A CONFIGURAÇÃO DO FINANCIAMENTO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA (PB) A PARTIR DA IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS) Mariana Cavalcanti Sousa Braz 1 Resumo: Este artigo contém reflexões acerca do financiamento da assistência social no município de João Pessoa (PB) no período de 2005-2007. Aborda questões como a natureza, os itens de gastos e a participação da política no orçamento do município. Palavras-chave: Assistência social, ajuste fiscal e financiamento. Abstract: In this paper, the financing of the Social Service in the city of João Pessoa (PB) is examined. The data related to the period of 2005-2007 is analyzed considering the actual expenses and the participation of the social policy on its budget. Key words: Social service, fiscal adjustment, financing. 1 Graduada. Universidade Federal do Maranhão.E-mail: [email protected] 1. INTRODUÇÃO Este artigo possui como objetivo central analisar a configuração do financiamento da assistência social no município de João Pessoa no período de 2005 a 2007. A motivação decorreu em virtude da recente implantação do SUAS a nível nacional. Nesta direção busca apreender a proposta de reorganização normativa da política de assistência social, entendendo o financiamento como eixo estruturador das políticas sociais, no qual são definidas as prioridades nos gastos públicos. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental, a qual foi subsidiada por documentos oficiais de domínio público, tais como: as Leis Orçamentárias Anuais (LOAs), os Balanços Gerais da Prefeitura (2005-2007), os Demonstrativos Sintéticos da Execução Físico-Financeiras do FMAS (2005-2007), entre outros. Ao estudar as peças orçamentárias podemos vislumbrar que concepções políticas e econômicas são assumidas pelos seus gestores, além de evidenciar as disputas políticas em torno do fundo público, constituindo um espaço privilegiado para compreender os conflitos em torno do embate entre o econômico e o social. 2. O REBATIMENTO DA REFORMA DO ESTADO NA POLÍTICA SOCIAL BRASILEIRA NO CONTEXTO NEOLIBERAL A Constituição Federal de 1988 representou um significativo avanço na política social brasileira. No tocante à seguridade social articulou as políticas de saúde, previdência e assistência social, impulsionadas pelas lutas dos trabalhadores, conquistou espaços e direitos, balizados pelos princípios de universalidade, democracia participativa, justiça e equidade social (CFESS, 2005), marcando um tempo de lutas em defesa do social, pautadas nos princípios de universalidade e direitos sociais. No entanto, se o processo da constituinte comportou algumas reformas democráticas, o que incluiu os direitos sociais, viabilizados pelas políticas sociais, o período que se abre é contra-reformista, desestruturando as conquista do período anterior os quais exigem a presença ativa e decisiva do Estado na provisão social. A conceituação de Boron é elucidadora quando afirma que as “reformas econômicas postas em prática nos anos recentes na América Latina são, na realidade, “contra-reformas” orientadas para aumentar a desigualdade econômica e social e para esvaziar de todo conteúdo as instituições democráticas” (BORON, p. 11, 1999). Desde o início dos anos 1990, a estratégia governamental para as políticas sociais foi marcada pela formulação de nova agenda de reformas neoliberais, submetidas à lógica do ajuste fiscal. O objetivo principal desta reforma é a revisão constitucional, no sentido de obstruir a consumação dos direitos garantidos. O contexto atual do capitalismo determina novas modalidades de reprodução da força de trabalho e uma forte tendência de desresponsabilização e mercadorização das políticas sociais, daí decorre o trinômio do ideário neoliberal para as políticas sociais – privatização, focalização e descentralização. A tendência geral tem sido a de restrição e redução dos direitos, sob o argumento da crise fiscal do Estado. A política de ajuste implantada a partir da década passada vem rebatendo drasticamente nas políticas sociais; estas recebem cada vez menos recursos, sendo duramente criticadas pela ideologia neoliberal que mistifica como responsável pelos déficits públicos do Estado brasileiro. Especificamente nas políticas de seguridade social as medidas adotadas foram mais nefastas, uma vez que estas vêm sendo alvo de críticas, por garantir direitos incondicionais e não-contratuais (saúde e assistência social) junto a contratual (previdência social). Referente à assistência social, esta alcançou status de política pública, a partir da Constituição Federal de 1988, sendo reconhecida como política de seguridade social, como direito social, que requer uma forte presença do Estado na sua garantia. Possui como princípios a gestão participativa e fontes definidas e diversificadas de recursos (orçamento da seguridade social) para seu financiamento. Estas conquistas, portanto, foram implementadas num contexto político e econômico de ajuste fiscal, sob a égide do ideário neoliberal, demarcando a tensão entre o econômico e o social, elementos constitutivos da sociedade capitalista. Neste sentido, esta política vem sendo alvo de ataques desde o seu reconhecimento legal numa disputa entre a “originalidade e conservadorismo” (BOSCHETTI, 2003). Em 2003, a IV Conferência Nacional de Assistência Social deliberou a implantação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) como estratégia de reestruturação e reorganização desta política e na perspectiva de ampliação de diretos, debatido nas três esferas de governo, com participação de diversas representações governamentais e da sociedade civil. Diante do contexto de ajuste fiscal o SUAS se depara com vários desafios para sua concretização desde o processo de implantação, convivendo numa tensão entre os interesses econômicos e sociais, na qual o econômico vem determinando. Outro elemento importante a ser destacado, em relação ao desmonte da seguridade social brasileira, que resulta da política de ajuste fiscal são as estratégias do Governo Federal de redução e cortes lineares do gasto público. Desde a criação do Fundo Social de Emergência (FSE) e atualmente da Desvinculação de Receitas da União (DRU) vêm ocorrendo a desvinculação de 20% das receitas de impostos e contribuições sociais, para composição do superávit primário. Tais elementos indicam que a tendência do orçamento da seguridade social é profundamente determinada pela política econômica de orientação neoliberal. 3. ASSISTÊNCIA SOCIAL NO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA NO PERÍODO DE 20052007 Capital do Estado da Paraíba, o município de João Pessoa conta com uma população de 674.762 habitantes (IBGE, 2007), desse modo é classificado segundo total de habitantes como município de Grande Porte2. A Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDES), órgão responsável pela gestão da política de assistência social no referido município, executou R$ 9.579.633 em 2005, R$ 9.208.656 em 2006 e R$ 11.065.303 em 2007 do total das despesas realizadas na Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP) que foram de R$ 508.203.020, R$ 628.548.455 e R$ 716.525.729, respectivamente. A partir destes dados constatamos que neste período estudado a SEDES não acompanhou o crescimento das despesas realizadas na PMJP, as quais representaram um aumento de 70,92% no período. Houve uma queda na execução da SEDES do ano de 2005 para 2006, retomando o crescimento em 2007. Conforme revela a tabela 1 abaixo podemos observar que a SEDES não chegou a executar nem 2% do orçamento geral da PMJP no período estudado. Este dado nos remete ao debate da necessária e urgente vinculação orçamentária para a política de assistência social. Apesar de nas últimas Conferências de Assistência Social, ter sido deliberado à vinculação de recursos para esta política, alocados no FNAS, garantindo o co-financiamento 2 De acordo com a Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004), os municípios classificados como de Grande Porte são aqueles que possuem uma população de 100.001 a 900.000 habitantes. com destinação orçamentária nas três esferas governamentais, sendo 10% do orçamento da seguridade social da União e nas demais esferas de governo, no mínimo 5% do orçamento geral em serviços socioassistenciais, sendo 4% em 2008, 5% em 2009, 7% em 2010, 9% em 2011 e 10% em 2012, definindo que 40% do orçamento estadual seja para co-financiamento direto para os municípios, ainda não foi aprovada. Vincular recursos significa amenizar esta prática, assegurando que parte da receita seja obrigatoriamente destinada e exclusiva para o financiamento da área social (INESC, 2008). Ao governo não interessa vincular recursos para as políticas sociais. O único recurso que está fora da disciplina orçamentária é o recurso destinado ao pagamento das dívidas interna e externa. Tabela 1 – Despesas realizadas por órgão da administração direta da PMJP Descrição órgão Gabinete do viceprefeito Sec. de Gov. e Articulação Política Secretaria de Desenv. Social Encargos gerais do município TOTAL GERAL Realizada em 2005 546.524 % na Despesa Total 0,1 Realizada em 2006 550.855 % na Despesa Total 0,08 Realizada em 2007 262.278 % na Despesa Total 0,03 1.124.312 0,2 1.291.613 0,2 1.197.314 0,1 9.579.633 1,9 9.208.858 1,4 11.065.303 1,5 59.795.181 11,7 70.889.017 11,2 93.243.516 13,0 508.203.020 100,0 628.548.455 100,0 716.525.729 100,0 Fonte: Elaboração Própria baseada nos Balanços Gerais da PMJP de 2005, 2006 e 2007. Caso esta proposta de vinculação de recursos para a assistência social fosse aprovada no ano de 2008, teríamos um percentual mínimo de 4% a ser gasto nos municípios e 10% do Orçamento da Seguridade Social. Tomando como referência o montante executado pela administração direta da PMJP no ano de 2007 os recursos destinados a esta política, em João Pessoa, seriam de R$ 29.470.839, apresentando um acréscimo de R$ 18.405.536, ou seja, de 62,45%. Ainda de acordo com a tabela 1 ao analisarmos órgãos, como: Encargos Gerais do Município e Gabinete do Prefeito que ocuparam o 3° e 4° lugar no ranking das despesas realizadas por órgãos, respectivamente, no triênio estudado, percebemos que estes são um dos órgãos que agregam maiores recursos em detrimento de outros, como: Secretaria Executiva de Desenvolvimento Urbano, Secretaria Executiva de Meio-ambiente, Secretaria de Infra- estrutura, SEDES, entre outras, responsáveis por políticas públicas, que têm uma interferência direta na melhoria de vida da população. Observamos, também, que a SEDES não acompanha o crescimento da arrecadação da PMJP nem tão pouco das despesas da administração direta, ou seja, a arrecadação da prefeitura ao longo dos anos vem aumentando, mas esta não rebate, proporcionalmente, para a política. Na unidade orçamentária SEDES estão alocados recursos de outras duas unidades orçamentárias, a saber: o Fundo Municipal da Assistência Social (FMAS) e o Fundo Municipal em Defesa da Criança e Adolescente (FMDCA), conforme demonstra a tabela 2. Tabela 2 - Recursos autorizados e realizados na SEDES, FMAS e FMDCA (Em milhões de reais) 2005 Unidades Orçamentárias Autorizado 2006 Realizado % SEDES 6.419.281 6.280.272 97 FMAS 5.765.025 3.221.673 55 FMDCA 491.800 77.688 TOTAL 12.676.106 9.579.633 Autorizado 8.674.465 2007 Realizado % Autorizado Realizado % 4.786.821 55 7.511.760 6.802.117 90 5.766.375 4.218.902 73 6.337.865 4.014.379 63 15 527.000 203.134 38 350.000 248.807 71 75 14.967.840 9.208.857 61 14.199.625 11.065.303 Fonte: Elaboração própria baseada nos Balanços Gerais da PMJP de 2005, 2006 e 2007. A SEDES, como foi destacado anteriormente, é o órgão responsável pela gestão da política de assistência social, mas além dos gastos com a função Assistência Social (08) constatamos gastos com as funções Administração (04), Trabalho (11), Educação (12), Direitos da cidadania (14), Habitação (16) e Gestão ambiental (18). Outro aspecto a destacar é que a função (08) também é executada por duas outras unidades orçamentárias, como: o Gabinete do Prefeito e a Secretaria de Governo e Articulação Política, indicando a pulverização desta função em cinco unidades orçamentárias, como: Gabinete do Prefeito, Secretaria de Articulação Política, SEDES, FMAS e FMDCA, conforme tabela 2, e da presença de outras funções na SEDES. Esta realidade está em despropósito ante os princípios constitucionais norteadores da estrututa da seguridade social, provocando a fragmentação dos gastos da assistência social. Com base na análise dos Demonstrativos Físico-Financeiros do FMAS/SUAS-WEB verificamos que a esfera federal vem cumprindo as determinações do SUAS no que tange a transferência de recursos fundo a fundo, ou seja, o co-financiamento do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), assim como a PMJP também está alocando recursos próprios no Fundo Municipal de Assistência Social (FMAS). O mesmo não vem ocorrendo por parte da esfera Estadual, o Fundo Estadual de Assistência Social (FEAS) no triênio estudado, não 77 transferiu recursos para o FMAS, comprometendo o funcionamento do SUAS, que se baseia no co-financiamento das três esferas de governo. Tabela 3 - Participação das três esferas de governo no co-financiamento do FMAS (Em milhões de reais) ANO TOTAL FMAS FNAS % FEAS % - RECURSOS PRÓPRIOS 27.774 2005 3.515.095 3.487.321 99,2 - 2006 3.388.419 3.258.419 96,1 2007 3.284.858 2.912.858 88,6 % 0,8 - - 130.000 3,8 - - 372.000 11,3 Fonte: Elaboração própria baseada nos Demonstrativos Físico-Financeiros do SUAS-WEB de 2005, 2006 e 2007. Os dados apresentados na tabela 3 demonstram a redução de 16,48%, no período estudado, das transferências do FNAS, enquanto que houve uma expressiva evolução dos recursos próprios da PMJP alocados no FMAS, representando um crescimento de 1.239,38% entre os anos de 2005 a 2007. Este crescimento significa que a gestão municipal está mais comprometida com o repasse de recursos para a assistência social, embora a participação da PMJP no FMAS ainda seja bastante inexpressiva. A análise do financiamento da assistência social no município de João Pessoa evidencia a necessidade urgente da vinculação orçamentária para o SUAS, e de um maior aporte de recursos para a política de assistência social, bem como a atenção quanto a natureza dos itens de gastos, a importância da execução dos recursos orçados, além do controle e fiscalização dos preceitos legais sistematizados no SUAS. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Estudar as políticas sociais brasileiras, e poder adentrar na discussão acerca do financiamento da assistência social no município de João Pessoa, proporcionou o mergulho num campo complexo de análise, com o intuito de conhecer a concepção política e econômica assumida pelo gestor. Ciente de que os municípios brasileiros, de forma geral, não estão suspensos no ar e por isso são determinados pelas opções da política macroeconômica do Governo Federal. Destarte, o local não se explica por ele mesmo, fazse necessário inseri-lo numa totalidade, formada por várias determinações. A implantação do SUAS, além das perspectivas e conquistas sofre desafios cotidianos, tanto de natureza técnico-operativa quanto de formulação dos preceitos legais. Destaca-se alguns desses desafios, sobretudo no município estudado: a urgente vinculação orçamentária para o SUAS; consolidação do co-financiamento pelos três entes federal; o investimento na rede socioassistencial via programas, serviços e benefícios; primazia do Estado em sua condução, fortalecimento enquanto política social. 5. REFERÊNCIAS BOSCHETTI, I. Assistência Social no Brasil: Um Direito entre a Originalidade e Conservadorismo. 2 ed. Atualizada e ampliada. Brasília: GESST, SER, UnB, 2003. BOSCHETTI, I. e SALVADOR, E. Orçamento da seguridade social e política econômica: perversa alquimia. In Revista Serviço Social e Sociedade, n. 87, São Paulo: Cortez, 2006. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. 17 ed., atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 1997. CFESS MANIFESTA: Avanços e desafios na implantação do SUAS. In Boletim Informativo do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Brasília, 2005. INESC. Nota técnica. Reforma Tributária desmonta o financiamento das políticas sociais. Brasília: n. 140, Inesc, abril,2008. PARAÍBA, João Pessoa. Prefeitura Municipal de João Pessoa-PB. Balanços Gerais da Prefeitura dos exercícios de 2005, 2006 e 2007. PEREIRA, J.D. O (des) financiamento da política de assistência social no município de Campina Grande-PB (1997-2002): a incompatibilidade entre os preceitos legais e a agenda política de ajustes. Pós-Graduação em Serviço Social, UFPE. Tese de Doutorado, 2004. BORON, A. Os novos Leviatãs e a polis democrática: neoliberalismo, decomposição estatal e decadência da democracia na América Latina. In: SADER, E. e Gentili, p. (Orgs). Pósneoliberalismo II: que Estado para que democracia? Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.