Prescrição medicamentosa em Odontologia: normas e

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Artigo Original
Prescrição medicamentosa em Odontologia:
normas e condutas
Dentistry medicamental prescription: standards and conducts
Gleicy Fátima Medeiros de Souza1, Kelly Fabíola Freitas Borges da Silva2,
André Ricardo Moreira de Brito2
Resumo
O presente estudo avaliou o nível de conhecimento de 307 cirurgiões-dentistas da cidade do Recife, quanto às condutas e
normas prescricionais, bem como informações que estão sendo priorizadas ou negligenciadas nos receituários. A amostra
foi, na maioria, composta endodontistas, clínicos, periodontistas e cirurgiões bucomaxilofaciais, mulheres na faixa de 30 a
49 anos de idade, com mais de 10 anos de formado e atuantes na rede privada. A prescrição pelo nome genérico foi feita
pela maioria; entretanto, alguns ainda não observam as normas referentes à prescrição escrita e fazem em algum momento a
prescrição verbal. Dentre os itens obrigatórios no receituário, nenhum foi citado por todos, especialmente a identificação do
paciente, tempo de uso, forma farmacêutica e a concentração da droga, fato que pode levar o paciente à aquisição e utilização equivocada dos medicamentos e ao risco de efeitos indesejáveis ou tratamentos ineficazes. De modo geral, constata-se
insegurança por parte dos cirurgiões-dentistas quanto aos aspectos conceituais e normativos da elaboração das receitas
e, algumas vezes, negligência quanto à postura de elaboração e inclusão de itens fundamentais para sua compreensão.
Verifica-se a necessidade do desenvolvimento de trabalhos que avaliem os hábitos prescricionais, objetivando identificar as
deficiências e desenvolver medidas educativas para minimizar os problemas relativos à elaboração do receituário. A avaliação dos erros de medicação podem contribuir com a implementação de melhorias, diminuindo, assim, os riscos relativos às
prescrições inadequadas, garantindo o uso racional e seguro dos medicamentos.
Palavras-chave: prescrições de medicamentos; regulamentos; legislação de medicamentos; medicamentos genéricos.
Abstract
This study assessed the level of knowledge of 307 dentists in Recife, Pernambuco, Brazil, for the conduct and prescriptive
rules, as well as what information is being prioritized or neglected in recipes. The sample was mostly composed of endodontists, clinicians, maxillofacial surgeons and periodontists, women between 30-49 years old, with more than 10 years after
graduation and working in the private network. Prescription by generic name was made by the majority; however, some of
them do not observe yet the rules regarding the written prescription of the drug at some point and make verbal prescription.
Among the items required in the recipe, none was cited by all, especially the patient identification, time of use, dosage, form
and drug concentration, fact that can lead patients to mistakenly purchase and use the drugs and to the risk of side effects or
ineffective treatments. In general, there is uncertainty by dentists on the conceptual and normative aspects of the preparation
of revenue and sometimes neglect related to the position of drafting and inclusion of essential items for their understanding.
There is a need to develop researches about prescriptional habits that will evaluate the lapse of these professionals, trying to
identify weaknesses and develop educational measures to minimize the problems relating to the preparation of prescriptions.
The assessment of medication errors may contribute to the implementation of improvements, thus reducing the risks related
to inappropriate prescriptions, ensuring rational and safe use of medicines.
Keywords: drug prescriptions; regulations; legislation, drug; drugs, generic.
Trabalho realizado na Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco (UPE) – Recife (PE), Brasil.
1
Professora Adjunto de Farmacologia e Terapêutica da UPE – Recife (PE), Brasil.
2
Cirurgiões-dentistas graduados pela Faculdade de Odontologia da UPE – Recife (PE), Brasil.
Endereço para correspondência: Gleicy Fátima Medeiros de Souza – Rua Edson Álvares, 115/1202 – Casa Forte – CEP: 52061-450 – Recife (PE), Brasil –
E-mail: [email protected]
Fonte de financiamento: nenhuma.
Conflito de interesses: nada a declarar.
208 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 208-214
Prescrição medicamentosa em Odontologia: normas e condutas
Introdução
O ato de indicar o uso de fármacos é feito por meio da
receita, a qual se caracteriza por uma prescrição escrita de
medicamento, contendo orientação de uso para o paciente,
efetuada por profissional legalmente habilitado, quer seja de
formulação magistral ou produto industrializado (portaria
SVS/MS 344/98). As receitas podem ser basicamente de três
tipos: comum, empregada na prescrição da maioria dos fármacos de uso odontológico (analgésicos, anti-inflamatórios e
antibióticos), magistral, indicada para selecionar substâncias
ou medicamentos, quantidades e formas de apresentação,
sendo preparada pelo farmacêutico em farmácias de manipulação, atendendo às necessidades terapêuticas dos pacientes,
como as soluções de digluconato de clorexidina (Resolução da
Diretoria Colegiada - RDC 214/2006 da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária) e de Controle Especial utilizada na prescrição de fármacos ou substâncias sujeitas a controle especial,
regulamentada pela portaria 344/98 do Ministério da Saúde1,2.
A competência legal do cirurgião-dentista (CD) para
prescrever está prevista na Lei nº 5.081/66, que regulamenta o
exercício da Odontologia no Brasil. Por sua vez, a prescrição
de medicamentos de controle especial encontra-se na Portaria
344/98 do Ministério da Saúde, permitindo-se a indicação de
fármacos Entorpecentes dos grupos A1 e A2 e Psicotrópicos
A3, B1 e B23,2.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, as prescrições
devem conter nome, endereço, telefone e assinatura do prescritor, nome, endereço e idade do paciente, nome genérico ou
comercial e concentração do fármaco, forma farmacêutica e
quantidade total do fármaco a ser utilizado, instruções, advertências e data4.
Por sua vez, a Resolução 357/01 do Conselho Federal de
Farmácia (CFF) e o Decreto 3.181 do Ministério da Saúde
orientam que somente deverá ser dispensada a receita médica
ou odontológica que contiver a denominação genérica do medicamento, escrita legível, sem rasuras e com a identificação
completa do medicamento, paciente e profissional. Orientações estas algumas vezes negligenciadas no ato da prescrição,
tanto na área médica como odontológica5-7.
A receita assegura informações, que visam garantir ao
paciente os benefícios de uma administração adequada dos
medicamentos nela contidos. Permite, ainda, limitar a automedicação, incluir precauções, orientações ou cuidados
pós-operatórios, além de servir como instrumento legal, nos
casos de uso indevido do medicamento, ou de prescrição desnecessária ou inadequada, que acarretem danos ao paciente.
Estudos constatam nível de conhecimento superficial a respeito das normas prescricionais, sua importância e aspectos
legais por parte dos cirurgiões-dentistas, verificando que, no
momento de prescrever, muitos não possuem o hábito de fazer
as receitas por escrito, procedendo às chamadas “prescrições
verbais”, contrariando as orientações das Portaria SVS/MS
344/98 e da Resolução 357/01 CFF.2,5,8-12.
De acordo com Andrade13, é fundamental o conhecimento
dos aspectos farmacológicos, legais, econômicos e culturais
em torno da prescrição, de modo a promover uma terapêutica
segura e adequada. O uso inadequado dos medicamentos expõe os pacientes a problemas relacionados com medicamentos
(PRM), como as reações adversas e intoxicações medicamentosas, constituindo-se, deste modo, importante causa de morbidade e, por vezes, mortalidade significantes, o que por vezes traz
consequências econômicas significativas às unidades de saúde,
com custos de internação e tratamento dos danos14,15. Gurwitz
et al.16 constataram, entre as principais causas de PRM, as falhas
prescricionais e de acompanhamento farmacoterapêutico.
Uma outra preocupação constatada é a ilegibilidade nos
receituários, fato que pode causar erros na aquisição e administração da medicação, acarretando sérias consequências
aos pacientes17. Nicolini et al.18 verificaram dificuldade de
compreensão dos pacientes no tocante ao diagnóstico e modo
de uso dos medicamentos, como também falhas na elaboração das prescrições, que proporcionam riscos de tratamentos
ineficazes por falhas de entendimento do documento e de
interações medicamentosas, em função da recomendação de
medicamentos desnecessários ou incompatíveis com outros
de uso pelos pacientes.
Segundo Miasso et al.19, Rosa, Perini20, Garbin et al.21
e Kawano et al.22, a maioria dos erros de medicação ocorre
no estágio de prescrição, sendo a adoção de sistemas de
prescrição eletrônica uma medida capaz de contribuir com
a redução das falhas relativas ao seu processo de confecção,
melhorando, deste modo, a compreensão, qualidade e eficiência do tratamento farmacológico, com diminuição de erros na
administração e de riscos para o paciente.
A análise dos hábitos prescrionais dos profissionais proporciona o conhecimento de aspectos relativos à qualidade
e eficácia da terapia. Consequentemente, permite identificar
problemas como erros de prescrição, colaborando com a
implantação de medidas corretivas e educativas18,23,24. Deste
modo, o objetivo deste trabalho foi avaliar o nível de conhecimento dos cirurgiões-dentistas acerca das condutas e normas
prescricionais e quais informações estão sendo priorizadas ou
negligenciadas nos seus receituários.
Metodologia
Foi realizado um estudo transversal, cuja população foi
constituída por cirurgiões-dentistas registrados no Conselho
Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 208-214 209
Gleicy Fátima Medeiros de Souza, Kelly Fabíola Freitas Borges da Silva, André Ricardo Moreira de Brito
Regional de Odontologia de Pernambuco (CRO-PE) e atuantes na cidade do Recife, desenvolvido no ano de 2008.
Para determinação do tamanho amostral, foram considerados: margem de erro de 5,0%, confiabilidade de 95,0%, percentuais estimados de 50,0% em cada item, para maximizar o
tamanho da amostra. Haviam 3.097 dentistas registrados no
CRO na cidade do Recife, sendo a amostra determinada em
342 profissionais.
Buscando garantir o tamanho da amostra, foram contatados 599 profissionais por telefone, que, concordando em
contribuir com a pesquisa, receberam pessoalmente um questionário estruturado, o qual foi coletado após 1 semana. Todos foram, no ato do recebimento do questionário, orientados
sobre os objetivos e riscos envolvendo a pesquisa e assinaram
termo de consentimento livre e esclarecido autorizando sua
participação. A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê
de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco, sob o
número CEP/UPE: 076/76.
O questionário de coleta dos dados foi composto de 16
perguntas diretas acerca dos dados sociodemográficos, tempo
de formado, atividade profissional, confecção das prescrições,
medicamentos mais prescritos nos 15 dias anteriores à aplicação do questionário, as indicações de uso de nome genérico
ou comercial e o conhecimento quanto às normas, aspectos
conceituais, condutas e legislação vigente sobre a prescrição
medicamentosa. A escolha dos dados a serem analisados
foram baseadas na Lei 5.081/663, Portaria 344/19982 e na Resolução 357/01 do Conselho Federal de Farmácia5.
Para análise dos dados, foram obtidas distribuições absolutas e percentuais uni e bivariadas para as variáveis categóricas ou categorizadas e as medidas estatísticas média e desvio
padrão; utilizou-se também o teste de χ2 de Pearson ou o teste
exato de Fisher quando as condições para utilização do teste
de χ2 não foram verificadas. Todas as conclusões foram tomadas ao nível de significância de 5,0%. Os softwares utilizados
foram o Excel 2000 e o SPSS v1325.
Resultados
Dos 599 questionários aplicados, retornaram respondidos 307 (51,3%). O perfil sociodemográfico da amostra
revelou faixa etária predominante de 30 a 49 anos em 62,2%
(n=191) dos casos, com mediana de 38 anos. A maioria dos
profissionais foi do sexo feminino (65,5%; n=201). O tempo
de formado foi indicado por 98% (n=301) dos profissionais,
agrupados entre aqueles com até 10 anos (39,7%; n=122) e
aqueles com mais de 10 anos (60,3%; n=185).
Endodontia (20,2%; n=62), Clínica geral (18,2%; n=56),
Periodontia (16,6%; n=51) e Cirurgia e Traumatologia Bu210 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 208-214
comaxilofacial (12,7%; n=39) foram as especialidades mais
citadas, totalizando 67,7% (n=208) da amostra. Quanto ao
desenvolvimento das atividades profissionais dos entrevistados, verificaram-se 47,5% (n=145) atuando exclusivamente
na rede privada, 47,5% (n=145) em ambas (pública e privada)
e 5,0% (n=15) exclusivamente na rede pública.
Quanto ao conhecimento acerca da diferença conceitual
entre medicamento genérico, similar e especialidade farmacêutica, 84,7% (n=260) afirmaram ter conhecimento e 14,3%
(n=44) desconhecem. Dentre os grupos de fármacos mais
prescritos, constataram-se os anti-inflamatórios – 91,9%
(n=282), analgésicos – 89,3% (n=274), antibióticos – 80,1%
(n=246), anti-histamínicos – 3,6% (n=11), ansiolíticos – 3,3%
(n=10) e 1% (n=3) não informaram, observando-se que alguns profissionais citaram mais de um grupo (Tabela 1).
Os itens julgados obrigatórios na receita não mostraram
associação com o tempo de formado, exceto o “modo de usar”,
mais relatado entre os formados há menos de 10 anos (95,0
versus 86,4%), a “forma farmacêutica e o tempo de uso do
medicamento”, mais frequentes dentre os que atuam na rede
pública de atenção (Tabelas 2 e 3). “Nunca fazer prescrição
oral” foi mais frequente entre aqueles com mais tempo de formado (64,9 versus 57,4%) e não se observou diferença estatisticamente significante com o local de atuação do profissional.
Tabela 1. Distribuição dos especialistas pesquisados segundo a
prática prescricional.
Questão
Você prescreve medicamentos pelo nome?
Genérico
Comercial
Comercial e genérico
Não prescreve
Não informou
Você sabe a diferença entre medicamento
similar, genérico e especialidade farmacêutica?
Sim
Não
Não informou
Qual o grupo farmacológico que você mais
prescreveu na sua prática odontológica nos
últimos 15 dias anteriores à aplicação deste
questionário?
Anti-inflamatório
Analgésico
Antibiótico
Anti-histamínico
Ansiolítico
Não informou
Base *
n
%
183
71
49
1
3
59,6
23,1
16,0
0,3
1,0
260
44
3
84,7
14,3
1,0
282
274
246
11
10
3
307
91,9
89,3
80,1
3,6
3,3
1,0
100,0
*Considerando que um mesmo pesquisado poderia citar mais de um motivo,
registra-se apenas a base para o cálculo dos percentuais e não o total
Prescrição medicamentosa em Odontologia: normas e condutas
Tabela 2. Descrição da associação entre o tempo de formado dos entrevistados e os aspectos conceituais e normativos das prescrições de
medicamentos.
Tempo de formado
> 10 anos
n
%
Até 10 anos
n
%
Quais itens julga obrigatórios numa receita?
Identificação do profissional
Identificação do paciente
Nome comercial do medicamento
Concentração do fármaco
Modo de usar*
Forma farmacêutica
Tempo de uso do medicamento
Nome genérico do fármaco
Data e assinatura do profissional
Total
Costuma orientar verbalmente o uso de medicamentos?*
Nunca
Raramente
Ocasionalmente
Sempre
Total
Total
n
%
94
71
67
84
115
62
108
106
102
121
77,7
58,7
55,4
69,4
95,0
51,2
89,3
87,6
84,3
100,0
128
113
105
117
159
89
157
169
146
184
69,6
61,4
57,1
63,6
86,4
48,4
85,3
91,8
79,3
100,0
222
184
172
201
274
151
265
275
248
305
72,8
60,3
56,4
65,9
89,8
49,5
86,9
90,2
81,3
100,0
70
26
5
21
122
57,4
21,3
4,1
17,2
100,0
120
28
18
19
185
64,9
15,1
9,7
10,3
100,0
190
54
23
40
307
61,9
17,6
7,5
13,0
100,0
*p<0,05
Tabela 3. Descrição da associação entre a atividade profissional e os aspectos conceituais e normativos das prescrições de medicamentos.
Questão
Quais itens julga obrigatórios numa receita?
Identificação do profissional
Identificação do paciente
Nome comercial do medicamento
Concentração do fármaco
Modo de usar
Forma farmacêutica*
Tempo de uso do medicamento*
Nome genérico do fármaco
Data e assinatura do profissional
Total
Costuma orientar verbalmente o uso de medicamentos?
Nunca
Raramente
Ocasionalmente
Sempre
Total
Rede pública
n
%
Onde realiza suas atividades
Rede privada
Ambas
n
%
n
%
n
Total
%
11
7
11
10
14
12
15
14
14
15
73,3
46,7
73,3
66,7
93,3
80,0
100,0
93,3
93,3
100,0
101
81
77
93
131
69
116
126
115
143
70,6
56,6
53,8
65,0
91,6
48,3
81,1
88,1
80,4
100,0
108
94
83
96
127
69
132
133
117
145
74,5
64,8
57,2
66,2
87,6
47,6
91,0
91,7
80,7
100,0
220
182
171
199
272
150
263
273
246
303
72,6
60,1
56,4
65,7
89,8
49,5
86,8
90,1
81,2
100,0
9
1
2
3
15
60,0
6,7
13,3
20,0
100,0
84
31
11
19
145
57,9
21,4
7,6
13,1
100,0
95
22
10
18
145
65,5
15,2
6,9
12,4
100,0
188
54
23
40
305
61,6
17,7
7,5
13,1
100,0
*p<0,05
Discussão
O conhecimento acerca da farmacologia e sua relação
com a prescrição e suas normas de elaboração são indispensáveis para o manejo clínico, contribuindo significativamente para o uso racional dos medicamentos, com maior
segurança terapêutica, maior eficácia dos tratamentos e
redução de erros de medicação. Neste sentido, o conhe-
cimento epidemiológico dos hábitos prescricionais dos
profissionais permite caracterizar a adequada elaboração
das receitas e suas falhas, identificando os problemas e colaborando com a implantação de ações que minimizem esta
problemática23,24.
O presente estudo exibiu baixo percentual de retorno de
questionários (51,3%), diferentemente dos dados obtidos
Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 208-214 211
Gleicy Fátima Medeiros de Souza, Kelly Fabíola Freitas Borges da Silva, André Ricardo Moreira de Brito
por Castilho et al.8, que obtiveram uma taxa de devolução
de 88,3%.
Constata-se na amostra uma maior população de cirurgiões-dentistas na faixa etária entre 30 e 49 anos, do sexo
feminino, com mais de 10 anos de formado e realizando suas
atividades na rede privada, assemelhando-se aos dados apresentados por Martelli et al.26. Entretanto, no tocante à faixa
etária, os dados do presente trabalho discordam de Inbrape27
e Morita et al.28, que verificam uma prevalência de indivíduos
mais jovens, entre 26 a 30 anos de idade. Mais da metade da
amostra era composta por especialistas, cujas especialidades
mais citadas prescrevem medicamentos com mais frequência; logo, esperava-se que estes profissionais estivessem mais
qualificados e atualizados para fazê-lo, tanto sob o ponto de
vista técnico, como do conhecimento da legislação pertinente
à elaboração prescricional dos medicamentos.
A prescrição de medicamento busca garantir ao paciente
os benefícios de sua administração e limitar a automedicação,
devendo sua confecção se basear nas normas relativas aos
medicamentos vigentes do País. A maioria dos erros de medicação ocorre no estágio de prescrição, o que pode comprometer a compreensão, qualidade e efetividade do tratamento
farmacológico, bem como predispor ao aparecimento de
eventos adversos16,19,21,22.
De acordo com as Portaria SVS/MS 344/98 e da Resolução
357/01 CFF, a prescrição é uma ordem escrita de aquisição e
uso de medicamento, e o hábito de fazer as chamadas “prescrições verbais” contraria a legislação vigente2,5,10,12.
Constata-se que cerca de 38% dos dentistas entrevistados fazem, em algum momento, a recomendação de uso de
medicamento verbalmente, sem nenhuma orientação escrita.
Sugere-se que o maior tempo de formado é um fator importante no cuidado com a elaboração escrita da receita, tendo
em vista que 42,6% (n=52) dos CD com menos tempo de
formação referiram fazer, em algum momento ou sempre, a
prescrição verbal, comparado com 35,1% (n=65) daqueles com
mais tempo de formado. Esses dados são concordantes com
Castilho et al.6, Maciel et al.9 e Sampaio et al.11, no tocante ao
hábito de prescrever verbalmente aos pacientes por parte dos
cirurgiões-dentistas, apesar de as normas serem contrárias.
Segundo Pivello10 e Andrade13, é responsabilidade do
profissional prescritor o conhecimento de todos os aspectos
referentes aos conceitos e normas de elaboração do receituário. Do total de pesquisados, 75,6% (n=232) prescrevem pelo
nome genérico ou pelo nome comercial e genérico associados e 84,7% (n=260) afirmaram conhecer a diferença entre
medicamento similar, genérico e especialidade farmacêutica.
Constata-se com preocupação que 23,4% (n=72) dos cirurgiões-dentistas ainda contrariam as recomendações no âmbito
212 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (2): 208-214
do Sistema Único de Saúde (SUS), quanto à prescrição de
medicamentos pela Denominação Comum Brasileira (nome
genérico), descrita na Lei dos Genéricos7.
O uso do nome genérico é fundamental no desenvolvimento de estratégias concorrenciais entre os laboratórios do
setor farmacêutico, objetivando-se um mercado mais equilibrado e um uso mais racional destes produtos. Esta prática
permite a facilidade de captação de informações a respeito dos
fármacos, bem como maior acessibilidade à compra de um
medicamento de menor custo e, consequentemente, efetivação do tratamento medicamentosos proposto ao paciente29.
De acordo com Organização Mundial de Saúde4, Brasil5,
Pivello10, Arrais14, Fernández-Llimos e Faus15 e Rosa e Perini20,
uma prescrição adequada deve ser elaborada de modo legível
e conter informações suficientes para permitir a correta administração do medicamento. Estima-se que a prescrição incorreta de medicamentos pode acarretar gastos de 50 a 70% a
mais nos recursos governamentais, constituindo-se importante causa de morbidade e mortalidade, caracterizando-se como
importante problema de saúde pública em nível mundial.
Dos itens presentes nos questionários, todos são recomendados pela legislação como de inclusão obrigatória nos
receituários, exceto o nome comercial dos medicamentos,
os quais ficam a critério do profissional prescritor da rede
privada2,4,5,30. Constata-se com preocupação que nenhum dos
itens que os entrevistados consideraram obrigatório registrar
nos receituários obteve 100% de referência, relacionado tanto
com o tempo de formado, como com a área de atuação. Um
ponto importante a ser destacado é que – apesar de cerca de
90% dos profissionais, especialmente da rede pública de serviço – julgar obrigatório em sua prática a prescrição pelo nome
genérico, 75,6% do total dos entrevistados afirmaram fazê-lo
em sua rotina profissional, ou seja, a maioria conhece a legislação, porém não a cumpre adequadamente em sua rotina.
Destaca-se, no geral, a prescrição pelo nome genérico
do fármaco, o modo e tempo de uso do medicamento, data,
assinatura e identificação do profissional como os itens
obrigatórios mais referidos, variando de 72,8 a 90,2%. Por
outro lado, a identificação do paciente, a forma farmacêutica
e a concentração da droga foram os menos citados no geral,
variando de 49,5 e 65,8% dos dentistas. Resultados corroborados por Pontes6 e Nicolini et al.18, que verificam em seus
estudos que as prescrições odontológicas são preenchidas,
em sua maioria, incorretamente, faltando dados importantes
para sua compreensão e qualidade.
Dentre os itens que os entrevistados julgaram ser obrigatórios em uma receita, o modo e o tempo de uso do medicamento foram os únicos itens com associação significativa
com o tempo de formado e com a área na qual o profissional
Prescrição medicamentosa em Odontologia: normas e condutas
realiza suas atividades. Estas informações indicam que o CD
com mais tempo de formado e o atuante na rede pública são
mais atenciosos no que tange a inclusão do modo e tempo de
uso dos medicamentos, ou seja, a posologia em suas receitas.
Estes dados poderiam, possivelmente, ser decorrentes do
tempo de experiência profissional, que reforçaria a importância destes dados para os pacientes no cumprimento adequado
do tratamento, ou de um maior conhecimento da legislação
pertinente. Por outro lado, poderia ser consequência de um
maior controle prescricional por parte da assistência farmacêutica do setor público, o que levaria os prescritores ao
cumprimento das normativas de confecção dos receituários.
As prescrições nas quais faltam legibilidade e/ou instruções, tais como modo de uso do medicamento, intervalo e
duração do tratamento, podem comprometer o tratamento
ou induzir o paciente a utilizar o fármaco por tempo insuficiente ou por períodos demasiados. Ao considerarmos que os
anti-inflamatórios, analgésicos e antibióticos foram os grupos
farmacológicos mais prescritos por parte dos cirurgiõesdentistas, constata-se um alerta importante, tendo em vista
que tais problemáticas associadas a estes medicamentos aumentariam o risco de efeitos adversos, interações e resistência
medicamentosa concordando com Aguiar et al.17, Nicolini et
al.18 e Colombo et al.24.
De modo geral, os dados indicam conhecimento insuficiente das normas prescricionais e os profissionais negligenciam a elaboração de suas receitas – destacadamente, no
tocante aos itens obrigatórios referidos na legislação quando
da sua confecção, o que pode levar a falhas na identificação do
medicamento e/ou seu uso inapropriado, concordando com
Maciel et al,9 Sampaio et al,11 Araújo et al. 12 e Garbin et al.21.
Conclusão
A amostra estudada foi na maioria composta por mulheres na faixa dos 30 a 49 anos de idade e especialistas, os quais
necessitam prescrever medicamentos com mais frequência
na sua rotina clínica. A prescrição pelo nome genérico foi
feita pela maioria; entretanto, alguns ainda não observam
as normas no tocante à prescrição escrita do medicamento
e fazem em algum momento a prescrição verbal. Dentre os
itens obrigatórios no receituário, nenhum foi citado por
todos os profissionais, especialmente identificação do paciente, tempo de uso, forma farmacêutica e a concentração
da droga, fato que pode levar o paciente à aquisição e utilização equivocada de medicamentos e, consequentemente,
ao risco de aparecimento de efeitos indesejáveis ou tratamentos ineficazes.
De modo geral, constata-se insegurança por parte dos
cirurgiões-dentistas quanto aos aspectos conceituais e normativos com relação à elaboração das receitas e suas características e, algumas vezes, negligência quanto à postura de
elaboração e inclusão de itens fundamentais para sua compreensão. Destaca-se a necessidade de novos trabalhos que
busquem avaliar os hábitos prescricionais destes profissionais, com o intuito de identificar as deficiências e desenvolver
medidas educativas para minimizar os problemas relativos à
elaboração do receituário. Salienta-se que falhas relativas à
prescrição de medicamentos podem comprometer o entendimento, eficácia e segurança do tratamento farmacológico.
A avaliação dos erros de medicação podem contribuir na
implementação de melhorias, diminuindo, assim, os riscos
relativos às prescrições inadequadas e garantindo o uso racional e seguro dos medicamentos.
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Recebido em: 15/09/2009
Reapresentado em: 23/08/2010
Aprovado em: 28/02/2011
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