NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA

Propaganda
NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA
EM CONSTANTE MOVIMENTO
Wanda Maria Junqueira de Aguiar1 - PUCSP
Júlio Ribeiro Soares2 - UERN
Virgínia Campos Machado3 - UFBA
Grupo de Trabalho: Formação de professores e Profissionalização Docente
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Introdução
Pretendo discutir nesta apresentação a proposta metodológica de núcleos de
significação como instrumento para apreensão de sentidos e significados constituídos pelo
sujeito frente a realidade como uma proposta metodológica que está em constante processo de
reconstrução. Desse modo, afirmo que o grupo de pesquisa “Atividade
Docente
e
Subjetividade”, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), assume como
tarefa manter-se atento às possibilidades de avançar em relação às possibilidades de apreensão
do processo de constituição das significações (articulação de sentidos e significados), sempre
de modo orientado pelos pressupostos da Psicologia Sócio histórica e do materialismo
histórico e dialético, assim como pelas necessidades que surgem na realização de pesquisas
empíricas. A proposta dos núcleos de significação é, nesse contexto, continuamente
problematizada, numa perspectiva que tem a crítica como um princípio metodológico que
orienta pesquisador na construção do conhecimento científico.
Nesse sentido, recupero brevemente a história do nosso grupo de pesquisa, chamando
atenção para a importância que a noção de práxis assumiu ao longo do processo de formação
do mesmo, permitindo a construção de investigações que, de diferentes maneiras, se
1
Doutora em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica De São Paulo em 1997.
Professora titular da PUCSP, atualmente é vice- coordenadora e professora do programa de Educação: Psicologia
Da Educação e do curso de Graduação em Psicologia da mesma instituição. Dedica-se a estudos na Psicologia
Sócio Histórica e dimensão subjetiva da realidade escolar. E-mail: [email protected]
2
Doutor em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP).
Professor da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail:
[email protected]
3
Doutora em Educação: Psicologia da Educação de PUCSP, Docente da área de ciências sociais e humanas
aplicadas à saúde na Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia - UFBA. Atualmente dedica-se aos
seguintes temas: psicologia sócio histórica, núcleos de significação e educação alimentar e nutricional, hábitos
alimentares, cultura. E-mail: [email protected].
ISSN 2176-1396
37890
debruçaram sobre o processo de constituição das significações frente a realidade, e também a
(re)construção do procedimento de análise e interpretação acima referido.
Antes de passar a esse ponto, no entanto, trago a contribuição de Vázquez para a
discussão da categoria práxis como “uma atividade prática que faz e refaz coisas, isto é,
transmuta uma matéria ou uma situação” (MAYORAL, ROSA, 2007, p. 03). Para Vázquez,
“a práxis é crítica da realidade, e autocrítica, porque não existem privilegiados juízes do
conhecimento, e a crítica trabalha em conjunção com o comportamento preventivo cheio de
valores e consciência de classe”. (idem)
Para apresentar o grupo de pesquisa “Atividade Docente e Subjetividade”, afirmamos
que o mesmo está inscrito formalmente do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq desde
2013, mas sua constituição tem como marco inicial o ano 2009. É formado por pesquisadores
e estudantes interessados em compreender a dialética objetividade-subjetividade no
desenvolvimento da atividade docente, a partir de pesquisas sobre a dimensão subjetiva da
realidade escolar. Os estudos desenvolvidos focalizam as significações constituídas por
professores, gestores, funcionários, alunos e responsáveis sobre esta realidade e suas relações
com o processo de (trans)formação do sujeito. Além da produção de dissertações e teses, o
grupo se dedica atualmente aos projetos Tecendo redes de colaboração no Ensino e na
Pesquisa em Educação: um estudo sobre a Dimensão Subjetiva da realidade escolar
(PROCAD/Capes/2014-2017) e Apreensão da Dimensão Subjetiva dos processos
educacionais para professores, gestores, alunos, responsáveis e funcionários de uma escola
pública de São Paulo (Cnpq/2014-2017), conduzidos de modo coletivo.
Neste grupo, podemos dizer que a necessidade de refletir sobre nossas ações foi
sempre algo essencial, vital para o desenvolvimento da produção do grupo. Em todo o
percurso analítico e interpretativo, é essencial a clareza de que, como afirma Prado Jr. (1980)
“o objeto do pensamento com que [o pesquisador] elabora seus conhecimentos é sempre uma
realidade em vias de transformação por ele mesmo provocada” (idem, p. 557).
Um momento exemplar desta situação foi quando o grupo de pesquisa se aproximou
de perspectivas mais interventivas nos procedimentos de construção de informações para a
pesquisa, fato que se deu por nos aproximarmos inicialmente da Clínica da Atividade [e os
procedimentos de autoconfrontação simples e cruzada, (CLOT, 1999; 2006; 2010)] e, depois,
da Pesquisa Crítica de Colaboração (PCCOL) (MAGALHÃES, 1990/2007; 2009; 2011).
37891
Aranha e Machado (2013) retomando a aproximação do nosso grupo de pesquisa em
relação à Pesquisa Crítica de Colaboração, afirmam que a mesma foi desenvolvida por
Magalhães a partir das questões sobre dificuldades na aprendizagem de leitura e escrita em
uma classe de alfabetização, enfrentadas em seu trabalho de doutoramento em 1990
(MAGALHÃES, 1990/2007). Desde então, Magalhães e seus colaboradores têm aprofundado
os pressupostos e desenvolvido procedimentos para uma abordagem que integra pesquisa e
formação. Embora este tipo de pesquisa seja utilizado para investigar diferentes temas em
vários campos profissionais, se firmou em contexto de formação de educadores.
Além disso, a proposta de Magalhães está embasada na perspectiva da Teoria Sócio
histórica (Vygotsky e seus seguidores) e também em outros pesquisadores que se apoiam
nessa mesma perspectiva4. Sendo assim, compartilha da concepção de homem postulada pelo
arcabouço teórico que o grupo “Atividade Docente e Subjetividade” adota, entendendo, desse
modo, que o sujeito se constitui “numa relação dialética com o social e a história, um homem
que, ao mesmo tempo, é único, singular e histórico” (AGUIAR E OZELLA, 2006, p. 224) e
que se humaniza em contextos de atividade, na relação com os outros e com a ajuda de
instrumentos, dos quais o mais importante é a linguagem.
Em pesquisas que se apoiam na perspectiva acima apontada as entrevistas, sessões de
discussão, entre outros instrumentos de produção de dados que priorizam a linguagem, se
constituem em espaços que representam não apenas a possibilidade de apreensão dos sentidos
e significados que homens concretos, em condições reais de existência, atribuem a um dado
fenômeno, mas também a possibilidade de utilizar a própria linguagem nesta situação como
possibilidade de aprendizagem e desenvolvimento. A linguagem é fundamental por
carregar/conter os sentidos, tornando-os passíveis de serem desvelados pelo pesquisador no
processo construtivo e interpretativo de análise e também como mediadora do processo de
aprendizagem que se pretende estabelecer.
Frente a esta nova maneira de conduzir a pesquisa, passamos a obter informações em
maior quantidade e diversidade, se comparadas às entrevistas antes realizadas. Uma vez que
passamos a utilizar discussões em grupo com maior frequência, contávamos com um número
maior de sujeitos/colaboradores e estes, muitas vezes, exerciam funções diferentes dentro da
Instituição – principalmente escolas públicas de ensino fundamental – em que a pesquisa era
desenvolvida.
4
Tais como Kemmis (1987), Cole e Knowles (1993), Bredo e Freinberg (1987), entre outros.
37892
Tal situação nos obrigou a refletir sobre o potencial analítico dos núcleos de
significação: Esse procedimento era adequado para analisar uma quantidade e variedade
maior de dados? Poderia ser utilizado para análise e interpretação das falas produzidas por
vários sujeitos? Como?
As tentativas de responder essas questões enfatizaram tanto a dimensão históricodialética como essencial para a apreensão da referida proposta e quanto a necessidade de
reflexão sobre os desdobramentos de sua escolha para o processo de construção do
conhecimento científico sobre as significações. Certamente ajustes foram feitos; novas formas
específicas de organizar as informações que contemplassem a singularidade da situação foram
criadas, o que, certamente, permitiu que um salto qualitativo na teorização produzida. O
movimento gerado pelo grupo quando da incorporação de um novo modo de produzir
informações teve como consequência a necessidade de criação de novas e melhores
estratégias que captassem/organizassem o empírico, para que pudesse ser devidamente
analisado e interpretado.
Nesse processo, nos mantivemos atentos a Kosik (2002, p. 54), quando afirma que,
dada a não transparência da realidade, o método científico “é o meio graças ao qual se pode
decifrar os fatos”. Por isso, entendemos que a compreensão do objeto investigado só ocorre
quando o pesquisador se aproxima das determinações sociais e históricas do mesmo, o que
exige coerência entre o referencial teórico-metodológico e os procedimentos utilizados para
produção de análise dos dados da pesquisa deve ser observada. Nossas reflexões
evidenciaram que nossa preocupação de apreender as significações produzidas pelos sujeitos
– professores, gestores, pais – não era abandonada, assim como nossos pressupostos teóricos
e metodológicos e a necessidade de sermos coerentes com eles.
Nossa intenção nessa apresentação, ao retomarmos o procedimento metodológico em
questão – já discutido em textos anteriores, a saber, Aguiar e Ozella (2006, 2013) – é a de não
apenas debater os aspectos relativos as etapas (pré-indicadores, indicadores e núcleos de
significação) de utilização do procedimento, mas compreender a dimensão histórico-dialética
do método que fundamenta seus procedimentos e, neste processo, tecer algumas
considerações críticas necessárias a uma explicitação mais rigorosa de seus aspectos
essenciais, de modo a orientar o pesquisador em relação ao processo de análise e interpretação
das palavras enunciadas pelo sujeito frente a realidade. Temos esta preocupação porque, caso
o procedimento de núcleos de significação se distancie dos pressupostos teórico-
37893
metodológicos que nortearam sua concepção (a psicologia sócio histórica e o materialismo
histórico-dialético), perderá potencial de penetração na realidade e, assim, o rigor na
compreensão das categorias metodológicas, e seu potencial de penetração e explicitação da
realidade, tornando-se incapaz de apreender e explicar as determinações da totalidade.
Embora a sistematização dos núcleos de significação seja realizada por etapas
(levantamento
de pré-indicadores,
sistematização de indicadores
e sistematização
propriamente dita dos núcleos de significação), esse processo não deve ser entendido como
uma sequência linear. Trata-se de um processo dialético em que o pesquisador não pode
deixar de lado alguns princípios, como a totalidade dos elementos objetivos e subjetivos que
constituem as significações produzidas pelo sujeito, as contradições que engendram a relação
entre as partes e o todo, bem como deve considerar que as significações constituídas pelo
sujeito não são produções estáticas, e sim que elas se transformam na atividade da qual o
sujeito participa.
Assim sendo, o caminho de apreensão das significações é continuamente marcado por
um processo de idas e vindas que implica tanto num fazer/refazer contínuo do inventário de
pré-indicadores como num fazer/refazer contínuo de indicadores e núcleos de significação.
Por isso, a organização de uma etapa é sempre constituída pela sistematização de outra.
Faremos a seguir uma breve introdução sobre a proposta metodológica (sendo que a
mesma será aprofundada nas demais falas que compõem a mesa redonda) tendo a finalidade
de contribuir para seu entendimento, sobretudo para aqueles que ainda não a conhecem. Para
isso, privilegiamos três questões: a necessidade de estudo dos processos de significação, o
objetivo da construção dessa proposta e as etapas propriamente ditas da proposta.
A necessidade de estudo dos processos de significação
Para a realização do pretendido movimento de análise e síntese compreendido na
proposta dos núcleos de significação, Aguiar e Ozella (2013, p. 304) apontam que “os
significados constituem o ponto de partida”. Mas, por compreenderem que os significados são
histórica e socialmente determinados, não se reduzindo a si mesmos, os autores afirmam que
“eles contêm mais do que aparentam”. Por isso, os significados de uma palavra não se
reduzem nem à dimensão linguística do pensamento nem à dimensão intelectual da fala.
37894
Nessa apresentação, quando falamos em significações nos referimos à articulação
entre sentidos e significados. Sentido e significado são duas categorias centrais na obra de
Vygotsky representam duas faces do signo.
O significado é o elemento mais estável do signo, é “dicionarizado” e partilhado
socialmente, servindo para a comunicação e socialização de experiências entre os sujeitos. O
sentido, por sua vez, revela a apreensão individual do significado, atualizado na própria
história do sujeito e a partir de suas experiências pessoais (LEONTIEV, 1978). O sentido é
pessoal, constituído pelo indivíduo a partir de suas experiências e sua história e faz parte do
significado, mas não foi fixado por ele.
Como aponta Vigotski (2001, p. 398), os significados são, “ao mesmo tempo, um
fenômeno de discurso e intelectual”. Eles são a unidade constitutiva da contradição
pensamento e linguagem. Para Vigotski (2001, p. 409) “o pensamento não se expressa na
palavra, mas nela se realiza”. Sendo assim, é importante que não se considere que o
pensamento seja expresso em palavras num reflexo especular, não há uma relação direta entre
pensamento e palavra, podemos dizer que existe um movimento que vai “do pensamento à
palavra e da palavra ao pensamento” (VIGOTSKI, 2001).
O pensamento se realiza na palavra e nesse processo, pode-se considerar que muito do
pensamento do sujeito fracassa e fica contido no “não dito”. O processo que permite ao
pensamento se realizar em palavras, ou que o faz fracassar, certamente é tensionado pela
subjetividade, pelas contradições que são constitutivas do sujeito. Nessa medida,
consideramos que, partindo das falas do sujeito, podemos, num esforço analíticointerpretativo, apreender zonas de sentido constituídas pelos sujeitos.
Estes não são apreendidos facilmente, de modo imediato, são produções singulares e
históricas ao mesmo tempo. Como afirmam Aguiar et. al. (2009), “constituem-se a partir de
complexas reorganizações e arranjos, em que a vivência afetiva e cognitiva do sujeito,
totalmente imbricadas na forma de sentidos, é acionada e mobilizada” (p. 63). A palavra com
significado contém mais do que aparenta e, por isso, se confirma a necessidade de construção
de um método científico que, ao contrário de reduzir os significados à mera descrição
descontextualizada de palavras, luta por apreender e explicar, por meio de categorias
metodológicas fundamentais, a riqueza das mediações que neles se ocultam e os remetem aos
sentidos.
37895
Afirmamos, deste modo, a inseparabilidade dos sentidos e significados (significações),
mas ao mesmo tempo a não identidade entre eles, dado que compõem uma unidade de
contrários. Só podemos compreendê-los de modo não dicotomizado, numa relação de
constituição mútua, em que um não é sem o outro, mas um não é o outro – devem, portanto,
ser compreendidos na sua singularidade.
Isto posto, compreendendo que a palavra com significado tem origem na articulação
dialética do pensamento com a linguagem, concordamos com Aguiar e Ozella (2013, p. 304)
quando afirmam que somente “por meio de um trabalho de análise e interpretação [é que]
pode-se caminhar para as zonas mais instáveis, fluidas e profundas, ou seja, para as zonas de
sentido”.
Tendo isso em vista, passaremos à discussão do procedimento dos núcleos de
significação propriamente dito. Abordaremos a seguir o objetivo de sua construção e, após,
passaremos às suas etapas.
O objetivo da proposta dos núcleos de significação
Proponho abordar neste item o objetivo da construção da proposta metodológica dos
núcleos de significação. Pretendo explicitar a necessidade da construção de um procedimento
metodológico que possibilite ao pesquisador apreender esse processo de constituição das
significações para além do empírico para que, assim, ultrapasse a aparência das palavras em
direção à sua dimensão concreta.
Assim sendo, cabe ressaltar que, quando escreveram sobre o assunto, o objetivo de
Aguiar e Ozella (2006; 2013) consistia fundamentalmente em instrumentalizar o pesquisador,
a partir dos fundamentos epistemológicos da perspectiva sócio histórica, para o processo de
apreensão das significações5 constituídas pelo sujeito acerca da realidade com a qual se
relaciona. Os autores também objetivavam, implicitamente, socializar o modo como
realizavam suas pesquisas tendo como base o método histórico-dialético.
Desde então, a proposta vem sendo amplamente utilizada em diversos projetos de
pesquisa, o que tem contribuído para termos uma compreensão cada vez mais crítica sobre
seu uso, isto é, vem ajudando a apreender seus pontos frágeis, pouco coerentes e/ou não
suficientemente claros. Retomamos, desse modo, a importância de que a crítica seja
5
A ideia de significação destacada neste trabalho remete-se à dialética que configura a relação entre sentidos e
significados constituídos pelo sujeito frente a realidade na qual atua.
37896
compreendida como princípio metodológico, como condição para a produção de
conhecimento.
A intenção de Aguiar e Ozella (2006; 2013), conforme já fora explicitado acima, não
era construir um procedimento qualquer de investigação, mas um recurso metodológico que
permitisse a apropriação das significações constituídas pelo sujeito frente a realidade. Essa
necessidade de construção de um procedimento específico se justifica porque, segundo a
abordagem teórico-metodológica dos autores, os elementos determinantes das formas de
significação da realidade não estão ao alcance imediato do pesquisador. O real não se resume
à sua aparência. De acordo com Vigotski (2004, p. 150) – inspirado em Marx e Engels –, “se
as coisas fossem diretamente o que parecem, não seria necessária nenhuma pesquisa
científica. Essas coisas deveriam ser registradas, contadas, mas não pesquisadas”.
Oportuno lembrar neste momento a discussão feita por Mészáros (2013, p. 59) sobre o
quanto foi importante a “luta” empreendida por Lukács, para a explicitação da “ausência de
significado da imediaticidade” e, assim, da importância da análise das mediações que
constituem a realidade investigada. Para que possamos, portanto, nos apropriar das
significações, é necessário superar qualquer perspectiva pautada na sua unilateralidade para
alcançar as mediações sociais e históricas que as configuram como unidades dialéticas da fala
e do pensamento. É necessário, portanto, apreender suas relações, qualidades, contradições –
o processo de constituição das formas de significação da realidade pelo sujeito.
A seguir, discorremos brevemente sobre as etapas que constituem o percurso de
análise e interpretação de dados qualitativos a partir dos núcleos de significação, na tentativa
de esclarecer, ainda que brevemente, como essa proposta permite que a imediaticidade das
falas dos sujeitos seja superada.
As etapas de construção da proposta metodológica: levantamento de pré-indicadores,
sistematização de indicadores e sistematização dos núcleos de significação.
Passando para as considerações sobre as etapas de construção dos núcleos de
significação, destaco inicialmente que nessa apresentação faço uma breve apresentação de
suas etapas, com o objetivo de permitir uma noção geral do procedimento, principalmente
para aqueles que ainda não o conhecem. Tal procedimento é composto pelas seguintes etapas:
seleção de pré-indicadores; sistematização dos indicadores e conteúdos temáticos; construção
dos Núcleos de Significação e análise dos Núcleos de Significação (intra e internúcleos)
37897
(idem).
Esses são os movimentos que orientam o processo construtivo-interpretativo
realizado pelo pesquisador.
A etapa referente ao levantamento de pré-indicadores consiste na identificação de
palavras que já revelam indícios da forma de pensar, sentir e agir do sujeito que, como ser
mediado pela história, se apropria das características da sua cultura e as converte em funções
psicológicas. Ao destacarmos a importância da palavra no levantamento de pré-indicadores,
referimo-nos não a qualquer palavra, e sim, conforme pontua Vigotski (2001), à unidade do
pensamento verbal e da fala intelectual, isto é, à palavra com significado.
Além disso, ainda cabe ressaltar que não se trata de palavras isoladas. De acordo com
Aguiar e Ozella (2013, p. 309), os pré-indicadores referem-se a “trechos de fala compostos
por palavras articuladas que compõem um significado”. Por isso, compreende-se, ainda com
base nos autores citados (idem), que eles são constituídos não de palavras vazias, mas de
palavras cujos significados carregam e expressam sempre a materialidade histórica do sujeito,
isto é, aspectos afetivos e cognitivos da realidade da qual participa. Vale realçar, contudo,
que, sendo o ponto de partida do pesquisador, os pré-indicadores revelam não o sujeito
concreto (histórico), e sim, por meio de indícios que devem ser investigados, apenas o sujeito
empírico. Esse é apenas um momento em que o pesquisador se dedica, por meio de leituras
flutuantes do material de pesquisa – registro de palavras –, ao primeiro inventário das
significações constituídas pelo sujeito acerca da realidade.
Concluída a primeira etapa da proposta, passa-se para o processo de articulação dos
pré-indicadores,
cujo
processo,
embasado
nos
critérios
de
“similaridade”,
“complementaridade” e/ou contraposição (AGUIAR e OZELLA, 2006; 2013), resultará na
sistematização de indicadores acerca da realidade estudada.
Na terceira etapa, o que se pretende é a sistematização dos núcleos de significação.
Por articular e sintetizar todos os possíveis conteúdos resultantes do processo de análise
empreendido desde o levantamento dos pré-indicadores, esta é a que mais se distancia do
empírico e se aproxima da realidade concreta, isto é, dos sentidos constituídos pelo sujeito
acerca da realidade na qual atua. Nos Núcleos de Significação é fundamental buscar entender
os conteúdos a partir de aspectos particulares do sujeito a que se referem, e, simultaneamente,
entender as relações que estabelecem com outras pessoas e eventos.
Um movimento de interpretação internúcleos deverá ser realizado pelo pesquisador,
com vistas à elaboração de sínteses mais complexas. Nesse momento realiza-se uma reflexão
37898
sobre as contribuições teóricas que se pôde alcançar, retoma-se o objetivo de pesquisa e
destacam-se os resultados que permitem responder da melhor maneira a questão formulada.
Trata-se de discutir “a emergência de modos parciais, incompletos e reais de decisão e
intervenção de cada ser humano sobre sua própria vida e sobre a vida coletiva” (DELARI Jr,
2013, p. 116), sem esquecer que a história dos sujeitos se dá sob certas condições histórica e
socialmente determinadas ou, nas palavras de Vigotski, buscar a gênese social do individual.
Considerações finais
Com essa apresentação, tive como objetivo colocar em evidência algumas das
condições que estimularam as reflexões sobre o procedimento metodológico referido,
destacando tanto a importância do referencial teórico-metodológico que o norteia, da
coerência entre a teoria adotada e os procedimentos de análise e interpretação das
informações, quanto às experiências vivenciadas no desenvolvimento de pesquisas que
geraram dúvidas, apontaram fragilidades e contradições e contribuíram para que melhores
condições de superação fossem construídas. Procuramos, ainda, tecer considerações críticas
sobre a relação entre o pesquisador e seu objeto de pesquisa, na tentativa de destacar que a
perspectiva crítica da produção de conhecimento se relaciona intimamente ao compromisso de
transformação da realidade – o que contradiz o imperativo da neutralidade que subjaz uma
perspectiva positivista de produção do conhecimento. Assim sendo, as explicações gestadas
nos núcleos de significação jamais deveriam difundir uma concepção de homem que seja
naturalizante, a-histórica ou fragmentada, pois isso negaria o movimento histórico e dialético
da realidade social.
O objetivo dos que trabalham com essa proposta é o de contribuir para produzir um
conhecimento que revele o não dito, as múltiplas e contraditórias determinações que
constituem a realidade estudada, crendo que deste modo se iluminará zonas do real, como
afirma Gonzáles Rey (2005) criaremos “zonas de inteligibilidade” que exporão contradições
com potencial de impulsionar transformações, quem sabe, em direção à emancipação do
homem.
Além do domínio da técnica de sequenciar as etapas da proposta, a construção dos
núcleos de significação pressupõe o domínio do referencial teórico-metodológico por parte do
pesquisador, pois este forma a base orientadora do processo de análise e interpretação das
formas de significação da realidade pelo sujeito. Esta observação se faz necessária para que se
37899
evite que a proposta dos núcleos de significação se torne algo instrumental, um procedimento
meramente técnico.
Afirmamos que, partindo de uma concepção movente da realidade, é tarefa do grupo
de pesquisa estar sempre atento a identificar pontos frágeis, pouco coerentes, e/ou não
suficientemente claros dos núcleos de significação, tanto na teorização que elaborada sobre o
procedimento, quanto na sua utilização como instrumento de análise e interpretação em
pesquisas empíricas. A identificação desses pontos torna possível manter o movimento,
marcado por rupturas e continuidades, que contribui significativamente para o
desenvolvimento da proposta e da produção do conhecimento a partir dela. Assim sendo,
enfatizamos não apenas a possibilidade de que melhores explicações sobre tal instrumento
possam ser elaboradas, mas que, a partir delas, outras maneiras de analisar e interpretar dados
qualitativos, que contribuam para a apreensão do processo de constituição das significações,
sejam criadas.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Wanda Maria J.; OZELLA, Sergio. Apreensão dos sentidos: aprimorando a
proposta dos núcleos de significação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília,
v. 94, n. 236, p. 299-322, jan./abr. 2013.
AGUIAR, Wanda Maria Junqueira et al. Reflexões sobre sentido e significado. In: BOCK,
Ana Mercês B.; GONÇALVES, Maria da Graça M. (Orgs.). A dimensão subjetiva da
realidade: uma leitura sócio-histórica. São Paulo: Cortez, 2009.
AGUIAR, Wanda Maria Junqueira; OZELLA, Sérgio. Núcleos de significação como
instrumento para a apreensão da constituição dos sentidos. Psicologia Ciência e Profissão, v.
26, n. 2, p. 222-246, 2006.
ARANHA, Elvira Godinho; MACHADO, Virgínia Campos. Contribuições da pesquisa crítica
de colaboração para as pesquisa fundamentadas na perspectiva sócio-histórica: um desafio. In:
MAIA, Helenice; FUMES,Neiza de Lourdes F. ; AGUIAR, Wanda Maria Junqueira de
(Orgs.). Formação, atividade e subjetividade: aspectos indissociáveis da docência. Nova
Iguaçu, RJ: Marsupial Editora, 2013.
BREDO, E.; FEINBERG, W. Knowledge and Values in Social and Educational Research.
Philadelphia: Temple University Press, 1982.
CLOT, Yves. A Função Psicológica do Trabalho. São Paulo: Editora Vozes, 2006.
37900
CLOT, Yves. Trabalho e Poder de Agir. São Paulo: Editora Fabrefactur, 2010.
COLE, A. L.; KNOWLES, J. G. Teacher development partnership research: a Focus on
Methods and issues. American Educational Research Journal, Washington, EUA, v. 30 n.3,
pp. 473-495, 1993.
GONZÁLEZ REY, Fernando. Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de
construção da informação. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.
KEMMIS, S. Critical Reflection. In: WIDEEN, M. F.; ANDREWS, I. (eds.) Staff
Development for School Improvement. Philadelphia: The Falmer Press, 1987
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.
MAGALHÃES, M. C. C (1990) First Steps: Ethnographic Studies. In: FIDALGO, S. S.;
SHIMOURA, A. (Orgs.). Pesquisa Crítica de Colaboração: Um Percurso na Formação
Docente. São Paulo: Ductor, 2007, p. 23-40.
MAGALHÃES, M. C. C. O método para Vygotsky: A Zona Proximal de Desenvolvimento
como zona de colaboração e criticidade criativas. In: SCHETTINI, R. H.; DAMIANOVIC,
M. C.; HAWI, M. M.; SZUNDY, P. T. Vygotsky: uma revisita no início do século XXI. São
Paulo: Andross, 2009, pp. 53-78.
MAGALHÃES, Maria Cecília C. Pesquisa Crítica de Colaboração: escolhas epistemometodológicas na organização e condução de pesquisas de intervenção no contexto escolar. In
(2011) MAGALHÃES, Maria Cecília C., FIDALGO, Sueli S.(orgs) Questões de método e
de linguagem na formação docente. Campinas: Mercado das Letras, 2011, p 13-40
Mayoral, Palazón María Rosa. A filosofia da práxis segundo Adolfo Sánchez Vázquez. In:
A teoria marxista hoje. Problemas e perspectivas. Boron, Atilio A.; Amadeo, Javier;
Gonzalez, Sabrina. 2007 ISBN 978987118367-8 Disponible en la World Wide Web:
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/campus/marxispt/cap. 13.doc
MÉSZÁROS, István. O conceito de dialética em Lukács. São Paulo: Boitempo, 2013.
PRADO JUNIOR, Caio. Dialética do conhecimento. São Paulo: Brasiliense, 1980.
VIGOTSKI, Lev S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
VIGOTSKI, Lev S. Teoria e método em Psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
Download