Nullstellensatz projetivo. Seja k um corpo infinito e seja R = k[X0 , . . . , Xn ]. Um polinômio F ∈ R não define uma função Pn (k) → k pois por exemplo se F é um polinômio homogêneo (ou seja F é soma de monômios do mesmo grau) então F (λx) = λd F (x) onde d é o grau de F . Quando x ∈ k n+1 denotamos com x o elemento correspondente de Pn (k). Já vimos o exemplo da cônica projetiva X12 = X0 X2 (observe que se trata de uma equação homogênea) no plano projetivo P2 (k). Agora vamos formalizar algumas coisas. Definição (Raiz de um polinômio). Sejam F ∈ R, x ∈ Pn (k). Dizemos que x é raiz de F se F (λx) = 0 para todo λ ∈ k. Neste caso escrevemos F (x) = 0. • Se F é homogêneo de grau d então F (λx) = λd F (x) logo F (x) = 0 se e somente Pr se F (x) = 0. • Se F = i=1 Fi com Fi homogêneo de grau αi para todo i = 1, . . . , r (com αi 6= αj se i 6= j) então F (x) = 0P se e somente se Fi (x) = 0 para todo i = 1, . . . , r. De fato F (λx) = ri=1 λαi Fi (x) = 0 para todo λ ∈ k implica Fi (x) = 0 para todo i = 1, . . . , r pois k é um corpo infinito. • Pelo mesmo argumento do item acima, se F1 , . . . , Fr são polinômios homogêneos então F1 + . . . + Fr = 0 se e somente se Fi = 0 para todo i = 1, . . . , r. Definição (Conjunto algébrico projetivo). Seja S ⊆ R. Definamos Vp (S) := {x ∈ Pn (k) : F (x) = 0 ∀F ∈ S}. Se I é o ideal gerado por S então Vp (S) = Vp (I). • Um ideal I de R é dito homogêneo se pode ser gerado por elementos homogêneos. Pela observação acima, todo conjunto projetivo tem a forma Vp (I) com I ideal homogêneo. • Como R é um anel Noetheriano, os conjuntos projetivos têm a forma Vp (F1 , . . . , Ft ) com Fi ∈ R. Além disso podemos supor que os Fi sejam homogêneos pela observação acima. • Seja R+ := (X0 , X1 , . . . , Xn ), ideal maximal de R com R/R+ ∼ = k. Como o vetor nulo não tem um correspondente projetivo temos Vp (R+ ) = ∅ (vazio projetivo). Essa é uma diferência importante entre o caso afim e o caso projetivo. R+ é chamado de ideal “irrelevante”. • Seja p : k n+1 − {0} → Pn (k) a aplicação canônica, p(x) = x. Se I é um ideal homogêneo de R então Vp (I) = p(V (I) − {0}). De fato, se x ∈ Vp (I) (com x 6= 0) e F ∈ I então F (λx) = 0 para todo λ ∈ k, em particular F (x) = 0 logo x ∈ V (I). Isso mostra ⊆. 1 2 Vamos mostrar ⊇. Sejam x ∈ V (I) − {0}, F ∈ I e λ ∈ k, queremos mostrar que F (λx) 0. Sejam F1 , . . . , FP r geradores homogêneos P= r de I, assim F = i=1 Ai Fi e F (λx) = ri=1 λd Ai (λx)Fi (x) = 0 pois Fi ∈ I para todo i e x ∈ V (I). • Vp (0) = Pn (k), Vp (R) = Vp (R+ ) = ∅. • Se x = (x0 , x1 , . . . , xn ) com x0 6= 0 vamos considerar o caso x0 = 1, então {x} = Vp (X1 − x1 X0 , . . . , Xn − xn X0 ). • • • • • Isso mostra que os pontos são conjuntos projetivos (pelo mesmo argumento aplicado a uma coordenada não nula). Vp é decrescente: é fácil mostrar que se I e J são ideais de R e I ⊆ J então Vp (I) ⊇ Vp (J). T P Se Ji são ideais de R então i Vp (Ji ) = Vp ( i Ji ) (fácil). Se F ∈ R, x ∈ k n+1 e F (λx) = 0 para infinitos λ ∈ k então F (λx) = 0 para todo λ ∈ k. De fato escrevendo F = F1 + . . . + Fr com os Fi homogêneos P de grau αi (com αi 6= αj se i 6= j) então F (λx) = 0 significa ri=1 λαi Fi (x) = 0 para infinitos λ ∈ k logo Fi (x) = 0 para todo i = 1, . . . , r. Se I, J são ideais de R então Vp (I) ∪ Vp (J) = Vp (I ∩ J). A inclusão ⊆ é fácil, agora vamos mostrar ⊇. Suponha F (λx) = 0 para todo λ ∈ k e para todo F ∈ I ∩ J e x 6∈ Vp (I), e vamos mostrar que x ∈ Vp (J). Como x 6∈ Vp (I) existe G ∈ I tal que G(ax) 6= 0 para algum a ∈ k, assim G(λx) = 0 só para um número finito de λ (pelo item acima). Se F ∈ J temos então F (ax)G(ax) = F G(ax) = 0 pois F G ∈ I ∩ J, assim F (ax) = 0 cada vez que G(ax) 6= 0. Isso acontece para infinitos a ∈ k, logo F (ax) = 0 para todo a ∈ k, e como isso vale para todo F ∈ J obtemos x ∈ Vp (J). Pelos itens acima, os conjuntos algébricos projetivos são os conjuntos fechados de uma única topologia, chamada de topologia de Zariski (projetiva). Definição. Seja V ⊆ Pn (k). O ideal de V é Ip (V ) := {F ∈ R : F (x) = 0 ∀x ∈ V } E R. • • • • Ip (V ) é um ideal homogêneo e radical de R (fácil). Ip é decrescente: se V ⊆ W então Ip (V ) ⊇ Ip (W ). Se I é um ideal de R então I ⊆ Ip (Vp (I)). Se V é um conjunto algébrico projetivo então Vp (Ip (V )) = V . De fato escrevendo V = Vp (I), I ⊆ Ip (V ) logo Vp (Ip (V )) ⊆ Vp (I). Por outro lado se x ∈ V = Vp (I) então F (x) = 0 para todo F ∈ Ip (V ) logo x ∈ Vp (Ip (V )). • Ip (Pn (k)) = (0), Ip (∅) = R. • Seja I um ideal de R. Então I é homogêneo se e somente se cada vez que F1 + . . . + Fr ∈ I com os Fi homogêneos, Fi ∈ I para todo i = 1, . . . , r. A implicação ⇐ é fácil, agora mostraremos ⇒. 3 Se I é gerado por polinômios homogêneos Gi de grau αi considera F = F0 + . . . + Fr ∈ I onde Fi é homogêneo de grau i ou nulo. Mostraremos que resultado seguirá por indução. Escreva PFr ∈ I, o P P r i=0 Fi = F = i Ui Gi = i,j Uij Gi com Uij homogêneo de grau j, assim identificando os termos do mesmo grau obtemos Fr = P U G logo F ∈ I. r i i,r−αi i • Seja I um ideal homogêneo de R. Se Vp (I) 6= ∅ então Ip (Vp (I)) = I(V (I)). De fato se F ∈ Ip (Vp (I)) e x ∈ V (I), se x 6= 0 então x ∈ Vp (I) logo F (x) = 0 assim F (x) = 0. Além disso F (0) = 0 pois se F (0) 6= 0 existe uma componente homogênea de grau 0 de F logo I = R (pois I é um ideal homogêneo: veja o item acima) assim Vp (I) = ∅, o que é falso. Isso mostra que F ∈ I(V (I)). Se F ∈ I(V (I)) e x ∈ Vp (I) então x ∈ V (I) logo F (x) = 0. Teorema (Nullstellensatz projetivo). Seja k um corpo algebricamente fechado. Seja I um ideal homogêneo de R, e V = Vp (I). √ √ (1) Vp (I) = ∅ se e somente se I =√R+ ou I = R. (2) Se Vp (I) 6= ∅ então Ip (Vp (I)) = I. Demonstração. Se I = R então (1) é obvio, agora suponha I 6= R, em particular 0 ∈ V (I) (pois I é homogêneo). Lembrando que Vp (I) = p(V (I) − {0}) temos √ que Vp (I) = ∅ se e somente se V (I) = {0}, assim pelo Nullstellensatz afim I = I(V (I)) = I({0}) = R+ √ . Para mostrar (2) observe que como V = Vp (I) 6= ∅, Ip (V ) = I(V (I)) = I pelo Nullstellensatz afim. Definição. Seja V um conjunto algébrico projetivo. Definamos Γh (V ) := R/Ip (V ). L • Uma k-álgebra S é chamada de graduada se S = m∈N Sm onde cada Sm é um k-subespaço vetorial de S e Sa Sb ⊂ Sa+b para todo a, b. Os elementos de Sm são chamados de elementos homogêneos de grau m. Por exemplo R = k[X0 , . . . , Xn ] tem estrutura natural de k-álgebra graduada. • Se V é um conjunto L algébrico projetivo então Γh (V ) é uma kálgebra graduada n∈N Sm , onde Sm é a imagem via R → Γh (V ) do espaço dos polinômios homogêneos de grau m. Isso segue do ponto acima lembrando que Ip (V ) é homogêneo. • Seja V ⊆ Pn (k) um conjunto projetivo. Os conjuntos algébricos projetivos não vazios contidos em V correspondem aos ideais homogêneos radicais de Γh (V ). Logo Vp e Ip são bijeções uma a inversa da outra entre a famı́lia dos conjuntos projetivos não vazios contidos em Pn (k) e a famı́lia dos ideais homogêneos radicais de R que não contêm R+ (ou seja, diferentes de R+ e de R). 4 Se F ∈ R e F = F + Ip (V ) ∈ Γh (V ), e x ∈ Pn (k), dizemos que x é raiz de F - e escrevemos F (x) = 0 - se F (x) = 0. Isso não depende da escolha de F . Definição (Aberto padrão). Seja V um conjunto algébrico projetivo e f ∈ Γh (V ). Definamos D+ (f ) := {x ∈ V : f (x) 6= 0}. Se trata de um aberto de Zariski chamado de aberto padrão. Seja V um conjunto algébrico projetivo. Todo aberto não vazio de V é união finita de alguns dos D+ (f ) com f ∈ Γh (V ), em particular os abertos padrões formam uma base da topologia de Zariski de V (induzida por aquela de Pn (k)). A demonstração é analoga à do caso afim: se U é um aberto não vazio de Pn (k) então V − U = Vp (F1 , . . . , Fr ) com cada Fi ∈ R polinômio homogêneo de grau positivo, e se fi = Fi + Ip (V ) ∈ Γh (V ) então U = D+ (f1 ) ∪ . . . ∪ D+ (fr ). Como visto na aula passada Pn (k) = D+ (X0 ) ∪ . . . ∪ D+ (Xn ). Exercı́cios. (1) Mostre que um conjunto algébrico projetivo V = Vp (I) é irredutı́vel se e somente se Ip (V ) é um ideal primo. (2) Se V ⊆ Pn (k) então Vp (Ip (V )) é o fecho topologico de V . (3) Mostre que Pn (k) é Noetheriano (ou seja, toda cadeia crescente de abertos estabiliza). (4) Mostre que Pn (k) é quase-compacto. (5) Mostre que se A é uma k-álgebra graduada e I é um ideal homogêneo de A então A/I é uma k-álgebra graduada. √ (6) Mostre que se I é um ideal homogêneo então I é um ideal homogêneo.