Realizaç˜ao de circuitos lógicos

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Realização de circuitos lógicos
João Paulo Cerquinho Cajueiro
19 de agosto de 2009
A álgebra de Boole já existia desde 1854, mas passou décadas sendo utilizada
apenas por matemáticos em estudos lógicos e estatı́sticos.
E com o advento e utilização de circuitos elétricos, alguns circuitos lógicos
eram implementados sem nenhuma base matemática, em casos simples, tais
como: qual a ligação de chaves que fazem com que uma lâmpada acenda se
qualquer uma das chaves estiver acionada (resposta: paralelo).
O engenheiro Claude Shannon desenvolveu em sua tese de mestrado1 de
1937 um método de projetar circuitos chaveados (que são circuitos com base
em chaves/relês liga/desliga) com base na álgebra de Boole. Basicamente ele
mostrou que se podia analisar um circuito chaveado pela álgebra de Boole —
diz-se que há um isomorfismo entre os dois sistemas — permitindo que todos os
teoremas já existentes na álgebra de Boole pudessem ser utilizados no projeto e
simplificação de circuitos.
Os circuitos utilizados por Shannon eram circuitos com relês, que ainda
são bastante utilizados na indústria, portanto iniciaremos a análise de circuitos
lógicos por eles. Depois foram desenvolvidas as chamadas portas lógicas, que
implementam as funções lógicas em circuitos integrados, atualmente utilizando
a tecnologia CMOS, que será estudada em seguida.
1
Relês e circuitos chaveados
Um relê nada mais é que uma chave controlada por tensão. Originalmente eletromecânicos hoje em dia existem os chamados relês de estado sólido, implementado por transistores ou triacs, que normalmente são mais rápidos e duráveis,
embora tipicamente suportem menor potência.
Ainda hoje há várias aplicações que utilizam relês, principalmente em ambientes industriais, que trabalham com altas tensões e correntes e em baixa
velocidade. Utilizam-se também os chamados contatores, que nada mais são do
que relês trifásicos.
Um relê eletromecânico é um chave que se mantém normalmente fechada ou
aberta pela ação de uma mola e que é aberta (ou fechada) por um eletroimã.
Ou seja, ao se magnetizar este eletroimã o relê abre (ou fecha) e se mantém
fechado (ou aberto) sem esta magnetização. Utilizando esta idéia básica podese descrever um relê em um diagrama esquemático apenas como um indutor e
uma chave (vide figura 1).
1 considerada
por alguns como a tese de mestrado mais relevante do século
1
V1
carga
V2
Figura 1: Um relê em um diagrama esquemático.
Existem dois tipos básicos de relê: relê normalmente aberto e normalmente
fechado. Também é comum relês que tenham 2 ou mais chaves acionadas por
uma mesma bobina.
Em geral é mais fácil analisar um circuito do ponto de vista lógico separando
a parte de acionamento da parte de controle, então o sı́mbolo de um relê é separado em duas partes: a bobina (o eletroimã) e o contato (a chave), interligados
pelo mesmo nome.
1.1
Diagrama Ladder
Os diagramas ladder são muito utilizados para representar a ligação de circuitos
, os contatos normalcom relês. Neste diagrama as bobinas tem o sı́mbolo
mente abertos são simbolizados por
e os normalmente fechados por
.
Para entender este tipo de diagrama, veja o mesmo circuito da figura 1
descrito em ladder na figura 2.
L1
L2
X1
carga
X1
Figura 2: Um relê em ladder.
Logo de cara nota-se que não existem neste diagrama as tensões V1 e V2.
Isto se dá pois neste diagrama considera-se que as tensões estão entre as duas
barras L1 e L2 e abstrai-se a fonte de tensão (mas na prática não se desenha
circuitos com tensões diferentes no mesmo diagrama ladder, mas se usa dois
diagramas separados — chamados de duas redes em ladder). Este esquema com
as linhas em aparalelo nas extremidades é parecido com uma ligação real, já que
passa o cabo com a tensão e o terra e os circuitos são conectados em paralelo.
Com os circuitos conectados desta maneira, o diagrama fica parecendo uma
2
escada; daı́ o nome2 . Com este tipo de diagrama, fica fácil analisar a lógica por
trás dos circuitos. Tanto é que ele é uma das formas utilizadas para programar
CLP’s.
Por exemplo, a figura 3 mostra exemplos de diagramas ladder que acendem
uma lâmpada apenas quando 2 relês são acionados, se qualquer um dos relês for
acionado ou quando nenhum dos relês é acionado.
L1
L2 L1
L2
S1
X1
S1
X1
S2
X2
S2
X2
X1
X1
X2
X2
(a) Aciona apenas se ambos relês estiverem (b) Aciona se um ou outro relê estiver aciacionados.
onado.
L1
L2
S1
X1
X1
(c) Aciona se o relê não estiver acionado.
Figura 3: Exemplos de circuitos lógicos chaveados em ladder.
Note-se então que uma ligação em série realiza um e lógico, uma ligação
paralelo realiza um ou lógico e o uso de um contato normalmente fechado realiza
a inversão lógico, ou o não. Ao vermos álgebra de Boole observaremos que a
combinação destes três circuitos permite realizar qualquer condição lógica para
o acionamento do que quer que seja.
Um exemplo um pouco mais complexo é um circuito que acione uma comporta de um incinerador e acione um alarme se os sensores do incinerador estiverem em desacordo, vide figura 4.
Este sistema tem uma comporta P , um botão que aciona esta comporta
2 em
inglês ladder significa escada.
3
B
P
SG
SL
ST
Figura 4: Diagrama de um incinerador industrial.
(B) e 3 sensores: SL , que checa se há chama através da luminosidade; ST , que
checa se há chama através da temperatura e SG , que checa se há gás sendo
queimado. A figura 5 mostra um diagrama ladder de um circuito que controla
este incinerador.
L1
L2
SL
ST
SL
SG
ST
SG
B
P
Figura 5: Diagrama ladder de controle do incinerador.
2
2.1
Circuitos Lógicos CMOS
Transistores nMOS e pMOS
O semicondutor (silı́cio) pode ser dopado com impurezas doadoras de elétrons,
recebendo o nome de silı́cio tipo n, ou impurezas aceitadoras de elétrons, recebendo o nome de silı́cio tipo p. Basicamente o silı́cio tipo n tem a camada
de valência cheia e elétrons livres na camada de condução enquanto que o tipo
p tem a camada de condução vazia e várias lacunas (orbitais sem elétrons) na
camada de valência. Em ambos os casos consegue-se uma resistência mais baixa
que o silı́cio intrı́nseco. Por enquanto vamos considerar que não passa corrente
entre um silı́cio p e um n3 .
3 Obviamente não é verdade, vide um diodo de junção, mas para o uso normal de um
transistor MOS pode-se considerar isto.
4
O nome MOS é uma sigla que significa Metal-Óxido-Semicondutor. Esta
sequência de materiais implementa o chamado capacitor MOS (já que o óxido
de silı́cio é isolante elétrico), responsável pelo funcionamento dos transistores
MOS. A figura 6 mostra a vista em corte de 2 transistores: um nMOS (sobre
substrato p) e regiões n ao lado do capacitor e um pMOS (trocando n por p e
vice-versa). O terminal do metal é chamado de porta e os dois terminais das
regiões do lado do capacitor são chamados de dreno e fonte.
VDD
n+
A
B
n+
A
p+
VSS
p+
n
p
Figura 6: Vista em corte de transistores nMOS e pMOS — tecnologia CMOS.
Para circuitos lógicos, podemos inicialmente considerar o transistor como
uma chave entre dreno e fonte controlada pela tensão entre porta e fonte (VGS ).
Para tensões VGS negativas ou positivas mas baixas não existe ligação entre
dreno e fonte e o transistor apresenta uma resistência praticamente infinita (a
resistência entre dreno e fonte de um transistor aberto é superior a 1 MΩ),
mas acima de uma tensão limiar VT h , juntam-se elétrons suficientes embaixo do
capacitor de modo que esta região atua como se fosse um silı́cio n (diz-se que há
a inversão do silı́cio), formando um canal entre dreno e fonte. a resistência do
transistor ligado varia de centenas de Ohms a alguns quiloOhms, dependendo
da tecnologia e da geometria do mesmo e da tensão aplicada.
Logo, Um nMOS fica aberto quando VGS ≤ VT h e fechado quando VGS >
VT h .
Um transistor pMOS tem o mesmo funcionamento, sendo que neste caso é
necessário formar um canal p, então tanto VGS quanto VT h são negativos, ou
seja, ele fica aberto quando VGS ≥ VT h e fechado quando VGS < VT h e VT h é
negativo.
2.2
Inversor CMOS
Um inversor é a porta lógica mais simples da tecnologia CMOS, mas o princı́pio
de funcionamento de vários circuitos CMOS já está presente nele, o que faz do
inversor o circuito óbvio a começar a se estudar lógica CMOS. Porém, antes
de estudarmos o inversor CMOS, vamos estudar dois outros circuitos inversores
com transistores MOS.
Um inversor pode ser feito utilizando apenas um transistor MOS canal n
(nMOS) e um resistor (figura 7.a) ou, de modo similar, um transistor MOS
canal p (pMOS) e um resistor (figura 7.b). Vamos analisar primeiro o inversor
nMOS.
Quando ent é VSS (VSS é normalmente a menor tensão do circuito) no
circuito 7.a, a tensão VGS deste transistor é zero, logo ele age como uma chave
aberta. Nesta situação não há corrente passando pelo resistor e a tensão na
saı́da sai é VDD (a maior tensão do circuito, em geral). Ao se aplicar VDD em
ent, o transistor liga e o circuito funciona como o divisor resistivo série R e RON
(onde RON é a resistência do transistor ligado). Se R >> RON , então a tensão
5
sai se aproximará de VSS. Vê-se então que este circuito funciona adequadamente
como um inversor lógico, pois sai = ent.
Pode-se realizar esta mesma análise para o inversor pMOS, lembrando apenas
que este transistor trabalha com tensões negativas, Repetindo a análise, chega-se
a conclusão que sai chega próximo de VDD quando ent é VSS (pois o transistor
está ligado) e que sai é VSS quando ent é VDD (pois o transistor está desligado).
Estes dois circuitos funcionam adequadamente como inversores, mas apresentam alguns problemas. Os principais são que o circuito consome potência em
um estado e que um resistor de alto valor ocupa uma grande área. Na verdade o
segundo problema pode ser contornado usando um outro transistor polarizado
de modo a ter uma resistência alta, mas o problema da potência continua. Se o
transistor está ligado, há um caminho de resistência finita ligando VDD e VSS
consumindo energia. Num único inversor esta é uma potência pequena, mas ela
alcança nı́veis absurdos quando se fala de um circuito com milhares ou milhões
de portas lógicas.
O inversor nMOS consome potência sempre que a entrada é VDD, enquanto
que o pMOS consome sempre que a entrada é VSS, ou seja, eles consomem
potência em estados complementares. Um inversor CMOS se utiliza disto para
que não haja consumo de potência em nenhum estado.
A figura 8 apresenta o diagrama esquemático de um inversor MOS complementar (ou CMOS). Este circuito consiste de apenas 2 transistores: um nMOS
(M1) e um pMOS (M2). A fonte do nMOS liga a VSS e a fonte do pMOS liga
a VDD. A entrada é conectada às portas dos 2 transistores e a saı́da vem dos
drenos dos 2 transistores. Quando a entrada é VSS, o M1 fica desligado e o
M2 ligado, logo a saı́da fica ligada à VDD. Para uma entrada igual a VDD, o
M2 desliga e o M1 liga, conectando a saı́da à VSS. Ele funciona adequadamente
como um inversor, mas não existe um caminho de corrente entre VDD e VSS em
nenhum dos dois estados. Logo este circuito não consome energia em nenhum
dos dois estados.
Outras caracterı́sticas deste circuito são:
1. A saı́da é praticamente igual a VDD ou VSS e independe dos tamanhos
dos transistores.
2. A resistência de entrada é praticamente infinita, já que o gate de um
transistor MOS é simplesmente um capacitor.
3. A resistência de saı́da é a de um transistor MOS com VGS = |V DD − V SS|
e VDS = 0 e pode ser feita bastante pequena.
VDD
VDD
ent
sai
sai
ent
VSS
VSS
a
b
Figura 7: Porta Lógica inversora com transistor a)nMOS e b)pMOS.
6
2.3
Lógica MOS Complementar
Analisando novamente o inversor, vemos que ele é composto de duas partes: o
transistor nMOS e o transistor pMOS (obviamente!). O transistor nMOS age
como uma chave que liga a saı́da do circuito a VSS para indicar nı́vel lógico
zero e fica aberto quando a saı́da for de nı́vel lógico 1. O transistor pMOS tem
a função contrária a esta. Podemos dizer então que este circuito é composto de
uma rede pull-down feita de transistores nMOS (PDN — pull-down network ) e
uma rede pull-up de transistores pMOS (PUN — pull-up network ).
Para chegarmos a circuitos mais complexos basta então ampliar o conceito
de rede pull-down e rede pull-up:
Num circuito CMOS que realiza uma função lógica F de n variáveis,
a rede pull-up é uma chave que conecta a saı́da a VDD sempre que
F = 1 e fica aberta quando F = 0; e a rede pull-down é uma chave
que conecta a saı́da a VSS sempre que F = 0 e fica aberta quando
F = 1.
Ou seja, o circuito nMOS e o pMOS agem como chaves complementares.
Quando a saı́da deve ser 0 a rede de cima abre e a de baixo fecha; quando a
saı́da deve ser 1, rede de baixo fecha e a de cima abre. Desta forma consegue-se
manter todas as caracterı́sticas desejáveis do circuito inversor CMOS.
Como exemplo deste tipo de circuito, a figura 9 apresenta uma porta NAND
de 2 entradas. A rede pull-down, composta por transistores nMOS, deve ligar
para o terra quando A e B forem 1. Pensando nos transistores como chaves, a
ligação série implementa uma chave que realiza esta função. Ou seja, a ligação
série é o equivalente de uma operação AND.
A rede pull-up, por sua vez, é composta de transistores pMOS que ligam
com zero. Analisando deste ponto de vista, esta rede deve ligar quando A ou B
forem 0, o que é realizado por uma ligação em paralelo dos transistores.
Resumindo: enquanto a rede pull-down é em série para ligar quando A e B
forem 1, a pull-up é em paralelo, para realizar a operação OR. Ou seja uma rede
é o dual da outra. Isto não é verdadeiro apenas para esta porta NAND, mas
para qualquer porta CMOS (é possı́vel chegar nesta conclusão por deMorgan).
Com isto não é preciso construir as duas redes, basta chegar na topologia de
uma delas e a outra é o dual da primeira (onde é série fica paralelo e onde é
paralelo fica série).
Uma restrição deste tipo de circuito é que os transistores nMOS agem adequadamente como chaves apenas quando ligados à VSS (e ligam com VDD
no gate) enquanto que os pMOS só funcionam como chaves quando ligados a
VDD
M2
ent
sai
M1
VSS
Figura 8: Porta Lógica inversora MOS complementar.
7
VDD (e ligam com VSS no gate). Ista faz com que só seja possı́vel uma rede
pull-down que liga com 1 e uma rede pull-up que liga com zero, então só é
possı́vel implementar funções do tipo inversoras, ou seja, funções cujas entradas
não aparecem barradas, mas que a saı́da seja barrada (tais como NAND, NOR,
(A + B)(C + D),etc).
Como exemplo, considere-se a função F (A, B, C, D) = A + B (C + D). Um
transistor nMOS e outro pMOS são utilizados para cada uma das variáveis.
Pode-se construir a PDN e obter a PUN pelo dual da primeira. Da maneira
como o circuito aparece, a PDN é obtido facilmente, lembrando que transistores
em série realizam a função E e em paralelo a função OU. Então a PDN fica A
em paralelo com (B em série com (C e D em paralelo)) (figura 10.a). A PUN
pode ser obtida aplicando deMorgan até se obter F (A, B, C, D) = A B + CD
e aplicando o mesmo método usado para se chegar na PDN ou então apenas
fazendo o dual da PDN. O circuito final pode ser visto na figura 10.b.
2.4
Análise dinâmica
Considere-se que este inversor CMOS esteja conectado a outras portas CMOS
de configuração semelhante. É possı́vel então simplificar dizendo que a saı́da de
nosso inversor é ligada a um capacitor CL equivalente (figura 11).
Com este capacitor, ao se variar a saı́da de 0 para 1 e vice-versa o capacitor
é carregado com VDD pelo pMOS e descarregado pelo nMOS, o que causa um
consumo de corrente no chaveamento do circuito.
VDD
A
sai
B
VSS
Figura 9: Porta Lógica NAND CMOS.
8
VDD
D
B
C
B
A
A
F
D
C
B
VSS
A
D
C
VSS
a
b
Figura 10: a)Rede pull-down do circuito que realiza a função F (A, B, C, D) =
A + B (C + D) e b)Circuito completo da porta lógica.
VDD
M2
ent
sai
M1
VSS
Figura 11: Inversor CMOS com capacitor de carga na saı́da.
9
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