Diferentes topologias de redes complexas nos formigueiros 1

Propaganda
ISSN 2317-3300
Diferentes topologias de redes complexas nos formigueiros
Claudia P. Ferreira,
Murilo D. de Miranda,
Depto de Bioestatı́stica, Instituto de Biociências, UNESP,
18618-970, Botucatu, SP
E-mail: [email protected], [email protected],
Marcio R. Pie
Depto de Zoologia, UFPR
81531-990, Curitiba, PR
E-mail: [email protected]
Palavras-chave: redes aleatórias, autômato celular, rede livre de escala, Camponotus senex
Resumo: O objetivo deste trabalho foi caracterizar as redes de interações geradas por um modelo baseado em agentes, onde cada agente é uma formiga. Foi
construı́do o modelo proposto por Miramontes e colaboradores [1], o qual consiste
na modelagem do ato comportamental de ativação e desativação dos indivı́duos da
colônia, e posteriormente o modelo foi modificado para duas castas e para receber
as informações do ato comportamental de limpeza mútua (“allogrooming”). Na
construção das redes de interações dos agentes foram utilizados dados biológicos
das formigas Camponotus senex [2]. Foram utilizadas algumas medidas relativas à
sua topologia, tais como coeficiente de agrupamento, caminho médio, grau médio
e distribuição dos graus. As redes geradas foram classificadas como rede aleatória
para a colônia e casta das operárias, enquanto para a casta das rainhas a rede é
livre de escala inicialmente e depois evolui para uma rede aleatória.
1
Introdução
Os insetos sociais possuem a capacidade de gerar comportamentos coletivos robustos a partir
de informações limitadas a nı́vel de indivı́duo, sem que haja um controle central. Esta propriedade de geração de padrões globais a partir de regras locais é conhecida com auto-organização.
Como a investigação de fenômenos coletivos em sistemas biológicos é uma tarefa muito difı́cil,
a utilização da modelagem matemática aliada a dados observacionais tem sido uma ferramenta
poderosa no entendimento e caracterização destes comportamentos.
Dos vários tipos de interações que ocorrem com as formigas, a limpeza mútua (“allogrooming”) está entre os principais atos comportamentais. Entende-se como limpeza mútua o comportamento no qual o indivı́duo remove os parasitas nos outros indivı́duos da colônia, tornando-a
mais resistente. O padrão temporal do comportamento é uma das caracterı́sticas fundamentais
de qualquer ato comportamental, principalmente para a sua compreensão como um mecanismo
adaptativo.
O objetivo desse estudo foi caracterizar as redes de interações geradas pelo modelo de agentes
de Miramontes e colaboradores modificado para duas castas de formigas tecelãs. Para isso,
utilizou-se dados etológicos de comportamento de limpeza mútua (“allogrooming”) do trabalho
de Santos e colaboradores [2] e o algoritmo proposto por Miramontes para modelar o ato de
ativação e desativação dos indivı́duos da colônia [1].
65
ISSN 2317-3300
2
Material e Métodos
Foi utilizado um modelo baseado em agentes de Miramontes e colaboradores [1], o qual simula
o comportamento individual de formigas da mesma casta, mais especificamente processos de
ativação e desativação gerados por interações locais, as quais levam a sincronização temporal de
atividades da colônia. Esse modelo foi modificado para dois tipos castas, sendo que cada agente
ai na rede pode ser caracterizado a partir de cinco variáveis:
ai = {xi , yi , mi , Si , Ci },
(1)
onde xi e yi são as coordenadas do agente na rede, mi é a variável de estado (agente ativo ou
desativo) e é dada por uma função limiar de Si :
{
mi =
1, se Si > 0;
0, caso contrário
(2)
e Si representa o valor de atividade do agente e é dada pela seguinte expressão no tempo:
Sit+1
= tanh[0,05(
k
∑
Sjt + Sit )],
(3)
j=1
sendo Si ∈ [−1, 1] e t o passo de tempo. A diferença do modelo de Miramontes para o modelo
proposto é a variável Ci que representa o tipo de casta. No modelo de Miramontes todos os
indivı́duos são iguais e portanto interagem da mesma maneira. Sabe-se que em um formigueiro
existe diferenciação por castas. Portanto, no modelo proposto foram utilizados 200 agentes,
sendo 19 rainhas e 181 operárias, distribuı́dos inicialmente de maneira aleatória na rede. Os dados experimentais do trabalho de Santos e colaboradores [2] nos permitiu quantificar a interação
entre os diferentes tipos de indivı́duos e construir portanto, a rede de interação dos agentes. Os
resultados apresentados são média de 10 simulações, onde utilizou-se uma rede bidimensional
de tamanho linear N = 40. Após o transiente (t ≥ 1000) foram feitas diversas medidas para
caracterizar a topologia dessas interações.
O trabalho de Santos e colaboradores [2] descreve o repertório comportamental das formigas tecelãs da espécies Camponotus senex, a partir de uma colônia composta de 20 rainhas,
176 operárias. Os repertórios comportamentais fornecem dados especı́ficos relacionados com a
divisão de trabalho e casta na colônia. A partir dos dados do comportamento de “allogrooming” destas formigas, o modelo proposto por Miramontes (uma única casta) foi modificado
para receber as seguintes informações: operária interage com operária com probabilidade de
0,0123, operária interage com rainha com probabilidade de 0,0086 e rainha interage somente com
operária com probabilidade de 0,0036. Foi considerado como uma possı́vel interação quando um
agente esteve na vizinhança de outro agente, mas interagindo de acordo com a casta do agente
e a probabilidade da interação entre eles.
Para a caracterização do tipo de rede foram utilizadas algumas medidas relativas à sua
topologia, tais como coeficiente de agrupamento ⟨C⟩, caminho médio ⟨l⟩, grau médio ⟨k⟩ e
distribuição dos graus [3]. Os ajustes das distribuições dos graus foram realizados no programa
R 2.13.0 [4]. Também foram calculados os perı́odos de sincronização do comportamento de ativodesativo das diferentes castas e do formigueiro utilizando a transformada rápida de Fourier nos
dados de séries temporais dos sistemas. A razão sinal-ruı́do foi definida aqui como SN R =
p̄/(p̄ + σ), onde p̄ é o perı́odo médio e σ é o desvio padrão da simulação. Quando o sinal é puro
(σ = 0) e SN R = 1.
3
Resultados e Discussão
Figura 1 mostra a evolução temporal do caminho médio e do grau médio obtido para a colônia
e para as rainhas, sendo que os valores obtidos para a colônia foram iguais ao obtido para as
66
ISSN 2317-3300
colônia
rainhas
6
colônia
rainhas
3
0
0
5
1
10
2
15
<l>
<k>
20
4
25
5
30
35
operárias. Observa-se que os maiores valores para o grau médio e os menores valores para o
caminho médio, como esperados, são obtidos para tempos grandes, sendo que estes valores devem
estabilizar visto que assintoticamente a rede se torna quasi-regular pois somente não teremos
conexões entre as rainhas. Os valores do parâmetro grau médio da casta das rainhas foram
menores do que da colônia, enquanto os maiores valores do caminho mı́nimo foram da casta
das rainhas. Os coeficientes de agrupamento para as operárias e para a colônia para todos os
valores de tempo foram iguais e menores do que 0,269. Vale lembrar que não existe coeficiente
de agrupamento para a casta das rainhas pois não existe conexão entre elas.
1000
2000
3000
4000
5000
1000
tempo
2000
3000
4000
5000
tempo
Figura 1: Evolução temporal dos valores do grau médio ⟨k⟩ e do caminho mı́nimo médio ⟨l⟩. Em preto
para todos indivı́duos e em vermelho somente as rainhas.
As redes geradas pela casta das operárias e da colônia nos diferentes tempos foram classificadas como rede aleatória, enquanto que a rede gerada pelas interações da casta das rainhas foi
inicialmente classificada como rede livre de escala e depois sua topologia mudou para uma rede
aleatória. Para a casta das operárias, tem-se que a distribuição dos graus em ambos os tempos
segue uma distribuição de Poisson com ⟨k⟩ = 6,041 no tempo 1000 e ⟨k⟩ = 32,686 no tempo
5800. Entretanto, para a casta das rainhas, a distribuição dos graus no tempo 1000 tem uma
distribuição de lei de potência com expoente γ = −2,068, mas no tempo 5800 a distribuição
de conexões é melhor ajustada por uma distribuição de Poisson com ⟨k⟩ = 3,8248. Esses resultados são mostrados na Figura 2. Esse tipo de mudança na distribuição dos graus em relação
ao tempo foi relatado por Blonder e colaboradores [5], num trabalho experimental onde dados
relativos ao fluxo de informação em função do tempo para uma colônia da formiga Temnothorax
rugatulus foram ajustados para distribuição dos graus e foi observada a mudança da distribuição
exponencial para uma Poisson com a evolução temporal da colônia.
O perı́odo de sincronização de ativação entre as operárias foi menor do que o obtido para
as rainhas, sendo que o da colônia está mais próximo ao das operárias (Figura 3 à esquerda).
Em média, a relação sinal-ruı́do (SNR) para as operárias foi maior do que das rainhas, o que
significa que a informação distribuı́da pelas operárias é melhor preservada (Figura 3 à direita).
Este resultado se deve ao fato de que as operárias são mais ativas do que as rainhas [2, 6].
4
Conclusão
Os resultados desse modelo sugerem que a topologia das interações tipo “allogrooming” da
colônia muda com o tempo e que inicialmente o padrão espaço-temporal das rainhas é diferente
do restante da colônia. Pretende-se acrescentar taxas de mortalidade e natalidade a este modelo
para verificar se este resultado é mantido, visto que esta modificação a qual resulta em adição e
exclusão de nós, pode manter a topologia de rede livre de escala para as rainhas.
67
1e+00
ISSN 2317-3300
t=1000
t=5800
P(k)
1e−04
0.00
1e−03
0.05
1e−02
P(k)
0.10
1e−01
0.15
t=1000
t=5800
0
10
20
30
40
50
1
2
5
k
10
20
50
k
1.0
Rainhas
Operárias
Colônia
Rainhas
Operárias
Colônia
0.0
100
0.2
200
0.4
SNR
Período
300
0.6
0.8
400
500
Figura 2: Distribuições dos graus de conexão: à esquerda as distribuições dos graus de interação de toda
colônia seguem uma distribuição de Poisson com parâmetro ⟨k⟩ = 6,041 no tempo 1000 e ⟨k⟩ = 32,686
no tempo 5800 e à direita as distribuições dos graus de interação da casta das rainhas seguem uma
distribuição em lei de potência com expoente γ = −2,068 no tempo 1000 e uma distribuição de Poisson
com ⟨k⟩ = 3,8248 no tempo 5800 (em escala log-log). As linhas correspondem aos valores ajustados.
2000
3000
4000
2000
5000
3000
4000
5000
tempo
tempo
Figura 3: À esquerda temos as relações entre o perı́odo de sincronização e o tempo. À direita tem-se a
razão sinal-ruı́do como função do tempo. As linhas horizontais representam os valores médios do perı́odo
de sincronização e da razão sinal-ruı́do para cada casta e colônia.
Referências
[1] O. Miramontes, R. V. Solé e B. C. Goodwin, Collective behaviour of random-actived mobile
cellular automata, Physica D, 63 (1993) 145-160.
[2] J. C. Santos, M. Yamamoto, F. R. Oliveira e K. Del-Claro, Behavioral Repertory of the
Weaver Ant Camponotus (Myrmobrachys) senex (Hymenoptera: Formicidae), Sociobiology,
45 (2005) 1-11.
[3] R. Albert e A.-L. Barabási, Statistical mechanics of complex networks, Rev. Mod. Phys.,
74 (2002) 47-97.
[4] R Development Core Team. R: A language and environment for statistical computing. R
Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria.(2011) ISBN 3-900051-07-0, URL
http://www.R-project.org/.
[5] B. Blonder e A. Dornhaus, Time-ordered networks reveal limitations to information flow in
at colonies, PLoS ONE, 6 (2011) 1-8.
[6] B. Hölldobler e E. O. Wilson, ”The ants”, The Belknap Press of Havard University Press,
Cambridge, 1990.
68
Download