Daniel de Andrade Lévy Mestrando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Advogado associado de Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide Advogados. “Les Révolutions, qui viennent tout venger, Font un bien éternel dans leur mal passager” 1 O presente artigo explora como conceitos tirados da filosofia jurídica de Miguel Reale amoldam-se, com precisão, ao estudo da sociologia brasileira, especificamente à ideia de um núcleo de poder formado em torno do estamento. A dialética e a gradação das positividades, dois tipos filosóficos propostos pelo jurista, demonstram como o movimento, a dinâmica e a variedade de poderes permitem contestar a estática e a perenidade desse núcleo de poder invisível que é o estamento. Tal conceito, magistralmente exposto por Raymundo Faoro, funda-se na continuidade de uma dominação que vai bem além de uma simples dominação econômica ou política. Trata-se, no Brasil, de uma verdadeira arquitetura do poder, cujos estudos de Miguel Reale sobre o tema servem a desvendar. Palavras-chave: Estamento – Burocracia – Reale – Positividade – Teoria Tridimensional – Revolução – Sociologia 1 Victor Hugo, Les Contemplations Aujourd’hui – 1843-1855, p. 3. RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 1 jan/jun 2010 55 This paper studies how two important concepts drawn from the legal philosophy of Miguel Reale perfectly shapes the study of Brazilian complex sociology, specifically the idea brought by important sociologists like Raymundo Faoro of power core around the political Estate. Those two concepts are the dialectic movement and the graduation of positivity, which demonstrate how the movement, the dynamic and the variety of power intensity challenge the static and the sustainability of that core of domination in Brazil. It is different from an Economic or Political domination; it is an invisible domination that maintains the same few persons owner of the domination force. In Brazil, it is a truce architecture of power, whose studies of Miguel Reale’s philosophy may serve to unravel. Desde 2007, uma onda de suicídios de funcionários da empresa France Telecom, a maioria ex-servidores públicos dos Correios franceses incorporados pela gigante das comunicações após a sua privatização, em 1990, acendeu na França um vivo debate sócio-político acerca do embate entre o modus operandi do capitalismo e a racionalidade burocrática típica de um Estado como a França2. O trágico ocorrido demonstra a complexidade do problema, bem como a sua atualidade, e lança a pergunta: quem é o servidor público inserido na instrumentalidade burocrática? O quebra-cabeça torna-se ainda mais dramático se considerarmos que a dominação do poder burocrático nunca passou desapercebido pela doutrina sociológica ao externar a sua preocupação, já em meados do século XX, com o destino dos servidores franceses, engolidos por um Estado pantagruélico: “Eles escapam, em parte, à ansiedade do homem moderno, incerto do seu status, mas em seu lugar, desenvolvem um ponto de vista acanhado e enfrentam o recrudescimento da luta pelo poder, que são as características de um sistema excessivamente rígido”3. Sem adentrar um juízo de mérito acerca das causas da tragédia acima narrada, é inquestionável a preocupação de países como a França com a ideia de um poder burocrático racionalizado como instrumento de dominação, e que impede o completo desenvolvimento do ser humano como mem- 2 Sobre o tema, vide um dos vários artigos sobre a questão, publicado jornal Le Monde de 10.04.10: “Les suicides à France Télécom devant la justice”, disponível em http://www.lemonde.fr/cgibin/ACHATS/acheter.cgi?offre=ARCHIVES&type_item=ART_ARCH_30J&objet_id=1120386, acesso em 26.04.10. 3 CROZIER, Michel. O fenômeno burocrático: ensaios sobre as tendências burocráticas dos sistemas de organização modernos e suas relações, na França, com o sistema social e cultural. Trad. de Juan A. Gili Sobrinho. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981, p. 303. 56 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 2 jul/dez 2010 bro efetivo da civitas, verdadeira emancipação social, com a redução drástica de sua margem de manobra. Essa “ficção do mundo normal”4 que o poder burocrático proporciona ao homem apenas reforça a sua apatia e cria o cenário ideal para a sua completa dominação. No Brasil, essa sujeição foi corroborada por uma estrutura elitizada de poder, onde a elite, historicamente formada desde a República de Avis, criou um aparato burocrático destinado não apenas à organização econômica do Estado, mas, sobretudo, à perpetuação de seu poder com a perenidade necessária à sua manutenção. A superação do intento meramente pecuniário é essencial à compreensão de que “os sentimentos tem uma influência sobre as atividades” e, por conseguinte, “a distribuição de poder e o sistema das relações de poder no seio de uma organização têm uma influência decisiva sobre as possibilidades e as formas de adaptação de cada um dos seus membros”5. É esse conjunto de interações comportamentais que faz surgir, com magistral perfeição, a ideia de estamento burocrático, refletida na “ organiza- ção político-administrativa do Estado, juridicamente pensada e escrita, racionalizada pelos juristas”6. O estamento, imaginado por Raymundo Faoro como uma comunidade amorfa, cujos membros pensam e agem conscientes de pertencer a um grupo, a um círculo elevado, tem no “exercício do poder”7 uma das realizações mais fieis do que Miguel Reale chamou de “ Estado virtual, um verdadeiro Estado in nuce, possuindo uma estatalidade latente ou imperfeita, uma estatalidade in fieri, à procura de um centro de força preponderante que lhe assegure a sua plenitude na positividade jurídica” 8. Acreditamos que o estudo da positividade de Miguel Reale, e o caráter sempre dinâmico de sua teoria tridimensional, deve ter lugar de destaque no estudo deste “funcionário patrimonial”9 e, mais amplamente, dessa estrutura de poder tão fundada na ligação entre interesses particulares e cargos públicos. O poder oriundo do estamento burocrático, situado entre a autoridade e a liberdade, enquadra-se com precisão nesta gradação da positividade jurídica que Miguel Reale resgata de Del Vecchio 10, e torna amoldável, com precisão de relojoeiro, à realidade brasileira. Ao perceber nas “formações de elites”11 uma das camadas do poder técnico-burocrático, Tércio Sampaio Ferraz Jr. já sugere como o estamento, 4 FERRAZ JÚNIOR., Tércio Sampaio. Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e o direito, 3 ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009, p. 30. 5 CROZIER, Michel. Op. cit., p. 215. 6 FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Rio de Janeiro: Globo, 2001, p. 61. 7 Ibid., p. 61 8 REALE, Miguel. Estudos de filosofia e ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 43. 9 BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 2002, p. 146. 10 REALE, Miguel. Teoria do direito e do Estado, 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 304. 11 FERRAZ JÚNIOR., Tércio Sampaio. “As origens do Estado contemporâneo ou o Leviathan gestor da economia”. In Revista Brasileira de Filosofia, v. 36. São Paulo, 1987, p. 313. RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 1 jan/jun 2010 57 ao mesmo tempo em que constitui um centro de positividade, exige o exame do Estado, sobretudo o brasileiro, “como realidade cultural”, não devendo se confundir “o Estado com o seu aparelhamento legal, com o seu sistema de normas”12, nos dizeres do mestre Miguel Reale. Diante desse panorama, (i) a visão dinâmica da tridimensionalidade do direito em sua incessante tensão, e (ii) a ideia da positividade como externa ao conceito político de Estado, permitem uma apreensão do conceito de estamento burocrático bastante precisa sob a forma de instrumento de poder na formação histórica brasileira. Essas serão as duas vertentes deste texto. No tradicional deslocamento da célula familiar ao Estado, foi no matiz intermediário do social que se pôde observar o surgimento dessa estrutura amorfa que instrumentalizaria o Estado por meio do poder burocrático, refletida no estamento. Tal transição, que Hannah Arendt já destacava na passagem do chefe de família para o senhor feudal 13, alcança a figura do Estado como Leviatã, atribuindo-se a esse último “uma responsabilidade que, no mundo antigo, cabia ao pater famílias”14. Ocorre que, entre nós, não foram as organizações burocráticas que assumiram a posição do Leviatã 15, mas foi justamente essa camada social amalgamada entre o público e o privado que, ao perceber-se protegida pelos favores nobiliárquicos, racionalizou o aparato burocrático para garantir a manutenção de seu poder independentemente do Estado como ordenamento jurídico. Não por outra razão, Sérgio Buarque de Holanda ironiza a situação dos engenhos de açúcar ao destacar a positividade que reina dentro de cada uma dessas unidades: “nesta terra andam as coisas trocadas, porque toda ela não é república, sendo-o cada casa”16. A apropriação do poder torna insuficiente qualquer aplicação do formalismo kelseniano, até porque a discussão acerca da norma pressuposta fundamental terá no estamento sua maior barreira, única fonte legítima de positividade. Ora, se o mecanismo da Teoria Geral de Kelsen é fundado na 12 REALE, Miguel. Teoria do direito e do Estado, cit., p. 313. ARENDT, Hannah. A condição humana, 10 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 44. 14 FERRAZ JÚNIOR., Tércio Sampaio. “As origens do Estado contemporâneo ou o Leviathan gestor da economia”. Op. cit.. 15 Sobre a ideia da organização burocrática envolto no molde do Leviatã hobbesiano, cite-se trecho da obra de Michel Crozier: “Toda a literatura pós-weberiana sobre a burocracia está altamente marcada por uma ambigüidade fundamental. De um lado, a maior parte dos autores pensam que o desenvolvimento das organizações burocráticas corresponde ao advento ao mundo moderno da racionalização e que, por esse motivo, é intrinsecamente superior a todas as demais formas possíveis de organização, enquanto do outro, muitos autores, e frequentemente os mesmos, consideram as organizações como se fossem Leviatãs através dos quais está se preparando a escravidão da raça humana” (Op. cit., p. 258). 16 BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Op. cit., p. 81. 13 58 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 2 jul/dez 2010 exigência de “atos de vontade que produzem normas para regular os atos de vontade que produzem normas”17, então os primeiros, ao se tornarem imperativos procedimentais, nada mais são do que o fundamento positivo da burocracia. O que “fecha o sistema”18, no âmbito desta análise, mais do que “um poder”19, é um poder burocrático que, ao ir além do Estado, permite encontrar neste apenas um leito de validade, mas não de eficácia, atendo-se à terminologia de Bobbio. O Estado, como sistema de normas, nada mais é, portanto, do que o fantoche do estamento burocrático e é dele que se irradiam os valores patrimoniais que nortearão o processo organizacional. É a unidade ilusória desse sistema que cria o que denominamos comodismo estamental, que consiste na manutenção do mesmo grupo de indivíduos detentores das rédeas da organização político-administrativa do Estado, de forma estática e atemporal. Aqui se enquadra perfeitamente a observação de Tércio Sampaio Ferraz Jr. ao afirmar que “lacuna não é vazio nem é inadequação, mas tensão não resolvida temporariamente”20, haja vista que é na manutenção de um sistema “sem tensões” que o estamento burocrático encontra a sua força de subsistência, a sua “liga”. A ideia de dinamicidade ou, em última instância, de revolução, é o que faz surgir a instabilidade e, portanto, torna questionável o frágil edifício construído sobre a base estamental, e por ela desenhado. A filosofia jurídica de Miguel Reale permite enxergar na constante dinâmica entre fato, valor e norma uma válvula de escape que interrompa esse moto perpétuo fundado no circulo vicioso da criação normativa e legitimação da norma. É na tentativa permanente do poder burocrático de enxergar a síntese entre fato, valor e norma à luz de uma legislação estática – e não de um ordenamento dinâmico21 – que se encontra o cerne da questão, e onde o movimento realiano da temporalidade mais contribui para a compreensão do estamento brasileiro. A dinâmica da tridimensionalidade, a nosso ver, enxerga a ideia do poder como liberdade de mudança e de não-sujeição permanentes às instituições sociais, o que permite uma constante renovação daquela relação tríplice. Aqui, a constatação de Michel Crozier de que “ o ser humano não está apenas dotado de uma mão, ele também tem uma cabeça, um projeto, uma liberdade”22 parece extremamente adequada para compreender de que forma 17 BOBBIO, Noberto. Direito e poder. Trad. Nilson Moulin. São Paulo: Editora UNESP, 2008, p. 159. Ibid., p. 165. Ibid., p. 165. 20 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. “O problema das lacunas e a filosofia de Miguel Reale in Direito Política Filosofia Poesia: estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale em seu octogésimo aniversário. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 279. 21 A distinção é feita por Miguel Reale: “A legislação estatal é apenas o núcleo estável, a linha de referência do ordenamento jurídico positivo do Estado. A legislação é estática; o ordenamento é dinâmico. A legislação é formal; o ordenamento é a legislação in acto e in concreto, a substância da vida social integrada na lei pela interpretação exigida segundo os fins éticos da convivência (...)”. Teoria do Direito e do Estado, cit., p. 336. 22 CROZIER, Michel. Op. cit., p. 221. Grifou-se. 18 19 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 1 jan/jun 2010 59 o aparato burocrático, ao enxergar o homem como peça de máquina, cria uma relação entre fato, valor e norma puramente estática e fundada em uma normativa momentânea que não dá qualquer margem ao imprevisto, à liberdade. A fortuna de Hannah Arendt23 é a pedra de toque desse movimento de constantes micro-revoluções, opostas ao estamento, fundadas nas tais incertezas de Michel Crozier24, que o estamento insiste em reduzir. Tanto que Celso Lafer, ao se referir à obra de Hobbes e, mais precisamente, ao “ jogo monótono da dicotomia anarquia/estado”, afirma a “eficácia por vezes benéfica do conflito”25 que o autor inglês deixou de ressaltar. A dinâmica temporal entre fato, valor e norma, tão preciosa à percepção do estamento burocrático, foi magistralmente narrada por Miguel Reale ao questionar os graus de positividade: “A positividade, correspondente a sucessivos momentos de atualização de valores segundo estruturas e modelos alternativos, revela, ao mesmo tempo, a ordenação intra-sistemática de normas e de situações normadas, bem como um escalonamento interssistemático entre as ordenações correspondentes às distintas esferas de realiza- bilidade jurídica, da qual o Estado é, por enquanto, o sistema mais estável e sólido”26. Esse movimento é indispensável para relativizar os centros emanadores de normas, a fim de perceber no Estado apenas o “ mais estável e sólido” sistema, mas nunca o único, decorrendo daí a possibilidade de visualizar outros centros de positividade, como o estamento burocrático. Essa “integração tensional” entre os três elementos permite que não se reduzam uns aos outros, “embora se relacionem polar e permanentemente entre si”27, o que impede a apropriação do valor pelo estamento, que esgotaria em sua instrumentalidade burocrática uma norma supostamente válida, e que beneficiaria a continuidade desse esquema de poder elitista. Caberá à crise e à mudança enfrentar a resistência burocrática 28. Posto esse cenário, é possível observar como o estamento burocrático subjuga os seus súditos, não apenas os tornando corpos dóceis, nos dizeres 23 “A virtù é a resposta que o homem dá ao mundo, ou, antes, à constelação de fortuna em que o mundo se abre, se apresenta e se oferece a ele, à sua virtù; a interação entre elas indica uma harmonia entre o homem e o mundo – agindo um sobre o outro e realizando conjuntamente – tão remota a sabedoria do político como da excelência moral (ou de outra espécie) do indivíduo e da competência dos peritos” (ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro, 5 ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002, p. 182. 24 Aqui, o autor é enfático ao explorar a margem de manobra, refletida na incerteza, dos operários da manutenção em sua análise quase balzaquiana da Comédia Humana: “Fazendo isso, aliás [atacando os chefes das oficinas], eles não fazem mais do que explorar sua vantagem inicial, que depende do controle que podem exercer sobre a sua única fonte importante de incerteza que subsiste nesse sistema dominado pela rotina” (CROZIER, Michel. Op. cit., p. 228). 25 LAFER, Celso. “Hobbes visto por Bobbio”. In Revista brasileira de filosofia, v. 39, fasc. 164, out./dez. 1991, p. 256. 26 REALE, Miguel. Estudos de filosofia e ciência do direito. Cit., p. 46. Grifou-se. 27 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. “O problema das lacunas e a filosofia jurídica de Miguel Reale”. Cit., p. 275. 28 Cite-se o pensamento de Michel Crozier: “Devido a longas demoras necessárias, à ampliação que deve revestir, à resistência que tem que vencer, a mudança constituiu, para um sistema de organização burocrática, uma crise que não pode deixar de ser profundamente sentida por todos os participantes” (Op. cit., p. 285). 60 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 2 jul/dez 2010 de Foucault, mas também os imbuindo de uma falsa consciência de que esse grupo detentor de poder o é em virtude da legitimação estatal e não em virtude de ser uma corpo que transcende o Estado e organiza a sua juridicidade para a manutenção de seu poder. A abolição da ação e do tempo do indivíduo é o mote dessa estrutura estamental. Assim, “a sociedade, em todos os seus níveis, exclui a possibili- dade de ação, que antes era exclusiva do lar doméstico. Ao invés, de ação, a sociedade espera de cada um dos seus membros um certo tipo de comportamento, impondo inúmeras e varias regras, todas elas tendentes a ‘normalizar’ os seus membros, a faze-los ‘comportarem-se’, a abolir a ação espontânea ou a reação inusitada”29. A ideia brilhantemente exposta por Hannah Arendt é o substrato que solidifica a relação entre fato, valor e norma para um tempo curto, isto é, o tempo da rotina de trabalho, da standardização do comportamento. Foi Antonio Negri, filósofo italiano com nítida influência de Arendt e Spinoza que, ao defender a ideia de um poder constituinte como revolução, mais bem definiu a abolição desse tempo: “ O tempo deve ser tão somente o tempo da repetição da jornada de trabalho. É este bloqueio do tempo que, ao contrário, aumenta a consciência das massas: leva-as da política à sociedade, da crítica do poder à crítica do trabalho. As massas respondem ao bloqueio do tempo com acelerações formidáveis e imprevistas que, a cada vez, ultrapassam o obstáculo e deslocam o limite para frente” 30. O pensador italiano enxerga com nitidez a dimensão da política como um poder posto e, portanto, pertencente àqueles que o põe, no caso brasileiro, ao estamento. A burocracia, nesse contexto, nada mais é do que o instrumento racional de imposição desse poder político, desse poder constituído. Ao citar os trabalhos de Merton, Selznick e Gouldner, Michel Crozier aponta com precisão essa ideia de constituição do poder pela burocracia: “Esses três autores dão cada vez mais lugar aos aspectos rotineiros e opressivos da burocracia, que podem ser finalmente considerados como constituintes de um sistema paralelo de causalidade” 31. Parece-nos que é esse sistema paralelo de causalidade que melhor reflete a ideia do estamento. Em suma, a dinâmica da tridimensionalidade é o único instrumento válido e eficaz para compreender a apropriação estática de cada um desses três elementos por uma estrutura dominante de poder. Sendo a norma sempre um “equilíbrio provisório, mais ou menos duradouro entre fatos e valores positividados pela interferência de decisões do poder”32 então se concebe a recusa a qualquer definitividade, sendo possível imaginar a ruptura desse 29 ARENDT, Hannah. A condição humana. Cit., p. 50. NEGRI, Antonio. O poder constituinte: ensaios sobre as alternativas da modernidade. Trad. de Adriano Pilatti. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p. 284. 31 CROZIER, Michel. Op. cit., p. 266. Grifou-se. 32 LAFER, Celso. “Entre a norma e a realidade”. Entrevista de Celso Lafer à Revista Cult, p. 58. 30 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 1 jan/jun 2010 61 equilíbrio por meio de uma visão dinâmica da tridimensionalidade. A própria ideia de poder, como poder posto, constituído, reflete na burocracia um simples instrumento de legitimação procedimental de seus atos, a fim de imbuir no Estado uma falsa aparência de legalidade material. A apropriação das organizações político-administrativas do Estado por um grupo dominante no Brasil parece ser o maior reflexo da necessidade de superar uma estrutura puramente estática de fato, valor e norma, típica de uma estrutura amorfa, a fim de irradiá-los dessa tensão polar tão importante na dialética realiana. Outro aspecto da filosofia de Miguel Reale que contribuiu grandemente para o exame do estamento burocrático brasileiro é o exame da ideia de positividade em sua obra, cuja ideia de gradação é trazida de Del Vecchio. A relativização da positividade do Estado, e a ideia de que “a positividade não pode ser considerada elemento essencial do jus”33’, permitem ver com muita nitidez o corpo estamental como emissor de comandos normativos que transcendem um ordenamento jurídico estatal. Exemplo clássico do descolamento acima narrado entre ordenamento jurídico e poder estamental está no sistema de voto brasileiro, tão bem examinado por Victor Nunes Leal: “No regime que botamos abaixo com a Revo- lução, ninguém tinha a certeza de se fazer qualificar, com a de votar... Votando, ninguém tinha a certeza de que lhe fosse contado o voto... Uma vez contado o voto, ninguém tinha a segurança de que seu efeito havia de ser reconhecido através de uma apuração feita dentre desta Casa e por ordem, muitas vezes, superior”34. Ora, como entender um sistema que afasta a representatividade do poder estatal sem admitir a existência de outras positividades? Parece-nos que é a essa resposta que a filosofia da gradação das positividades de Miguel Reale pode contribuir. A inexistência de uma “positividade única, unitária e hierárquica, mas positividades diferentes, graduadas, no sentido vertical, mas não simétricas, no sentido horizontal”, tão bem delineada por Tércio Sampaio Ferraz Júnior35, parece abrir caminho para a racionalização de um aparelho burocrático a serviço de uma positividade paralela, a do estamento. Uma vez que Miguel Reale defende o estudo da vigência não como mero procedimento formal, mas como uma “referência aos valores que determinaram o aparecimento da regra jurídica, assim como às condições fáticas 33 REALE, Miguel. Estudos de filosofia e ciência do direito. Cit., p. 37. NUNES LEAL, Victor. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Nova Fronteira, 1997, p. 256. 35 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. “O problema das lacunas e a filosofia jurídica de Miguel Reale”. Op. cit., p. 278. 34 62 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 2 jul/dez 2010 capazes de assegurar a sua eficácia social”36, então é possível enxergar no poder oriundo da estrutura estamental uma fonte dessa vigência, que se legitima por meio de um aparato burocrático racionalizado. Assim é que a distinção proposta por Jean Bodin para “fixar a diferença entre o Estado e as quadrilhas de ladrões e de bandidos”37, ironicamente, acaba desbotada à luz dessas múltiplas positividades e, mormente, à luz de um direito estatal que nada mais é do que “uma espécie, ou melhor, uma fase, muito embora a mais importante, do gênero ou da categoria lógica do direito” 38. É na centralização do poder que o estamento verá sua grande arma, ao convidar para uma participação das decisões gerenciais aqueles indivíduos mais dotados de uma margem de manobra que possa propiciar a margem de incerteza tão cara à revolução. Assim é que o estamento brasileiro, progressivamente, infla-se com sindicalistas, membros de movimentos sociais, a fim de neutralizar a emanação de uma positividade difusa e revolucionária 39. A gradação das positividades supera, pois, o formalismo kelseniano, a partir de uma visão crítica do poder normativo estatal 40. Em uma sociedade na qual “a transmigração [da corte] superpôs à estrutura social existente a estrutura administrativa do cortesão fugitivo”41, é nítida a formação histórica do Estado de cima para baixo, tornando-se insuficiente a filosofia de Kelsen e impondo-se uma visão múltipla dos centros de poder em que a burocracia é o instrumento de dominação de apenas um deles. Sob esse enfoque, a burocracia torna-se fim em si mesmo ao ser racionalizada não como meio de instrumentalização de um poder estatal, mas como forma de dominação do estamento. Aqui, cabe a ideia weberiana, bem delineada por Tércio Sampaio Ferraz Júnior, que “ identifica o aparecimento do Estado com o desenvolvimento da burocracia enquanto forma de dominação baseada na crença da legalidade, isto é, da organização racional das competências com base na lei, tendo em vista o princípio da eficiência”42. 36 REALE, Miguel. Filosofia do direito, 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 597. Grifos no original. Jean Bodin apud BOBBIO, Noberto. Op. cit., p. 160. 38 REALE, Miguel. Estudos de filosofia e ciência do direito. Op. cit., p. 42. 39 Essa ideia é muito bem apresentada por Micher Crozier ao mencionar as manobras de cooptação da direção empresarial: “Ela elaborou paulatinamente um sistema de cooptação graças ao qual os representantes de cada um dos grupos, cuja força de pressão se torna excessivamente pesada, é convidado a participar na determinação da política de conjunto. Ao mesmo tempo, essa direção utilizou a situação difícil contra a qual a organização teve de lutar duramente para afirmar-se e sobreviver, como um potente recurso ideológico”. Op. cit., p. 254. 40 Cite-se excerto da obra de Noberto Bobbio que bem reflete o pensamento kelseniano: “O elemento que diferencia a relação definida como poder estatal (Staarsgewalt) das outras relações de poder é ser juridicamente regulado; isto é, consiste no fato de que os homens que exercem o poder como governo do Estado são autorizados por um ordenamento jurídico a exercer aquele poder, produzindo e aplicando normas jurídicas, ou seja, no fato de que o poder estatal tem caráter normativo”. Op. cit., p. 175. 41 FAORO, Raymundo. Op. cit., p. 295. 42 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. “As origens do Estado contemporâneo ou o Leviathan gestor da economia”. Op. cit. 37 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 1 jan/jun 2010 63 Arrisca-se dizer que a burocracia torna-se um centro de positividade, da positividade estamental. Portanto, é muito pertinente a assertiva de Michel Crozier em seu cotejo da burocracia, ao alegar que “o fenômeno burocrático parece correspon- der ao equilíbrio que se estabelece entre o tipo de controle social utilizado para manter a organização como um sistema em movimento, e as reações do grupo humano a ele submetido”43. Não obstante, essa dicotomia deve ser compreendida cum granus salis pois, entre nós, é justamente aquele controle social que impede o movimento, tão necessário à superação da dominação burocrática. Essa visão não é surpreendente se considerarmos que, ao fazer a crítica às correntes interacionistas, Michel Crozier tangencia a noção de estamento: “(...) continuam deixando de lado todas as relações de poder que se formam em redor da hierarquia, sem as quais essa pirâmide não parece outra coisa além de um quadro informal” 44. São essas estruturas paralelas (rectius, transcendentes) de poder que propiciam o controle social materializado na racionalização burocrática. Aliás, é de suma importância ressaltar que Michel Crozier insere-se no contexto do Estado francês, no qual hoje, cada vez mais, o solidarismo tem rompido a barreira existente entre o Estado e essas diversas positividades. Nos dizeres de Jacques Chevalier, “ o solidaris- mo confere ao Estado republicano uma nova legitimidade: permite superar a contradição entre o princípio teórico da igualdade política e a persistência fática das desigualdades sociais; pelo estabelecimento da solidariedade, a República coloca-se a serviço do progresso da sociedade o Estado encontra aí a sua missão”45. A visão de Antonio Negri, embora dotada de certo idealismo, tem o mérito de desenhar com bastante precisão essas estruturas paralelas, refletidas, de forma até um pouco exagerada, na própria política: “ A revolução social, ao contrário, e a francesa em particular, anula a política, subordinando-a a um social que, abandonando a si mesmo, gira no vazio, numa busca da liberdade que se torna cada vez mais cega e louca. Onde quer que a política não permita à sociedade compreender-se, constituir-se na compreensão, a loucura e o terror levarão a melhor. O totalitarismo não poderá senão se afirmar”46. O próprio Miguel Reale percebeu com nitidez esses centros de positividades externos ao Estado: “ A verdade é que – alcançando um certo grau de desenvolvimento – o ordenamento jurídico assim constituído, ou se integra no Estado, ou se põe contra o Estado, pretendendo arrancar-lhe esferas mais ou menos amplas de suas atribuições peculiares. Foi o que se deu e é o que 43 CROZIER, Michel. Op. cit., p. 296. Grifou-se. Ibid., p. 219. 45 CHEVALIER, Jacques. “Le service public: regards sur une évolution”. In AJDA, Paris, 1997, p. 8. 46 NEGRI, Antonio. Op. cit., pp. 27-28. 44 64 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 2 jul/dez 2010 ainda se passa com o fenômeno sindicalista e com a formação de verdadeiros monopólios à margem do Estado, pretendendo partilhar soberania do Estado”47. Embora Reale tenha abordado uma noção apenas horizontal de compartilhamento de poder, deu-nos a chave para enquadrar com precisão a transcendência vertical de poder constituída no estamento brasileiro. Essas breves observações revelam na gradação de positividade um pensamento que permite superar o formalismo kelseniano não apenas em sua legitimação exclusivamente procedimental, mas em sua unicidade das fontes de poder. A difusão de diversos centros de positividade permite enxergar o estamento brasileiro não apenas como uma estrutura de permanente dominação, mas, sobretudo, como reveladora de um conceito de poder desprendido do ordenamento jurídico. Para superar a aporia entre a universalidade do conceito e da ideia e a particularidade contingente dos fatos, Miguel Reale defende que somente uma apreciação dialética da experiência jurídica pode superar o apontado antagonismo48. A genialidade dessa afirmação demonstra o avanço do pensamento de Reale quanto à necessidade desse movimento incessante, dessa crise, dessa tensão, para enxergar o Estado e, mais precisamente, o Estado brasileiro. A dinâmica de interação entre fato, valor e norma, contrapõe-se à estática da perenidade do grupo que se apropria do Estado, e se legitima pela racionalidade burocrática. A ideia das diversas positividades do direito permite iluminar com maior precisão esse grupo, tentando descolá-lo do Estado, a fim de não mais enxergá-lo com naturalidade. A principal consequência de sua manutenção, é a também manutenção das desigualdades sociais, combustível não apenas de enriquecimento dessa elite mas, sobretudo, de sua legitimação. Não apenas a dialética é favorável a esse entendimento, como o vazio de síntese ainda é visto por alguns como principal instrumento de continuidade do movimento, como é o caso de Antonio Negri: “ Se na história da de- mocracia e das constituições democráticas a tensão entre poder constituinte e poder constituído nunca atingiu uma síntese, devemos nos concentrar precisamente nesta negatividade e neste vazio de síntese para tentar compreender o poder constituinte”49. Vê-se, portanto, que a filosofia de Miguel Reale traz instrumentos preciosos para a compreensão desse fenômeno tão brasileiro de dominação e 47 REALE, Miguel. Teoria do direito e Estado. Op. cit., p. 320. Grifos no original. REALE, Miguel. Ensaios de filosofia e de ciência do direito. Op. cit., p. 38. 49 NEGRI, Antonio. Op. cit., p. 23. 48 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 1 jan/jun 2010 65 poder, sem os quais a estrutura do estamento permanece confundida com o ordenamento jurídico, e dotada de legitimidade transcendente. A burocracia, nessa conjuntura, torna-se, mais do que nunca, um meio de propulsão daquele poder, fazendo da norma um amálgama entre seus valores e a escolhas de seus fatos. Se essa tríplice relação for imbuída de um movimento tensional, então, será possível entrever nos pequenos vazios que a dialética insolúvel não quer fechar, uma esperança de questionamento desse poder da desigualdade. ARENDT, Hannah. A condição humana, 10 ed. 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Partindo da sua compreensão sobre o saber jusfilosófico, definindo-o e arquitetando os seus contornos, convém avançar sobre as matrizes filosóficas que marcaram profundamente as suas investigações, com vistas a confecionar o pano de fundo que costura a sua percepção metafísica e permitir posterior parâmetro de reconhecimento de suas aceitações e de suas críticas. Prosseguindo, embasado na fenomenologia do início do séc. XX, pretende-se esboçar os traços centrais de seu raciocínio ontognoseológico, do conceito de experiência, para que se possa chegar ao seu peculiar método * Artigo apresentado em 22 de junho de 2010 à Disciplina Direito e Poder: Homenagem ao Centenário de Miguel Reale (DFD5902-1), ministrada pelos Professores Titulares Dr. Tercio Sampaio Ferraz Júnior e Dr. Celso Lafer, e, pela Professora Dra. Elza Antonia Pereira Cunha Boiteux na Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Estadual de são Paulo, referente a Sétima Sessão do Congresso Internacional (08.04.10 as 9h30) sob o tema “O Progresso da Ciência e a Filosofia”. 68 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 2 jul/dez 2010