâncias considera-se que os conhecimentos e ações selecionados e
organizados para os alunos trabalhadores do PROEJA sejam resignificados na dimensão
em que se valorizem suas trajetórias escolares e sociais que se divergem das trajetórias
escolares e sociais de alunos não trabalhadores. No entanto, entende-se que tal
divergência não confere grau de desigualdade e sim de especificidade.
Considera-se que a organização social da escola desempenha o papel primordial
na indicação do lugar ocupado pelo sujeito na ordem social e no interior de uma classe o
que condiz com status, ou seja, o status conferido no interior da escola, direta ou
indiretamente, confere um status na ordem social. Atenta-se para o fato de que essa
organização social da escola deva considerar as especificidades do aluno trabalhador
nos âmbitos; cultural, social, político, econômico, visando a equidade da educação e a
possibilidade de se construir uma sociedade com mais justiça social. Neste sentido,
torna-se indispensável considerar a voz desse aluno -
jovem e/ou adulto e/ou
trabalhador, para que a sua permanência seja garantida no interior da instituição escolar.
Conclusão
Este ensaio apresentou reflexões sobre as possibilidades de se integrar em um
processo formativo escolar para jovens, adultos/trabalhadores, a Educação Profissional
e a modalidade EJA. Ressalta-se porém, que pela complexidade e abrangência do
assunto abordado as reflexões sucitadas não se encerram nesse estudo. Aliás, deseja-se
que esse estudo tenha fomentado no leitor o interesse por pesquisas e literatura nesta
temática. Deseja-se, também, que esse programa aguce no jovem, adulto/trabalhador o
veio ideológico que clame por justiça social, vislumbrando as possibilidades de
transformações societárias necessárias à uma sociedade mais igualitária, fomentando a
compreensão do trabalho como princípio educativo, como parte indissociável do
homem, como direito do cidadão, dificultando assim, que certos grupos ou classes
sociais explorem o trabalho dos outros.
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Apreende-se, portanto, que as trajetórias escolares desses alunos se atrelam às
trajetórias de vida social, cultural, econômica e política que abrangem muito além da
organização social da escola. Faz-se necessário que esse programa seja concebido numa
perspectiva de Educação Profissional Técnica integrada à modalidade EJA, onde o
trabalho, ciência e cultura sejam considerados princípios fundantes na organização da
proposta formativa escolar desses jovens e adulto/trabalhadores. Enfim, precisa-se
reconhecer que o conhecimento está vinculado a uma prática social, construído
historicamente pelo homem, possibilitando-o conhecer e reconhecer-se como um ser
social, cultural, histórico-político.
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