OS MOVIMENTOS SOCIAIS INTERROGAM O CURRÍCULO ESCOLAR: POR QUE FALAR EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS NA EUCAÇÃO BÁSICA? Andréia Martins da Cunha [email protected] Resumo: O artigo pretende discutir, a partir de uma breve revisão bibliográfica, como a Educação das Relações étnico-raciais, demanda do Movimento Social Negro, revela uma tensão social, de caráter histórico, que se reflete nos currículos escolares e nas demais instâncias organizativas da Escola. Procura, ainda, discorrer, em diálogo com as reflexões de Arroyo (2003),Paraíso (2002) e Santomé (1995) sobre como essas tensões dizem das intencionalidades do currículo da Educação Básica. PALAVRAS CHAVES: MOVIMENTOS SOCIAIS – CURRÍCULO – RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS 1. Introdução: Pensar a escola como uma instituição social imersa e atuante em um cenário de grandes transformações é pensar, também, a sua relação com grupos sociais que apresentam novas demandas e se posicionam, de uma forma crítica, diante das conjunturas sociais, estabelecidas e naturalizadas no contexto das desigualdades sociais. Nessa ótica, Fleuri (1998) afirma que a escola vem se deparando com dois grandes desafios: a necessidade de promover a integração emancipatória entre diferentes sujeitos e a necessidade de articular-se cooperativamente com as “forças sociais vivas”, como é o caso dos Movimentos sociais. Assim, pensar a escola dentro dessa perspectiva é afastar-se da concepção de uma escola singular e padronizada, que se pauta somente por um determinado tipo de olhar sobre o conhecimento. É pensar a escola dentro da dinâmica advinda também dos movimentos sociais e numa perspectiva intercultural. Entendendo que, “de alguma forma os movimentos sociais reeducam o pensamento educacional e a teoria pedagógica” (Arroyo 2003), este artigo busca refletir sobre a incidência das demandas do Movimento Social Negro nos currículos da Educação Básica. 2. Os conteúdos escolares sob a ótica das lutas sociais do Movimento Negro Nas últimas décadas, há uma considerada influência dos estudos realizados sobre o campo do currículo nos processos de formação de professores/as da Educação Básica. No entanto, apesar desse movimento, conforme destaca Paraíso (2002), as práticas pedagógicas e a própria organização administrativa e curricular não refletem o caráter progressista destes estudos. Apesar desse distanciamento entre as teorias críticas e a prática pedagógica, é possível perceber, nas duas últimas décadas, um movimento, ainda que lento, no sentido de trazer para as propostas curriculares outras vozes e outras visões sobre os conhecimentos e saberes produzidos pelos sujeitos sociais e suas diferentes formas de organização. Há, pois, saberes que são produzidos na comunidade, nos movimentos sociais, nos grupos culturais, entre outros, e que precisam ser considerados pela escola. A escola e suas estruturas pedagógicas, curriculares e institucionais passam a ser tencionadas à romper com o pensamento de neutralidade e a se reestruturarem como componente de uma “complexa estrutura através da qual os grupos sociais adquirem legitimidade e através da qual as ideologias sociais e culturais são recriadas, mantidas e continuamente reelaboradas” (Apple, 1989, p. 48). Santomé (1995) aborda a relação entre a escola e o currículo a partir do entendimento de que os conteúdos que são desenvolvidos de forma explícita nas escolas são marcados por elementos próprios de uma “cultura hegemônica”. Assim, a cultura veiculada nos currículos escolares representa, grupos historicamente detentores de poder e que exercem seu domínio sobre outros grupos, pertencentes à mesma sociedade. Embora, em seu texto, Santomé (1995, p. 162) fale a partir da realidade espanhola, é possível buscar inspiração nessa reflexão para entender a relação entre escola e currículo na realidade brasileira. Com o advento da República, inúmeras foram as tentativas, por parte da elite política, intelectual e econômica, de construir uma identidade nacional. Esse processo tornou-se mais acentuado a partir da década de 1930. A ideia de uma nação miscigenada e de uma “democracia racial” estava articulada com a tentativa de construção de uma cultura nacional que, por conseguinte, excluía a participação de outras culturas e povos. O legado africano e afrobrasileiro, na perspectiva de uma identidade e de uma cultura nacional, era, então, sistematicamente excluído da formação da nossa sociedade e dos currículos escolares. A Lei 10.639, sancionada em 2003 alterou a LDB (Lei de Diretrizes e Bases, 1996 )e institui a obrigatoriedade no ensino fundamental e médio, público e particular, do ensino de História e Cultura Africana e AfroBrasileira. No ano de 2008, a Lei 11.645 alterou novamente a LBD para incluir no currículo a obrigatoriedade do estudo da história e cultura dos povos indígenas. A legislação que passou a exigir a inclusão no currículo oficial da educação básica à obrigatoriedade do estudo da história e cultura afrobrasileira e indígena expressa, contundentemente, a interferência das pautas dos Movimentos Sociais, sobretudo do Movimento Negro, na tessitura escolar e reforça a necessidade de ruptura dos padrões eurocêntricos de se pensar o currículo escolar. 3. Conclusão A tensão gerada pela luta por maior representação da questão étnico-racial nos currículos escolares pode ser considerada como uma das interferências mais importantes do Movimento Negro na educação básica no Brasil. O que se observa é que o material didático e as propostas curriculares ainda giram em torno de um único sujeito social, histórico, político e cultural. O chamado currículo turístico (Santomé, 2008) baseado em unidades didáticas isoladas, nas quais, esporadicamente, se pretende estudar a diversidade cultural é foco das principais denuncias do movimento no que tange a educação básica. O Movimento Negro propõe, portanto, por meio da efetiva implementação da Lei 10.639/03, a construção de projetos educacionais e curriculares que visem romper com o trabalho superficial e estereotipado da história e cultura afrobrasileira. Assim, ao interrogarem os currículos escolares sobre as ausências de elementos da história e da cultura africana e afro-brasileira, o Movimento Negro, questiona a própria sociedade brasileira e sua estrutura social marcada por processos segregatícios baseados na discriminação racial. 4. Referências Bibliográficas APPLE, Michael. Currículo e poder. Educação e realidade. (14) 2. Porto Alegre: UFRGS, 1989. ARROYO, Miguel G. Pedagogias em movimento: o que temos a aprender dos movimentos sociais. Currículo sem Fronteiras, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 28-49, jan./jun. 2003 FLEURI, Reinaldo (Org.) Intercultura e movimentos sociais. Florianópolis: Mover/Nup, 1998. PARAÍSO, Marlucy Alves. Currículo e identidade: gênero, etnia e sexualidade da formação docente. Trabalho apresentado na XXI Reunião da ANPED (Associação Nacional de Pesquisadores em Educação). Caxambu, 2002. SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, T. T. da (Org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 159-177. TORRES SANTOMÉ, J. Multiculturalismo Anti-Racista. Tradução: João Paraskeva e Isabel Costa. Porto: Profedições. 2008.