1 O SERVIÇO SOCIAL INSERIDO NO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA INTEGRADA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE(RIMS) DA UFTM E O COMPROMISSO COM A EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE DE CRIANÇAS E ADOLESCETES: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA Rosane Aparecida de Sousa Martins1 Juliana Cançado Moraes2 Graziela Eliana Costa e Silva3 RESUMO O presente artigo tem por objetivo analisar a experiência do Serviço Social inserido no Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde (RIMS) da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) localizada no município de Uberaba em especial na unidade de internação pediátrica no período de março de 2011 a janeiro de 2013. Inicialmente foi feita revisão bibliográfica acerca do tema articulando-se o referencial teórico com a experiência vivenciada pelos residentes- assistentes sociais. Para tanto, utilizou-se a revisão de literatura de materiais produzidos acerca do tema como livros, artigos e legislações existentes. Constata-se a melhoria na qualidade do atendimento aliado à humanização da atenção em saúde por meio do processo de trabalho do Serviço Social na Residência Integrada e Multiprofissional em Saúde, dentro do Hospital de Clínicas da UFTM, por meio de projetos de intervenção, extensão e pesquisa no âmbito da pediatria. Tais ações têm contribuído diretamente para a efetivação dos direitos da criança e adolescente atendidos. Palavras-chave: criança e adolescente, direitos da criança e adolescente, humanização no atendimento 1 Profª. Drª. Rosane Aparecida de Sousa Martins. Coordenadora da Área de Concentração Criança-adolescente RIMS- UFTM. Instituto de Educação, Letras,Artes, Ciências Humanas Sociais - IELACHS 2 Residente do Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde da UFTM 3 Residente do Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde da UFTM 2 INTRODUÇÃO Ao considerarmos a atual situação política, social e econômica do Brasil podemos identificar a ocorrência de alguns avanços e retrocessos ocorridos ao longo dos anos no que diz respeito às políticas sociais em nosso país, nesse caso em específico, a política de atenção à saúde da criança e do adolescente. A criação e promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nos anos 1990 trouxe inúmeros avanços no que tange ao atendimento das necessidades da infância e juventude, no entanto sua implementação tem se dado de maneira lenta exigindo esforço e articulação dos atores envolvidos. Desde sua promulgação no ano de 1990 a mobilização em torno do Estatuto e de sua implementação tem enfatizado a proteção à criança, buscando defendê-la de abusos e da violência de um modo geral. Isso tem sido importante para o bem-estar das crianças e adolescentes no Brasil e também para o aperfeiçoamento de mecanismos familiares e comunitários de proteção aos mesmos. Neste sentido, a articulação em rede de serviços para atendimento às necessidades das crianças e adolescentes é o caminho natural para a garantia dos direitos desta população e o trabalho multiprofissional uma estratégia para o funcionamento desta rede. Para analisarmos a temática proposta faz-se necessário retomar o processo histórico da luta pela efetivação dos direitos da criança e adolescente no Brasil, bem como refletir sobre o trabalho do assistente social no contexto da Residência Multiprofissional e Integrada em Saúde (RIMS) da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). 1- CRIANÇAS E ADOLESCENTES COMO SUJEITOS DE DIREITOS NA SAÚDE: REFLEXÕES INTRODUTÓRIAS Crianças e adolescentes até a metade do século XX eram “invisíveis” para o mundo dos direitos humanos sendo considerados pequenos adultos com importância inferior devido em especial à sua estatura física (PRIORI, 2004). A partir do momento que passaram a ter visibilidade para a sociedade neste mesmo século tal público passou a ser alvo de 3 inúmeras ações assistenciais sendo as mesmas direcionadas somente aos pobres e seus filhos. Segundo Rizzini & Pilotti o alvo das ações assistenciais direcionadas à infância pobre no final do século XIX seguia tendências de debates internacionais onde as famílias pobres que não viviam de acordo com os padrões morais vigentes eram consideradas inabilitadas para educar seus filhos sendo passíveis de intervenção judiciária e consideradas apenas pelo viés do desvio, sendo identificados então como “menores4”. Segundo tal concepção, toda criança abandonada ou retirada de sua família era um delinqüente que precisava ser recuperado. (RIZZINI & PILOTTI, 2009). Para Priori, o início do século XX foi caracterizado pela busca da modernização por meio do inicio da industrialização e urbanização do país. Esta forte tendência ao desenvolvimento das cidades atraiu parcelas consideráveis da população até então residentes na área rural. As cidades não estavam preparadas estruturalmente para o recebimento desta população, fazendo com que parcelas significativas dos trabalhadores passassem a viver em condições insalubres em aglomerados habitacionais sem condições mínimas de higiene e limpeza. Neste momento histórico, a prática herdada pela Europa de se abandonar os filhos ou de nãos lhes dispensar maiores cuidados passou a ser vista como condenável e não mais tolerada. Segundo Rizzini (2008), o abandono de ordem moral invariavelmente ligado aos pobres passou a ser combatido pois a eles estavam ligados a mendicância, vadiagem e outros comportamentos que comprometiam o desenvolvimento do país sendo criado no ano de 1927 o Código de Menores para o atendimento da infância e juventude brasileira. O Código de Menores de 1927 destinava-se, especificamente, a legislar sobre as crianças de 0 a 18 anos, em estado de abandono, de famílias pobres ou economicamente incapazes de sustentar seus filhos, sendo resultado das negociações para erradicar o Sistema da Roda e a Casa dos Expostos utilizados até então para atendimento a este público. O Código de 1927 foi criado com o objetivo de regulamentar a situação de crianças e adolescentes abandonados no Brasil consolidando um modelo de classificação e intervenção à situação do menor nos moldes das ações policiais. A política utilizada legitimou a 4 O termo menor vinha sendo utilizado historicamente para designar pessoas na faixa etária de 0 a 18 anos de idade incompletos e foi abandonado após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente que rompeu com a visão deturpada de que estes indivíduos não eram portadores de direitos e somente eram alvos de intervenções jurídicas 4 manutenção de diversas colônias de correção para menores junto às dos adultos, e escolas de reforma especiais para menores. Tais ações legitimaram a concepção de que toda criança abandonada era um delinqüente que precisava ser recuperado (RIZZINI & PILOTTI, 2009). Seguindo tendências internacionais que começaram a valorizar a família, nos anos de 1964 foi aprovada a Política Nacional do Bem Estar do Menor objetivando o atendimento ao menor abandonado e seu grupo familiar. Com ela foi criada a Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (FEBEM), que foi definida como uma nova forma de atendimento as crianças e adolescentes pobres, moradores das periferias e com baixa escolaridade. Neste modelo, profissionais foram contratados para realizarem atendimento interdisciplinar, procurando sanar as deficiências de saúde, formação de personalidade e adaptação à sociedade das crianças e suas famílias. (RIZZINI & PILLOTI 2009). Em 1979 após grandes discussões entre as entidades de atendimento ao menor e o Estado, a legislação existente para intervir no “problema do menor” é revista e em seu lugar é criado um “novo” código de menores, tendo como objetivo a “proteção e vigilância aos menores em situação irregular”. Situação esta que pode ser resultado da própria conduta (infrações), da conduta familiar (maus-tratos) ou da sociedade (abandono). Segundo relatos de Rizzini&Pilotti (2009), a partir dos anos 1990, quando a situação das crianças e adolescentes dentro da sociedade, passou a ser alvo mundial de discussões acerca da defesa de seus direitos, gradativamente estes sujeitos passaram a ter direito à proteção. Segundo os mesmos autores, esse movimento ocorreu ao mesmo tempo em que a afirmação dos direitos humanos estava na agenda de discussões dos organismos internacionais que resultaram na instituição de normativas mínimas para o tratamento do ser humano nesta mesma década. Neste mesmo período, dos anos de 1990 no contexto nacional, ocorria o processo da redemocratização do Estado brasileiro que possibilitava ao país a reconstrução dos seus instrumentos legais. A mobilização da sociedade civil para a inclusão no texto constitucional de normativas para o tratamento da infância e juventude brasileira veio da percepção de que o Código de Menores e a Política Nacional do Bem Estar do Menor faziam parte do aparato repressivo advindo do regime militar que não atendiam às necessidades deste público e em nada colaborava para o seu desenvolvimento. A percepção deste fato indo de encontro com o movimento internacional fez com que várias organizações da sociedade civil se mobilizassem para aproveitar o movimento da Assembléia Nacional Constituinte como 5 oportunidade histórica para mudar o panorama legal do atendimento à criança e adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente originou-se do art.227 da Constituição Federal de 1988 sendo promulgado pela Lei 8069/1990, representando uma ruptura do discurso referente à criança e ao adolescente utilizado até então, ido em choque à concepção de que os mesmos se encontravam em situação irregular preconizada pela legislação (Código de Menores) em vigor até 1990. O diferencial desta lei está justamente na introdução da doutrina da proteção integral a todas as crianças e adolescentes, diferente das legislações anteriores que eram dirigidas somente aos pobres e seus filhos. A partir da promulgação desta lei, o termo “menor” é abandonado e em seu lugar passam a ser usados os termos criança e adolescente. Trata-se de criança a pessoa com até doze anos de idade incompletos e de adolescente a pessoa na faixa etária entre doze e dezoito anos de idade, ambos: Gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (ECA, 1990, art3º). Os pressupostos dos quais se constituem as bases das políticas sociais destinadas à infância e adolescência, em especial a partir dos anos 1990 passaram a apresentar condições favoráveis à mudanças expressivas de enfoque e ação. A promulgação do ECA neste mesmo ano, bem como a participação de diferentes setores organizados da sociedade em defesa dos direitos da criança e do adolescente constitui parte importante destas mudanças, tornadas possíveis dentro do contexto da redemocratização do pais. A referida lei propõe novos paradigmas de atenção à infância, tomando como base preceitos de garantia de direitos preconizados pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança, da qual o Brasil é signatário (NAÇÕES UNIDAS, 1989). O Estatuto estipula normas que visam à proteção da criança e do adolescente com vistas ao seu desenvolvimento integral e conclama a família, o Estado e a sociedade a promoverem condições adequadas ao seus desenvolvimento sem qualquer tipo de discriminação. O ECA inserindo o conceito de proteção integral nos convida a pensar que todas as crianças e adolescentes têm direitos e, assim, apostar nas políticas sociais de ampla 6 cobertura que possam, de fato, contribuir para a diminuição das circunstâncias que prejudicam seu desenvolvimento integral: A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. (ECA, 1990, art.86) Neste sentido, uma rede de atendimento deve ser pensada, elaborada e implementada através da articulação de órgãos e serviços governamentais e nãogovernamentais que atuam na ampliação e aperfeiçoamento da qualidade dos direitos legalmente previstos. Por rede de atendimento entende-se “conjunto integrado de instituições governamentais ou não, ações, informações, programas ou serviços que priorizem o atendimento integral à criança e adolescente em sua realidade local” (HOFFMANN et al, 2000. Uma estrutura em rede demonstra que seus integrantes se ligam horizontalmente aos demais, diretamente ou através dos que os cercam. O conjunto resultante é como uma malha de múltiplos fios, que pode se espalhar indefinidamente para todos os lados, sem que nenhum dos seus nós possa ser considerado principal ou central, nem representante dos demais. O exercício do comando da rede é externo não possuindo o mesmo uma estrutura hierarquizada, em se tratando de uma rede social o que há é uma vontade coletiva de atender determinado objetivo. Conforme relatam Souza&Souza (2009) as redes não se comportam centros ou níveis diferentes de poder, a livre circulação de informações torna-se assim uma exigência essencial para o bom funcionamento de uma rede. Todos os seus membros têm que ter acesso a todas as informações que nela circulem pelos canais que os interliguem. Para ser acessível, um serviço precisa oferecer atendimentos que sejam fáceis de se iniciar e manter, o que depende por um lado de características do próprio serviço, mas por outro das condições dos usuários para superar os diferentes obstáculos para atingí-lo, como os financeiros (transporte), espaciais, sociais e psicológicos (LESCHER apud DONABEDIAN, 1980). Nesta direção, a perspectiva de um trabalho em rede se faz essencialmente por meio da formulação e execução de políticas públicas, quer se trate de políticas universais de atendimento às necessidades básicas da criança e do adolescente, quer se trate de medidas 7 de proteção especial para aqueles que se encontre em situação de risco pessoal e social (CARREIRAO, 2004). Estar em risco social e pessoal significa iminência de violação de direitos sendo o acesso à saúde um dos principais eixos para o rompimento de tais situações de risco já que a saúde abrange diversos aspectos da vida do individuo em especial de crianças e adolescentes. A atenção à saúde da criança no Brasil vem sofrendo transformações tendo como influências o contexto histórico, político e econômico, os avanços científicos, as diretrizes das políticas sociais e do envolvimento dos vários agentes atuantes no segmento. A universalização do acesso à saúde a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e implantação do SUS nos anos de 1990 é o ganho mais significativo para diferentes segmentos da sociedade em especial aqueles não vinculados formalmente à Previdência social (administradora dos serviços de saúde até meados dos anos 1980). Em especial os anos 1990, trouxeram para o setor de saúde a revalorização da família, culminando em 1994 com a criação do Programa Saúde da Família (PSF), criado pelo Ministério da Saúde (modelo copiado de outros países), na tentativa de se reorganizar a atenção à saúde a partir dos princípios da universalidade, equidade e integralidade na assistência. Dentro da política de saúde brasileira, a situação de sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento (preconizado pelo ECA) produz uma política específica para a saúde da criança e adolescente articulando a saúde a outros direitos como alimentação, vacinação, ambiente saudável entre outros. Esta articulação produz uma ruptura com o modelo de saúde que considerava até então a saúde deste público apenas a partir da ótica do seu desenvolvimento e crescimento físico. A saúde da criança e do adolescente a partir desta ótica organiza uma série de saberes que ditam os modos como os pais e os profissionais de saúde devem agir entre si para a defesa deste direito. Neste sentido, a política nacional de atenção à saúde da criança e do adolescente abrange diversas ações a serem implementadas para que seja possível o alcance do desenvolvimento pleno das crianças e adolescente brasileiras. Nesta perspectiva o desenvolvimento de um trabalho multiprofissional propicia à crianças e adolescentes a possibilidade de se abranger o olhar sobre as situações de risco vivenciadas possibilitando a ampliação da visão e a proposição de medidas que superem a imeditiacidade e construa um real paradigma de proteção integral à este público. 8 Desta forma, a Residência Integrada Multiprofissional em Saúde apresenta-se como um espaço privilegiado de atuação, no qual é possível estabelecer diálogo com os diversos profissionais, usuários, familiares e instituição visando uma atenção especializada e humanizada no atendimento às necessidades de saúde dos usuários dentro da perspectiva da defesa intransigente dos direitos desta população. Dentre os profissionais de saúde que atuam na RIMS destaca-se, a seguir, o assistente social como sujeito importante no desenvolvimento de ações com foco na atenção à saúde. 2- A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NA RIMS NA UNIDADE DE PEDIATRIA DO HOSPITAL DE CLÍNICAS DA UFTM: COMPROMISSO COM A ATENÇÃO À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O Serviço Social profissão liberal cujo exercício profissional é regulamentado pela lei nº8662/93 tem seu objeto de trabalho no enfrentamento das expressões da questão social: Expressões da questão social podem ser entendidas como as desigualdades geradas pelo modo de produção capitalista onde a produção social é cada vez mais social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (Iamamotto, 2006) O Serviço Social é a profissão que atua no campo das políticas sociais com o compromisso de defesa e garantia dos direitos sociais da população, usando o fortalecimento da democracia. A ação do Serviço Social se volta no enfrentamento das condições sociais, seja ela nos mais diversos campos, intervindo sobre as situações de risco social e vulnerabilidade, contribuindo para uma abordagem global que vai além da demanda apresentada. O profissional do Serviço Social tem seu exercício profissional regido pelo Código de Ética e pela Lei 8662/90 – Lei de Regulamentação da profissão. No campo da saúde, a Resolução N° 218/1997 do Conselho Nacional de Saúde, considera o processo de saúde/doença como decorrência das condições de vida e trabalho, e determina o acesso igualitário de todos aos serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde a toda à população conforme preconizado na lei do SUS. Tal Resolução reconhece entre outros profissionais o assistente social como um profissional da saúde. 9 Neste contexto, a inserção do assistente social nos serviços de saúde é ampliada a partir do reconhecimento social da profissão, pela concepção extendida de saúde, considerada como melhores condições de vida e de trabalho e da importância das ações realizadas em equipe pelos diferentes profissionais na área e pela articulação do trabalho em rede. Nesta direção, as atribuições e competências dos profissionais do Serviço Social, sejam aquelas realizadas na saúde ou em outro espaço sócio-ocupacional, são orientadas e norteadas por direitos e deveres constantes no Código de Ética Profissional e na Lei de Regulamentação da Profissão, que devem ser observados e respeitados tantos pelos profissionais quantos pelas instituições empregadoras. A partir do pressuposto acima mencionado o perfil do assistente social para atuar nas diferentes políticas sociais deve afastar-se das abordagens tradicionalistas utilizadas ao longo da história que tratam situações sociais complexas como problemas individuais. As competências e atribuições dos assistentes sociais tendo com base a Lei de Regulamentação da Profissão, requisitam do profissional algumas competências gerais que são fundamentais à compreensão do contexto sócio-histórico em que se situa sua intervenção. Neste sentido, os assistentes sociais na saúde atuam em quatro grandes eixos: atendimento direto aos usuários; mobilização, participação e controle social; investigação, planejamento e gestão; assessoria, qualificação e formação profissional. As ações a serem desenvolvidas pelos assistentes sociais devem transpor o caráter emergencial e burocrático, bem como ter uma direção socioeducativa por meio da reflexão com relação às condições sócio-históricas a que são submetidos os usuários e mobilização para a participação nas lutas em defesa da garantia do direito à Saúde (CFESS 2008) Em 2008, o conselho Federal de Serviço Social – CFESS lança o documento intitulado Parâmetros para atuação de Assistentes Sociais na Política de Saúde, com o objetivo de trazer referências para o trabalho do assistente social na área de saúde. Dentre as finalidades de tal documento ressalta-se o compromisso e a perspectiva de: democratizar as informações por meio de orientações (individuais e coletivas) e /ou encaminhamentos quanto aos direitos sociais da população usuária; enfatizar os determinantes sociais da saúde dos usuários, familiares e acompanhantes por meio das abordagens individual e/ou grupal; facilitar e possibilitar o acesso dos usuários aos serviços, bem como a garantia de 10 direitos na esfera da seguridade social por meio da criação de mecanismos e rotinas de ação; conhecer e mobilizar a rede de serviços; fortalecer os vínculos familiares, na perspectiva de incentivar o usuário e sua família a se tornarem sujeitos do processo de promoção, proteção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde; dentre outros. Na busca para a efetivação dos direitos dos usuários da saúde, o trabalho em equipe multiprofissional torna-se uma estratégia de trabalho e uma ferramenta para efetivação dos preceitos contidos no projeto ético político profissional. Nesta direção, ressalta-se a relevância das regulamentações, leis, normatizações para o fortalecimento do Serviço Social enquanto profissão no contexto da saúde, especialmente nas residências multiprofissionais. No HC/UFTM, a inserção do Serviço Social na Residência Integrada e Multiprofissional em Saúde foi decorrência de articulação tanto do curso de graduação em Serviço Social da UFTM como do setor de Serviço Social do HC/UFTM. Tal inserção tem possibilitado a construção de espaços de debates e fomentado a reflexão acerca da saúde enquanto direito, conforme discutiremos a seguir. O HC atende pacientes de mais de quatrocentos municípios de Minas Gerais, Norte de São Paulo, Sul de Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e de outros quatorze estados fazendo parte da micro região. Referindo-se aos avanços no campo da saúde, Uberaba trabalha com o Programa SUS Fácil que conta com equipe capacitada para atender às demandas de internações por meio informatizado, atendendo de forma integral os municípios e toda a região de Minas Gerais. O município possui também o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) que conta com veículos com todos os equipamentos necessários para urgências e emergências. Atualmente o quadro de profissionais que atuam no HC_UFTM é composto por: assistente social, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, médico (professor), nutricionista, psicólogo, terapeuta ocupacional, técnico de nutrição, técnico de radiologia, técnico de enfermagem, técnico de laboratório, técnicos administrativos, além dos profissionais da residência médica e multiprofissional entre outros. Neste contexto, o programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde (RIMS) da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) foi criado em 2010 e conta com: assistente social, biomédico, enfermeiro, fisioterapeuta, nutricionista, profissional da educação física, psicólogo e terapeuta ocupacional. O programa possui três áreas de 11 concentração de acordo com o ciclo vital: Saúde da Infância e Adolescência, Saúde do Adulto e Saúde do Idoso. A equipe atua em todos os níveis de serviço de saúde, sendo que no primeiro ano o campo de prática abrange os níveis secundário e terciário dentro do complexo do Hospital de Clínicas da UFTM e no segundo ano desempenham ações no nível primário junto à Unidades Básicas de Saúde onde estão inseridas equipes de Estratégia Saúde da Família - ESF. O trabalho em equipe multiprofissional se configura na relação recíproca entre as várias intervenções técnicas e a interação dos agentes de diferentes áreas profissionais (Peduzzi, 1998). O assistente social norteado pelo Código de ética profissional e em busca da construção e efetivação do projeto ético político tem o processo constituído por habilidades e competências que possibilitam desenvolver estratégias de enfrentamento das expressões da questão social. Dentro do setor de Pediatria do HC-UFTM tendo como pressupostos o plano de trabalho elaborado pelos profissionais a partir do documento Parâmetros da Atuação dos Assistentes Sociais na Política de Saúde (documento base para atuação formulado pelo Conselho Federal de Serviço Social), o assistente social inserido no programa de residência desenvolve as seguintes ações: educação em saúde através de campanhas temáticas; acolhimento de pacientes admitidos; abordagem individual e coletiva com objetivo de aproximação à situação social do usuário e visualização de demandas de atendimento; coleta de dados para traçar perfil dos usuários do serviço de saúde do HC/ UFTM; pesquisa junto à rede de atendimento de recursos existentes; acompanhamento dos processos remoção e alta objetivando agilização e otimização dos processos de atendimento além de garantia de plena informação sobre os direitos sociais aos usuários; evolução dos casos acompanhados nos prontuários com objetivo de aproximação à realidade social dos usuários pelos demais profissionais da equipe de saúde; identificação de demandas específicas e encaminhamento dos usuários aos equipamentos sociais existentes além de contanto com órgãos relacionados à área de saúde para solicitação de serviços diversos; participação de grupos de sala de espera, para discutir temáticas que envolvem a promoção de saúde; identificação de situações que extrapolam a questão da saúde da criança ou adolescente dentro do núcleo familiar que necessitem de intervenção multiprofissional implantando um fluxo de encaminhamentos para a Rede Sócio-Assistencial; orientação de familiares e/ou 12 responsáveis realizando a mediação entre o familiar e a equipe de saúde e contato com órgão de defesa da criança e do adolescente entre outras. No setor de Pediatria da UFTM observa-se que de março/2011 até setembro/2012 o perfil das famílias atendidas que são oriundas de Uberaba e dos 27 municípios que compõe a gerência regional de saúde é em sua maioria de baixa renda, possuindo benefícios como o Bolsa Família e/ou BPC (Benefício de Prestação Continuada), apresentando em suas histórias de vida inúmeras expressões da questão social, possuindo pouco ou nenhum conhecimento sobre o acesso à rede de atendimento e direitos sociais tendo sofrido ao longo de suas trajetórias alguma situação de vulnerabilidade social. Os atendimentos realizados pelo Serviço Social nesta unidade são encaminhados pelos residentes médicos e ou professores, equipe de enfermagem e demais profissionais inseridos na equipe multiprofissional, demandas apreendidas pelo assistente social durante acolhimento ou acompanhamento dos casos além de demandas espontâneas levantadas por parte dos usuários. Em todos os casos são realizados o acolhimento à família, entrevista social, discussão dos casos com profissional/preceptor, identificação das demandas, discussão com equipe multiprofissional, contato com recursos comunitários e rede de atendimento à criança e adolescente do município de origem da família, realização de encaminhamentos, evolução em prontuário e devolutiva às famílias com orientações diversas. Através dos atendimentos realizados observou- se incidência de casos de abuso sexual, falta de recursos financeiros, negligência, violência intra-familiar, acidentes domésticos, acidentes de trânsito, transferências para tratamentos fora de domicílio, abandono, violência física e psicológica, gravidez de alto risco, entre outras. A partir da identificação destas demandas têm-se uma percepção ampla da importância do trabalho do assistente social e demais profissionais, vinculados à rede de atenção à saúde da criança e adolescente, objetivando o atendimento às necessidades deste público e suas famílias com vistas à prevenção, recuperação e promoção da saúde. Durante o período de vivência do programa de residência multiprofissional, portanto, nos anos de 2010 a 2012, as principais demandas constatadas pelo Serviço Social foram: desconhecimento das famílias em relação aos direitos da criança e do adolescente, bem como dos recursos da comunidade; ineficiência do funcionamento da rede de proteção; 13 exposição de crianças e adolescentes à situações de risco e negligência; além da fragilidade dos programas de prevenção de agravos e doenças existentes no município. Demonstrando a realidade social vivenciada pelo país inserido no sistema capitalista de produção, os principais limites no desenvolvimento do trabalho dentro do programa de residência multiprofissional em saúde da UFTM giram em torno da predominância, ainda nos dias atuais da visão biomédica do indivíduo; falta de uma rede de apoio articulada para o atendimento em especial do principio de referência e contra referência do SUS; pobreza material e intelectual da população que propicia o conformismo entre outros. A inserção do Serviço Social no programa de Residência Multiprofissional da UFTM tem possibilitado um contato direto com realidade social da população usuária do SUS; identificação das políticas públicas existentes para o atendimento das demandas destes mesmos usuários – hoje setoriais e desarticuladas; contato com a rede de atendimento municipal (seus programas e projetos); construção de uma visão ampliada da família com suas diversas configurações na atualidade e desenvolvimento de ações de assistência, pesquisa e extensão pautadas no fortalecimento do acesso aos direitos sociais. Durante este processo de formação de educação em serviço, percebe-se a necessidade da formação profissional que seja direcionada para uma perspectiva crítica, ética, reflexiva, criativa, dinâmica, na compreensão da realidade social, no enfrentamento das diversas expressões da questão social que se manifestam cotidianamente, com vistas à efetivação de um fazer profissional consoante com os direcionamentos ético-políticos defendidos pela profissão. CONSIDERAÇÕES FINAIS Um retrospecto dentro da história brasileira nos revela que a situação da infância no Brasil até bem pouco tempo era irregular e predominavam ações assistencialistas frente à situação de pobreza, vulnerabilidade ou risco, a que crianças e adolescentes pudessem estar sujeitos. Neste cenário, políticas públicas, realmente eficazes no sentido de prevenir as situações de risco a que grande parte das crianças e adolescentes brasileiras estão expostas no atual momento são frágeis. Atualmente, prevalece no contexto da política de saúde, a realização de intervenções pontuais e imediatistas que não são garantia nenhuma de efetivação da proteção integral instituída no ECA. 14 O Estatuto da Criança e do Adolescente é um avanço em termos de legislação de proteção à população infanto-juvenil, no entanto sua efetivação depende de outras ações e de sujeitos políticos de toda a sociedade. Ainda que com algumas dificuldades, percebe-se que muitas são as conquistas que vão além da melhora do atendimento realizado à esta população, mas principalmente com a mudança do paradigma menorista para o da proteção integral, no qual esforços têm sido empreendidos no sentido da articulação da rede de atendimento às necessidades das crianças e adolescentes brasileiras. As situações de maus-tratos que envolvem crianças e adolescentes necessitam de uma abordagem mais cuidadosa, com o acolhimento humanizado, a assistência, o reconhecimento da associação da demanda apresentada com demais situações de risco como alcoolismo, uso de drogas, dinâmica familiar onde há perda de vínculos o que indica a assistência à família como um todo e a articulação com a rede de proteção aos direitos deste público, ou seja, acionar Conselhos Tutelares, Juizados da Infância e Juventude, Promotorias, Ministério Público, para um melhor acompanhamento dos casos e a garantia de que o direito seja assegurado de forma efetiva. No entanto, mesmo com toda a rede de proteção que envolve crianças e adolescentes, os direitos sociais preconizados pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) muitas vezes não são efetivados, visto que, depende de decisões governamentais e também de um controle social mais respaldado por estas políticas sociais. Crianças e adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que se trata o ECA, favorecendo as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. O ECA em seu Artigo 86, estabelece que a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Assim, para a efetivação e operacionalização de direitos previsto pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é papel também da sociedade civil manter sua autonomia e mobilização com vistas a participação na efetivação da política de atendimento às crianças adolescentes. Ao Estado, cabe a realização de ação competente e concreta no sentido de fazer cumprir as novas exigências da política de garantia de direitos, fortalecendo a rede de proteção integral. 15 É nesta perspectiva que a intervenção do assistente social representa uma ação em conjunto com a atual legislação de saúde e a de proteção às crianças e adolescentes, pois atua na intersetorialidade, articulação e efetivação de direitos e tem como referência as diretrizes ético-políticas do Serviço Social, as quais privilegiam o seu papel principal de interpretação das expressões da questão social, dada a sua dinamicidade, e de identificação de estratégias no enfrentamento das demandas resultantes do contexto de desigualdade social, marcado pela exclusão social, do desemprego, da violência e das situações de risco social. O processo de trabalho dos assistentes sociais inseridos no complexo HC-UFTM é desenvolvido a partir de atribuições estabelecidas pela Lei de Regulamentação da Profissão como o acolhimento aos usuários e familiares; veiculação de informações sobre direitos e benefícios sociais; mapeamento, encaminhamento e utilização de recursos existentes na rede de apoio dos municípios; acompanhamento dos processos de internação e tratamento dos usuários, trabalhos de educação em saúde dentro da perspectiva da efetivação dos preceitos do SUS da integralidade, universalidade de acesso e humanização no atendimento. Neste contexto, os assistentes sociais integrantes da residência multiprofissional da UFTM, têm trabalhado na perspectiva do desenvolvimento e efetivação do trabalho em equipe, objetivando o atendimento das demandas postas pelos sujeitos usuários da política de saúde, perspectiva que se configura num grande desafio a ser perseguido cotidianamente. 16 REFERÊNCIAS BRASIL. 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