82 C APÍTULO 9 C INEMÁTICA DO M OVIMENTO E SPACIAL DE C ORPOS R ÍGIDOS O estudo da dinâmica do corpo rígido requer o conhecimento da aceleração do centro de massa e das características cinemáticas do corpo denominadas velocidade angular e aceleração angular, em cada instante. Neste capítulo serão estudadas as propriedades cinemáticas dos movimentos espaciais de corpos rígidos. Inicialmente são estudados movimentos em torno de um ponto fixo e em seguida movimentos espaciais quaisquer. 9.1 S OMA DE R OTAÇÕES EM R ELAÇÃO A E IXOS NO E SPAÇO A posição espacial de um corpo rígido pode ser definida por seis coordenadas independentes, sendo bastante usadas três coordenadas de um ponto qualquer deste corpo mais três coordenadas angulares. Estas últimas definem o que chamaremos de atitude do corpo rígido. No caso dos movimentos planos, a atitude é definida apenas por uma coordenada angular que pode ser tratada de forma vetorial. No caso espacial deve-se tomar cuidado com as coordenada angulares, pois a soma de ângulos de rotação em relação a eixos no espaço não obedece à propriedade da comutatividade da soma vetorial. A Figura 9.1 mostra um exemplo em duas situações: inicialmente dá-se uma rotação de 90 em torno do eixo x e em seguida mais 90 em torno do eixo y. Na outra situação, partindo-se da mesma posição inicial, dá-se inicialmente uma rotação de 90 em torno de y e em seguida uma rotação de 90 em torno do eixo x. Observa-se que o resultado final é distinto ao inverter-se a ordem da soma. Assim pode-se concluir no caso espacial que 83 θ1 θ2 θ2 θ1 (9.1) 1=90 y z 2=90 x y x 1=90 y 2=90 x Figura 9.1 - Soma de rotações de um corpo rígido. Se fizermos estas duas somas com pequenas rotações 1 e 2, as posições finais obtidas também não serão iguais, mas estarão próximas. Por outro lado considerando rotações infinitesimais d 1 e d 2 , a propriedade da comutatividade da soma vetorial é restabelecida. Portanto, podemos escrever dθ1 dθ2 dθ2 dθ1 (9.2) Lembrando que a velocidade angular de um corpo é dada por ω dθ dt (9.3) podemos derivar no tempo a (9.2) para obter ω1 ω2 ω2 ω1 Pode-se concluir, portanto, que a velocidade angular se comporta como vetor. (9.4) 84 9.2 M OVIMENTO EM TORNO DE UM PONTO FIXO O movimento espacial de um corpo rígido pode ser analisado a partir da composição de um movimento de translação espacial com um movimento de rotação em torno de um ponto fixo. Neste item vamos analisar a questão do movimento de um corpo rígido em torno de um ponto fixo. Seja um corpo rígido C que tem um ponto O fixo. A posição de qualquer outro ponto P num referencial xyz, cuja origem está em O, é dada pelo vetor posição r (9.5) r (t ) z P r O C y x Figura 9.2 - Movimento em torno do ponto fixo O. que é um vetor de módulo constante, sendo O e P pontos do corpo rígido C. Logo, para obtermos a velocidade de P fazemos a derivada em t de r, v dr dt ω r (9.6) onde ω é a velocidade angular do corpo no instante t. Lembremos que a derivada em relação ao tempo de um vetor de módulo constante é dada pelo produto vetorial (9.6) - ver Apêndice no final deste capítulo. Sendo O um ponto fixo do corpo rígido, as trajetórias do ponto P estão localizadas sobre uma superfície esférica de raio igual à distância entre O e P, ou seja, igual ao módulo do vetor r. 85 A aceleração do ponto P é dada pela derivada no tempo da velocidade (9.6): a dv dt dω dr r ω dt dt (9.7) Aplicando (9.6) em (9.7), obtemos a α r ω (ω r ) (9.8) onde α dω é a aceleração angular do corpo no instante t. dt Um importante caso particular de movimento em torno de um ponto fixo ocorre quando um determinado corpo tem velocidade angular ωP constante em torno de um eixo do corpo e este eixo tem velocidade angular ωS constante em torno de um referencial fixo. Neste caso a velocidade angular do corpo é igual a: ω ωP ωS (9.9) E a aceleração angular pode ser obtida através de α dω dt dωP dt dωS dt (9.10) Sendo ωP um vetor de módulo constante, com direção variável, e ωS um vetor constante, então a segunda parcela é igual a zero e a primeira é dada por α ωS ωP (9.11) onde foram aplicados novamente resultados mostrados no Apêndice deste capítulo com relação à derivação de vetores em relação ao tempo. 86 9.3 M OVIMENTO G ERAL DE UM C ORPO R ÍGIDO Conforme mencionado neste capítulo, o caso geral de movimentos espaciais pode ser visto como uma composição de dois movimentos, sendo um de translação e outro de rotação em torno de um ponto fixo. Vamos tomar o ponto A como referência e seja B outro ponto qualquer do corpo rígido. A relação entre as posições r A e r B desses dois pontos do corpo rígido é dada por rB (9.12) rA rB / A A figura 9.3 ilustra dois sistemas de referência utilizados para a análise do movimento geral que faremos neste item. O sistema XYX é considerado o referencial em relação ao qual se estuda o movimento do corpo rígido C, chamado aqui de referencial fixo. O referencial xyz, chamado de referencial móvel, tem sua origem fixa num ponto A do corpo rígido, mas mantém-se durante todo o movimento em translação em relação ao fixo XYZ. Assim, seus eixos estão sempre paralelos entre si, o que equivale a ambos terem seus versores iguais em qualquer instante de tempo. z B Z rB/A C vA Y aA X A y x Figura 9.3 - Movimento geral: referencial xyz em translação. Derivando a (9.12) podemos relacionar as velocidades dos pontos A e B vB onde, neste caso vA drB / A dt (9.13) 87 drB / A dt vB / A (9.14) (vB ) xyz corresponde à velocidade de B em relação ao referencial xyz, fixo no ponto A. O movimento do corpo rígido em relação ao referencial xyz é um movimento de rotação em relação a um ponto fixo, com velocidade angular . Logo ω rB / A (9.15) v A ω rB / A (9.16) (vB ) xyz e vB Para se obter a relação entre as acelerações dos pontos A e B, derivamos a equação (9.16) dv B dt dv A dt drB / A dω rB / A ω dt dt (9.17) A partir dos resultados obtidos no item anterior, podemos escrever aB onde aA α rB / A ω (ω rB / A ) (9.18) é a aceleração angular do corpo rígido. Assim, é possível obter a posição, a velocidade e a aceleração de um ponto B qualquer de um corpo rígido a partir dos correspondentes valores de um ponto A, cujo movimento seja dado. As equações (9.12), (9.15) e (9.18) expressam estas relações para um movimento espacial qualquer. Podem ser aplicadas, é óbvio, para os casos particulares de translação, onde os vetores velocidade angular e aceleração angular são nulos mostrando que nestes casos as velocidades e as acelerações de todos os pontos do corpo rígido são iguais em cada instante. Estas equações também podem ser usadas para os movimentos de rotação em torno de um ponto fixo em A. Nestes casos os vetores velocidade e aceleração deste ponto são nulos e as equações resultantes repetem aquelas obtidas no item anterior. Observemos que como os dois referenciais utilizados neste caso estão sempre paralelos, todos os vetores podem ser escritos no referencial móvel xyz. 88 9.4 M OVIMENTO G ERAL E M OVIMENTO R ELATIVO Em muitas situações conhece-se o movimento de um corpo rígido em relação a outro corpo, representado por um referencial móvel xyz, e conhece-se o movimento deste referencial móvel em relação a outro referencial fixo XYZ. Podese escrever para este caso que rB (9.19) rA rB / A A figura 9.4 ilustra estes dois sistemas de referência. Vamos analisar o movimento do corpo rígido C fazendo a composição a partir dos dados do movimento relativo entre ambos os referenciais. A origem do referencial móvel xyz está num ponto A qualquer não necessariamente pertencente ao corpo rígido C. Em muitas aplicações este referencial representa outro corpo em relação ao qual se conhece o movimento de C. C B z Z rB/A rB y Y A rA X x Figura 9.4 - Movimento geral: referencial xyz em movimento qualquer. Para obtermos a relação entre as velocidades de A e B, tomadas em relação ao referencial XYZ, vamos derivar a (9.19) vB vA drB / A dt Conforme mostrado no final deste capítulo, a derivada do vetor r B/A é igual a (9.20) 89 drA / B dt onde Ω rB / A drA / B dt (9.21) xyz é a velocidade angular do referencial xyz em relação a XYZ. É importante observar que neste caso drB / A dt v B / xyz (9.22) vB / A xyz ou seja, é a velocidade de B em relação ao referencial xyz, de origem em A. Substituindo (9.22) em (9.21) e, em seguida, o resultado em (9.20) obteremos vB v A Ω rB / A v B / A (9.23) onde são definidas as componentes da velocidade vA vB / A Ω rB / A velocidade de arraste vB / xyz velocidade de B relativa ao referencial móvel xyz Para se obter a relação entre as acelerações dos pontos A e B, derivamos a equação (9.23) dv B dt dv A dt dΩ rB / A dt Ω drB / A dt dv B / A dt (9.24) A partir dos resultados (9.21) e (9.22), podemos escrever aB onde aA dΩ rB / A dt Ω ( Ω rB / A vB / A ) Ω vB / A aB / A (9.25) dΩ é a aceleração angular do referencial xyz em relação à XYZ. Portanto, dt agrupando de forma conveniente, escrevemos aB aA dΩ rB / A dt Ω ( Ω rB / A ) 2 Ω vB / A aB / A (9.26) 90 onde são definidas as componentes de aceleração: aA dΩ rB / A dt 2Ω vB / A aB / A Ω ( Ω rB / A ) aceleração de arraste aceleração de Coriolis ou complementar aceleração de B relativa ao referencial móvel a xyz Portanto, as equações (9.23) e (9.26) relacionam as velocidades e as acelerações de dois pontos A e B, pertencentes a corpos rígidos distintos. Observe que são iguais às equações gerais do movimento relativo para o caso de movimentos planos, conforme já mostradas no Capítulo 5. Assim, é possível obter a posição, a velocidade e a aceleração de um ponto B qualquer de um corpo rígido a partir dos correspondentes valores de um ponto A, cujo movimento seja dado. As equações (9.23) e (9.26) expressam estas relações para um movimento espacial qualquer. Podem ser aplicadas, é óbvio, para o caso particular no qual o ponto B está fixo no referencial xyz. Neste caso as equações (9.23) e (9.26) tem apenas as parcelas de arraste não nulas, tanto para a velocidade como para a aceleração, conforme mostrado no item 9.3. 9.5 Â NGULOS DE E ULER Para definir a posição angular de um corpo rígido no espaço é usual utilizar 3 coordenadas da posição do centro de massa e 3 ângulos sequencialmente tomados em relação a determinados referenciais móveis ou fixos. Um conjunto entre as várias sequências para estes ângulos são os ângulos de Euler. Vamos de fini-los com auxílio das Figuras 9.5. Sejam inicialmente coincidentes dois referenciais, um fixo XYZ e um móvel xyz. Conforme mostrado nas Figura 9.5, os ângulos de Euler, representados por , θ e ψ são definidos através de 3 posições sucessivas do sistema móvel xyz. A primeira posição é definida através do ângulo de rotação em torno de Z levando o referencial móvel à posição angular mostrada na Figura 9.5a como x 1 y 1 z 1 ; a segunda posição é definida através do ângulo θ de rotação em torno de x 1 levando o referencial móvel à posição angular mostrada na Figura 9.5b como x 2 y 2 z 2 e a posição final é definida através do ângulo ψ de rotação em torno de z 2 levando o 91 referencial à posição mostrada na Figura 9.5c como x 3 y 3 z 3 . Esta posição é corresponde à atitude do corpo rígido preso ao referencial móvel xyz em relação ao referencial fixo XYZ. Observe-se que sempre os ângulos são definidos numa sequência convencionada a fim de determinar corretamente a posição angular de um corpo rígido. Conforme mostramos na seção 9.1, se alterarmos a ordem desta sequência obteremos uma posição final diferente. Z , z1 Z,z ∙ y1 Y Y,y X,x X x1 (a) x 1 y 1 z 1 rotação em torno de Z Z , z1 z2 y2 ∙ θ y1 θ Y ∙ θ X x1 , x 2 (b) x 2 y 2 z 2 rotação θ em torno de x 1 Z ,z1 z2 , z3 y3 ψ∙ ∙ θ θ ∙ θ X y2 ψ y1 Y ψ x3 x1 , x2 (c) x 3 y 3 z 3 rotação ψ em torno de z 2 Figura 9.5 - Ângulos de Euler 92 Devemos relacionar as componentes da velocidade angular do corpo rígido no referencial xyz, com as velocidades angulares relativas dadas pelas derivadas temporais dos ângulos de Euler. Seja dada a velocidade angular do corpo rígido escrita em componentes do referencial móvel como ω x i y j z k (9.27) Observando nas Figuras 9.5, podemos escrever esta velocidade angula r em função dos ângulos de Euler como ω i ( sen ) j ( cos )k (9.28) Algumas vezes, quando o corpo rígido é dado por um sólido de revolução com velocidade angular relativa em torno de seu eixo longitudinal denominada spin, utilizamos o referencial móvel de forma um pouco modificada. O referencial móvel xyz passa a ser parcialmente preso ao corpo, isto é, tem seu eixo z sempre coincidente com o eixo longitudinal do corpo rígido, mas não acompanha o movimento de spin. Assim o referencial móvel está na posição dada por x 2 y 2 z 2 e a velocidade angular ω do corpo rígido é dada por: ω Ω ωR (9.29) onde Ω é a velocidade angular do referencial móvel e ω R é a velocidade angular relativa do corpo rígido em relação a este referencial. Portanto, Ω i ( sen ) j ( cos )k (9.30) e ωR k (9.31) Nestes casos chama-se precessão ao movimento angular representado pela variação do ângulo , chama-se nutação ao movimento angular definido pela variação do ângulo θ e spin ao movimento definido pela variação angular ψ. 93 A PÊNDICE - R ELAÇÃO ENTRE D ERIVADAS T EMPORAIS Sejam dois referenciais: XYZ um referencial fixo e outro referencial xyz móvel em relação ao primeiro. Seja um vetor A, variável no tempo, escrito no referencial móvel xyz como A Ax i Ay j Az k (9.32) A derivada temporal deste vetor em relação ao referencial xyz, é dada por dA dt xyz dAx i dt dAy dt dAz k dt j (9.33) Para calcular a derivada temporal do vetor A em relação ao referencial XYZ, temos dA dt dA dt dAy dAx i dt XYZ dt j dAz k dt Ax di dt Ay dj dt Az dk dt (9.34) Como di dt dj dt Ω i Ω j dk dt Ω k (9.35) onde Ω é a velocidade angular do referencial móvel xyz em relação a XYZ, dA dt dAx i dt dAy dA dt dAx i dt dAy dA dt dA dt dt j dAz k dt j dAz k Ω Ax i Ω Ay j Ω Az k dt Ax ( Ω i ) Ay ( Ω j) Az ( Ω k ) (9.36) ou dt (9.37) Logo XYZ dA dt Ω A (9.38) xyz Observe-se que se A é constante em relação à xyz, então dA dt dA dt Ω A XYZ (9.39)