o poder dos juízes

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O PODER DOS JUÍZES - XXI
1. Judiciário: um Poder fora do tempo:
- O autor faz algumas críticas ao comportamento das nossas autoridades, uma das
quais é o de manter uma atitude contraditória em relação às leis, ou seja, de que as
leis não precisam ser sempre obedecidas, nem devem ser aplicadas com muito rigor,
o que contrasta com algumas atitudes, como o de exagerado legalismo, com o apego
quase fanático a pormenores das formalidades legais, mesmo quando isso é
evidentemente inoportuno, injusto ou acarreta graves conflitos sociais. Mas o que
prevalece amplamente é o pouco apreço à legalidade, como o que se verifica em
certas atitudes dos tribunais superiores que freqüentemente demonstram excessiva
condescendência com inconstitucionalidades e ilegalidades praticadas por chefes do
Executivo;
- Na sua visão, o Poder Executivo foi o que mais se modernizou no país,
descentralizando a organização burocrática centralizada, com a criação das
autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e outras. O legislativo
evolui muito menos do que o Executivo, mas é poder que mais dialoga com a
população, mas que possui desajustes no desempenho de suas funções
constitucionais, quando se verifica que o Legislativo não participa da fixação das
prioridades do governo; não exerce controle sobre o Executivo e quase sempre só
aprova projetos de leis originárias de iniciativa do Chefe do Executivo;
2. O despertar dos juízes e a reforma da mentalidade:
- O Brasil tem muitos bons juízes e não tem um bom Poder Judiciário. Na realidade,
os três Poderes, que compõem o sistema brasileiro de governo apresentam falhas e
vícios que comprometem sua eficiência e deixam amplos caminhos para os
inescrupulosos que atuam no Legislativo, Executivo e Judiciário;
- Embora haja a equivalência dos Poderes, estabelecida em todas as Constituições
brasileiras, é nítida a prevalência do Executivo, secundado pelo Legislativo,
aparecendo o Judiciário, na pratica como o Poder mais fraco. No caso do Judiciário
existem enorme inadequações, muitas das quais incorporadas como tradições
intocáveis. Os problemas vão desde as insuficiências na formação dos juízes até os
vícios institucionais que lhe dão a imagem de lento, formalista, elitista e distante da
realidade social;
- A reação a esta situação está partindo de alguns setores da própria magistratura, na
busca de reformas, tendo por objetivo dar ao Judiciário a organização e a postura
necessária para que ele cumpra a sua função de garantidor de direitos e distribuidor
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de Justiça. Este movimento ganhou corpo na França, Itália, Espanha, e veio atingir
outros países, inclusive o Brasil;
- A primeira reforma que deve ocorrer no Brasil é o da mudança de mentalidade. Na
grande maioria das decisões judiciais fica evidente que existe preocupação bem
maior com a legalidade do que com a justiça. Não se percebe preocupação com os
interesses e as angustias das pessoas que dependem das decisões e que muitas vezes
já não tem mais condições para gozar dos benefícios de uma decisão favorável,
porque esta chegou quando os interessados já tinham sido forçados a abrir mão de
seus direitos, arrastados pelas circunstancias de vida ou de morte;
- Esta atitude de apego exagerado às formalidades legais, sem preocupação com a
justiça, é uma herança do positivismo jurídico desenvolvido no século dezenove. A
lei sendo igual para todos e todos ficando subordinados à lei deve ser o princípio da
igualdade e a garantia da liberdade. Entretanto, a lei de que falava Montesquieu, na
sua obra Do Espírito das Leis, em repudio ao absolutismo, era a lei natural numa
concepção racionalista, entendida como “a relação necessária que deriva da natureza
das coisas”. E o que acabou prevalecendo foi a lei apenas formal, fabricada
artificialmente pelo Legislativo, sem qualquer preocupação com a justiça, os direitos
humanos fundamentais e os interesses sociais. Como expressou Jean Paul Satre, “o
Racionalismo expulsou Deus da Terra”;
- A expressão mais degenerada dessa deformação, que esconde o arbítrio de alguns
homens atrás da máscara só aparentemente neutra das leis, é a corrupção grosseira
de legisladores, que em troca de dinheiro e de vantagens pessoais vendem seu apoio
a um projeto de lei. Como fica evidente, o juiz escravo da lei tem grande
possibilidade de ser, na realidade, escravo dos compradores de leis;
- Este legalismo formal, que afastou o direito da justiça, foi agravado na América
Latina pela influência, ainda hoje muito forte de Hans Kelsen, principalmente no
Brasil. Para o autor os adeptos do positivismo jurídico, na linha defendida por
Kelsen, o direito se restringe ao conjunto de regras formalmente postas pelo Estado,
seja qual for o seu conteúdo. Assim a procura do justo foi eliminada e o que sobrou
foi um apanhado de normas técnicas-formais, que, sob a aparência de rigor
cientifico, reduzem o direito a uma superficialidade mesquinha;
- E aí está a primeira grande reforma que se faz necessário, pois, de fato, a adesão ao
positivismo jurídico significa a eliminação da ética, como pressuposto do direito ou
integrante dele. E a partir daí a assunção da condição de juiz, a ascensão na carreira
judiciária, a indiferença perante as injustiças sociais, a acomodação no
relacionamento com os poderosos de qualquer espécie, o gozo de privilégios e
outras razões, fazem com que os mesmos fiquem livres das barreiras éticas e de
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responsabilidade social, perdendo a magistratura a grandeza que lhe seria inerente se
os juízes realmente dedicassem sua vida a promover justiça;
3. O cidadão Juiz:
- Os juízes exercem atividade política em dois sentidos: por serem integrantes do
aparato de poder do Estado, que é uma sociedade política, e por aplicarem normas
de direito, que são necessariamente políticas. Mas, antes de tudo, o juiz é cidadão e
nessa condição exerce o direito de votar, o que não é desprezível quando se analisa o
problema da politicidade de suas decisões. Não há como pretender que o juiz,
fazendo uma escolha política no momento de votar, fique indiferente ao resultado da
votação. Quererá que o seu candidato escolhido vença, pois segundo a sua avaliação
política é o mais conveniente para representar o povo, por defenderem direitos
fundamentais, as idéias mais compatíveis com a justiça;
- Naquele aspecto, argumenta o autor, deve ser reconhecido que o juiz participa das
disputas políticas e é influenciado por tal circunstância. Entretanto, isso não é levado
em conta quando se discute a situação social do juiz, as influências que possam
resultar de sua condição social, e de outro lado a possibilidade de que ele exerça
influência sobre as atividades e decisões políticas. É muito comum argumentar-se
como se o juiz existisse fora da realidade e não fosse influenciado por ela. Por isso é
indispensável uma analise desse ponto: as relações do juiz com a política:
a) o juiz deve ser apartidário, ou seja, não deve estar ligado a qualquer
organização de fins políticos, que busque a conquista e o uso dos órgãos do
poder do Estado para a implantação de suas idéias ou promoção de seus
interesses;
b) como também, o juiz deve estar sempre alerta para que as suas preferências
político-partidarias ou eleitorais, ou convicções políticas, não influam sobre as
suas decisões, prejudicando o direito e a justiça;
4. O poder político dos juízes:
- O juiz recebe do povo, através da Constituição, a legitimação formal das suas
decisões que afetam os interesses fundamentais de uma ou mais pessoas. Essa
legitimação tem excepcional importância pelos efeitos políticos e sociais que podem
ter as decisões judiciais;
- Nos sistemas constitucionais modernos, os tribunais são independentes do
Parlamento ou do Executivo e as decisões judiciais são ordens, não pareceres ou
sugestões. O juiz não decide nem ordena como individuo e sim na condição de
agente público, que tem uma parcela do poder discricionário, bem como de
responsabilidade e de poder de coação, para consecução de certos objetivos sociais.
É o povo de quem ele é delegado, quem remunera o trabalho do juiz, o que acentua a
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sua condição de agente do povo. Esse conjunto de elementos já seria suficiente o
reconhecimento do caráter político da magistratura;
5. O Judiciário na organização do Estado:
- Com o aparecimento das Constituições escritas nos séculos dezoito, foi transferida
para o Estado a soberania, que antes era um atributo pessoal do rei, e se consagrou a
tripartição do poder do Estado, entregando-se à magistratura uma parcela deste
poder soberano, essencialmente político;
- O Direito é um sistema de normas que facilita a convivência e oferece meios
pacíficos para a composição dos conflitos, mas em muitas situações há dúvidas de
qual seja o direito ou quanto ao verdadeiro sentido de uma norma jurídica. Essa
dificuldade é agravada pelo fato de alguns pretenderem benefícios e vantagens que o
direito não reconhece nem assegura e que vão a prejuízo dos direitos dos demais. Aí
está a raiz da função jurisdicional: a necessidade de esclarecer o direito e de garantir
sua aplicação justa;
6. Tribunais de Justiça não mera legalidade:
- Na opinião do autor para que o Judiciário cumpra o seu papel constitucional é
necessário a atualização de concepções, inclusive a superação do legalismo
formalista. Sustenta que o legalismo formalista que hoje é praticado por muitos
juizes tem sentido diverso e suas raízes podem ser encontradas no inicio do século
dezenove, quando se preocupou coibir os excessos, não de alguns poderes mais do
próprio Estado. As revoluções que levaram ao sepultamento do absolutismo e
culminaram com a Revolução Francesa, geraram, no campo do direito, várias
inovações importantes, entre as quais o principio da legalidade, ou seja, a obrigação
de estrito cumprimento da lei;
- No Direito brasileiro a situação não foi diferente, tornando-se predominante tanto
na doutrina como na jurisprudência o denominado “culto das legislações”,
reduzindo-se o Direito à lei escrita e resistindo-se a todas as tentativas de
atualização. Para o autor é uma atitude de acomodação, conservadora ou mesmo
reacionária, motivo de conflitos entre o direito inscrito na lei e a realidade social.
Para ele é necessário inovar aplicando a Constituição, fazendo a complementação
das disposições legais já existentes, para adequá-las aos casos concretos, tomando-se
por base os princípios e as normas gerais já integradas na legislação, e que é
perfeitamente possível fazer isso com base no direito já existente, sobretudo na
Constituição, sem a necessidade de substituir o legislador.
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DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes, 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.
1-6, 79-100
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