Proc. 010323-15.00/00-0 PARECER Nº 13.299 Prática de dumping

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Proc. 010323-15.00/00-0
PARECER Nº 13.299
Prática de dumping. Controle pelo
Estado do Rio Grande do Sul.
Intervenção da unidade federada no
domínio econômico. Impossibilidade.
Prerrogativa da União Federal.
O Sr. Secretário de Estado da Agricultura e Abastecimento,
encaminha a esta Procuradoria-Geral expediente administrativo informando ser
“prática corrente dos supermercados a venda de seus produtos abaixo do preço de
custo, como forma de estabelecer concorrência no mercado”. Tal prática, segundo
afirma, fere as relações éticas de mercado, vez que estabelece uma concorrência
desleal pelo exercício do dumping.
Com base nessas afirmações solicita análise e parecer desta Casa
sobre a matéria posta, apresentando três questionamentos básicos:
I - análise da matéria “dumping” a fim de instrumentalizar o
Governo do Estado para corrigir eventual prática desta forma de
concorrência desleal;
II - “análise de instrumentos jurídicos a serem adotados pelo
Estado através do Executivo ou através do Legislativo” no sentido
de regular a atividade dos setores de distribuição varejista
(supermercados), em especial a limitação do “tamanho dos
estabelecimentos comerciais e a limitação em relação ao porte
econômico de cada grupo empresarial”;
III - “exame quanto a possibilidade de exigir a precificação dos
produtos que compõem a cesta básica, demonstrando ao
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consumidor o preço de compra bem como o preço final para
venda”.
Houve manifestação da Assessoria Jurídica da Secretaria.
É o relatório.
A matéria posta para análise mostra-se excessivamente ampla,
portanto de difícil condensação em um único trabalho. Contudo, tentarei dar um
sentido de organização respondendo os questionamentos na ordem posta acima
possibilitando-se, assim, a limitação do tema.
I-
DUMPING
1.
Comércio Internacional e surgimento do dumping.
As primeiras manifestações comerciais da civilização remontam à
antigüidade, onde era prática corrente a troca de mercadorias. Estas primevas
expressões de mercancia, entretanto, eram feitas entre pequenas comunidades que
dispunham de excedentes de produção e, por outro lado, possuía necessidades não
supridas por meios próprios 1. O comércio era estritamente local.
Entre povos, o comércio revelou-se, inicialmente, no Império
Romano onde era estimulada a mercancia entre as regiões conquistadas. Na Idade
Média esta forma comercial intensificou-se, com as caravanas que percorriam a
Europa e o Oriente, transportando especiarias e tecidos de grande valor.
Embora a existência do comércio “internacional” fosse conhecida
desde esta época, somente a partir do século XVI, quando surgiram os Estados
Nacionais, é que passou a existir efetivamente o mercadejo entre países.
Concomitantemente, as nações envolvidas tiveram a necessidade de estabelecer
políticas de comércio e regular o trânsito de mercadorias, pois determinadas práticas
poderiam afetar as economias locais. A ganância, a necessidade de expansão de
mercados, a busca desmesurada de riquezas, trouxeram, através dos séculos, guerras,
conflitos e mortes, culminando em conflitos de âmbito mundial. O avanço
tecnológico, tanto nos meios de produção, quanto de transporte e comunicações,
tornou o mundo dinâmico, próximo. Contudo, já na Segunda Grande Guerra
(1939/1945), além das virtudes do homem, escancarou todos os seus defeitos e
vícios, que, no comércio, traduziram-se na concorrência desleal 2.
1
JOHANNPETER, Guilherme Chagas Gerdau. “Antidumping: prática desleal no comércio
internacional”. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1996, pág. 20.
2
TAVAROLO, Agostinho Toffoli. “Natureza Jurídica dos Direitos Aintidumping.”, RT, Cadernos
Direito Tributário e Finanças, 181, pág. 238 e 239.
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A fim de possibilitar a recuperação econômica das nações
destruídas pela guerra, chegou-se à conclusão de que o caminho adequado seria a
regulação do comércio internacional através de um tratado que fosse multilateral, que
criasse uma organização internacional permanente que regulasse, além de tarifas e
quotas de importação, os investimentos internacionais, cartéis e outras práticas
restritivas do comércio e do desenvolvimento econômico. Das reuniões surgiu o
GATT (Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio), que caracterizou-se por
realizar rodadas de negociações entre países, tendo como tema central o sistema de
tarifas e, modernamente, a questão das barreiras não tarifárias. Da rodada final de
negociações (1988-1994) surge a Organização Mundial do Comércio – OMC,
destinada a regular o comércio internacional no século XXI.
É de salientar-se que toda esta evolução histórica das relações
comerciais, tem sempre como ponto marcante a necessidade de expansão mercantil e
a proteção de mercados. Aliás, os sistemas de defesa dos mercados contra práticas
desleais ou predatórias existentes, como se disse, desde o início do século, vêm
sofrendo modificações ao longo dos tempos, em função das alterações no comércio
internacional e, em especial, do acirramento da concorrência em todo o mundo.
2.
Dumping – Conceito e espécies.
Dentre as formas de estabelecer a concorrência desleal ou a ação
predatória no comércio, o dumping é, provavelmente a mais comum, mas, nem por
isso, menos nociva aos mercados.
O dumping nada mais é que “a oferta de uma mercadoria no
comércio por um preço inferior ao seu valor normal, visando alijar a concorrência” 3.
Esta conceituação, simples é bem verdade, dá clara noção do problema que se irá
enfrentar.
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
do Brasil, criado pela Medida Provisória nº 2.123-27, de 27/12/2000 (DOU
28/12/2000), tem como competência, dentre outras, a apresentação de políticas de
desenvolvimento da indústria, do comércio e dos serviços; definição de políticas de
comércio exterior; regulamentação e execução dos programas e atividades relativas
ao comércio exterior e, a aplicação dos mecanismos de defesa comercial. Esta última
atribuição, exercida por intermédio do Comitê Consultivo de Defesa Comercial, ao
tratar do dumping, em sua home page na internet, assim referiu-se:
“ (...)
b) DUMPING
b.1) Definição: Considera-se que há prática de dumping quando
uma empresa exporta para o Brasil um produto a preço (preço de
3
TAVAROLO, Agostinho Toffoli. Op. cit., pág. 241.
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exportação) inferior àquele que pratica para produto similar nas vendas
para o seu mercado interno (valor normal). Desta forma, a
diferenciação de preços já é por si só considerada como prática desleal
de comércio.
(...)
b.2) Produto Similar: Um produto é considerado similar a outro
quando é idêntico àquele ou, quando não existir produto idêntico, a um
outro que apresente características suficientemente semelhantes.
b.3) Valor Normal: É, em princípio, o preço, normalmente ex
fabrica, sem impostos, e à vista, pelo qual a mercadoria exportada é
vendida no mercado interno do país exportador, em volume significativo
e em operações comerciais normais, isto é, vendas a compradores
independentes e nas quais seja auferido lucro.
- volume significativo: considera-se como volume significativo
vendas no mercado interno do país exportador que representem pelo
menos 5% do volume exportado para o Brasil;
- compradores independentes: busca-se garantir que o valor
normal não esteja influenciado por relações entre empresas vinculadas
que poderiam envolver prática de preços de transferência distintos
daqueles encontrados em operações entre empresas independentes. No
entanto, operações entre empresas vinculadas poderão ser consideradas
para determinação do valor normal, desde que o preço seja compatível
com aquele que seria praticado para empresas independentes.
- obtenção de lucro: busca-se evitar que sejam utilizados como
base para o valor normal preços abaixo dos custos unitários do produto
similar, considerados os custos de produção, os administrativos e de
comercialização, que não permitam cobrir todos os custos dentro de
período razoável.
- Alternativas para o Valor Normal: Somente no caso de não
existirem vendas no mercado interno do país exportador ou quando as
vendas não sejam realizadas em volume significativo ou em operações
comerciais normais, pode-se utilizar como valor normal:
a. preço de exportação para terceiros países; ou
b. construção do valor normal, considerando as condições de
produção e as práticas contábeis adotadas no país exportador.
Caso a exportação seja proveniente de um país não considerado
como de economia de mercado, o valor normal poderá ser determinado
com base no:
a. preço de venda praticado no mercado interno de um terceiro
país de economia de mercado;
b. valor construído do produto similar em um terceiro país de
economia de mercado; e
c. preço praticado por terceiro país de economia de mercado na
exportação para outros países, exceto para o Brasil.
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Quando não for possível a utilização de nenhuma das hipóteses
acima, o valor normal poderá ser determinado com base em qualquer
outro preço razoável, inclusive o preço pago ou a pagar no mercado
brasileiro devidamente ajustado, se necessário, a fim de incluir margem
de lucro razoável.
b.4) Preço de Exportação: O preço de exportação será o preço
efetivamente pago ou a pagar pelo produto exportado ao Brasil. Tal
preço, em princípio, deverá ser o preço ex fabrica (isto é, sem impostos)
e à vista.
- Alternativas para o preço de exportação: Caso o preço de
exportação possa suscitar dúvidas, por motivo de associação ou acordo
existente entre o exportador e o importador ou uma terceira parte, o
preço de exportação poderá ser construído a partir do preço de revenda
do importador ao primeiro comprador independente.
No entanto, caso os produtos não sejam revendidos a comprador
independente, ou não sejam revendidos na mesma condição em que
foram importados, o preço de exportação poderá ser construído a partir
de qualquer outro método, desde que devidamente justificado.
b.5) Margem de dumping
Definição: É a diferença entre o valor normal e o preço de
exportação. Para que tal diferença seja calculada é necessário que se
faça comparação justa entre o preço de exportação e o valor normal,
vigentes durante o período estabelecido para investigação de existência
"dumping". Tal período é de normalmente um ano e nunca inferior a 6
meses.
Caso o produto não seja exportado diretamente do país de origem,
o preço de exportação será comparado com o valor normal encontrado
neste país intermediário. No entanto, poder-se-á efetuar comparação
com o preço praticado no país de origem (valor normal), caso:
a) o produto só transitar pelo país intermediário;
b) não houver produção do produto neste país intermediário; ou
c) não houver preço comparável para o produto no país
intermediário.
- Comparação Justa: Para que a comparação entre os dois preços
seja justa é necessário que ambos estejam no mesmo nível de comércio,
normalmente o ex fabrica, e que sejam relativos aos períodos mais
próximos possíveis. Diferenças na tributação, nos níveis de comércio,
nas quantidades, nas características físicas, nas condições de
comercialização e quaisquer outras que afetem a comparação de preços
devem ser consideradas e, na medida do possível, eliminadas por meio
de ajustes.
Cálculo: A margem de dumping será calculada para cada um dos
conhecidos produtores estrangeiros do produto investigado ou, caso esse
número seja muito grande, poderá ser feita através de uma amostra. A
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margem de dumping será calculada para cada um dos que compõem a
amostra e - para os não incluídos na amostra - se atribuirá a margem
ponderada de dumping obtida a partir das margens de cada uma das
empresas incluídas na amostra.
Para o cálculo da margem de dumping, podem ser utilizados, em
princípio, dois métodos:
a) a diferença entre o valor normal e o preço de exportação para
cada transação; ou
b) a diferença entre o valor normal médio ponderado e o preço
médio ponderado de exportação de todas as transações comparáveis.
c) DANO À INDÚSTRIA DOMÉSTICA
c.1) Indústria doméstica - Considera-se como indústria doméstica
a totalidade dos produtores nacionais de produto similar ao importado,
ou o conjunto de produtores cuja produção da mercadoria em análise
constitua parcela significativa da produção nacional.
Caso existam produtores nacionais vinculados aos exportadores ou
aos importadores, ou sejam, eles próprios, importadores do produto
objeto de dumping, tais produtores não serão obrigatoriamente incluídos
na definição de indústria doméstica, referindo-se a mesma ao restante
dos produtores nacionais.
Quando o território nacional puder ser dividido em dois ou mais
mercados competitivos e as importações do produto objeto de dumping
se concentrarem em um desses mercados, a indústria doméstica será
considerada como o conjunto de produtores domésticos em atividade
neste mercado, desde que tais produtores vendam nesta região toda ou
quase toda sua produção e que a demanda local não seja suprida por
produtores estabelecidos em outros pontos do território nacional em
proporção substancial.
c.2) Dano - Será entendido no sentido de dano material ou ameaça
de dano material à indústria doméstica já estabelecida ou retardamento
na implantação de uma indústria.
Para a determinação de dano, deverá ser avaliada a evolução dos
seguintes indicadores:
a) importações:
- valor e quantidade por país de origem;
- participação das importações objeto de dumping no total importado e
no consumo aparente;
- preço.
b) indústria doméstica:
- vendas e participação no consumo aparente;
- lucros;
- produção, capacidade produtiva e grau de ocupação;
- estoques;
- produtividade, emprego e salários;
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- preços domésticos e margem de subcotação (diferença entre o preço do
produto doméstico e o preço do produto importado internado);
- balanço patrimonial e demonstrativos de resultado.
Para que seja configurada a existência de ameaça de dano
material, serão considerados, conjuntamente, entre outros, os seguintes
fatores:
a) significativa taxa de crescimento das importações do produto
objeto de dumping;
b) suficiente capacidade ociosa ou iminente aumento substancial
na capacidade produtiva do produtor estrangeiro;
c) importações realizadas a preços que provoquem redução nos
preços domésticos ou impeçam aumento dos mesmos;
d) estoques do produto sob investigação.
d) RELAÇÃO CAUSAL: Procura-se verificar em que medida as
importações objeto de dumping são responsáveis pelo dano causado à
indústria doméstica, avaliando-se - inclusive - outros fatores conhecidos
que possam estar causando dano no mesmo período. Quando tal dano
for provocado por motivos alheios às importações objeto de dumping,
não será imputado àquelas importações.
No âmbito do GATT, a partir do chamado “Kennedy Round” (6ª
Rodada de Negociações, Genebra, 1964-1967), passou a tratar-se da conceituação do
dumping, até que, no “Tokyo Round” (7ª Rodada de Negociações, Genebra, 19731979) definiu-se, no artigo VI, item I, no âmbito dos acordos internacionais, o que
seria esta prática de comércio desleal:
“1. As Partes Contratantes reconhecem que o dumping que
introduz produtos em um país, por valor abaixo do normal, é condenado
se causa ou ameaça causar prejuízo material a uma indústria
estabelecida no território de uma parte contratante, ou retarda,
sensivelmente o estabelecimento de uma indústria nacional. Para efeitos
deste artigo, consideração que um produto exportado de um país para
outro se introduz no comércio de um país importador, a preço abaixo do
normal, se o preço desse produto:
a) é inferior ao preço comparável que se pede, nas condições
normais de comércio, pelo produto similar que destina ao
consumo no país exportador, ou,
b) na ausência desse preço é inferior:
I – ao preço comparável mais alto do produto similar
destinado à exportação para qualquer terceiro país, no
curso do comércio, ou,
II – ao custo de produção no país de origem mais um
acréscimo razoável para as despesas de venda e lucro.
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A devida consideração deve ser dada em cada caso às diferenças
em condições e termos de venda, diferenças de tributação e a
outras diferenças que afetem a comparabilidade dos preços.”
De forma simples, dumping pode ser definido como sendo “a
prática desleal de comércio exterior que se verifica quando um produto é vendido no
mercado externo por um preço inferior ao seu valor de custo.” 4 A invasão de um
país por mercadorias de outro, a preço vil, isto é abaixo dos custo de produção ou,
ainda, abaixo dos preços praticados naquele país na mesma época e em iguais
condições com vista à destruição da concorrência, é prática a ser combatida por todo
e qualquer país.
Uma das razões intrínsecas da prática do dumping é a
eliminação da concorrência do fabricante de produto similar 5. Entretanto diversas
espécies desta modalidade de concorrência desleal são definidas pelos doutrinadores
e de importância vital para identificação de qual prática ilegal está ocorrendo.
Para classificar as espécies de dumping, os tratadistas pátrios são
praticamente unânimes, variando apenas os vocábulos utilizados para designá-las.
Avelino de Jesus 6, afirma que o dumping se apresenta sob as seguintes modalidades:
a esporádica, a predatória e a persistente. A esporádica nada mais é que a venda de
excedentes de mercadorias, à preço ínfimo, sem prejuízo dos mercados normais. A
predatória consiste na venda com perdas para o afastamento da concorrência e
acesso fácil ao mercado. Por último, a persistente, que é venda constante a preços
mais baixos num mercado que em outro.
3.
Formas de controle permitidos pela Legislação e a possível
atuação do Estado.
De todo o exposto é possível verificar-se que, em primeiro lugar o
dumping é prática de comércio desleal em nível internacional, não no mercado
interno. Tal diferenciação é de vital importância pois os caminhos adotados para a
defesa antidumping são absolutamente diversos.
Por ser matéria, portanto, de Direito Internacional, não pode o
Estado legislar sobre o combate ao dumping, mas poderá sim, em face do Poder de
Polícia que lhe é intrínseco, fiscalizar as empresas cuja prática desleal, segundo
informa a Secretaria, é corriqueira e encaminhar denúncia ao Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, em especial ao Comitê
4
FERNANDES, Edison Barros. “Sistema Comunitário do Mercosul”, SP, Saraiva, 1997, pág. 152.
JOHANNPETER, Guilherme Chagas Gerdau. Op. cit., págs. 84 e 85.
6
DE JESUS, Avelino. “Relações Comerciais Internacionais, Edições Aduaneiras Ltda., 1992, pág. 40.
5
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Consultivo de Defesa Comercial, apresentando Petição na forma da documentação
constante do Anexo I.
Apenas por dever de informar, Poder de Polícia a que nos
referimos, encontra na doutrina inúmeras definições, havendo grandes discrepâncias
entre elas, existindo, entretanto, um consenso mínimo, que pode ser encontrado no
artigo 78, do Código Tributário Nacional – CTN, única legislação que se atreveu a
definir tal poder:
"Art. 78 - Considera-se poder de polícia a atividade da
administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse
ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de
interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos
costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de
atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do
Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e
aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de
polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei
aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade
que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder."
Destarte, pode sim, o Estado fiscalizar a empresas a fim de
verificar a prática ou não de dumping, e, em ocorrendo, encaminhar denúncia na
forma acima referida.
È possível, todavia, verificar-se outra prática de comércio desleal
semelhante ao dumping, cuja apuração e eventual punição são diversas das
apontadas. Tais espécies de práticas desleais de comércio são as apontadas pelos
artigos 20 e 21 da Lei nº. 8.884, de 11 de junho de 1994 (Anexo II):
Art. 20. Constituem infração da ordem econômica,
independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados,
que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda
que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear, ou de qualquer forma prejudicar a livre
concorrência ou a livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros;
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
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§ 1º. A conquista de mercado resultante de processo natural
fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus
competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II.
§ 2º. Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de
empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como
fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto,
serviço ou tecnologia a ele relativa.
§ 3º. A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é
presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte
por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado
pelo CADE para setores específicos da economia.
Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que
configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam
infração da ordem econômica:
I - fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer
forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços;
II - obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme
ou concertada entre concorrentes;
III - dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou
semi-acabados, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou
produtos intermediários;
IV - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;
V - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao
desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente
ou financiador de bens ou serviços;
VI - impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo,
matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de
distribuição;
VII - exigir ou conceder exclusividade para divulgações de
publicidade nos meios de comunicação de massa;
VIII - combinar previamente preços ou ajustar vantagens na
concorrência pública ou administrativa;
IX - utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços
de terceiros;
X - regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos
para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a
produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar
investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua
distribuição;
XI - impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores,
varejistas e representantes, preços de revenda, descontos, condições de
pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou
quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios
destes com terceiros;
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XII - discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços
por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições
operacionais de venda ou prestação de serviços;
XIII - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro
das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais;
XIV - dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de
relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da
outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais
injustificáveis ou anticoncorrenciais;
XV - destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos
intermediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar
a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou
transportá-los;
XVI - açambarcar ou impedir a livre exploração de direitos de
propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia;
XVII - abandonar, fazer abandonar ou destruir lavouras ou
plantações sem justa causa comprovada;
XVIII - vender injustificadamente mercadoria abaixo do preço de
custo;
XIX - importar quaisquer bens abaixo do custo no país exportador,
que não seja signatário dos códigos Antidumping e de subsídios do
GATT;
XX - interromper ou reduzir em grande escala a produção, sem
justa causa comprovada;
XXI - cessar parcial ou totalmente as atividades de empresa sem
justa causa comprovada;
XXII - reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir
a cobertura dos custos de produção;
XXIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à
utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à
utilização de outro ou à aquisição de um bem;
XXIV - impor preços excessivos, ou aumentar sem justa causa o
preço de bem ou serviço.
Parágrafo único. Na caracterização da imposição de preços
excessivos ou do aumento injustificado de preços, além de outras
circunstâncias econômicas e mercadológicas relevantes, considerar-seá:
I - o preço do produto ou serviço, ou sua elevação, não justificados
pelo comportamento do custo dos respectivos insumos, ou pela
introdução de melhorias de qualidade;
II - o preço de produto anteriormente produzido, quando se tratar
de sucedâneo resultante de alterações não substanciais;
III - o preço de produtos e serviços similares, ou sua evolução, em
mercados competitivos comparáveis;
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IV - a existência de ajuste ou acordo, sob qualquer forma, que
resulte em majoração do preço de bem ou serviço ou dos respectivos
custos.
Quaisquer destas práticas sendo verificadas pelo Poder Público
Estadual, deverão ser denunciadas à Secretaria de Direito Econômico do Ministério
da Justiça, que encaminhará ao CADE - Conselho Administrativo de Defesa
Econômica, “órgão judicante com jurisdição em todo o território nacional, criado
pela Lei nº. 4.137, de 10 de setembro de 1962” (artigo 3º, da Lei 8.884/94), a quem
incumbe, dentre outras coisas, decidir sobre a existência de infração à ordem
econômica e aplicar as penalidades previstas em lei; decidir os processos instaurados
pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça; ordenar providências
que conduzam à cessação de infração à ordem econômica, dentro do prazo que
determinar; requerer ao Poder Judiciário a execução de suas decisões.
II -
INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO
–
LIMITAÇÃO
“DO
TAMANHO
DOS
ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS E A LIMITAÇÃO
EM RELAÇÃO AO PORTE ECONÔMICO DE CADA
GRUPO EMPRESARIAL”
A segunda parte da consulta diz respeito à intervenção do Estado
na economia a fim de limitar o tamanho dos estabelecimentos comerciais e a
limitação em relação ao porte econômico de cada grupo empresarial.
A Constituição Federal em seu Título VII, “DA ORDEM
ECONÔMICA E FINANCEIRA”, Capítulo I, “DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA
ATIVIDADE ECONÔMICA”, prevê que a “ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social” observado, dentre outros, o
princípio da livre concorrência. A livre concorrência nada mais é que uma das
expressões da liberdade de iniciativa. Com o intuito de garantir este livre exercício
de qualquer espécie de atividade econômica, é que a Constituição acabou por estatuir
que a lei “reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos
mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.
Tais conceitos trazidos para o caso sob comento, onde pretende o
Estado intervir no domínio econômico a fim de evitar abusos cometidos pelos
grandes supermercados ou grupos econômicos, deixam claro que é possível a
intervenção do Poder Público (latu sensu) a fim de regular as atividades empresariais
evitando-se os casos de abuso de poder econômico.
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Há que se verificar, entretanto, de quem é a competência para
legislar sobre tais matérias. O artigo 24 da Constituição Federal é suficientemente
claro:
“Art. 24 - Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
(...).”
A competência, portanto, é concorrente entre a União, os Estados e
o Distrito Federal. À União, como centro da federação, cabe a edição de normas
gerais, não excluída, pois, a competência suplementar do Estado-membro 7.
A fim de esclarecer o que seja tal competência faz-se necessário
definir, primeiramente, o que é, em realidade a competência concorrente. É “a
possibilidade jurídica de várias pessoas políticas poderem legislar sobre determinada
matéria. A constituição Federal é que irá determinar quais pessoas jurídicas políticas,
que não a União, podem legislar, editando leis (a) que supram a ausência de normas
federais sobre determinada matéria, ou (b) que adicionem pormenores à regra federal
básica, já editada. 8” Ao exercer tal poder, há a liberdade de legislar, devendo,
contudo, prevalecer a norma federal sobre a de menor hierarquia, em caso de
conflito.
A competência concorrente subdivide-se em cumulativa e não
cumulativa. Ocorre a primeira sempre que não houver limites prévios para o
exercício da competência, ou por parte de um ente, seja ele qual for 9. A nãocumulativa, por sua vez, ocorre quando o poder central pode editar normas até
determinado nível, cabendo aos Estados-membros a complementação da norma
federal já editada. Esta segunda modalidade é também denominada de competência
complementar, funcionando como uma espécie de regulamento da regra geral,
acrescentando-lhe “pormenores” 10. A providência estadual é subordinada à lei
federal, sua matriz 11, não podendo, ocorrer, destarte, qualquer diferença ontológica
ou de caráter entre a lei federal e a estadual. A diferença entre uma e outra é
puramente de natureza vertical, hierárquica.
7
CRETELLA JÚNIOR, José. “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”. Ed. Forense
Universitária, RJ, 1990, 1ª ed., vol. IV, pág. 1784.
8
CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., pág. 1775.
9
MARTINS, Ives Gandra. “Comentários à Constituição do Brasil”. Ed. Saraiva, 1993, 3º Volume,
Tomo III, pág. 2, nota 4.
10
MAXIMILIANO, Carlos. “Comentários à Constituição Brasileira de 1946”. Ed. Freitas Bastos,
1954, 5ª ed. Pág. 205.
11
CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., pág. 1777.
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Este é o caso do Direito Econômico na Constituição Federal de
1988. É caso de competência concorrente entre a União e os Estados-membros que
poderão complementar as normas editadas, mas não contrariá-las, impedindo, assim,
a adoção de medidas como as sugeridas pelo insigne Sr. Secretário de Estado da
Agricultura e Abastecimento.
Afora esta preliminar a respeito da competência, também e
principalmente, em face dos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre
concorrência, não é permitida a adoção das medidas desejadas. Tal matéria será
melhor abordada no item abaixo.
III -
PRECIFICAÇÃO DOS PRODUTOS QUE COMPÕEM A
CESTA BÁSICA – PUBLICIZAÇÃO DOS PREÇOS DE
COMPRA E DE VENDA DOS PRODUTOS DA CESTA
BÁSICA.
Este o último tópico da consulta endereçada à esta ProcuradoriaGeral do Estado. Pretende o Sr. Secretário saber da possibilidade “de exigir a
precificação dos produtos que compõem a cesta básica, demonstrando ao consumidor
o preço de compra bem como o preço final para venda” dos produtos.
A Constituição Federal ao traçar as linhas mestras da estruturação
econômica do Estado, trouxe à baila diversos princípios que deverão sempre nortear
a economia brasileira que deverá estar “fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social”, conforme preconiza o artigo 170.
Dentre os princípios elencados, destacam-se dois inteiramente
aplicáveis ao caso posto para exame, quais sejam, o da livre iniciativa e o da livre
concorrência.
A liberdade de iniciativa envolve a liberdade de empresa (indústria
e comércio) e a liberdade de contrato e nada mais é que a garantia do livre exercício
de atividade econômica. A liberdade de concorrência, expressão máxima da livre
iniciativa, consiste na imposição, ou legal ou mera situação de fato, onde os diversos
agentes produtores mostram-se dispostos à concorrer com seus rivais 12. Dentre os
diversos aspectos em que pode manifestar-se a concorrência, está o preço das
mercadorias, pois havendo liberdade para concorrer por certo que produtos
assemelhados serão colocados no mercado a preços justos, evitando-se lucros
arbitrários e abusos do poder econômico.
12
BASTOS, Celso Ribeiro. “Curso de Direito Constitucional”, Editora Saraiva, 21ª ed., 2000, pág.
459.
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Mais. Agrega-se sempre à atividade empresarial a idéia de
propriedade privada destinada à obtenção do lucro, idéia esta própria do sistema
capitalista que foi adotado pelo legislador constituinte de 1988. Deste trinômio,
liberdade de iniciativa, livre concorrência e lucro, não há como afastar-se, pois
próprios do sistema vigente. O que se busca, entretanto, é o controle dos lucros
desmesurados e o abuso do poder econômico através do meios próprios de
fiscalização. Não é dado, pois, e aí responde-se à consulta formulada, o direito de
exigir seja dada publicidade dos valores de produção ou de aquisição das
mercadorias para venda, apenas seu preço final é que deve estar disponível. Não há
como obrigar-se ao comerciante que divulgue qual a margem de lucro que está
obtendo com determinado produto. Ocorrendo suspeita de superfaturamento ou de
prática de concorrência desleal, possui o Estado amplas condições de fiscalização.
Pode-se seguir adiante. Afora a matriz constitucional do objeto da
consulta, também há que analisar-se sob a ótica do Direito do Consumidor, quando,
em quatro oportunidades distintas é tratado na Constituição Federal. A primeira
delas, já no Capítulo I, Título II, que trata dos direitos e deveres individuais e
coletivos, quando estabelece, no artigo 5º, XXXII, que "o Estado promoverá, na
forma da lei, a defesa do consumidor". A segunda, ao tratar das competências
legislativas, artigo 24, V, quando define como sendo concorrente a competência
entre a União, os Estados e o Distrito Federal para legislar sobre consumo. Adiante, a
Constituição, quando trata dos princípios gerais da atividade econômica no Brasil,
cita em seu artigo 170, V, que a defesa do consumidor é um dos princípios que
devem ser observados no exercício de qualquer atividade econômica. Por fim, o
artigo 48 do ADCT, determina que o Congresso Nacional elabore o Código de
Defesa do Consumidor.
Destaca-se a matéria referente à competência legislativa:
“Art. 24 - Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre:
V - produção e consumo;
§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da
União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais
não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados
exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas
peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais
suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário
” (Grifei.)
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Como já se disse anteriormente, a competência concorrente é a
possibilidade jurídica de várias pessoas políticas poderem legislar sobre determinada
matéria. O exercício de tal poder é livre, devendo, entretanto, prevalecer a norma
federal sobre a de menor hierarquia, em caso de conflito. Aqui estamos diante de
competência concorrente não cumulativa, ou seja, a norma de inferior hierarquia
funciona como uma espécie de regulamento da regra geral, acrescentando-lhe
detalhes sem que haja a oportunidade de ocorrência de diferenças ontológicas ou de
caráter com a lei superior.
Assim, também por dificuldades de competência, não se mostra
possível a adoção das medidas desejadas pela Secretaria da Agricultura e
Abastecimento.
Ainda tratando-se de relações de consumo, há que se ter em mente
que informar o preço de aquisição de determinado produto, não eqüivale ao dever de
informação previsto no Código de Defesa do Consumidor. Informar, na linguagem
do CDC significa que um determinado produto ou serviço, quando exposto no
mercado de consumo, deve ser, na sua apresentação, amplamente especificado em
todas as suas características a fim de que o consumidor adquira um adequado
discernimento a respeito daquele produto ou serviço. Isso, por óbvio, não se
confunde com a pretensão exposta na consulta.
A lei ao tratar do preço do produto, por óbvio que refere-se,
exclusivamente ao preço de venda e não de aquisição da mercadoria:
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e
serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que
apresentem;” (O grifo é meu.)
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa,
veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a
produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que
a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser
celebrado.
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem
assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua
portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade,
composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros
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dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança
dos consumidores.
Destarte, também a precificação dos valores de aquisição das
mercadorias não mostra-se legal ou constitucional.
Conclui-se, assim, pela impossibilidade de legislar ou coibir sob
outra forma que não a fiscalização, a prática de “dumping” pelo Estado do Rio
grande do Sul. Também não mostra-se possível a regulação da atividade dos setores
de distribuição varejista (supermercados), em especial a limitação do “tamanho dos
estabelecimentos comerciais e a limitação em relação ao porte econômico de cada
grupo empresarial”. Por fim, a exigência de precificação dos produtos que compõem
a cesta básica, demonstrando ao consumidor o preço de compra do bem como o
preço final para venda” também ferem os princípios constitucionais e legais atinentes
a matéria
.
Porto Alegre, 28 de junho de 2001.
Luís Fernando Marcondes Farinati
Procurador do Estado
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Processo nº 010323-15.00/00.0
Acolho as conclusões do PARECER nº 13.299, da
Procuradoria do Domínio Público Estadual, de autoria do
Procurador
do
Estado
Doutor
LUIS
FERNANDO
MARCONDES FARINATI.
Restitua-se o expediente ao Excelentíssimo Senhor
Secretário de Estado da Agricultura e Abastecimento.
Em 26 de junho de 2002.
Paulo Peretti Torelly,
Procurador-Geral do Estado.
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