Morungaba Quântica – encontro 4: Transmigração das Almas e Trajetórias de Corpúsculos Uma das mais antigas concepções filosóficas da humanidade é a tese da transmigração das almas (ou “metempsicose”): na morte, a alma manteria sua individualidade e migraria para outro corpo, humano ou animal. Na Grécia Antiga, essa concepção foi divulgada pela escola de Pitágoras (c. 520 a.C.) e adotada por Sócrates. Na obra Fédon, escrita em torno de 385 a.C., Platão apresentou a visão de seu mestre Sócrates, e algumas páginas relevantes deste texto podem ser encontradas no linque http://www.fflch.usp.br/df/opessoa/Fedon-78b-84c.pdf. A tese da metempsicose é um exemplo de dualismo, pois as formas puras e eternas, que incluiriam a alma, seriam um domínio totalmente separado do mundo material. Em outra obras, Platão dividiu a alma em três partes: os apetites, mais próximos do corpo, as emoções, e a razão, mais afastada do corpo. Esta concepção “tripartida” teria bastante influência, sendo assimilada pelo médico Galeno, no séc. II d.C. Na Índia antiga, a tese da transmigração foi incorporada pelo jainismo e pelo hinduísmo sankhya (séc. IV a.C.). As grandes religiões monoteístas, como o cristianismo, têm uma noção de alma individual que sobrevive à morte, mas apenas algumas seitas, como o espiritismo de Kardec, defendem a reencarnação das almas. Em que medida essas crenças são justificadas? Uma das questões discutidas no encontro foi aquela levantada por René Descartes, em sua obra Paixões da Alma, ver http://www.fflch.usp.br/df/opessoa/Descartes-Paixoes-I-30-43.pdf. Ele defendia uma concepção dualista (a alma estaria separada do corpo), mas considerou que a memória se encontraria registrada apenas na matéria, ou seja, no cérebro. Isso é justificável, levando-se em conta que acidentes envolvendo perdas cerebrais muitas vezes destróem partes da memória. Para Descartes, após a morte, a alma não levaria consigo as memórias da vida. Em nossa discussão, apresentou-se uma visão espiritualista, segundo a qual a memória estaria registrada tanto na alma quanto no cérebro. Nos encontros anteriores, surgiu uma discussão sobre a interpretação dualista de Louis de Broglie e David Bohm, aquela que imagina que o objeto quântico se divide em um corpúsculo (um “surfista”) e uma onda guiante. Neste encontro, apresentamos a figura acima, mostrando a trajetória 6 do “surfista” no experimento da fenda dupla (que vimos no Encontro 1) para elétrons, segundo a interpretação da onda piloto. As fendas se encontram em A e B. Note que, à direita, há regiões em que não caem partículas (são as faixas escuras da franja de interferência). Note também que as trajetórias possíveis dos corpúsculos não se cruzam. Segundo esta interpretação, se um elétron entrar no equipamento, ele seguirá uma dessas trajetórias. A escolha de qual trajetória ele adotará depende, de maneira determinística, de sua posição anterior e de variáveis ocultas no equipamento. Vale ressaltar que essas trajetórias são hipotéticas: elas não são observáveis como trajetórias, e alguns críticos chegaram a chamá-las de “surreais”. Mas esta interpretação dualista realista é internamente consistente e explica adequadamente todos os experimentos quânticos. Também apresentamos neste encontro o interferômetro de Mach-Zehnder, mostrado abaixo. A luz sai do laser, passa por um espelho semi-refletor S1, e se divide em duas componentes. Em S2 ocorre uma nova divisão dos feixes e, curiosamente, toda luz chega em D1, mas nenhuma em D2. Isso ocorre porque os componentes de onda que rumariam para D2 se cancelam mutuamente! Detivemo-nos neste curioso fenômeno, previsto pela física ondulatória clássica. Como transformar este arranjo em um experimento quântico? Chamando de “fóton” cada quantum de luz detectado, o que se pode dizer sobre a trajetória de cada fóton antes de chegar em S2? Encontro realizado na Associação Morungaba em 22 de agosto de 2007. 7