AS DIFERENTES FORMAS DE CONHECIMENTO Existem outras formas de conhecimento que se distinguem da ciência e do senso comum e também apresentam diferenças entre si. Este texto apresenta algumas características do conhecimento filosófico, religioso e artístico. A filosofia Na Antigüidade a filosofia era representada por uma árvore que abrigava todos os conhecimentos. Hoje se considera o papel da filosofia de modo mais restrito: os diversos campos filosóficos fornecem a fundamentação teórica e a crítica das práticas e dos conhecimentos utilizados pela ciência, pela religião e pela arte. O conhecimento filosófico não se submete a verificação empírica - no sentido de experimento com variáveis controladas - às provas baseadas na observação experimental e sistemática dos fatos (como a ciência), mas exige o encadeamento lógico e fundamentação racional do que é pensado ou enunciado. Não tem por finalidade solucionar os problemas específicos da humanidade, mas apontá-los e mostrar o porquê desses problemas; pois busca alcançar uma visão global e crítica do saber humano. A filosofia é um instrumento poderoso que nos permite abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum; questionar as idéias dominantes e os poderes estabelecidos; buscar compreender a significação do mundo, da cultura e da história; conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política; enfim, permite criar os meios que atendam o nosso desejo de liberdade e felicidade. A filosofia diferencia-se das ciências e das artes, pois dirige a investigação sobre o mundo natural e o mundo histórico (ou humano), no momento em que perdemos nossas certezas e quando as ciências e as artes ainda não ofereceram outras explicações satisfatórias para substituir as que perdemos. Filosofia não é ciência: é uma reflexão crítica sobre os procedimentos e conceitos científicos. Não é religião: é uma reflexão crítica sobre as origens e formas das crenças religiosas. Não é arte: é uma interpretação crítica dos conteúdos, das formas, das significações das obras de arte e do trabalho artístico (CHAUI, 1995, p. 17). A religião Na maioria das culturas, a religião se apresenta como sistema explicativo geral, oferecendo causas e efeitos, relações entre seres, valores morais e também sustentação ao poder político. No caso da cultura ocidental, porém, a religião tornou-se apenas mais um sistema explicativo da realidade, entre outros. A ruptura com o mythos, efetuada pelo surgimento e desenvolvimento do logos, isto é, do pensamento racional, desfez o privilégio da religião como visão de mundo única. O discurso mítico presente em todas as religiões é uma organização da realidade a partir da experiência sensível. Possui três características principais: Função explicativa: o presente é explicado por alguma ação passada cujos efeitos permaneceram no tempo. Função organizativa: o mito organiza as relações sociais de modo a legitimar e garantir a permanência de um sistema complexo de permissões e proibições. Ex.: o mito de Édipo existe (com narrativas diferentes) em quase todas as sociedades e tem a função de garantir a proibição do incesto. Função compensatória: tem a função de resolver num plano simbólico e imaginário, as tensões, os conflitos e as contradições da realidade social que não podem ou não estão sendo resolvidas pela própria sociedade. A ruptura entre o discurso mítico e o pensamento racional provocou um acontecimento desconhecido em outras culturas: o conflito entre a fé e a razão. Para competir com a ciência e a filosofia a religião também precisou oferecer-se sob forma de provas racionais, teses, teorias. Tornou-se Teologia, ciência sobre Deus. Todavia, certas crenças que formam a base das religiões não podem ser transformadas em demonstrações racionais, são verdades da fé e, como tais, mistérios inquestionáveis, isto é, dogmas. As artes As artes originam-se do interior dos cultos religiosos e para servi-los. Foram necessários milhares de anos e profundas transformações histórico-sociais para surgirem como atividade cultural autônoma, dotadas de valor e significação próprias. As artes passaram a ser concebidas menos como criação genial misteriosa e mais como expressão criadora, isto é, como transfiguração do visível, do sonoro, do movimento, da linguagem, dos gestos em obras artísticas. O conhecimento artístico também surgiu vinculado a ciência e à técnica e ainda hoje é difícil delimitar as fronteiras entre arte e técnica. Em alguns casos estão combinadas de modo indissociável: é preciso uma película tecnicamente perfeita para a foto artística. Na nossa sociedade industrial podemos distinguir as obras de arte e os objetos técnicos pela finalidade. Nos objetos, os materiais e as formas estão subordinados à função que devem preencher (uma caneta deve ser adequada para escrever, uma cadeira para sentar, etc.). Da obra de arte, porém, não se espera nem se exige funcionalidade, havendo plena liberdade para lidar com formas e materiais. As artes, ao contrário da ciência, não pretendem imitar ou criar um modelo válido de representação da realidade, nem pretendem ter ilusões sobre a realidade, mas exprimir por meios artísticos a própria realidade. Neste aspecto cada trabalho de arte é único e autônomo. (Texto baseado no livro “Convite à Filosofia” de Marilena Chaui)