É LÍCITO AO JUIZ EXERCER ATIVIDADE POLÍTICA ? Membro da

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É LÍCITO AO JUIZ EXERCER ATIVIDADE POLÍTICA ?
Benedito Calheiros Bomfim
Ex-Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros
Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, Ex-Conselheiro Federal da
OAB
A política, observava Aristóteles, “é a ciência do bem comum”. Pode-se dizer
que é a forma de organizar os seres humanos em sociedade. Ninguém vive sem fazer
política, ainda que não o saiba. Aquele que se proclama neutro, aliena-se da política,
não concorre para o bem-estar da comunidade, para a paz, para a melhoria das
instituições. Faz a pior das políticas, a favorável à manutenção do status quo,
representado pela injustiça, pobreza, desigualdade, violência. Péricles considerava “o
cidadão estranho ou indiferente à política um inútil à sociedade e à República.” A
política, queiramos ou não,
constitui uma opção diária por valores e é ínsita ao
próprio processo de sentir, pensar e viver.
Já a política-partidária é a atividade
política ideologizada, engajada, organizada sob um ideário comum, com vistas,
geralmente, à participação ou à ascensão ao Poder. A atividade política ordinária,
quotidiana, é inerente à existência do cidadão, ao passo que a política-partidària é a
opção refletida, consciente, deliberada, participativa.
Não obstante, confunde-se, freqüentemente, o exercício da política com a
atividade político-partidária. Aqueles que, fazem confusão entre atividade política e
político-partidária, agem por desinformação, preconceito, ou, intencionalmente, por
reacionarismo. Na área jurídica, os que assim pensam priorizam a forma sobre o
conteúdo, sobreponhem a lei ao direito, separam o direito da justiça. Querem uma
magistratura asséptica, presa à letra dos códigos, socialmente insensível, distante da
efervecência do mundo, e que faça do gabinete e dos autos, exclusivamente, o seu
universo.
O uso da toga não arrefece o sentimento de cidadania; antes, tende a
robustecer e a aprimorar esse sentimento e tal consciência.
Direito e política se interligam, se confundem. Toda sentença traz subjacente,
embora seu prolator raramente perceba, a concepção política, filosófica, formação
moral e cultural, sentimento de classe, preconceitos e outros fatores que lhe moldam
a personalidade. Como enfatiza o hoje Ministro do STF, Eros Roberto Grau, “Cogitar
do direito é cogitar da vida social. O que o direito propõe não são questões cientificas,
porém questões políticas”. (“Do Ofício de orador”,Revan, 2ª ed, pág. 95). Na decisão
não pode deixar de estar presente a condição humana, com todas as virtudes e
defeitos que lhe são inerentes. Daí a diversidade, e não raro o antagonismo, da
interpretação de um mesmo texto de lei.
A preocupação nuclear do juiz é, não a mera aplicação formal da norma, mas
sim fazer justiça. Para tanto, no Brasil, segundo a nossa ótica, basta o julgador
interpretar as leis e decidir em consonância com os princípios fundamentais de nossa
Carta Magna, negando aplicação às normas que com eles não se compatibilizem. O
magistrado não pode abstrair-se da política, que é própria de sua função. O que se
lhe veda é a atividade política partidária. Vejamos como o tema tem sido tratado na
nossa legislação e a opinião de nosso maior constitucionalista.
A primeira Constituição brasileira a cuidar da matéria foi a de 1934 que, em
seu art. 66, com redação reproduzida nas Cartas subseqüentes, vedou ao juiz a
“atividade político-partidária”. Apenas o Diploma constitucional de “1967, mais rígido,
prescreveu (art. 109) a “Perda do Cargo Judiciário” para a infração do preceito
proibitivo por parte do magistrado. Já a Lei Orgânica da Magistratura Nacional é
omissa a respeito. Pontes de Miranda, distinguindo a atividade defesa aos juízes da
que lhe é permitida, assim comenta a proibição nas Cartas de 67 e 46:
“O que aí se veda ao Juiz não é ter opinião político-partidária, porque essa
é livre. A Constituição assegura que, por motivo de convicções filosóficas, políticas ou
religiosas, ninguém pode ser privado de qualquer dos seus direitos; e é inviolável a
liberdade de consciência e de crença ...”
“O juiz, desde que não esteja filiado a partidos, ou tenha atividade políticopartidária, não infringe o princípio. Não constitui atividade político-partidária dirigir
diários que discutam assuntos políticos e intervenham na vida política, desde que tais
diários não sejam órgãos de determinado partido ou determinados partidos. Foi o que
decidiu o Superior Tribunal Eleitoral, em 17/7/34: “O que se veda aos juízes no art. 66
da Constituição (1934) é o exercício da atividade político partidária, Essa proibição,
porém, só se refere à ação direta em favor de um partido e só assim alcança o juiz,
por ser de se supor que não terá isenção de ânimo necessário para impedir questões
submetidas a seu julgamento, em que estejam envolvidas agremiações partidárias”.
(Comentários à Constituição de 1967, Tomo III, pág. 556, Revista dos Tribunais)
A CF/88, por sua vez, prescreve ser defeso ao juiz “ dedicar-se” (grifamos) à
atividade político-partidária, sem, contudo, cominar sanção para o descumprimento do
preceito (art. 95, § único). Dedicar-se significa consagrar-se, devotar-se com afeto,
exercer com empenho, o que pode levar à interpretação de que ao magistrado
permite-se ter convicção e contactos com a política partidária, desde que a ela não se
consagre, não se dedique, nela não se engaje, dela não se ocupe ativamente. A
substituição pelo constituinte da expressão exercer, usada nos textos constitucionais
anteriores, por dedicar-se, deve ter sido intencional, propositada, mesmo porque são
expressões que não têm precisamente o mesmo significado. Para manter o mesmo
sentido, seria desnecessário trocar o verbo “exercer”, tradicionalmente empregado,
por outro cuja sinonímia não é perfeita. Por essa interpretação, pois, não está o
magistrado impedido de ter opinião e efetuar simples contactos com partidos políticos.
A própria Constituição, que é uma Carta política, tem na magistratura sua gardiã. O
que não se lhe permite é professar partidarismo político. As funções do juiz são,
portanto, funções políticas, e daí não poder o Judiciário deixar de ser um poder
politizado, mas não partidarizado. Erram, pois, os que querem separar o direito e a
magistratura do político, do econômico e do social. Esquecem-se que, ao contrário do
passado, quando, elitizados, se encastelavam, distanciavam-se da população, os
juízes de hoje organizam-se em associações de classe, preparam projetos
legislativos, editam periódicos, manifestam-se publicamente sobre temas políticos,
criticam leis e o poder público, promovem lobby e passeatas, reivindicam melhorias
salariais, fazem até greve. Os magistrados passam por um processo de oxigenação,
renovação, modernização,
juvenilizam e
feminilizam seus quadros, fatores que
abrem espaço para sua democratização. O Judiciário não mais pode ser visto como
aquele Poder do passado, olimpico, hermético, inerte, anacrônico, esclerosado,
incomunicável. Cresce nele a consciência da necessidade de aprofundar a
democratização da instituição, que
continua a padecer de graves defeitos como
lerdeza, burocratização, resquícios de conservadorismo, mentalidade patrimonialista
de seus integrantes.
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